Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
072255
Nº Convencional: JSTJ00006151
Relator: FERNANDES FUGAS
Descritores: TRANSMISSÃO DO ARRENDAMENTO
UNIÃO DE FACTO
MENORES
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198704230722551
Data do Acordão: 04/23/1987
Votação: MAIORIA COM 2 VOT VENC
Referência de Publicação: DR N122 IS 1987/05/28, PÁG. 2128 A 2131 - BMJ Nº 366, PÁG. 177
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO PLENO
Decisão: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: CONST82 ARTIGO 13 N2 ARTIGO 36 N3 N4.
OTM78 ARTIGO 150.
CPC67 ARTIGO 1411 N2.
CCIV66 ARTIGO 10 ARTIGO 11 ARTIGO 424 N1 ARTIGO 1022 ARTIGO 1031 B ARTIGO 1036 ARTIGO 1037 N2 ARTIGO 1059 N2 ARTIGO 1109 N1 A ARTIGO 1110 N2 N3 N4 ARTIGO 1111 N2 ARTIGO 1118 ARTIGO 1120 ARTIGO 1793 N1 N2 ARTIGO 2009 A D ARTIGO 2020.
L 46/85 DE 1985/07/20.
DL 496/77 DE 1977/11/25.
L 2020 DE 1948/06/22 ARTIGO 44 ARTIGO 45.
Jurisprudência Nacional: ASSENTO STJ DE 1965/04/06 IN DG IS 1965/04/28.
ACÓRDÃO RL DE 1984/05/04.
ACÓRDÃO RL DE 1981/06/02.
Sumário :
As normas dos ns. 2 3 e 4 do artigo 1110 do Codigo Civil não são aplicaveis as uniões de facto, mesmo que destas haja filhos menores.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em plenario, no Supremo Tribunal de Justiça:

O Excelentissimo Magistrado do Ministerio Publico junto deste Supremo Tribunal recorreu, para tribunal pleno, do Acordão da Relação de Lisboa de 4 de Maio 1984, que por fotocopia se acha a folhas 17-19 proferido em recurso de agravo, em que foi recorrente o curador de menores junto do Tribunal de Familia de Lisboa e a que foi negado provimento, em confirmação da decisão da 1 instancia, que, em processo de regulação do exercicio do poder paternal relativamente ao filho dos ai requerentes, A e B, de nome C, nascido em 26 de Julho de 1977, indeferiu pedido de transferencia do direito ao arrendamento por eles formulado ao abrigo do n. 2 do artigo 1110 do Codigo Civil (CC), considerando que os requerentes não estavam unidos pelo matrimonio, alegando haver oposição entre esse acordão e o de 2 de Junho de 1981, tambem da Relação de Lisboa, que por fotocopia se acha a folhas 23-24 e se mostra publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, 1981, tomo 3, pagina 61, que julgou serem as normas do artigo 1110 do Codigo Civil aplicaveis analogicamente as uniões de facto quando haja filhos menores.
Alegou o recorrente, procurando demonstrar a existencia dos pressupostos deste recurso, mormente a invocada oposição de julgados.
Em acordão da Secção, a folha 33, ficou decidido verificarem-se esses pressupostos: acordãos proferidos em processos distintos, no dominio da mesma legislação, sobre a mesma questão fundamental de direito que consiste em saber se o regime estabelecido nos ns. 2 a 4 do artigo 1110 do Codigo Civil e ou não de aplicar as uniões de facto: transito em julgado do acordão invocado em oposição e inadmissibilidade de recurso dos acordãos em causa para este Supremo Tribunal (artigo 150 da Organização Tutelar de Menores, aprovada pelo Decreto-Lei n. 314/78, de 27 de Outubro, artigo 1411, n. 2, do Codigo de Processo Civil e assento deste Supremo tribunal de 6 de Abril de 1965).
Igualmente se decidiu pela alegada oposição de acordãos, na medida em que no de 4 de Maio de 1984 (ora recorrido) se decidiu que "os progenitores não unidos pelo matrimonio não beneficiam do regime de excepção previsto nos ns. 2 a 4 do artigo 1110 do Codigo Civil", enquanto no de 2 de Junho de 1981 se julgou que "as normas constantes do artigo 1110 do Codigo Civil se aplicam analogicamente as simples uniões de facto em que haja filhos menores".
Seguindo o recurso, alegou de merito o recorrente, que manifestou o entendimento de que, havendo menores e sendo necessaria a regulação do poder paternal, o tribunal deve fazer a atribuição do direito ao arrendamento, nos termos do artigo 1110 do Codigo Civil, firmando-se assento nesse sentido.
Corridos os vistos do plenario, cumpre decidir.
Ha que conhecer do presente conflito de julgados e soluciona-lo, na medida em que, conforme se mostra do acordão da Secção, se verificam todos os requisitos ou pressupostos legais deste recurso, incluindo o da invocada oposição, pelo que nada ha agora a alterar ou acrescentar a tal respeito.
Afigura-se, no entanto, que os preceitos com base nos quais foram tomadas nos acordãos em conflito soluções opostas em relação a mesma questão fundamental de direito não consentem outra solução que não seja a que foi adoptada no acordão recorrido, qual seja o de 4 de Maio de 1984.
E senão vejamos.
As normas em directa discussão no conflito são as dos ns. 2, 3 e 4 do artigo 1110 do Codigo Civil, diploma a que pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser indicadas, sem qualquer outra menção.
Teve aquele artigo 1110 por fonte os artigos 44 e 45 da Lei n. 2030.
Integra-se ele na subsecção VI do capitulo IV, relativo a locação, do titulo, livro II, do referido Codigo, que respeita a disposições especiais dos arrendamentos para habitação.
No seu n. 1 estatui-se que, "seja qual for o regime matrimonial, a posição do arrendatario não se comunica ao conjuge e caduca por sua morte, sem prejuizo do disposto no artigo seguinte".
Esta-se perante uma regra imperativa, a impor a incomunicabilidade do direito ao arrendamento, seja qual for o regime matrimonial.
A Camara Corporativa, em seu parecer de 4 de Fevereiro de 1947, sugeriu-a e justificou-a pela seguinte forma:
Trata-se de um direito que, embora em rigor seja de indole patrimonial, e constituido, muitas vezes, intuitus personae e e um direito que se adapta mal ao mecanismo de uma contitularidade entre marido e mulher. Podem surgir, e tem efectivamente surgido, embaraços graves de construção a quem, vendo nele um elemento patrimonial comum, procure regular a sua transmissão nos casos de morte de um dos conjuges ou de divorcio ou separação. E, pois, preferivel, por todos os titulos, proclamar a incomunicabilidade desse direito e regular a sua transmissão, por forma a satisfazer os interesses atendiveis dos conjuges.
A transmissão por morte do arrendamento vem regulada no artigo 1111, enquanto no n. 2 daquele artigo 1110 se permite que, obtido o divorcio ou a separação judicial de pessoas e bens, os conjuges possam acordar em que a posição de arrendatario fique pertencendo a qualquer deles.
Na falta de acordo, cabe ao tribunal decidir, tendo em conta a situação patrimonial dos conjuges, as circunstancias de facto relativas a ocupação da casa, o interesse dos filhos, a culpa imputada ao arrendatario na separação ou divorcio, o facto de ser o arrendamento anterior ou posterior ao casamento e quaisquer outras razões atendiveis; estando o processo pendente no tribunal de menores, cabe a este a decisão (n. 3 do mesmo artigo).
A transferencia do direito ao arrendamento para o conjuge do arrendatario, por efeite de acordo ou decisão judicial, deve ser notificada oficiosamente ao senhorio (seu n. 4).
Recorrendo, de novo, aquele parecer da Camara Corporativa, verifica-se que a adopção das medidas excepcionais em materia de arrendamento, que se contemplam nas normas dos ns. 2 e 3 daquele artigo, são assim explicadas:
O que se pretende com estas medidas excepcionais em materia de arrendamento e proteger o facto da habitação, e, portanto, em principio, devera atribuir-se o direito aos dois; e não apenas ao que figura como arrendatario, visto o contrato ser normalmente celebrado em beneficio do agregado familiar, e não de um conjuge apenas.
Como, porem, isto e impossivel desde que seja decretado o divorcio ou a separação, parece indicado que acima de um interesse muitas vezes puramente ocasional, como e o da outorga do contrato, se atenda efectivamente as necessidades de habitação de cada um dos conjuges, facultando-se-lhes um acordo e atribuindo ao juiz, na falta dele, o poder de dirimir o conflito, conferindo a posse da casa a quem melhor direito invoque, baseado na culpa do outro conjuge, na situação patrimonial de cada um, no interesse dos filhos, etc.
De considerar que o direito ao arrendamento tem uma natureza "essencialmente pessoal", ainda que equiparado aos direitos reais para determinados efeitos, como se infere do artigo 1022, onde se da a noção de contrato de locação e do que se estabelece nos artigos 1031, alinea b), 1036 e 1037, n. 2 (Professor Pereira Coelho,
Arrendamento, sumario das lições de 1980-1981).
No artigo 1733 (relativo ao regime de comunhão geral de bens), seu n. 1, alinea c), prescreve-se que são exceptuados da comunhão o usufruto, o uso ou habitação e demais direitos estritamente pessoais.
Como referem os Professores Pires de Lima e Antunes Varela no volume IV do seu Codigo Civil Anotado, a paginas 401 e 402, alem dos dois direitos reais ali expressamente referidos, ainda se devem considerar "incomunicaveis" todos os direitos de credito constituidos intuitu personae a favor de um dos conjuges, sendo as situações desse tipo ou semelhante que a lei pretende referir com a expressão "demais direitos estritamente pessoais", grupo este em que ainda podem ser catalogados os direitos que a propria lei, fora da enumeração concretizada no citado artigo 1773, considera "incomunicaveis". E o caso do direito do conjuge arrendatario (artigo 1110, n. 1; confere, porem, o disposto nos ns. 2, 3 e 4 do mesmo artigo e no artigo 1111).
Conforme, porem, se estabelece no artigo 424, n. 1, no contrato com prestações reciprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiros a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.
Este regime geral aplica-se a cessão da posição do locatario, como se estatui no artigo 1059, n. 2, sem prejuizo das disposições especiais do capitulo em que se integra a referida norma, como são, por exemplo, as normas dos artigos 1118 e 1120.
A esse regime geral (o dos artigos 424 e seguintes ex vi do artigo 1059, n. 2) faz, assim, excepção o que e prescrito nas normas dos ns. 2, 3 e 4 do artigo 1110.
Não se pode dizer, porem, em rigor, que do regime estatuido no artigo 1110 (seus ns. 2, 3 e 4) resulta a "eventualidade de uma relação contratual imposta", uma vez que a relação de arrendamento continua a ser a mesma, apenas mudando o respectivo sujeito.
Como se diz no citado artigo 1110 (seu n. 4), o que se verifica e uma "transferencia do direito ao arrendamento" do arrendatario para o seu conjuge (ou ex-conjuge), com obrigação da notificação oficiosa dessa transferencia ao senhorio.
Trata-se de um caso de imposição de sujeito, muito embora com a necessaria projecção na relação de arrendamento.
Contra a regra do artigo 424, n. 1, esta-se, pois, em face de uma cessão de posição contratual forçada, por via singular quando a transferencia do arrendamento se der por acordo dos conjuges, uma vez que a posição contratual do arrendatario se transmite independentemente de consentimento do senhorio, e por via duplamente forçada, se a cessão da posição contratual do arrendatario ao seu conjuge (ou ex-conjuge) vem a ser decidida pelo tribunal, ja que, em tal hipotese, nem o senhorio se pode opor a essa cedencia, nem o arrendatario a ela pode obstar (Manuel Januario Gomes, Constituição da Relação de Arrendamento Urbano, pagina 31).

Revestindo o direito ao arrendamento, na melhor concepção, uma natureza "essencialmente pessoal", ainda que equiparada aos direitos reais para determinados efeitos, como atras se referiu, e evidente que as situações definidas nos normas dos ns. 2, 3 e 4 do artigo 1110 representam um verdadeiro regime de excepção ao regime geral traçado na lei (artigos 424, n. 1, e 1059, n. 2) para a cessão da posição contartual do locatario.
Verifica-se, afinal, uma situação paralela aquela que se mostra a respeito da "casa de morada de familia", que a lei (artigo 1793, ns. 1 e 2) permite ao tribunal dar de arrendamento a qualquer dos conjuges, a seu pedido, quer ela seja comum, quer propria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos conjuges e o interesses dos filhos do casal, ficando esse arrendamento sujeito as regras do arrendamento para habitação, com a possibilidade de o tribunal definir as condições do contrato, ouvidos os conjuges, e de fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstancias supervenientes o justifiquem.
Constitui esta uma das inovações introduzidas no Codigo Civil pelo Decreto-Lei n. 496/77, de 25 de Novembro.
E afigura-se ser mais uma manifestação de "imposição de uma relação contratual de arrendamento".
Visa, pois, o citado artigo 1793 as situações em que a casa de morada de familia e pertença comum ou propria do outro conjuge, so deste modo, portanto, fazendo sentido a coordenação dessa disposição legal com a do citado artigo 1110.
De qualquer modo, o que importa, mais uma vez, acentuar e que as normas dos ns. 2, 3 e 4 do artigo 1110 revestem caracter excepcional, relativamente ao regime geral da cessão da posição contratual do arrendatario, previsto nos artigos 424 e seguintes ex vi do artigo 1059 n. 2.
Na verdade essas normas não so se desviam, para o caso que regulam, das normas gerais como estão em absoluta oposição com esta, o que e da essencia das normas excepcionais.
Atribuida, assim, essa natureza as referidas normas, e evidente que a sua aplicação, por analogia, a outros casos não previstos esta, desde logo, vedada (artigo 11).
Ainda, contudo, que a essas normas se não pudesse atribuir a natureza de "normas excepcionais" (o que so por absurdo ou conveniencia de raciocinio se admite), nem por isso a sua aplicação analogica as situações de "união de facto" era de sufragar, enquanto se não estava perante um "caso omisso" e, portanto, face a uma lacuna de lei, pressuposto do recurso a analogia, mas antes em presença de "um caso não regulado", o que e bem diferente do "caso omisso" (artigo 10).
E que o legislador não conferiu, em principio, as "uniões de facto" quaisquer efeitos juridicos.
So em casos meramente pontuais lhes veio a atribuir efeitos dessa natureza.
Assim, aconteceu, na verdade, nos casos regulados nos artigos 2020, na redacção do Decreto-Lei n. 496/77, ja citado, e 1111, n. 2 na redacção da Lei n. 46/85, de 20 de Julho.
Naquele artigo 2020, seu n. 1, veio dispor-se que "aquele que no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens viver com ela ha mais de dois anos em condições analogas as dos conjuges tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos das alineas a) a d) do artigo 2009".
No preambulo do Decreto-Lei n. 496/77, na referencia que se faz a providencia assim tomada, e bem elucidativo o seguinte passo:
Não se foi alem de um esboço de protecção, julgado etica e socialmente justificado, ao companheiro que resta de uma união de facto que tenha revelado um minimo de durabilidade, estabilidade e aparencia conjugal. Foi-se intencionalmente pouco arrojado. Havia que não estimular as uniões de facto.
Outrossim, no n. 2 do artigo 1111 ( na redacção da citada Lei n. 46/85) veio preceituar-se que, "no caso de o primitivo inquilino ser pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, a sua posição (de inquilino) tambem se transmite, sem prejuizo do disposto no numero anterior, aquele que no momento da sua morte vivia com ele ha mais de cinco anos em condições analogas as dos conjuges".
E este mais um dos casos em que, contra a regra estabelecida na segunda parte do n. 1 do artigo 1110, onde se preve a caducidade do arrendamento por morte do arrendatario, o arrendamento não caduca.
A preocupação do legislador tem sido, pois, a de cautelosamente, so atribuir efeitos de direito as "uniões de facto" em casos especificos, que tem vindo a fixar, por achar serem dignos da protecção da lei.
E isto porque - lembra o legislador - "não ha que estimular as uniões de facto".
No que respeita a transmissão ou transferencia do arrendamento para habitação por acto entre vivos, não se ve justificação para "forçar" o senhorio a aceitar, como arrendatario, o "companheiro" do primitivo arrendatario que com este tenha vivido em economia comum [artigo 1109, n. 1, alinea a)] quando, por qualquer motivo, essa "união" haja terminado, tendo, sobretudo em vista que o arrendamento, como se disse, tem a natureza "essencialmente pessoal", pelo que a cessão da posição contratual do arrendatario, que, regra geral, exige o consentimento do senhorio (citados artigos 424, n. 1, e 1059, n. 2), so podera ser "imposta" a este quando a lei expressamente o determinar, o que não e o caso.
Longe, pois, de se estar perante qualquer "caso omisso", o que se verifica e que se esta, antes, face a um "caso não regulado".
E a questão não tem qualquer "especificidade" pelo facto de surgir em processos instaurados para regulação do poder paternal de filhos menores cujos pais viviam em simples "união de facto", como no caso do presente conflito de julgados aconteceu.
O que resulta do ja exposto e que a "união de facto" não tem qualquer protecção legal para efeitos de se poder "impor" ao senhorio, no caso de arrendamento para habitação, como arrendatario, o membro dessa "união"
- quando esta termine - que não seja o titular do respectivo direito ao arrendamento.
E, se assim e, nada releva que da união de facto a que se pos termo possa haver quaisquer filhos menores cujo poder paternal haja que ser regulado.
Não pode, por isso, falar-se, como se argumenta no acordão fundamento (o de 2 de Junho de 1981 e na alegação do recorrente, em qualquer violação dos principios da igualdade contidos nos artigos 13, n. 2, e 36, n. 4, da Constituição da Republica, com fundamento na discriminação no tratamento dos filhos naturais.
A conclusão a tirar de tudo o que vem de ser explanado e que as normas dos ns. 2, 3 e 4 do artigo 1110 são excepcionais, em relação, designadamente, ao regime geral estabelecido no artigo 424, n. 1 ex vi do artigo 1059, n. 2, não podendo, por isso, ser susceptiveis de aplicação analogica as "uniões de facto", mesmo que destas haja filhos menores.
Termos em que se nega provimento ao recurso, confirmando-se o acordão recorrido, sem custas, por não serem devidas, firmando-se o seguinte assento:
As normas dos ns. 2, 3 e 4 do artigo 1110 do Codigo Civil não são aplicaveis as uniões de facto, mesmo que destas haja filhos menores.

Lisboa, 23 de Abril de 1987

Jorge d'Araujo Fernandes Fugas - Antonio Carlos Vidal de Almeida Ribeiro - Augusto Tinoco de Almeida - João Solano Viana - Jose Fernando Quesada Pastor - Orlando de Paiva Vasconcelos de Carvalho - Manuel Baptista Dias da Fonseca - Silvino Alberto Villa-Nova - Licinio Adalberto Vieira de Castro Caseiro - Aurelio Pires Fernandes Vieira - Antonio Pereira de Miranda - Julio Carlos Gomes dos Santos - Jose Alfredo Soares Manso Preto - Fernando Pinto Gomes - Manuel Augusto Gama Prazeres - Antonio de Almeida Simões - João Alcides de Almeida - Frederico Carvalho de Almeida Batista - Joaquim Jose Rodrigues Gonçalves - Cesario Dias Alves - Mario Sereno Cura Mariano - Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo (votei a decisão, mas apenas por considerar que as normas do artigo 1110, ns. 2, 3 e 4, são excepcionais, não comportando, por isso, aplicação analogica - e não tambem por entender que não ha uma lacuna a preencher) -
- Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny [vencido. Tal como se alcança da parte discursiva do relatorio do presente acordão, a razão fundamental em que se baseou o "assento" agora tirado constitui na impossibilidade de aplicação analogica do dispositivo do artigo 1110 do Codigo Civil aos casos de união de facto cessante com a existencia de filhos menores, por se tratar de norma excepcional e ser tal aplicação defesa pelo artigo 11 do mesmo diploma.
Ora, se bem se atentar no n. 3 do referido artigo 1110, afigura-se-me que, havendo filhos menores, o legislador deu predominancia especial ao interesse destes, no sentido de o garantir na defesa do seu direito a habitação.
Simplesmente, sendo esse o espirito da lei e considerando que, actualmente, não existe diferenciação entre filhos de casamento ou de fora do casamento (artigos 13, n. 2, e 36, n. 3, da Constituição da Republica Portuguesa), impõe-se a conclusão de que os filhos de uniões de facto devem merecer igual protecção e que foi esse o pensamento do legislador.
Assim, o caso não e de aplicação analogica, mas sim "extensiva", esta permitida pelo mencionado artigo 11 (confere Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, 1931-1932, pagina 158, nota 2).
Alem disso, mesmo dentro da aplicação analogica, seria de atender a opinião de Manuel de Andrade, que so a entendia proibida quando colidisse com os principios essenciais de ordem publica, o que não e o caso dos autos.
Assim, votei no sentido de que, havendo filhos menores, o direito ao arrendamento deveria ser atribuido aquele dos progenitores a cuja guarda ficarem confiados, pelo menos enquanto tal situação não for modificada.
Alias, não se pode esquecer que, em processos de jurisdição voluntaria, a decisão não depende de criterios de legalidade estrita (artigo 1410 do Codigo de Processo Civil)] - Jose Manuel Meneres Sampaio Pimentel [vencido. Para que uma norma seja considerada como excepcional e indispensavel que estabeleça regime oposto dentro do mesmo instituto juridico, entendendo-se como tal o conjunto de relações juridicas irmanadas em função dos mesmos objectivos. Assim, não vejo como e possivel estabelecer a excepcionalidade relativamente a um instituto (cessão voluntaria da posição contratual) que nada tem a ver com a atribuição forçada, por via judicial, do direito ao arrendamento. Desta forma, não existe o obice da primeira parte do artigo 11 do Codigo Civil. A regra geral resultante dos artigos 1110 e 1111 do Codigo Civil e a de não se verificar a caducidade do direito ao arrrendamento quando, desfeito o casamento ou a união de facto, embora quanto a esta verificados certos requisitos de durabilidade. Não se previu, porem, o desfazer da união de facto em vida, existindo filhos menores, e o juiz atribuir ao progenitor não arrendatario o respectivo direito e em homenagem aos interesses daqueles incapazes. Mas a razão de ser e a mesma da subjacente ao artigo 1111, n. 2, do Codigo Civil, pelo que era possivel a integração de lacuna por analogia. Finalmente, invoco a opinião sustentada pelo Professor Doutor Pereira Coelho, Temas de Direito de Familia, pagina 17, onde precisamente analisa este caso].