Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8074/16.6T8CBR-D.C1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA
PRAZO
SUSPENSÃO
QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
CULPA
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 10/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR – DECLARAÇÃO DA SITUAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / INCIDENTES DE QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA.
Doutrina:
- Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2016, 2.ª Edição, p. 422-423;
- Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, Coimbra, 2013, p. 512;
- Catarina Serra, Revitalização, A designação e o misterioso objecto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência, situação e processo, e com o ..., in: Catarina Serra , coordenação , I Congresso de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2013, p. 93-94 ; Lições de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2018, p. 156 e ss. e 299 e ss. ; Decoctor ergo fraudator?, A insolvência culposa, esclarecimentos sobre um conceito a propósito de umas presunções, Anotação ao Acórdão do TRP de 07-01-2008, Processo n.º. 4886/07, p. 66 e ss.;
- Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, 2017, 7.ª Edição, p. 283;
- Manuel Carneiro da Frada, A responsabilidade dos administradores na insolvência, Revista da Ordem dos Advogados, 2006, Volume 66, p. 692;
- Nuno Manuel Pinto Oliveira, Responsabilidade civil dos administradores por violação do dever de apresentação à insolvência, Coimbra Editora, 2015, p. 204, 207 e 533 e ss.;
- Ribeiro de Faria, Da prova na responsabilidade civil médica, Reflexões em torno do Direito alemão, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2004, p. 115 e ss.;
- Sinde Monteiro, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, Almedina, Coimbra, 1990, p . 296-297.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 18.º, N.º 1 E 186.º, N.º 3, ALÍNEA A);
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP):- ARTIGOS 30.º, N.º 4, 47.º, 58.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA B), 61.º, 62.º; 165.º, N.ºS 1, ALÍNEA B) E 2 E 198.º, N.º 1, ALÍNEA B).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 06-10-2011, PROCESSO N.º 46/07.8TBSVC-0.L1.S;
-DE 10-10-2017, PROCESSO N.º 1855/13.4TBVRL-A.G1.S2.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

-DE 14-12-2010, PROCESSO N.º 46/07.8TBSVC-O.L1-7,

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

-DE 12-07-2017, PROCESSO N.º 370/14.3TJCBR-A.C1;
-DE 12-07-2017, PROCESSO N.º 60/16.2T8PNH-B.C1;

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

-DE 17-11-2008, PROCESSO N.º 0855650;
-DE 05-02-2009, PROCESSO N.º 0837835;
-DE 07-12-2016, PROCESSO N.º 262/15.9T8AMT-D.P1.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

-DE 07-01-2016, PROCESSO N.º 583/13.5TBABT-B.E1, IN WWW.DGSI.PT.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

-DE 11-05-2017, PROCESSO N.º 1775/15.8T8VNF-A.G1;
-DE 14-09-2017, PROCESSO N.º 7165/15.5T8VNF-A.G1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-DE 13-11-2007, ACÓRDÃO N.º 564/2007;
-ACÓRDÃO N.º 230/07;

Sumário :
I. O recurso ao PER não suspende (justificadamente) o prazo para a apresentação à insolvência previsto no artigo 18.º, n.º 1, do CIRE.

II. Por força do disposto no artigo 186.º, n.º 3, al. a), do CIRE, o incumprimento do dever de apresentação à insolvência dá origem a uma presunção (relativa ou juris tantum) de insolvência culposa, que abrange a culpa grave bem como o nexo de causalidade.

III. Relativamente ao disposto no n.º 3 do artigo 186.º do CIRE não procede a alegação de inconstitucionalidade orgânica por violação dos artigos 165.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, e 198.º, n.º 1, al. b), da CRP nem de inconstitucionalidade material por violação dos artigos 30.º, n.º 4, 47.º, 58.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), 61.º, 62.º da CRP.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO

Recorrentes: AA Lda. e BB

Recorridos: CC e DD

*

CC e DD requereram a qualificação da insolvência como culposa de AA Lda.

O incidente de qualificação de insolvência foi declarado aberto.

Tanto o administrador da insolvência como o Ministério Público se pronunciaram no sentido da qualificação da insolvência como fortuita.

Apesar disso, o Tribunal mandou notificar a sociedade devedora e o gerente da mesma, BB, para se oporem, querendo, à qualificação da insolvência como culposa.

A sociedade devedora e o gerente opuseram-se.

O incidente de qualificação da insolvência prosseguiu os seus termos e, após a audiência final, foi proferida sentença em que se decidiu:

- qualificar a insolvência como culposa;

- declarar BB inibido, pelo período de dois anos, para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; e

- condenar BB a pagar aos credores da insolvente indemnização correspondente ao valor dos créditos não satisfeitos até às forças do seu património.

Inconformados, BB e AA apelaram para o Tribunal da Relação de Coimbra.

O Tribunal da Relação de Coimbra confirmou, por Acórdão proferido em 20.03.2018, a decisão recorrida.

Continuando inconformados, BB e AA interpuseram recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça. Fundamentaram o seu pedido no facto de o objecto do recurso ser a interpretação da alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE e:

- estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito, sendo aplicável o disposto no artigo 672.º, n.º 1, al. a), do CPC;

- estarem em causa interesses de particular relevância social, sendo aplicável o disposto no artigo 672.º, n.º 1, al. b), do CPC; e

- existir contradição entre o Acórdão recorrido e outros Acórdãos já transitados em julgado, designadamente os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10.02.2011 (Proc. 1283107.0TJPRT-AG.P1) e 13.09.2007 (Proc. 0731516) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12.07.2011 (Proc. 503/10.9TBPTL-H.G1), sendo aplicável o disposto no artigo 672.º, n.º 1, al. c), do CPC.

A Formação, que é quem, de acordo com o artigo 672.º, n.º 3, do CPC, tem a seu cargo a apreciação liminar sumária dos pressupostos da revista excepcional, pronunciou-se, por Acórdão de 28.06.2018, em sentido favorável à admissão do recurso, “pela relevância jurídica da questão em debate, tornando inútil a apreciação dos outros fundamentos de tal revista”.

*

Como é sabido, para lá das questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes.

Em tais conclusões, os recorrentes alegam, essencialmente, que:

1.º) não se verifica violação do dever de apresentação à insolvência, uma vez que a recorrida se encontrava em PER e, portanto, estava suspenso o prazo legalmente previsto para aquela apresentação;

2.º) ao abrigo do artigo 186.º, n.º 3, al. a), do CIRE, a violação do dever de apresentação à insolvência desencadeia apenas uma presunção de culpa grave e não também do nexo de causalidade, pelo que é aos interessados na qualificação da insolvência como culposa que cabe provar este último; e

3.º) as normas dos n.ºs 2 e 3 do artigo 186.º do CIRE padecem de inconstitucionalidade, tanto orgânica como material.

A questão que os recorrentes identificam expressamente como sendo o objecto do presente recurso (cfr. ponto F. das conclusões) é a de saber como deve ser interpretado o disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE, ou, mais precisamente, de saber se nesta norma se consagra uma presunção (relativa ou juris tantum) de insolvência culposa ou somente uma presunção (relativa ou juris tantum) de culpa grave.

Neste caso em particular (de revista excepcional), a questão vem, aliás, igualmente (muito bem) enunciada no Acórdão da Formação que admitiu a revista excepcional.

Assim sendo, e sem prejuízo do sentido do dever de pronúncia sobre as outras alegações dos recorrentes, expostas tanto nas alegações propriamente ditas como nas conclusões, é esta a questão central do presente recurso.

                                                           *

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

Vêm provados os seguintes factos:


1. Encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ..., como o NIPC …, a sociedade AA -…, Lda., cujo objecto social consiste em atividades de comércio, importação, exportação e representação de mercadorias em plástico e outras fibras, bem como de materiais e mercadorias em geral para a construção civil.
2. O capital social da AA ascende a € 200.000,00, representado por duas quotas, no valor de € 1 00.000,00 cada uma, pertencentes ao único sócio BB.
3. AA obriga-se com a assinatura de um gerente.
4. BB desempenha funções de gerente da AA desde 2013.
5. AA registou os seguintes valores de passivos: 2012: €398.602,75; 2013: €519.493,92; 2014: €731.449,22.
6. AA tem dívidas à Segurança Social desde, pelo menos, agosto de 2014.
7. AA tem dívidas à Fazenda Nacional desde Dezembro de 2014.
8. Em 26 de Julho de 2001 celebrou contrato de locação financeira com o Banco ..., S.A., pelo período de 15 anos, para compra de um armazém.
9. Em Junho de 2015, AA cedeu à sociedade EE, Lda, a posição contratual que detinha no contrato de locação financeira imobiliária, celebrado com o Banco ..., SA, respeitante ao prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 4100 da União das freguesias de ... e ..., e vendeu uma carrinha e um empilhador.
10. Em 26 de Novembro de 2015 recorreu ao ....
11. Em 6 de Junho de 2016 iniciou o processo especial de revitalização apenso.
12. No âmbito do processo especial de revitalização apenso não foi aprovado o plano de recuperação apresentado pela devedora porque não foram obtidos os quóruns deliberativos exigidos pelo artigo 17º-F, nº 3, alíneas a) e b) do CIRE.
13. Subsequentemente o administrador judicial provisório emitiu parecer no sentido de a devedora se encontrar em situação de insolvência e requereu a respectiva declaração de insolvência, nos termos do artigo 17º-G, nº 4, do CIRE.
14. Por sentença proferida em 7 de Novembro de 2016, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência da AA.
15. Em 2015 a insolvência declarou fiscalmente o passivo total de € 753 497,67.
16. No âmbito do processo especial de revitalização apenso foram reclamados créditos no montante global de € 720.621,63.
17. Por apenso ao presente processo de insolvência foram reclamados e reconhecidos créditos no montante global de €793.914,82.
18. Na data em que foi declarada insolvente a AA encontrava-se sem actividade desde há vários meses.
19. Como contrapartida pela venda da carrinha referida em 9º a AA recebeu € 5.000,00.
20. Como contrapartida pela venda do empilhador referido em 9º a AA recebeu € 3.690.00.
21. Como contrapartida pela cedência da posição contratual referida em 9, a AA recebeu o valor líquido de € 160.646,89 após dedução do valor em dívida ao Banco ... de € 40.027,13;
22. O valor de € 160.646,89 referido em 21º foi pago nos seguintes termos:
a) € 58.646,89, mediante transferência bancária efetuada pelo Banco ... em 30 de junho de 2015 para conta titulada pela insolvente;
b) € 20.000,00, mediante transferência bancária efetuada pela EE, Lda. em 06.05.2015 para conta titulada pela insolvente;
c) € 82.000,00, mediante cheques pré-datados emitidos pela EE, Lda. à ordem da insolvente: em 20.05.2015 no valor de € 5.000,00; em 25.05.2015 no valor de € 4.000,00; em 02.06.2015 no valor de € 29.000,00; em 25.06.2015 no valor de € 4.000,00; em 25.07.2015 no valor de € 4.000,00; em 25.08.2025 no valor de € 4.000,00; em 25.09.2015 no valor de € 4.000,00; em 25.10.2015 no valor de € 4.000,00; em 25.11.2015 no valor de € 4.000,00; em 25.12.2015 no valor de € 4.000,00; em 25.01.2016 no valor de € 4.000,00; em 25.02.2016 no valor de € 4.000,00; em 25.03.2016 no valor de € 4.000,00; em 25.04.2016 no valor de € 4.000,00.
23. Os valores titulados pelos cheques discriminados em 22) foram depositados em contas bancárias da titularidade da insolvente.
24. Após depósito dos valores discriminados em 22), a insolvente efectuou pagamentos de salários a trabalhadores em montantes não concretamente apurados.
25. Após depósito dos valores discriminados em 22), a insolvente efectuou pagamentos aos fornecedores FF, GG, HH e II em montantes não concretamente apurados.
26. Foram apreendidos para a massa móveis, uma viatura e quantias monetárias, no valor total de € 6.550,00 indicado pelo administrador da insolvência.
27. Antes e no decurso do presente processo de insolvência, o requerido BB facultou e prestou ao administrador da insolvência todos os documentos e informações por este solicitados para instrução dos autos e execução das suas funções.

Vêm julgados como não provados os seguintes factos:


1. Que em 2015 a única forma de a insolvente se financiar seria vender o armazém, empilhador e carrinha referidos em 9) dos factos provados;
2. Que o produto das vendas referidas em 9) dos factos provados foi totalmente utilizado para realizar pagamentos a entidades bancárias, trabalhadores e fornecedores;
3. Que após depósito dos valores discriminados em 22 dos factos provados, a insolvente pagou dívidas a entidades estatais;
4. Que após depósito dos valores discriminados em 22 dos factos provados, a insolvente regularizou todos os salários dos seus trabalhadores que se encontravam em dívida;
5. Que após depósito dos valores discriminados em 22 dos factos provados, a insolvente efectuou pagamentos à II na ordem dos € 85 000,00;
6. Que após depósito dos valores discriminados em 22) dos factos provados, a insolvente efectuou amortizações de empréstimos bancários;
7. Que após depósito dos valores discriminados em 22) dos factos provados, a insolvente assumiu o pagamento de regularização de cheques devolvidos.

O DIREITO

Como se viu atrás, as questões de Direito a apreciar neste recurso reconduzem-se, fundamentalmente, a três:

1.ª) se o recurso ao PER produz a suspensão do prazo para a apresentação à insolvência, caso em que não existiu violação do dever de apresentação;

2.ª) se o artigo 186.º, n.º 3, al. a), do CIRE consagra uma presunção (relativa ou juris tantum) de insolvência culposa ou somente uma presunção (relativa ou juris tantum) de culpa grave.

3.ª) se o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 186.º do CIRE padece de inconstitucionalidade orgânica e material, por violação das normas dos artigos 165.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, e 198.º, n.º 1, al. b), e das normas dos artigos 30.º, n.º 4, 47.º, 58.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), 61.º, 62.º, todos da CRP.

1. Quanto à primeira questão, ela é de simples resolução desde que mantenha presente / nunca se perca de vista as distintas finalidades do PER e do processo de insolvência, ou seja, que o primeiro processo, ao contrário do segundo[1], é pré-insolvencial, portanto, aplicável apenas aos casos em que não se verifica a insolvência actual (não se “actualiza” a insolvência) e enquanto a insolvência actual não se verificar (enquanto a insolvência não se “actualizar”).

Disse-se, por isso, logo em 2012, comentando o PER recém-criado, que não era compreensível (justificado) que o legislador previsse uma norma suspendendo o prazo para o cumprimento do dever de apresentação à insolvência. Disse-se, então, que “[u]ma disposição sobre esta matéria […] seria, aliás, incoerente com a intenção do legislador, que é – repete-se – a de circunscrever o PER aos casos de pré-insolvência”[2]. Se assim é, menos compreensível é a tentativa de retirar tal suspensão do silêncio (justificado) do legislador.

Admite-se – como se admitia já na altura – que fique ressalvado deste (subsistente) dever de apresentação à insolvência um único grupo de casos: os casos “em que, não obstante a superveniente insolvência, o processo negocial permita alcançar acordo de recuperação, [sendo] impensável entender que o devedor está vinculado a um dever de apresentação à insolvência. Não poderia pôr-se em causa uma possibilidade concreta de resgate do devedor. Por mais que o PER tenha sido pensado para situações de pré-insolvência, verificando­-se um caso destes, à insolvência do devedor sobrepõe-se (tem de sobrepor-se) a ideia de que, por vias travessas ou tortas, se encontrou uma solução que con­cita o acordo da maioria dos sujeitos envolvidos e logo aquela insolvência dei­xou de ser um problema a resolver” [3].

Ora, o caso dos autos não se integra neste grupo excepcional de casos. Ao invés, consta dos factos provados que não foi aprovado o plano de recuperação apresentado pela devedora porque não foram obtidos os quóruns deliberativos exigidos pelo artigo 17º-F, nº 3, als. a) e b), do CIRE.

Assim sendo, uma vez que, ainda que durante o PER, se verificou a insolvência, tal como descrita no artigo 3.º, n.º 1, do CIRE, da ora recorrente, AA, estava esta constituída no dever de se apresentar à insolvência dentro dos trinta dias seguintes à data do conhecimento daquela situação ou da data em que devesse conhecê-la (cfr. artigo 18.º, n.º 1, do CIRE), cabendo a iniciativa da apresentação ao seu administrador, BB, aqui também recorrente (cfr. artigo 19.º do CIRE). Não tendo cumprido este dever, os recorrentes incorreram na sua violação, o que, sem margem para discussão, configura uma omissão contrária à lei ou ilícita.

Não assiste, em conclusão, razão às recorrentes quando afirmam que dos autos resulta a inexistência de ilicitude e de culpa grave neste incumprimento (ponto 21 das Alegações).

Existe, como se demonstrou, ilicitude, relacionada com a violação de um dever legalmente previsto (o dever de apresentação à insolvência previsto no artigo 18.º, n.º 1, do CIRE). E, existindo ilicitude por violação deste dever jurídico em particular, funciona ainda a presunção consagrada no artigo 186.º, n.º 3, al. a), do CIRE, cujo alcance será esclarecido adiante mas que, no mínimo, respeita à culpa grave, como os recorrentes também reconhecem.

E nem se diga, como fazem os recorrentes, que a viabilidade económica da empresa afasta, por si só, esta presunção de culpa grave e que não se pode considerar culposa a prestação de quem sempre esteve sempre a procurar salvaguardar a recuperação da empresa (cfr. pontos R e S das conclusões).

Como é sabido, a insolvência consiste na impossibilidade de cumprir pontualmente obrigações (cfr. artigo 3.º, n.º 1, do CIRE) e esta ocorre independentemente da recuperabilidade ou da viabilidade económica da empresa. Para a recuperação das empresas insolventes dispõe a lei, mal ou bem, que o caminho a seguir é o processo de insolvência e que o instrumento adequado é, dentro deste, o plano de insolvência (com fim de recuperação). Não procedem, portanto, os argumentos da recuperabilidade ou da viabilidade económica da empresa nem da intenção de recuperação detida pelo administrador para afastar a culpa grave na omissão do dever de apresentação à insolvência.

2. A segunda questão a apreciar é a questão central do presente recurso. Incide ela sobre o alcance das presunções consagradas na norma do artigo 186.º, nº 3, do CIRE, em particular, sobre o alcance da presunção consagrada na sua al. a).

Deve reconhecer-se, antes de mais, que está em causa uma questão controvertida, que tem originado posições divergentes no seio tanto da doutrina como da jurisprudência, e, portanto, importa aqui tomar posição, de forma clara e fundamentada.

As teses em confronto são, essencialmente, duas: uma que reduz as presunções (juris tantum) do artigo 186.º, n.º 3, do CIRE à culpa grave e outra que as estende a todos os requisitos da insolvência culposa, enunciados na cláusula geral do artigo 186.º, n.º 1, do CIRE, designadamente, a culpa grave e o nexo de causalidade[4].

Na interposição de recurso, adoptam os recorrentes, naturalmente, a primeira tese, sustentando que, para a insolvência ser qualificada como culposa, é sempre necessária a prova, pelos interessados na qualificação da insolvência como culposa, do nexo de causalidade entre o facto e o dano (a criação ou o agravamento da situação de insolvência).

Segundos os recorrentes, cabia, por conseguinte, aos requerentes da qualificação da insolvência (aqui recorridos) a demonstração do nexo de causalidade “entre a situação que a empresa apresentava à data da declaração de insolvência e a que poderia existir se a recorrente tivesse requerido a apresentação à insolvência”.

Convictos de que esta prova não foi produzida, concluem que o Tribunal recorrido cometeu um erro de interpretação do disposto naquela norma.

Vejamos se os argumentos aduzidos procedem e se assiste razão aos recorrentes.

Seguindo de perto a síntese feita noutra ocasião[5], o regime de qualificação da insolvência regulado nos artigos 185.º e s. do CIRE, é uma novidade introduzida no código por influência do Direito espanhol, mais precisamente, da calificación del concurso, consagrada na Ley Concursal, de 9 de Julho de 2003 (cfr. artigos 163 e s.).

O objectivo do regime é o de apurar se a insolvência é fortuita ou culposa (cfr. artigo 185.º do CIRE). Será culposa quando a situação de insolvência tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência (cfr. artigo 186.º, n.º 1, do CIRE). Será fortuita nos restantes casos.
O regime da qualificação da insolvência compõe-se ainda de um conjunto de presunções (inilidíveis e ilidíveis), que facilitam a qualificação como culposa da insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular sempre que os seus administradores, tanto de direito como de facto, tenham adoptado um dos comportamentos aí descritos (cfr. artigo 186.º, n.ºs 2 e 3, do CIRE), o que se aplica também à actuação de pessoa singular insolvente e seus administradores (cfr. artigo 186.º, n.º 4, do CIRE).
É necessário discriminar os factos previstos no artigo 186.º do CIRE: os descritos no n.º 2 e os descritos no n.º 3 e, dentro do primeiro grupo, os descritos nas als. a) a g) e os descritos nas als. h) e i).
Se é verdade que as als. a) a g) do n.º 2 do artigo 186.º CIRE correspondem, indiscutivelmente, a presunções (absolutas) de insolvência culposa (ou de culpa na insolvência), as als. h) e i) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE mais parecem constituir ficções legais, uma vez que a factualidade descrita não é de molde a fazer presumir com segurança o nexo de causalidade entre o facto e a insolvência, que é, a par da culpa qualificada (dolo ou culpa grave), o requisito fundamental da insolvência culposa segundo a cláusula geral do n.º 1 do artigo 186.º do CIRE[6].
Quanto ao disposto no n.º 3 do artigo 186.º do CIRE, em qualquer das suas alíneas, deve entender-se que, sob pena de perder grande parte da sua utilidade, ele consagra não, como defende ainda parte da doutrina[7] e da jurisprudência[8], meras presunções (relativas) de culpa grave na prática do facto em que assenta a presunção, mas autênticas presunções (sempre relativas) de culpa grave na criação ou no agravamento da insolvência (ou presunções de insolvência culposa), como vem (crescentemente) defendendo outra parte da doutrina[9] e da jurisprudência, designadamente, o Tribunal Constitucional, no Acórdão do TC n.º 564/2007, de 13.11 (Proc. 230/07)[10].
No caso contrário (i.e., se apenas se presumisse a culpa grave), para que serviria a norma? O incumprimento do dever de apresentação à insolvência até pode ser a causa do agravamento da insolvência mas nunca da sua criação, já que nasce por força desta. Quanto ao incumprimento do dever de depósito das contas, em quantos casos será possível provar que ele é a causa da criação da insolvência ou sequer do seu agravamento?
Se se reparar bem, existe uma semelhança flagrante entre os factos em que assentam as presunções das als. h) e i) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, por um lado, e os factos em que assentam as presunções das als. a) e b) do n.º 3 da mesma norma, por outro lado. Em ambos os grupos de casos, aquilo que se regula é a violação de deveres específicos dos comerciantes / empresários ou de deveres que recaem especialmente sobre estes sujeitos, quando insolventes[11]. Além disso, em ambos os grupos de casos, com excepção de uma parte da al. h) do n.º 2, aquilo que se regula é um acto negativo, a omissão ou o incumprimento de deveres legalmente previstos.
Tudo aponta, enfim, para que a consagração das presunções das als. a) e b) do n.º 3 obedeça à mesma lógica / teleologia que preside, inequivocamente, à consagração das presunções das als. h) e i) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE: existem todas para impedir que, devido à dificuldade de prova do nexo de causalidade, fiquem, na prática, impunes os sujeitos que violam certo tipo de deveres[12]. E se, no que toca às segundas ainda pode perguntar-se se são justas, visto o seu carácter absoluto (a sua inilidibilidade), já a mesma dúvida não é concebível a propósito das primeiras. Por força destas produz-se uma inversão do ónus da prova que abrange tanto a culpa grave como o nexo de causalidade mas a verdade é que não fica precludida a prova em contrário.

A admitir-se – como se admite – que é esta a interpretação mais correcta da norma do artigo 186.º, n.º 3, do CIRE, na hipótese (como a do caso) de incumprimento do dever de apresentação à insolvência, caberá aos interessados no afastamento da qualificação da insolvência como culposa (no caso, os recorrentes) provar a ausência dos requisitos da insolvência culposa exigidos pela norma do artigo 186.º, n.º 1, do CIRE, sendo suficiente a prova da ausência de qualquer deles (por exemplo, a culpa grave) para que a insolvência tenha de ser qualificada como fortuita.

3. Alegam, por último, os recorrentes que o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 186.º do CIRE é orgânica e materialmente inconstitucional, por violação das normas dos artigos 165.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, e 198.º, n.º 1, al. b), e dos artigos 30.º, n.º 4, 47.º, 58.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), 61.º, 62.º, todos da CRP.

Não obstante não ser a este Tribunal que cabe a pronúncia decisiva sobre a conformidade das normas à Constituição, não deixa de se observar, em cumprimento do artigo 204.º da CRP, o seguinte.

Em primeiro lugar, o disposto no n.º 2 do artigo 186.º do CIRE não é de todo relevante para o caso em apreço, pelo que não há que o invocar e, portanto, tão-pouco que apreciar a sua (in)constitucionalidade.

Em segundo lugar, o n.º 3 do artigo 186.º do CIRE não versa sobre direitos, liberdades e garantias, pelo que não existe violação dos artigos 165.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, e 198.º, n.º 1, al. b), da CRP e, portanto, é de rejeitar a alegação de inconstitucionalidade orgânica com tal fundamento.

Por fim, o disposto no n.º 3 do artigo 186.º do CIRE não envolve como efeito automático a perda de direitos civis, profissionais ou políticos nem de direitos económicos, pelo que não existe violação dos artigos 30.º, n.º 4, 47.º, 58.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), 61.º, 62.º da CRP e, portanto, é de rejeitar a alegação de inconstitucionalidade material com tal fundamento.

Dito isto, o n.º 3 do artigo 186.º do CIRE – insiste-se – consagra tão-só uma presunção relativa / juris tantum / ilidível, não estando o interessado impedido de alegar e provar que não se verificaram os factos que, pela sua gravidade, indiciam a insolvência culposa e de, assim, se eximir aos efeitos desta. Ou seja: nem sequer se levantam aqui as dúvidas que podem levantar-se, em abstracto, à luz do princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (cfr. artigo 20.º da CRP), as presunções absolutas / juris et jure / inilidíveis e que só são dissipadas, em concreto, quando se conclua que as mesmas visam atingir um fim legítimo e não se revelam desproporcionadas.
Conclui em sentido igual ao acabado de expor, ou seja, no sentido da não inconstitucionalidade do disposto no n.º 3 do artigo 186.º do CIRE, o Tribunal Constitucional no referido Acórdão do TC n.º 564/2007[13].
Neste último pode ler-se, com pertinência visível para a confirmação da tese da constitucionalidade orgânica: “[e]ste limita-se a estabelecer uma presunção de culpa grave em face do incumprimento de certos deveres: o de requerer a declaração de insolvência” (alínea a)) e o de “elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial” (alínea b)). Deveres que, sendo, embora, de carácter formal, permitiriam, presuntivamente, a ser cumpridos, a detecção mais precoce da situação real da empresa, de insolvência ou de risco de insolvência, assim se evitando o agravamento dessa situação. O seu incumprimento é, assim, razoavelmente indiciador de, no mínimo, um grave desleixo na actuação gestionária, levando a admitir (mas com carácter de presunção juris tantum, rebatível por prova em contrário) estar preenchido o requisito de culpa grave, forma de culpa qualificada, exigível, em alternativa ao dolo, tanto pela lei de autorização (n.º 6 do artigo 2.º), como pelo CIRE (artigo 186.º, n.º 1).
Isto é, mantendo intocado o regime substantivo fixado na lei de autorização, o n.º 3 do art. 186.º do CIRE adiciona-lhe uma norma de cunho processual, que em nada contende com aquele regime, antes verdadeiramente se harmoniza com a sua razão inspiradora (…).
Nem se diga, em contrário, que em parte alguma a Lei n.º 39/03 autorizou explicitamente a criação desta presunção de culpa. Não o fez, nem, pelos motivos expostos, o tinha que fazer. Essa solução legislativa está suficientemente coberta pelas autorizações genéricas contidas no artigo 1.º, n.º 3, alínea a), e no artigo 2.º, n.º 5, daquela lei, legitimadoras de desenvolvimentos normativos compatíveis, como o é o prescrito no artigo 186.º, n.º 3, do CIRE, com a regulação pré-fixada.
Em face de tudo o que fica dito, é de concluir que não merece acolhimento arguição de inconstitucionalidade orgânica da norma contida neste artigo, por desrespeito dos limites materiais da autorização legislativa dada pela Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto (….).
E pode ainda ler-se, para afastar qualquer dúvida sobre a inconstitucionalidade material: “(…) os termos em que a presunção vem estabelecida por aquela norma são inteiramente razoáveis, não arbitrários, adequados e proporcionados. Trata-se de uma presunção ilidível, como resulta do regime comum das presunções e do confronto com o teor do n.º 2. Assenta na prática de factos ilícitos, que já o eram anteriormente à entrada em vigor do CIRE, factos que apresentam objectivamente um suficiente valor sintomático da ocorrência de culpa, de acordo com o critério de apreciação aqui adoptado.
É certo que a previsão da alínea b) contempla regras comerciais, de carácter procedimental, podendo, primo conspectu, aparecer como desmesurada a consequência da sua infracção, por via da presunção de culpa que nela se estriba.
Mas, pondere-se que o âmbito subjectivo da norma abarca apenas “os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular”, ou seja, sujeitos que, em princípio, exercem profissionalmente a actividade de administração. E é comummente admitido que, no âmbito da actuação profissional, se justifica uma bitola de apreciação de comportamentos mais apertada e um mais elevado padrão da diligência exigível.
E, para além de tudo o mais, o incumprimento dessas regras – o facto-base – apresenta uma relevante conexão substancial com o facto presumido – a existência de uma actuação gravemente culposa. Trata-se, na verdade, de regras cuja observância não reveste especiais dificuldades, assumindo um carácter quase rotineiro na actividade de gestão de um património de pessoa não singular. De um ponto de vista funcional, elas visam assegurar transparência quanto à efectiva situação económico-financeira do ente administrado, permitindo, assim, acautelar o interesse dos credores. Que, do incumprimento dessas regras, a norma retire a ilacção, através do mecanismo presuntivo, de que a situação de insolvência foi criada ou agravada em consequência da actuação com culpa grave do sujeito afectado – em sintonia com o critério de culpa consagrado no n.º 1 do artigo 186.º – não se afigura uma utilização arbitrária desse mecanismo. O artigo 186.º, n.º 3, do CIRE, não sofre, pois, de qualquer inconstitucionalidade material”.
Não se demonstraria melhor a inexistência de inconstitucionalidade orgânica e material do artigo 186.º, n.º 3, do CIRE, sendo os argumentos usados pelo Tribunal Constitucional plenamente válidos para o caso presente.

4. Volte-se agora, por fim, ao Douto Acórdão recorrido.

Adopta-se aí o entendimento de que a norma do artigo 186.º, n.º 3, al. a), do CIRE consagra uma presunção (juris tantum), não de (mera) culpa grave, mas de insolvência culposa ou de culpa (grave) na insolvência.

Argumenta-se que esta interpretação do artigo 186.º, n.º 3, al. a), do CIRE é aquela que, desde logo, tem cabimento na letra da lei, depois, mais bem corresponde ao pensamento legislativo, reconstituído a partir do preâmbulo do diploma que aprovou o CIRE (Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março) e de outras normas do CIRE, designadamente dos n.ºs 1, 2 e 5, do artigo 186.º, e, por fim, mais bem preserva a unidade do sistema jurídico, designadamente a relação do n.º 3 com as normas antecedentes. E, para reforçar, evoca-se o argumento do Direito comparado, mais precisamente, a lei da insolvência espanhola e a interpretação que foi feita da norma-modelo da norma portuguesa pelo Supremo Tribunal espanhol.

Considerando o que se disse atrás, o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra constitui um excelente exemplo do labor interpretativo que compete aos tribunais desenvolver para uma aplicação mais satisfatória do Direito – do dever que todos têm de, resistindo à solução (fácil) de confinamento ao texto positivo, “revolver” o sistema jurídico à procura da leitura mais adequada das normas.

                                                           *


III. DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.

                                                           *

Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiem.

                                                           *

LISBOA, 23 de Outubro de 2018

Catarina Serra (Relatora)

Salreta Pereira

Fonseca Ramos

                                                          

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[1] Veja-se, no entanto, a hipótese prevista no n.º 4 do artigo 3.º do CIRE (possibilidade de o devedor se apresentar à insolvência no caso de insolvência iminente).
[2] Cfr. Catarina Serra, “Revitalização – A designação e o misterioso objecto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) e com o ...”, in: Catarina Serra (coord.), I Congresso de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2013, pp. 93-94.
[3] Cfr. Catarina Serra, “Revitalização – A designação e o misterioso objecto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) e com o ...”, cit., p. 94.
[4] Não obstante só a al. a) do n,º 3 do artigo 186.º do CIRE adquirir relevância para o caso em apreço, opta-se por uma referência genérica, atendendo ao carácter unitário do regime aí consagrado.
[5] Cfr. Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 156 e s. e 299 e s.
[6] Teria feito melhor o legislador se tivesse integrado as duas últimas als. do n.º 2 no n.º 3 do artigo 186.º do CIRE: continuar-se-ia a penalizar (rectius: a onerar com uma presunção e a consequente inversão do ónus da prova), como parece ter sido intenção, o sujeito que viola deveres jurídicos, mas ser-lhe-ia concedida, como é de elementar justiça, a possibilidade de ele se defender mostrando que a sua conduta, apesar de ilícita, não era culposa (culpa grave) ou apesar de ilícita e culposa (culpa grave), não causou a insolvência, não sendo, portanto, adequado que se produzissem os efeitos típicos da insolvência culposa. Cfr., sobre tudo isto, Catarina Serra, “'Decoctor ergo fraudator'? – A insolvência culposa (esclarecimentos sobre um conceito a propósito de umas presunções) – Anotação ao Ac. do TRP de 7.1.2008, Proc. 4886/07”, in: Cadernos de Direito Privado, 2008, n.º 21, pp. 54 e s. (esp. pp. 67 e s.).
[7] Cfr., por exemplo, Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, 2017 (7.ª edição), p. 283, e Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2016 (2.ª edição), pp- 422-423.
[8] Cfr., só para alguns exemplos, Acórdão do STJ de 6.10.2011 (Proc. n.º 46/07.8TBSVC-0.L1.S1), Acórdão do STJ de 10.10.2017 (Proc. n.º 1855/13.4TBVRL-A.G1.S2) (não publicado), Acórdão do TRP de 7.12.2016 (Proc. 262/15.9T8AMT-D.P1), Acórdão do TRC de 12.07.2017 (Proc. 370/14.3TJCBR-A.C1), Acórdão do TRG de 14.09.2017 (Proc. 7165/15.5T8VNF-A.G1) e Acórdão do TRE de 7.01.2016 (Proc. 583/13.5TBABT-B.E1) (todos disponíveis em http://www.dgsi.pt, excepto indicado).
[9] Cfr., por exemplo, Catarina Serra, “'Decoctor ergo fraudator'? – A insolvência culposa (esclarecimentos sobre um conceito a propósito de umas presunções) – Anotação ao Ac. do TRP de 7.1.2008, Proc. 4886/07”, cit., pp. 66 e s., Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos administradores na insolvência”, in: Revista da Ordem dos Advogados, 2006, vol. 66 p. 692, Nuno Manuel Pinto Oliveira, Responsabilidade civil dos administradores, pp. 204 e s., e Ana Prata / Jorge Morais Carvalho / Rui Simões, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, Coimbra, 2013, p. 512. Para uma exposição desenvolvida, cfr. Nuno Manuel Pinto Oliveira, “Responsabilidade civil dos administradores por violação do dever de apresentação à insolvência”, pp. 533 e s.
[10] Cfr., só para alguns exemplos, além deste Acórdão do TC, Acórdão do TRL de 14.12.2010 (Proc. 46/07.8TBSVC-O.L1-7), Acórdão do TRP de 17.11.2008 (Proc. 0855650), Acórdão do TRP de 5.02.2009 (Proc. 0837835), Acórdão do TRC 12.07.2017 (Proc. 60/16.2T8PNH-B.C1), e Acórdão do TRG de 11.05.2017 (Proc. 1775/15.8T8VNF-A.G1) (todos disponíveis em http://www.dgsi.pt).
[11] Quando a insolvência é de sociedade comercial ou outra entidade empresarial, estes deveres recaem, em regra, sobre os titulares de órgãos de administração.
[12] É certo que a inversão do ónus da prova por força de tais presunções é sempre desfavorável aos sujeitos onerados. Há que recordar, porém, em que, pelas funções que desempenham, estes sujeitos estão investidos em especiais deveres de conduta e, portanto, uma maior responsabilização não é injustificada. Há mesmo quem defenda, com intuito generalizador, que se produz a inversão do ónus da prova sempre que existe violação grave de direitos profissionais. Cfr. neste sentido, Sinde Monteiro, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, Almedina, Coimbra. 1990, pp. 296-297, Ribeiro de Faria, “Da prova na responsabilidade civil médica – Reflexões em torno do Direito alemão”, in: Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2004, pp. 115 e s., e Nuno Manuel Pinto Oliveira, Responsabilidade civil dos administradores, Coimbra, Coimbra Editora, 2015, p. 207 (nota 672).
[13] No recurso apreciado pelo TC era do mesmo modo alegado o vício de inconstitucionalidade orgânica pelo facto de o legislador ordinário, ao fazer uso da autorização legislativa, ter excedido os poderes delegados pela lei de autorização, portanto por violação dos artigos 165.º e 198.º, n.º 1, al. b), da CRP, e o vício de inconstitucionalidade material por violação do disposto nos artigos 30.º, n.º 4, 47.º, 58.º, n.ºs 1 e 2, 61.º e 62.º da CRP.