Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | ALBERTO SOBRINHO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO DANOS NÃO PATRIMONIAIS ABALROAÇÃO DANO MORTE DANOS FUTUROS PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO HERDEIROS LEGITIMÁRIOS CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO | ||
Nº do Documento: | SJ200610120025207 | ||
Data do Acordão: | 10/12/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA À RÉ; CONCEDIDA PARCIALMENTE AO AUTOR | ||
Sumário : | I - É adequada a indemnização, a título de perda do direito à vida, fixada em 50.000,00 €, considerando que o falecido tinha 40 anos (feitos no dia do acidente que o vitimou), gozava de boa saúde, era pessoa amante da vida, estimado pelos amigos, família e vizinhos e exercia a sua actividade profissional como agente da GNR. II - Afigura-se equitativa a indemnização de 20.000,00 € arbitrada às duas autoras destinada a reparar os danos não patrimoniais decorrentes da perda do marido e pai, respectivamente. III - Resultando dos factos provados que a mulher e filha do falecido eram extremamente amigas da vítima, estando a ela ligadas por fortes laços de afeição, amor e carinho e que, na data do acidente, ficaram em estado de choque e pânico e sofreram um enorme desgosto e abalo psicológico, forçoso é de concluir que não existe motivo para que a indemnização arbitrada em II seja diferenciada (como entenderam as instâncias, que a fixaram em 15.000,00 € para a mulher e 20.000,00 € para a filha), pois inexiste qualquer factor diferenciador de sentimentos que envolvessem cada uma das autoras e a vítima. IV - A circunstância de a autora mulher exercer uma actividade laboral e auferir a respectiva remuneração não a inibe de beneficiar da indemnização pelos danos decorrentes da perda de capacidade de ganho pela vítima (privação de alimentos a prestar pela vítima), o mesmo sucedendo com a autora filha, que não pode ver o seu direito próprio ser prejudicado pelo facto de a mãe estar a contribuir para o seu sustento. V - Considerando que a vítima auferia a remuneração mensal ilíquida de 1.180,90 €, tinha 40 anos de idade à data do sinistro, a sua mulher tinha 41 anos de idade e a filha 12, e que o falecido necessitava, para a satisfação das despesas pessoais, de cerca de um terço do salário, afigura-se ajustada a indemnização atribuída às autoras de 114.473,68 € para a mãe e 35.526,32 € para a filha, como ressarcimento pelos danos decorrentes da privação de alimentos a prestar pela vítima. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA, por si e na qualidade de legal representante de sua filha menor BB, intentou a presente acção de condenação, emergente de acidente de viação, com processo ordinário, contra COMPANHIA DE SEGUROS ………, S.A., pedindo que seja condenada a pagar-lhes a quantia de 482.578,60 €, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente estradal de que foi vítima o seu marido CC. Fundamenta, no essencial, esta sua pretensão na ocorrência de um embate entre o veículo … -…-…, conduzido pelo seu falecido marido, e o veículo …-…-…, conduzido por DD, que o tripulava em condições tais -que descreve- que lhe fazem imputar a culpa na ocorrência do evento danoso. Com base em todos os danos sofridos, encontra o montante peticionado. Responsável pela sua satisfação é a ré ……Portugal, para quem havia sido transferida a responsabilidade pelos danos causados com aquela viatura. Contestou a ré, aceitando a versão do acidente e, consequentemente, a culpa do seu segurado na ocorrência do mesmo, mas impugnando a natureza dos danos, quer por desconhecimento quer por os considerar excessivos. Saneado o processo e fixados os factos que se consideraram assentes e os controvertidos, teve lugar, por fim, a audiência de discussão e julgamento. Na sentença, subsequentemente proferida, foi a acção julgada parcialmente procedente e a ré condenada a pagar às autoras a quantia global de 255.378,96 €, acrescida de juros até integral pagamento. Inconformadas com o assim decidido, apelaram ré e autoras, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 9 de Fevereiro de 2006, mantido a sentença da 1ª instância. Recorrem de novo a ré e as autoras agora para este Supremo Tribunal de Justiça, defendendo aquela a redução da indemnização arbitrada e estas o seu aumento. Não foram apresentadas contra-alegações. *** Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir II. Âmbito do recurso A- De acordo com as conclusões, a rematar as respectivas alegações, o inconformismo das recorrentes radica no seguinte: ré seguradora 1- Na obtenção do valor para reparação do dano perda da vida do inditoso CC, as Instâncias tiveram em consideração, e usaram como medida, “a quantia sugerida pelo Senhor Provedor de Justiça em parecer que foi adoptado pelo Governo da República Portuguesa na reparação dos familiares das vitimas que faleceram na derrocada da ponte de Entre-osRios”; 2- Na perspectiva do parecer em causa, a reparação dos familiares das vítimas, engloba, para além do dano morte, os danos não patrimoniais próprios das vítimas; 3- Nos presentes autos, a Ré seguradora foi já condenada a pagar a importância de €10.000,00, a título de ressarcimento dos sofrimentos e padecimentos suportados pela vítima entre o momento do acidente e o seu decesso (condenação com a qual se conformou…); 4- Afigura-se, pois, que não existirão fundamentos para que a compensação devida às AA. exceda o valor de €40.000,00; 5- O raciocínio subjacente ao cálculo da indemnização devida por perda de rendimentos de trabalho assenta em pressupostos seguramente errados; 6- As Instâncias esqueceram-se de que também a Autora-mulher aufere rendimentos de trabalho e que a economia do lar girava com a conjugação de dois rendimentos, e não apenas com o contributo do inditoso CC; 7- A indemnização por perda de ganho da vítima é uma indemnização que apenas deve reverter em favor de quem poderia beneficiar desse ganho, ou seja, de quem teria necessidade do concurso desse ganho para sobreviver. Tal não é o caso da A.-mulher, já que ela tem os seus próprios rendimentos, mas tão só o da filha menor do casal; 8- Admitindo que a prestação alimentar concedida pelo pai a favor da filha menor seria de €2.000,00 anuais, o prejuízo desta será de €16.000,00, em 8 anos; 9- O recorrido Acórdão deveria ter condenado a Recorrente somente no pagamento de uma quantia equitativa, a titulo de perda de rendimentos de trabalho devida à menor e correspondente ao montante com o qual o inditoso Joaquim Peixoto contribuía para os seus alimentos, quantia que não deveria exceder €12.500,00; 10- Pelo exposto, no cômputo da indemnização, o Venerando Tribunal da Relação do Porto violou, entre outras, as disposições dos artigos 496.°, n.° 3, 495.°. n.° 3 e 566.º, n.° 2 do Código Civil (CC). autoras 1- Não concordam as recorrentes com a redução para 50.000,00 € do peticionado quanto ao direito à vida (75.000,00 €), por referência ao valor atribuído às vitimas da derrocada da ponte de Entre-os-Rios; 2- No acidente de Entre-os Rios trata-se de uma catástrofe relativamente natural e ainda estão por apurar os culpados. Quem tem o dever de indemnizar (o Estado) está com graves dificuldades económicas; 3- No caso dos autos houve grave culpa do condutor causador do acidente, que actuou com enorme negligência e imperícia, as circunstâncias da vítima, a sua ainda juventude, o futuro promissor e demais circunstâncias que resultaram provadas e finalmente a ré, companhia de seguros, é pessoa de privilegiada situação económica e financeira, com grande implantação no mercado, podendo responder cabalmente pela indemnização; 4- Também não concordam as recorrentes com a redução do montante pedido a título de danos morais para cada uma e muito menos com a diferenciação efectuada e das razões alegadas para tal. Defende-se que a relação matrimonial tem de ser naturalmente mais duradoura e próxima, nos termos atrás expostos, até pelos deveres de assistência, auxílio e cooperação mútuas. As pessoas de menor idade e no caso esquecem a dor e a perda com mais facilidade; 5- Quanto aos danos futuros mantêm todo o alegado de 41 a 55 da p. i., devendo considerar-se totalmente provado o quesito 9°, sendo que mantêm na totalidade o peticionado; 6- O princípio geral quanto à indemnização é o de que deve ser reconstituída a situação anterior à lesão, isto é, o da reposição das coisas no estado em que estariam, se não se tivesse produzido o dano (princípio da reposição natural); 7- O acórdão recorrido violou os artigos 562.°, 564.°,1 e 496.°, 3, todos do Cod. Civil. B- Face ao teor das conclusões formuladas as questões controvertidas a decidir reconduzem-se ao apuramento dos montantes indemnizatórios, concretamente do direito à vida, dos danos não patrimoniais das próprias autoras e dos danos futuros. III. Fundamentação A- Os factos Foram dados como provados no acórdão recorrido os seguintes factos: 1- No dia 01/04/2000, cerca das 15,45 horas, na Estrada Nacional nº 222, ao Km 147,769, na área da comarca de Tabuaço, ocorreu um acidente de viação entre o veículo de matrícula …-…-…, conduzido por DD e o veículo de matrícula …-…-…, conduzido por CC. 2- O DD conduzia a viatura automóvel ligeira de passageiros, com a matrícula …-…-…, pela referida estrada, no sentido Régua – Pinhão. 3- O NR circulava a mais de 80 Km/hora. 4- Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o CC conduzia a viatura de matrícula …-…-…, no sentido Pinhão – Régua. 5- O CC conduzia aquela viatura por sua conta e no seu único e exclusivo interesse. 6- Ao Km 147,769, na localidade de Fonte Canal, Adorigo, a EN 222 tem a largura de 6,20 m, com duas faixas de rodagem, com 3,10 m cada, e desenvolve-se em recta, embora um pouco atrás, atento o sentido Régua – Pinhão, apresente uma curva à direita. 7- O piso é asfaltado, encontrava-se limpo e seco e fazia bom tempo. 8- O condutor do NR, quando se encontrava a cerca de 100 m de distância da viatura OS, e após sair da (referida) curva à direita, perdeu o controlo do seu veículo, entrou em despiste e começou a ziguezaguear. 9- Acabando por, ao mencionado quilómetro, embater frontalmente na viatura conduzida por CC, no momento em que esta se encontrava parada e totalmente encostada aos “rails” de protecção existentes no lado direito, atento o sentido Pinhão – Régua. 10- O condutor do OS, apercebendo-se da forma de conduzir, do despiste e da velocidade a que vinha o NR, encostou o mais possível à direita, aos próprios “rails” de protecção, e parou. 11- O veículo NR veio a embater frontalmente no veículo OS. 12- O Joaquim Peixoto faleceu no dia 01/04/2000 (mesmo dia do acidente), pelas 18,30 horas. 13- A responsabilidade pelos danos emergentes da utilização do veículo …-…-… encontrava-se (à data do acidente) transferida para a Companhia de Seguros………, SA, hoje denominada Companhia de Seguros………, SA, através de contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice nº ……. 14- O falecido CC era casado com a autora AA (desde 10/12/1983 e sem convenção antenupcial, ou seja, sob o regime de comunhão de adquiridos – cfr. certidão do assento de casamento junta a fls. …) e pai da BB. 15- Em consequência do embate, o CC sofreu múltiplas lesões traumáticas toráxico-abdominais, que directa e necessariamente lhe causaram a morte. 16- O CC fez 40 anos de idade no dia 01/04/2000. 17- Gozava de boa saúde, não apresentando qualquer defeito físico, patologias ou traumatismos anteriores ao acidente. 18- Tinha um futuro promissor à sua frente, era alegre e bem disposto, gostava de viver e era estimado e querido de todos os seus familiares, amigos e vizinhos. 19- Na data do acidente, a autora e sua filha ficaram em estado de choque e pânico e sofreram um enorme desgosto e abalo psicológico. 20- A autora e sua filha eram extremamente amigas da vítima, estando a ela ligadas por fortes laços de afeição, amor e carinho. 21- Ao tempo do acidente, o CC era cabo da GNR e auferia a retribuição mensal ilíquida de € 1.180,90. 22- A autora despendeu a quantia de 305.500$00 (= € 1.523,83) com a preparação do funeral e transporte do corpo para a área da sua residência e a quantia de 99.422$00 (= € 495,91) com o funeral. 23- A autora AA era um ano mais velha que o seu marido, o falecido CC. 24- A autora CC nasceu a 19/03/1988 (cfr. certidão do assento de nascimento junta a fls. …). 25- A Caixa Geral de Aposentações está a pagar a cada uma das autoras uma pensão de sobrevivência que em 2003 era de € 189,73 mensais, tendo já pago, desde 01/04/2000, as seguintes importâncias a cada uma delas: . € 2.039,60, entre 01/04/2000 e 31/12/2000; . € 2.656,22, entre 01/01/2001 e 31/12/2001; . € 2.656,22, entre 01/01/2002 e 31/12/2002; . e € 2.087,03, entre 01/01/2003 e 31/10/2003. 26- A autora AA, pelo exercício da sua actividade profissional – que exercia à data do óbito de CC -, auferiu, em 2000, a retribuição anual ilíquida de 1.107.900$00 (= € 5.526,18) e, em 2001, auferiu a retribuição mensal ilíquida de 120.330$00..
Em conformidade com o estatuído nos arts. 729º, nº 2 e 722º, nº 2, C.Pr.Civil, poderá, todavia, o Supremo pronunciar-se sobre os factos provados se existir erro das instâncias na apreciação das provas, erro esse traduzido na violação das normas que fixam o seu valor. E essa ofensa verifica-se, como se refere no ac. S.T.J., de 2005/04/02 (1) , quando as instâncias atribuíram ao meio de prova um valor que ele não comporta ou deixaram de lhe conceder o seu valor legal. Nenhuma dessas situações ocorre no caso vertente. Aliás, as recorrentes limitam-se a concluir que se deve dar como integralmente provado aquele ponto da base instrutória sem invocarem os fundamentos por que pedem a alteração da resposta a este ponto controvertido. |