Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06B2520
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALBERTO SOBRINHO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
ABALROAÇÃO
DANO MORTE
DANOS FUTUROS
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
HERDEIROS LEGITIMÁRIOS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ200610120025207
Data do Acordão: 10/12/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA À RÉ; CONCEDIDA PARCIALMENTE AO AUTOR
Sumário :
I - É adequada a indemnização, a título de perda do direito à vida, fixada em 50.000,00 €, considerando que o falecido tinha 40 anos (feitos no dia do acidente que o vitimou), gozava de boa saúde, era pessoa amante da vida, estimado pelos amigos, família e vizinhos e exercia a sua actividade profissional como agente da GNR.
II - Afigura-se equitativa a indemnização de 20.000,00 € arbitrada às duas autoras destinada a reparar os danos não patrimoniais decorrentes da perda do marido e pai, respectivamente.
III - Resultando dos factos provados que a mulher e filha do falecido eram extremamente amigas da vítima, estando a ela ligadas por fortes laços de afeição, amor e carinho e que, na data do acidente, ficaram em estado de choque e pânico e sofreram um enorme desgosto e abalo psicológico, forçoso é de concluir que não existe motivo para que a indemnização arbitrada em II seja diferenciada (como entenderam as instâncias, que a fixaram em 15.000,00 € para a mulher e 20.000,00 € para a filha), pois inexiste qualquer factor diferenciador de sentimentos que envolvessem cada uma das autoras e a vítima.
IV - A circunstância de a autora mulher exercer uma actividade laboral e auferir a respectiva remuneração não a inibe de beneficiar da indemnização pelos danos decorrentes da perda de capacidade de ganho pela vítima (privação de alimentos a prestar pela vítima), o mesmo sucedendo com a autora filha, que não pode ver o seu direito próprio ser prejudicado pelo facto de a mãe estar a contribuir para o seu sustento.
V - Considerando que a vítima auferia a remuneração mensal ilíquida de 1.180,90 €, tinha 40 anos de idade à data do sinistro, a sua mulher tinha 41 anos de idade e a filha 12, e que o falecido necessitava, para a satisfação das despesas pessoais, de cerca de um terço do salário, afigura-se ajustada a indemnização atribuída às autoras de 114.473,68 € para a mãe e 35.526,32 € para a filha, como ressarcimento pelos danos decorrentes da privação de alimentos a prestar pela vítima.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

AA, por si e na qualidade de legal representante de sua filha menor BB,

intentou a presente acção de condenação, emergente de acidente de viação, com processo ordinário,

contra

COMPANHIA DE SEGUROS ………, S.A.,

pedindo que seja condenada a pagar-lhes a quantia de 482.578,60 €, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente estradal de que foi vítima o seu marido CC.

Fundamenta, no essencial, esta sua pretensão na ocorrência de um embate entre o veículo … -…-…, conduzido pelo seu falecido marido, e o veículo …-…-…, conduzido por DD, que o tripulava em condições tais -que descreve- que lhe fazem imputar a culpa na ocorrência do evento danoso.
Com base em todos os danos sofridos, encontra o montante peticionado.
Responsável pela sua satisfação é a ré ……Portugal, para quem havia sido transferida a responsabilidade pelos danos causados com aquela viatura.

Contestou a ré, aceitando a versão do acidente e, consequentemente, a culpa do seu segurado na ocorrência do mesmo, mas impugnando a natureza dos danos, quer por desconhecimento quer por os considerar excessivos.
Saneado o processo e fixados os factos que se consideraram assentes e os controvertidos, teve lugar, por fim, a audiência de discussão e julgamento.
Na sentença, subsequentemente proferida, foi a acção julgada parcialmente procedente e a ré condenada a pagar às autoras a quantia global de 255.378,96 €, acrescida de juros até integral pagamento.

Inconformadas com o assim decidido, apelaram ré e autoras, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 9 de Fevereiro de 2006, mantido a sentença da 1ª instância.

Recorrem de novo a ré e as autoras agora para este Supremo Tribunal de Justiça, defendendo aquela a redução da indemnização arbitrada e estas o seu aumento.

Não foram apresentadas contra-alegações.
***

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir

II. Âmbito do recurso

A- De acordo com as conclusões, a rematar as respectivas alegações, o inconformismo das recorrentes radica no seguinte:

ré seguradora

1- Na obtenção do valor para reparação do dano perda da vida do inditoso CC, as Instâncias tiveram em consideração, e usaram como medida, “a quantia sugerida pelo Senhor Provedor de Justiça em parecer que foi adoptado pelo Governo da República Portuguesa na reparação dos familiares das vitimas que faleceram na derrocada da ponte de Entre-osRios”;

2- Na perspectiva do parecer em causa, a reparação dos familiares das vítimas, engloba, para além do dano morte, os danos não patrimoniais próprios das vítimas;

3- Nos presentes autos, a Ré seguradora foi já condenada a pagar a importância de €10.000,00, a título de ressarcimento dos sofrimentos e padecimentos suportados pela vítima entre o momento do acidente e o seu decesso (condenação com a qual se conformou…);

4- Afigura-se, pois, que não existirão fundamentos para que a compensação devida às AA. exceda o valor de €40.000,00;

5- O raciocínio subjacente ao cálculo da indemnização devida por perda de rendimentos de trabalho assenta em pressupostos seguramente errados;

6- As Instâncias esqueceram-se de que também a Autora-mulher aufere rendimentos de trabalho e que a economia do lar girava com a conjugação de dois rendimentos, e não apenas com o contributo do inditoso CC;

7- A indemnização por perda de ganho da vítima é uma indemnização que apenas deve reverter em favor de quem poderia beneficiar desse ganho, ou seja, de quem teria necessidade do concurso desse ganho para sobreviver. Tal não é o caso da A.-mulher, já que ela tem os seus próprios rendimentos, mas tão só o da filha menor do casal;

8- Admitindo que a prestação alimentar concedida pelo pai a favor da filha menor seria de €2.000,00 anuais, o prejuízo desta será de €16.000,00, em 8 anos;

9- O recorrido Acórdão deveria ter condenado a Recorrente somente no pagamento de uma quantia equitativa, a titulo de perda de rendimentos de trabalho devida à menor e correspondente ao montante com o qual o inditoso Joaquim Peixoto contribuía para os seus alimentos, quantia que não deveria exceder €12.500,00;

10- Pelo exposto, no cômputo da indemnização, o Venerando Tribunal da Relação do Porto violou, entre outras, as disposições dos artigos 496.°, n.° 3, 495.°. n.° 3 e 566.º, n.° 2 do Código Civil (CC).

autoras

1- Não concordam as recorrentes com a redução para 50.000,00 € do peticionado quanto ao direito à vida (75.000,00 €), por referência ao valor atribuído às vitimas da derrocada da ponte de Entre-os-Rios;

2- No acidente de Entre-os Rios trata-se de uma catástrofe relativamente natural e ainda estão por apurar os culpados. Quem tem o dever de indemnizar (o Estado) está com graves dificuldades económicas;

3- No caso dos autos houve grave culpa do condutor causador do acidente, que actuou com enorme negligência e imperícia, as circunstâncias da vítima, a sua ainda juventude, o futuro promissor e demais circunstâncias que resultaram provadas e finalmente a ré, companhia de seguros, é pessoa de privilegiada situação económica e financeira, com grande implantação no mercado, podendo responder cabalmente pela indemnização;

4- Também não concordam as recorrentes com a redução do montante pedido a título de danos morais para cada uma e muito menos com a diferenciação efectuada e das razões alegadas para tal. Defende-se que a relação matrimonial tem de ser naturalmente mais duradoura e próxima, nos termos atrás expostos, até pelos deveres de assistência, auxílio e cooperação mútuas. As pessoas de menor idade e no caso esquecem a dor e a perda com mais facilidade;

5- Quanto aos danos futuros mantêm todo o alegado de 41 a 55 da p. i., devendo considerar-se totalmente provado o quesito 9°, sendo que mantêm na totalidade o peticionado;

6- O princípio geral quanto à indemnização é o de que deve ser reconstituída a situação anterior à lesão, isto é, o da reposição das coisas no estado em que estariam, se não se tivesse produzido o dano (princípio da reposição natural);

7- O acórdão recorrido violou os artigos 562.°, 564.°,1 e 496.°, 3, todos do Cod. Civil.

B- Face ao teor das conclusões formuladas as questões controvertidas a decidir reconduzem-se ao apuramento dos montantes indemnizatórios, concretamente do direito à vida, dos danos não patrimoniais das próprias autoras e dos danos futuros.


III. Fundamentação


A- Os factos

Foram dados como provados no acórdão recorrido os seguintes factos:

1- No dia 01/04/2000, cerca das 15,45 horas, na Estrada Nacional nº 222, ao Km 147,769, na área da comarca de Tabuaço, ocorreu um acidente de viação entre o veículo de matrícula …-…-…, conduzido por DD e o veículo de matrícula …-…-…, conduzido por CC.

2- O DD conduzia a viatura automóvel ligeira de passageiros, com a matrícula …-…-…, pela referida estrada, no sentido Régua – Pinhão.

3- O NR circulava a mais de 80 Km/hora.

4- Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o CC conduzia a viatura de matrícula …-…-…, no sentido Pinhão – Régua.

5- O CC conduzia aquela viatura por sua conta e no seu único e exclusivo interesse.

6- Ao Km 147,769, na localidade de Fonte Canal, Adorigo, a EN 222 tem a largura de 6,20 m, com duas faixas de rodagem, com 3,10 m cada, e desenvolve-se em recta, embora um pouco atrás, atento o sentido Régua – Pinhão, apresente uma curva à direita.

7- O piso é asfaltado, encontrava-se limpo e seco e fazia bom tempo.

8- O condutor do NR, quando se encontrava a cerca de 100 m de distância da viatura OS, e após sair da (referida) curva à direita, perdeu o controlo do seu veículo, entrou em despiste e começou a ziguezaguear.

9- Acabando por, ao mencionado quilómetro, embater frontalmente na viatura conduzida por CC, no momento em que esta se encontrava parada e totalmente encostada aos “rails” de protecção existentes no lado direito, atento o sentido Pinhão – Régua.

10- O condutor do OS, apercebendo-se da forma de conduzir, do despiste e da velocidade a que vinha o NR, encostou o mais possível à direita, aos próprios “rails” de protecção, e parou.

11- O veículo NR veio a embater frontalmente no veículo OS.

12- O Joaquim Peixoto faleceu no dia 01/04/2000 (mesmo dia do acidente), pelas 18,30 horas.

13- A responsabilidade pelos danos emergentes da utilização do veículo …-…-… encontrava-se (à data do acidente) transferida para a Companhia de Seguros………, SA, hoje denominada Companhia de Seguros………, SA, através de contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice nº …….

14- O falecido CC era casado com a autora AA (desde 10/12/1983 e sem convenção antenupcial, ou seja, sob o regime de comunhão de adquiridos – cfr. certidão do assento de casamento junta a fls. …) e pai da BB.

15- Em consequência do embate, o CC sofreu múltiplas lesões traumáticas toráxico-abdominais, que directa e necessariamente lhe causaram a morte.

16- O CC fez 40 anos de idade no dia 01/04/2000.

17- Gozava de boa saúde, não apresentando qualquer defeito físico, patologias ou traumatismos anteriores ao acidente.

18- Tinha um futuro promissor à sua frente, era alegre e bem disposto, gostava de viver e era estimado e querido de todos os seus familiares, amigos e vizinhos.

19- Na data do acidente, a autora e sua filha ficaram em estado de choque e pânico e sofreram um enorme desgosto e abalo psicológico.

20- A autora e sua filha eram extremamente amigas da vítima, estando a ela ligadas por fortes laços de afeição, amor e carinho.

21- Ao tempo do acidente, o CC era cabo da GNR e auferia a retribuição mensal ilíquida de € 1.180,90.

22- A autora despendeu a quantia de 305.500$00 (= € 1.523,83) com a preparação do funeral e transporte do corpo para a área da sua residência e a quantia de 99.422$00 (= € 495,91) com o funeral.

23- A autora AA era um ano mais velha que o seu marido, o falecido CC.

24- A autora CC nasceu a 19/03/1988 (cfr. certidão do assento de nascimento junta a fls. …).

25- A Caixa Geral de Aposentações está a pagar a cada uma das autoras uma pensão de sobrevivência que em 2003 era de € 189,73 mensais, tendo já pago, desde 01/04/2000, as seguintes importâncias a cada uma delas:

. € 2.039,60, entre 01/04/2000 e 31/12/2000;

. € 2.656,22, entre 01/01/2001 e 31/12/2001;

. € 2.656,22, entre 01/01/2002 e 31/12/2002;

. e € 2.087,03, entre 01/01/2003 e 31/10/2003.

26- A autora AA, pelo exercício da sua actividade profissional – que exercia à data do óbito de CC -, auferiu, em 2000, a retribuição anual ilíquida de 1.107.900$00 (= € 5.526,18) e, em 2001, auferiu a retribuição mensal ilíquida de 120.330$00..


B- O direito

Porque as questões colocadas pelos recorrentes se reconduzem à quantificação de alguns dos danos decorrentes do acidente, a sua apreciação depende da interpretação dos mesmos factos e da aplicação das mesmas normas, pelo que tais questões serão tratadas simultaneamente.

Tal como o fizeram no recurso interposto para a Relação, continuam as autoras a defender que se deve considerar totalmente provado o ponto nº 9 da base instrutória.
Convém lembrar que, ao Supremo Tribunal de Justiça, como Tribunal de revista que é, só cumpre, em princípio, apreciar matéria de direito e não julgar matéria de facto.

Em conformidade com o estatuído nos arts. 729º, nº 2 e 722º, nº 2, C.Pr.Civil, poderá, todavia, o Supremo pronunciar-se sobre os factos provados se existir erro das instâncias na apreciação das provas, erro esse traduzido na violação das normas que fixam o seu valor. E essa ofensa verifica-se, como se refere no ac. S.T.J., de 2005/04/02 (1) , quando as instâncias atribuíram ao meio de prova um valor que ele não comporta ou deixaram de lhe conceder o seu valor legal.

Nenhuma dessas situações ocorre no caso vertente. Aliás, as recorrentes limitam-se a concluir que se deve dar como integralmente provado aquele ponto da base instrutória sem invocarem os fundamentos por que pedem a alteração da resposta a este ponto controvertido.
Não há, pois, razão para alterar a matéria de facto no sentido pretendido pelas recorrentes.

Não vem questionada a culpa na eclosão do acidente, aceitando as partes pacificamente que este se deu por culpa exclusiva da actuação do condutor do veículo …-…-…. E efectivamente a factualidade provada a outra conclusão não poderia levar.
Daí que a ré, seguradora do veiculo NR, seja a responsável pelo ressarcimento dos danos daqui decorrentes para as autoras.

1. montantes indemnizatórios

1.1- danos não patrimoniais

O n.° 3 do artigo 496.° C.Civil manda fixar o montante da indemnização por danos não patrimoniais de forma equitativa, ponderadas as circunstâncias mencionadas no art. 494º do mesmo diploma.
A sua apreciação deve ter em consideração a extensão e gravidade dos prejuízos, bem como o grau de culpabilidade do responsável, sua situação económica e do lesado e demais circunstâncias do caso.
Este tipo de indemnização será fixado segundo o prudente arbítrio do julgador, temperado com os critérios objectivos a que se alude no art. 494º.
Como escreveu Vaz Serra (2), a satisfação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto não ser um equivalente do dano, tratando-se antes de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação que não é susceptível de equivalente. É, assim, razoável que no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselha sejam tomadas em consideração e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante.
E será ainda de atender aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, segundo A. Varela (3).
Com a indemnização por danos não patrimoniais tem-se em vista compensar de alguma forma o lesado, proporcionando-lhe os meios económicos que constituam de certo modo um lenitivo para os desgostos e as inibições que sofrera e que continuará a ter.
Mas essa efectiva compensação só será alcançada se a indemnização for significativa e não meramente simbólica. Aliás, como esclarecidamente se refere no douto acórdão do S.T.J., de 94/09/11 (4) in C.J. II-3º,89 (acs. S.T.J.) as empresas seguradoras sabem que os aumentos contínuos dos prémios de seguros se destinam, não a aumentar os seus ganhos, mas a contribuir para a possibilidade de adequadas indemnizações. Esses prémios de seguro respeitam, naturalmente, aos montantes indemnizatórios que devam ser assegurados.

1.01- indemnização pelo direito à vida

Ainda que o bem da vida, por força do princípio da igualdade dominante no campo dos direitos fundamentais, possa em abstracto ser valorado uniformememte, existem factores concretos que devem determinar o estabelecimento de diferentes compensações pecuniárias, desde logo atendendo aos juízos de equidade que devem presidir à sua fixação.
Como afirma Dario Martins de Almeida in Manual de Acidentes de Viação, 2ª ed., pág. 73/74 quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. …A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto.
Os factores envolventes que, segundo a solução mais justa, deverão ser tomados em consideração serão, desde logo, a idade da vítima, seu estado físico, sua profissão, integração na família, relacionamento social e desempenho da actividade profissional cfr., neste sentido, ac. S.T.J., de 2004/12/16, no processo nº 1877/04 (relator Cons. Salvador da Costa).

O acórdão recorrido, confirmando, aliás, o decidido na 1ª instância, fixou a indemnização, a título de perda do direito à vida, em 50.000,00 €, enquanto a ré entende que o seu valor deve ser reduzido para 40.000,00 € e as autoras defendem o seu aumento para 75.000,00 €.
O falecido tinha 40 anos (feitos no dia do acidente), gozava de boa saúde, era pessoa amante da vida, estimado pela família, amigos e vizinhos, exercendo a sua actividade como agente da GNR, com o posto de cabo.
Tinha, pois, pela frente, previsivelmente, uma vida longa, desempenhava uma profissão estável, estava bem integrado familiar e socialmente e tudo lhe foi abruptamente retirado, num acidente em que se destaca a culpa efectiva e exclusiva do condutor da outra viatura.
Por outro lado, em condições semelhantes este Supremo Tribunal tem fixado a indemnização de 50.000,00 €, pela perda do direito à vida cfr., entre outros, acs. S.T.J., de 2002/01/25, in C.J.,X-1º,62(acs.STJ); 2002/12/05, processo nº 02B1618; e de 2005/05/05, processo nº 05B521, in www.dgsi.pt .
Tendo em conta todos os parâmetros acabados de referir e a situação factual descrita, entendemos que a indemnização fixada pelas instâncias não é merecedora de qualquer censura.

1.02- indemnização pelos danos não patrimoniais próprios das autoras

Pelos danos próprios sofridos com a morte da vítima, reclamaram as autoras a indemnização de 25.000,00 € para cada uma, quantia que, na 1ª instância, foi fixada em 15.000,00 € para a esposa e 20.000,00 € para a filha, montantes estes confirmados pela Relação.
Questionam as autoras, em primeiro lugar, a diferenciação das indemnizações arbitradas e, depois, o seu montante, defendendo a atribuição da indemnização de 25.000,00 € para cada uma delas.

Na situação vertente e no que a esta situação se reporta, temos que a esposa do falecido e sua filha eram extremamente amigas da vítima, estando a ela ligadas por fortes laços de afeição, amor e carinho e que, na data do acidente, ficaram em estado de choque e pânico e sofreram um enorme desgosto e abalo psicológico.
Desta realidade factual emerge que existia uma forte ligação sentimental entre o falecido e sua mulher e filha, sendo forte e recíproca a afeição que mutuamente nutriam. E que para as autoras foi muito sentida a morte e intensa a dor com a perda deste ente querido.

Ainda que não exista óbice legal a que este tipo de danos seja quantificado diferentemente, o certo é que na ajuizada situação a ligação da mãe e da filha com a vítima era igualmente muito forte, assim como muito intensa foi a dor por ambas sofrida com esta morte. E ambas ficaram imensamente abaladas com a perda do marido e pai.
Não obstante a intensidade das ligações afectivas não ser fisicamente quantificável, do mesmo passo que a desgosto causado pela perda de um ente querido, a verdade é que não se vislumbra, no caso concreto, qualquer factor diferenciador de sentimentos que envolvessem cada uma das autoras e a vítima. Nem nada nos permite concluir, como se fez na sentença da 1ª instância e no acórdão da Relação, que esse sentimento é mais duradouro e imutável numa das autoras do que na outra.
Por isso, não se justifica a diferenciação de valor com que se compensou este dano.

Assim sendo e tendo em conta todas as considerações de ordem jurídica supra expostas, bem como os factos apurados, entende-se ser equilibrada a quantia de 20.000,00 € atribuída à filha da vítima pelos danos sofridos com a morte de seu pai.
De igual modo se fixa no mesmo montante a indemnização devida à esposa da vítima.

1.2- danos futuros

No acórdão recorrido, confirmando o decidido na 1ª instância, foi atribuída às autoras a quantia de 114.473,68 € para a mãe e 35.526,32 € para a filha, como ressarcimento pelos danos decorrentes da privação de alimentos a prestar pela vítima.
Defende, porém, a ré/recorrente que a autora/mulher não tem direito a esta indemnização, porquanto, auferindo um rendimento de trabalho próprio, não necessitava do ganho do marido para sobreviver. Por outro lado, também a mãe contribuía para os alimentos da filha, pelo que a morte do pai só parcialmente a privou de alimentos.
Assim, só à filha deve ser atribuída indemnização por estes danos e em montante não superior a 12.500,00 €.
Por sua vez as autoras pretendem que o valor desta indemnização seja fixado nos montantes peticionados, ou seja, em 345.558,60 €.

Resulta do nº 3 do art. 495º C.Civil que, no caso de lesão de que proveio a morte, o agente é obrigado a indemnizar o dano patrimonial sofrido pelas pessoas com direito a exigir alimentos ao lesado ou por aquelas a quem ele os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.
Quem puder legalmente exigir alimentos ao lesado, tem direito a indemnização a prestar pelo lesante decorrente do prejuízo que para ele advém da falta daquele.
E para ser exercitado este direito não é necessário estar-se já a receber alimentos, basta demonstrar que se estava em condições de, legalmente, os poder vir a exigir.
Como afirma o Prof. Antunes Varela (3), se a necessidade de alimentos, embora futura, for previsível (porque cessa, por ex., a pensão a que a pessoa tinha direito), nenhuma razão há para que o tribunal não aplique a doutrina geral do n.° 2 do artigo 564.° Mas ainda que a necessidade futura não seja previsível, nenhuma razão há para isentar o lesante da obrigação de indemnizar a pessoa carecida de alimentos do prejuízo que para ela advém da falta da pessoa lesada, contanto que não haja prescrição nos termos gerais da parte final do n.° l do artigo 498.°.
As autoras, esposa e filha da vítima, tinham direito a exigir alimentos do falecido, logo estão em condições de beneficiar da indemnização pelos danos decorrentes da perda de capacidade de ganho da vítima.
O facto da autora exercer uma actividade laboral e auferir a respectiva remuneração não a inibe de poder beneficiar daquela indemnização. É que o direito a exigir alimentos foi afectado irremediavelmente pelo lesante, redundando num prejuízo para o titular na medida em que a indemnização por este dano é atribuída por direito próprio a quem pode exigir alimentos do lesado. Como se afirma no ac. S.T.J., de 2003/07/08 (4) o que agora aqui está em causa é, precisamente, um pedido de réditos futuros pela privação da respectiva fonte.
O mesmo se diga em relação à filha, que se viu igualmente privada desta fonte de réditos futuros, pelo que esse direito de indemnização é um direito próprio, nele não interferindo o facto da mãe estar a contribuir para o seu sustento.

Para determinação do valor deste dano, cujo valor exacto não pode ser apurado, é essencial o recurso à equidade, ainda que constituindo instrumentos úteis, de mera orientação geral, o uso de tabelas financeiras em vista do cálculo do capital necessário à formação de uma renda periódica de modo a que o capital se extinguiria no fim da vida activa do lesado ou do período em que beneficiaria dos proventos do falecido.
Tendo-se em conta, no caso presente, que a vítima auferia a retribuição mensal ilíquida de 1.180,90 €, que tinha 40 anos de idade e que sua esposa tinha 41 anos e a filha 12 e o facto da vítima necessitar, como bem se considerou na sentença da 1ª instância, para satisfação das despesas pessoais, de cerca de um terço do salário, afigura-se ajustada a indemnização que a este título foi arbitrada às autoras.

A pretensão das autoras em verem aumentada essa indemnização careceria também logo de fundamento na medida em que suportam esse aumento numa realidade factual que não ficou provada, concretamente numa remuneração mensal superior à que ficou assente.

IV. Decisão

Perante tudo quanto exposto fica, acorda-se nos seguintes termos:
a- negar a revista da ré ….Portugal;
b- conceder, em parte, a revista das autoras e fixar a indemnização pelos danos próprios sofridos pela autora AA, com a morte de seu marido, em 20.000,00 €, revogando-se o acórdão nesse segmento;
c- manter, quanto ao mais, o acórdão recorrido;
d- condenar nas custas os recorrentes, na proporção do respectivo decaimento.

Lisboa, 12 Outubro de 2006

Alberto Sobrinho (Relator)
Oliveira Barros
Salvador da Costa

_________________________
1- in C.J.,XIII-2º,27(acs. S.T.J.)
2- in R.L.J., Ano 113º, pág. 104
3- Das Obrigações em Geral, 10ª edição, pág. 607.
4- in C.J.,XI-2º,144(acs.STJ)
5- in C.J. II-3º,89 (acs. S.T.J.)