Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06P4339
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: CARMONA DA MOTA
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
PRINCÍPIO DA NECESSIDADE DA PENA
MEDIDA DA PENA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Nº do Documento: SJ200702150043395
Data do Acordão: 02/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: REJEITADO O RECURSO.
Sumário : I - Uma situação de tráfico de drogas ilícitas tipificada no art. 21.º do DL 15/93 só merecerá o tratamento privilegiado do art. 25.º (“Tráfico de menor gravidade”) “se a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta (…) os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das substâncias [traficadas ou a traficar]”.
II - No caso, a ilicitude do facto, embora algo «diminuída» (pela circunstância de o arguido não passar de um “retalhista” de drogas leves), não se mostra, no seu todo, «diminuta», nem na sua imagem global, «consideravelmente diminuída». Com efeito, o arguido, na sua actividade de revenda de drogas ilícitas, exerceu-a em parceria com um irmão, durante um alongado período de tempo (de 13-02 a 02-10-03, data em que foi detido), com poiso certo («em frente ao estabelecimento comercial x») e, quando detido, detinha consigo, para outras revendas, uma grande quantidade de haxixe (mais de 15 «sabonetes»: 3,808 kg), e, proveniente de anteriores transacções, uma considerável importância em dinheiro (€ 1000). Além de que, «durante este período, não trabalhou nem teve qualquer outra fonte de rendimentos».
III - Tendo em conta, pois, os meios utilizados (nomeadamente a circunstância de o arguido não «trabalhar»), a modalidade e as circunstâncias da acção (que, limitando-se o arguido, embora, à revenda de doses individuais, o fez durante um prolongado período de tempo e, como que «estabelecido», em poiso certo) e a quantidade da droga transaccionada (haxixe adquirido em «sabonetes» de 250 g), a ilicitude (global) do facto, apesar do lugar (praticamente terminal) ocupado pelo arguido na cadeia de comercialização da droga, não se mostra, ante o paradigma do art. 21.° do DL 15/93, «consideravelmente diminuída» (art. 25.º).
IV - No caso, a qualificação da actividade do arguido como de «tráfico menor» seria fazê-lo passar por um mero «passador de rua», que o arguido, decididamente, não era; o que não prejudicará, obviamente, que - tratando-se, como se trata, de tráfico de fronteira entre o tráfico comum (punível com prisão não inferior a 4 anos) e o tráfico menor (punível com prisão não superior a 5 anos) - a respectiva penalização reflicta essa proximidade.
V - E, do mesmo modo que não existem circunstâncias que diminuam acentuadamente a ilicitude do facto, também não se detectam outras que «diminuam por forma acentuada a culpa do agente» (pois que nem sequer se provou a conexão entre os seus antigos consumos de droga e a sua mais recente actividade de passador de haxixe).
VI - Enfim, quanto à necessidade da pena, apenas concorre, a favor da sua contenção (e não, propriamente, da sua atenuação especial) o tempo [mais de 3 anos] entretanto decorrido sobre o crime (sendo que, em prisão preventiva de 03-10-03 a 15-12-05 e, desde então, sob obrigação - nem sempre cumprida - de permanência na habitação).
VII - É sabido que, de um modo geral, «a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva», vindo a ser «definitiva e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização».
VIII - No caso (em que a moldura penal abstracta do crime de tráfico comum de drogas ilícitas é de 4 a 12 anos de prisão: art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93), o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade - ou seja, a medida da pena que a comunidade entenderia necessária à tutela das suas expectativas na validade e no reforço da norma jurídica afectada pela conduta do arguido - situar-se-ia nos 5 anos de prisão (ante o facto de ele, embora mero retalhista de drogas ilícitas leves - haxixe - haver prolongado a sua actividade, concertadamente com o irmão, durante alguns meses e até à sua detenção (altura em que, na sua posse, tinha, para revenda, quase 4 kg de haxixe e, em resultado de vendas anteriores, mais de € 1000)).
IX - Mas, «abaixo dessa medida (óptima) da pena de prevenção, outras haverá - até ao “limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas” - que a comunidade ainda entenderá suficientes para proteger as suas expectativas na validade da norma». E, no caso, esse limite mínimo (da moldura de prevenção) poderá encontrar-se à volta dos 4 anos de prisão (uma vez que o arguido - apesar de tudo - ocupava, na cadeia de comercialização de drogas ilícitas, uma posição das menos remuneradas e de maior risco, de contacto directo com o consumidor).
X - «Os limites de pena definida pela necessidade de protecção de bens jurídicos não poderão ser desrespeitados em nome da realização da finalidade de prevenção especial, que só pode intervir numa posição subordinada à prevenção geral», mas, concorrendo esta, dentro dos limites da moldura de prevenção, para a concretização da pena, o comportamento anterior e posterior do arguido poderá invocar-se para quantificar exactamente a pena a meio [4,5 anos de prisão] - ou aproximadamente (por ex., 4 anos e 5 meses de prisão, como a fixaram as instâncias) - da moldura de prevenção. *

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Arguido/recorrente: AA ( 1)

1. OS FACTOS

Em ocasião aproximada e anterior a 13 de Fevereiro de 2003, os arguidos, que são irmãos, formularam o propósito de ceder haxixe a consumidores de droga que lha solicitassem, aceitando e exigindo em troca o pagamento das doses individuais por si entregues. Assim, em execução de tal desígnio, os dois arguidos, no dia 13 de Fevereiro de 2003, em frente ao estabelecimento comercial “...” efectuaram as seguintes entregas de haxixe a indivíduos de sexo masculino, recebendo em troca dinheiro: BB, às 14:10, às 14:20 e às 14:40; o arguido AA, às 14:28, às 14:35, às 14:41, às 15:30, às 16:25 e às 16:40. Prosseguindo tal actividade, os arguidos, no dia 27 de Fevereiro de 2003, no mesmo local, efectuaram as seguintes entregas de haxixe nas mesmas circunstâncias: o arguido BB pelas 20:47, 20:59 e 21:18; o arguido AA pelas 21:15 e 21:27. No dia 19 de Maio de 2003, sempre em frente ao “...” efectuaram as seguintes entregas de haxixe: o arguido AA, pelas 16:50, 17:22 e 17:31; o arguido BB, que na última entrega não recebeu dinheiro em troca, pelas 17:53, 18:00 e 18:09. No dia 20 de Maio de 2003, pelas 16:26, o arguido BB entregou pedaços de haxixe a indivíduo do sexo masculino, recebendo em troca dinheiro; às 17:34 desse dia, o arguido AA ausentou-se do local onde regressou cerca das 17:50; tendo trocado pedaços de haxixe e notas em dinheiro com o seu irmão. A 30 de Junho de 2003, o arguido BB em frente ao “...” entregou pedaços de haxixe, pelas 16:55, 17:17, 17:22, 17:28, 17:59 e 18:34, a indivíduos de sexo masculino e um de sexo feminino, tendo recebido dinheiro em troca. A 1 de Julho de 2003, no mesmo local e circunstâncias, efectuaram as seguintes entregas de haxixe: o arguido BB, pelas 16:57; o arguido AA, pelas 17:37. e pelas 18:00; os dois arguidos, entre as 18:00 e as 18:30. A 2 de Outubro de 2003, cerca das 7:00, o arguido AA tinha consigo, no quarto onde dormia situado no .., do lote ..., da R. Adães Bermudes, em Chelas, residência habitual da sua companheira CC, 3,720 kg de haxixe, divididos em 15 pedaços vulgarmente conhecidos como “sabonetes”, que estavam guardados numa embalagem de cartão por debaixo da cama do quarto onde o AA dormia; 88,20 g de haxixe que estavam na gaveta de uma cómoda do mesmo quarto; uma balança de precisão digital de marca “Tanita”; mil euros em dinheiro. Tinha em casa dos pais, situada no .., lote ..., da R. Adães Bermudes: - uma pistola de salva de calibre 9 mm pack, marca BBM, modelo Bruni 96, com o nº de série apagado, de origem italiana, adaptada abusivamente para calibre 7, 65 mm através da forma artesanal com a desobstrução do cano original e posterior introdução no seu interior de um cano de estriamento irregular de calibre 7,65 mm com o comprimento aproximado de 128 mm sendo redimensionada a câmara ao calibre atrás referido, em mau estado de conservação, sem funcionamento, acompanhada do respectivo carregador, 35 munições de calibre 7,65 mm de origem nacional e uma munição de calibre 7,65 mm, de marca GFL de origem italiana em estado funcional; - uma pistola de salva de calibre 8 mm, marca FT, modelo GT 28, sem nº de série, de origem italiana, adaptada abusivamente para calibre 7,65 mm através de forma artesanal com a desobstrução do cano original e posterior introdução no seu interior de um cano de estriamento irregular, de calibre 8 mm com o comprimento aproximado de 63 mm sendo redimensionada a câmara ao calibre atrás referido, em bom estado de conservação e normal estado de funcionamento acompanhada do respectivo carregador, quatro munições de calibre 6,35 mm, marca Geco de origem alemã a duas munições de calibre 6,35 mm, de marca GFL de origem italiana em bom estado funcional; - uma espingarda caçadeira, de calibre 12 com uma coronha serrada e ambos os canos serrados, marca Canones, modelo Demibloc, nº de série 131595 de fabrico espanhol em razoável estado de conservação e normal estado de funcionamento acompanhada de dois cartuchos de calibre 12 de base metálica corpo em plástico de cor azul, marca GB, carregados com bagos de chumbo em estado funcional. Também a 2 de Outubro de 2003, cerca das 07:00, BB tinha consigo no quarto onde dormia situado no ... do lote ... da R. Adães Bermudes , sua residência habitual: 238,245 g de haxixe e uma navalha com resíduos de tal substância; € 150 em dinheiro. A 8 de Outubro de 2003, cerca das 10:50,BB, quando estava em frente ao “...”, tinha consigo 35 euros provenientes da venda do produto estupefaciente (...).
O dinheiro encontrado a ambos os arguidos era proveniente da venda de produtos estupefacientes efectuadas pelos dois arguidos no período de tempo situado entre, pelo menos, 13 de Fevereiro e 1 de Julho de 2003. Durante este período, os arguidos não trabalharam nem tiveram qualquer outra fonte de rendimentos. Estavam cientes do perigo que decorria para as pessoas em geral da posse por sua parte das armas de fogo e da navalha “borboleta” que tinham consigo. Conheciam a natureza estupefaciente da cannabis por si entregue a terceiros consumidores com aceitação do dinheiro como pagamento do preço das doses fornecidas. Agiram consciente, livre e deliberadamente fazendo-o com plena liberdade de actuação. Sabiam que as suas condutas eram proibidas.
O arguido AA consome a partir dos 16 anos de idade; completou o 6º ano de escolaridade; era pintor de automóveis; o absentismo laboral, devido ao consumo de estupefacientes, obrigou-o a abandonar essa actividade, passando a fazer trabalhos pontuais na construção civil; tem uma namorada também consumidora; nunca viveram juntos; têm uma filha; vivem ambas em casa dos avós maternos; não tem antecedentes criminais.
Os arguidos confessaram parcialmente os factos e mostraram-se arrependidos; têm o apoio dos pais e irmãos, que os visitavam com regularidade no EPL.


2. A alteração da qualificação jurídica

2.1. O Ministério Público, na acusação, imputou aos irmãos AA e BB, «ao primeiro a prática em autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes p. p. art. 21, nº 1 do DL 15/93 (...) e ao segundo, também em autoria material, um crime de tráfico de estupefacientes, p. no art. 21/1 do DL 15/93 (...)».

2.2. «Os arguidos requereram a abertura da instrução e foram pronunciados pelos factos e dispositivos legais descritos na acusação (...)»

2.3. «Alegaram, em síntese, na contestação, que não corresponde à verdade que os arguidos tivessem formulado o propósito de ceder produto estupefaciente (...); que tão só o fizeram nas datas e nas horas referidas nos autos de vigilância o que é comprovado através da reportagem de vídeo; que não é verdade que o dinheiro encontrado a ambos os arguidos fosse proveniente da venda de produtos estupefacientes entre 13 de Fevereiro e 8 de Outubro de 2003; (...) que o dinheiro apreendido (...) a AA tinha sido emprestado por um outro irmão que vive na Suíça; que a actividade levada a cabo pelo arguido BB se enquadra no art. 25.º do DL 15/93»

2.4. «Quanto ao crime de tráfico de estupefacientes, entendeu-se, no anterior acórdão deste tribunal colectivo resultar dos factos descritos na acusação que aos arguidos AA e BB, e apenas a estes dois arguidos, era imputada a prática deste crime em co-autoria e não em autoria material como, por lapso, constava da parte final do texto acusatório»

2.5. «Os arguidos interpuseram recurso para a Relação de Lisboa, o qual confirmou integralmente a decisão recorrida. Inconformados, interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando violação do disposto no art. 358, nº 1 e 3, do CPP, contradição insanável da fundamentação, nos termos do disposto no art. 410, nº 2, al. b) do C.P.P. e pugnando pela integração da factualidade apurada no crime de tráfico de menor gravidade p. no art. 25, nº 1, do DL 15/93. O STJ decidiu declarar nula a decisão recorrida, nos termos do art. 379, al. b) do CPP e determinou que tal nulidade fosse sanada nos termos legais. Reaberta a audiência, em obediência ao decidido pelo STJ, foi dado cumprimento ao disposto no art. 358, nº 1 e 3, do CPP, tendo os arguidos requerido a audição de uma testemunha. Na data designada para a sua inquirição veio esta testemunha, que não compareceu no tribunal por motivos de doença, a ser substituída pela testemunha DD. Inquirida a testemunha seguiram-se novas alegações finais»


3. A CONDENAÇÃO

Com base nos factos provados em julgamento, a 9.ª Vara Criminal de Lisboa, em 24Fev06, condenou o arguido AA (-05/03/71), por um crime de detenção de arma proibida p. p. art. 275, n.ºs 1 e 3, do C. Penal, com referência às al.s a) e d) do nº 1 do art. 3 do DL 207-A/75, na pena de 5 meses de prisão; pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes p. p. art. 21 do DL 15/93, na pena de 4 anos e 5 meses de prisão; e, em cúmulo, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão:

Os arguidos AA e BB encontram-se ambos acusados e pronunciados de um crime de tráfico de estupefacientes p. no art. 21/1 do DL 15/93 e um crime de detenção de arma proibida p. e p. respectivamente pelo art. 275/1 do C. Penal com referência às al.s a) e d) do nº1 do art. 3 do DL 207-A/75, de 17 de Abril (AA) e 275/3 do mesmo Código com referência á al. f) do nº1 do art. 3 do DL 207-A/ 75, de 17/4 (BB). Quanto ao crime de tráfico de estupefacientes alegam os arguidos em sua defesa que não é verdade que tivessem ambos formulado o propósito de ceder produto estupefaciente e que a actividade levada a cabo pelo arguido BB se enquadra no tráfico de menor gravidade p. art. 25 do DL 15/93. De acordo com o disposto no art. 26 do C. Penal, é punido como autor quem executa o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem ou toma parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros e ainda quem dolosamente determina uma pessoa á prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução. Assim, nos termos deste normativo, a co-autoria pressupõe que o agente tome parte directa na execução do facto, por acordo ou juntamente com outro ou outros. Exige-se a presença de um elemento objectivo que consiste na prática, por cada um dos agentes, pelo menos de uma parte dos actos típicos; e um elemento subjectivo, que exige que, á soma dos actos dos vários agentes, esteja a presidir um desígnio comum, o qual uniformiza as condutas de cada um dos participantes e permite que a todos eles seja imputado o resultado típico na sua globalidade. Este desígnio comum a presidir ás várias actuações tanto pode ser expresso como tácito, podendo inferir-se dos actos materiais praticados. A co-autoria requer que os intervenientes se vinculem reciprocamente mediante um acordo para a realização do facto. Não é necessário que cada agente intervenha em todos os actos necessários á produção do resultado, basta que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento indispensável á produção desse resultado. Resulta dos factos provados que os arguidos AA e BB formularam um propósito comum de ceder haxixe a consumidores exigindo em troca o respectivo pagamento e que em execução desse desígnio em vários dias do período compreendido entre Fevereiro e Julho de 2003 os dois, em conjunto ou separados, entregavam aos consumidores que se aproximavam do estabelecimento .... porções de haxixe e recebiam, em troca, dinheiro. O facto de nem sempre estarem juntos não tem neste caso qualquer significado pois como resultou da prova produzida os arguidos por vezes permaneciam alternadamente no local mas ficava sempre um deles com uma tarefa determinada. Em suma, resulta com alguma evidência, da prova produzida que houve um acordo entre ambos os arguidos com vista á prática dos factos de que vêm acusados. São pois co-autores do crime de tráfico de estupefacientes.
Coloca-se agora a questão de saber se os factos provados integram a previsão do art. 25 DL 15/93. Comete o crime de tráfico de estupefacientes p. art. 21 do DL 15/93 quem, sem autorização cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser á venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem plantas, substâncias estupefacientes. O crime de tráfico de menor gravidade p. art. 25 pressupõe que se verifique qualquer uma das circunstâncias ps. art. 21 atenuadas por uma ilicitude consideravelmente diminuída. A menor severidade da punição consagrada no art. 25 do DL 15/94 corresponde a uma menor perigosidade presumida da acção para os bens jurídico-penalmente protegidos por tal norma, a saber, a saúde e integridade física das pessoas e a saúde pública em geral. Saber se determinada actividade de tráfico de estupefacientes deve ser integrada no art. 21 ou não deverá ir para além do tráfico de menor gravidade p. no art. 25 nem sempre é tarefa fácil. Apontam-se, em recente acórdão do STJ, vários critérios que poderão permitir distinguir estas duas actividades (acórdão de 13 de Fevereiro de 2003, publicado na CJ/STJ, ano XXVIII, Tomo I, pág.191). Porém, como resulta de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça citada nesse acórdão, “para se aquilatar do preenchimento do tipo legal do art. 25 ou 21 haverá que se proceder a uma valorização global do facto (...)” que “ (...) aferir se no caso a imagem global do facto que se consegue extrair da matéria considerada como provada encontra na moldura penal do art. 21 do DL 15/93 uma resposta justa ou proporcional, ou se, pelo contrário circunstâncias existem designadamente por referência aos elementos normativos do art. 25 susceptíveis de revelarem uma intensidade de ilicitude muito menor à pressuposta por aquela norma, e como tal, a justificar uma punição que logicamente lhe fique aquém” (pág. 193 e 195, acórdãos de 7/12/1999 e de 1/3/2001).
No caso vertente, considerando o tempo de duração da actividade desenvolvida pelos arguidos que, pelo menos, se prolongou por cinco meses, a quantidade considerável de substância estupefaciente que tinham em seu poder, cerca de 4 kg de haxixe, que permitiria um expressivo número de vendas e uma disseminação alargada desta substância e os faria obter ganhos também bastante consideráveis, o local onde, durante aquele período, venderam o haxixe, numa zona de grande movimento, perto de um estabelecimento comercial e a quantia que tinham em seu poder proveniente de vendas, afigura-se-nos que a conduta dos arguidos deverá ser integrada no tráfico de estupefacientes p. art. 21. Com efeito, apreciando globalmente a actividade desenvolvida pelos arguidos, e o grau de perigosidade criado por essa actividade não nos parece que estejamos perante uma ilicitude consideravelmente diminuída para os efeitos do disposto no art. 25 do DL 15/93. E, assim se conclui que os arguidos cometeram o crime de tráfico de estupefacientes de que vêm acusados ao qual é aplicável, em abstracto, uma pena de prisão de 4 a 12 anos.
Crimes de detenção de arma proibida. Da prova produzida resulta ainda que o arguido AA cometeu um crime de detenção de arma proibida p. no art. 275/ 1 do C. Penal, com referência às al.s a) e d) do nº1do art. 3 do DL 207-A/75, de 17 de Abril, ao qual é aplicável uma pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias, nos termos do n.º 3 desse preceito legal. E resulta que o arguido BB era portador de uma navalha tipo borboleta com uma lâmina medindo 9,5 cm que se encontra escondida no interior de dois suportes laterais que uma vez accionados, permitem a exposição da lâmina. São proibidas, nos termos da alínea f) do nº1 do art. 3 do DL 207-A/75, “as armas brancas ou de fogo com disfarce que possam ser usadas como armas letais de agressão, não justificando o seu portador a sua posse”. A navalha tipo borboleta é, pelas razões apontadas, uma arma branca de disfarce e pode ser usada como arma letal de agressão. É, por isso, uma arma proibida a não ser que o seu detentor demonstre a necessidade de tal detenção. Não justificando tal detenção presume-se que visa fazer dela uso indevido ou proibido. Donde se conclui que o arguido BB também incorreu num crime de detenção de arma proibida, ao qual corresponde, em abstracto, a mesma pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias. Inexistindo causa de exclusão da culpa ou da ilicitude dos arguidos resta determinar as penas concretas a aplicar a cada um.
Determinação da medida concreta da pena. A pena é determinada em função da ilicitude, da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial, tudo de acordo com o disposto nos art.s 71 do CP. Ponderaremos: O dolo directo e a ilicitude de grau mediano/baixo, atenta a quantidade e a natureza da substância estupefaciente (das menos nocivas e de menor perigosidade) e o tempo em que se prolongou a actividade dos arguidos. Quanto às armas, um maior grau de ilicitude do arguido AA e uma ilicitude reduzida do BB. A confissão parcial dos factos que, não obstante a clareza e a evidência das imagens captadas pelos agentes policiais, ainda assim, teve algum relevo para a descoberta da verdade. O arrependimento demonstrado em audiência. O apoio familiar de que dispõem (dos pais e dos irmãos). A idade dos arguidos; 33 anos o AA (...). As motivações dos arguidos que não ficaram devidamente esclarecidas (...). A ausência de consequências no caso das armas (que não foram utilizadas). Verificou-se, contudo, o perigo que o tipo de crime incrimina. A ausência de antecedentes criminais do arguido AA (...) não devem deixar de ser atendidos na determinação da medida concreta da pena. As exigências de prevenção geral são muito intensas.


4. O RECURSO PARA A RELAÇÃO

4.1. Inconformado, o arguido AA recorreu em 14Mar06 à Relação, pedindo «a aplicação de uma pena única que não ultrapasse os 4 (quatro) anos de prisão, permitindo o retorno à sociedade e a ressocialização de forma eficaz»:

Vêm os Rec. condenados em co-autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. art. 21º do DL n.º 15/93 de 22 de Janeiro. Sucede porém que o crime do qual os Rec. vêm condenados não foi praticado em co-autoria. Tal como resulta da acusação do MP e posterior despacho de pronúncia do Juiz de Instrução Criminal, os Rec. cometeram cada um isoladamente um crime de tráfico de estupefacientes. Negam os Rec. que tivessem formulado qualquer propósito de, em conjunto, se dedicarem à venda de produto estupefaciente. Nem tal circunstância foi dada como provada, não se podendo alcançar um facto conclusivo para afirmar o que não o foi expressamente. Pelo que deveriam ser condenados enquanto autores materiais, não como co-autores. Os Rec. sempre rejeitaram que tivessem agido concertadamente. O Ac. rec. violou o disposto no art. 26.º do C. Penal, devendo o tribunal ‘a quo’ ter entendido ser de condenar os recorrentes como autores materiais do indicado ilícito. (...) A actividade desenvolvida pelos Rec., se considerarmos que são autores materiais de um crime de tráfico de estupefacientes, não apresenta um elevado grau de perigosidade nem de ilicitude, quer atendendo ao modo de execução do crime (em plena via publica), quer à qualidade (é considerada a droga com menor grau de toxicidade) quer à periodicidade (foram observados por 6 vezes distintas num período de 5 meses), quer ainda ao facto de serem, eles mesmos, também consumidores de haxixe, quer, por fim, aos 200 e tal gramas de haxixe e 185 euros apreendidos a BB (...). O entendimento defendido pelo Ac. recorrido viola o disposto naquela disposição legal, sendo de se aplicar a solução pugnada pelos recorrentes como mais adequada à lei e aos factos dados como provados. Quanto à medida da pena, considera-se que as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir em concreto aconselham a aplicação de uma pena de prisão que não vá além do mínimo legal previsto na lei: 4 anos de prisão quanto ao crime de tráfico, devendo ser de aplicar uma pena de multa quanto ao crime de detenção ilegal de arma. Deveria ter sido atendido as condições pessoais dos arguidos, que eram consumidores de haxixe, que dispõem de adequado suporte familiar, o AA que foi progenitor estando já em prisão preventiva à ordem dos presentes autos; de se considerar ainda como positivo o actual afastamento dos recorrentes do meio prisional e a desnecessidade de ali regressaram, sendo certo que o grau de ilicitude do facto é diminuto, e bem assim as consequências do crime praticado. De tudo resulta que o tribunal ‘a quo’ deveria ter interpretado e aplicado as normas contidas no art. 71.º n.º1 e 2 als. a), b) e d) na sua correcta dimensão e alcance.

4.2. Mas a Relação de Lisboa, em 21Set06, rejeitou liminarmente os recursos por manifesta improcedência:

Os arguidos vieram pôr em crise: - a qualificação jurídica dos factos (os factos deveriam ser integrados no art. 25.º do DL 15/93); - erro notório na apreciação da prova, nomeadamente que os arguidos tivessem agido em co-autoria material; - a medida da pena. Resulta das conclusões da motivação formulada pelos recorrentes que estes impugnam a decisão do tribunal de 1ª instância ao nível da matéria de facto. In casu, este tribunal poderia conhecer de facto, em conformidade com o preceituado no art. 428° do CPP, uma vez que houve documentação da prova produzida, oralmente, na audiência em 1ª instância. Sucede, porém, que, em conformidade com o disposto na al. b) do art. 431º do CPP, e sem prejuízo do disposto no art. 410° do mesmo Código, a decisão sobre a matéria de facto só pode ser modificada, havendo documentação da prova, se esta tiver sido impugnada nos termos do art. 412.3. Dispõe este normativo que, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida e/ou as que deviam ser renovadas, sendo certo que nestes últimos casos (das als. b) e c) referidas), tal especificação faz se "por referência aos suportes técnicos", em conformidade com o preceituado no n° 4 do mesmo art. 412°. Discutindo o acerto da factualidade dada como provada na sentença recorrida, não deram os recorrentes cumprimento às exigências enunciadas, visto não terem efectuado referência aos suportes técnicos no sentido de concretamente em que se baseia a sua discordância da decisão do tribunal. Não basta dizer em termos genéricos que os arguidos não agiram em co-autoria. Não especificam também nas conclusões as provas que impõem decisão diversa da recorrida. Não tendo os recorrentes impugnado a matéria de facto nos termos do art. 412º, n.ºs 3 e 4, do CPP, como o demonstram as conclusões da motivação dos recursos, deverão ser rejeitados por manifestamente improcedentes nesta parte. E, assim sendo, o incumprimento daquele ónus acarreta a impossibilidade de o tribunal de recurso modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto (al. b) do art. 431º do CPP). Pela constitucionalidade deste entendimento se pronunciou o TC 140/2004, de 10.03.04, que decidiu "não julgar inconstitucional a norma do artigo 412.3.b e 4, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne matéria de facto, da especificação nele exigida tem como efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência do recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências". É de verificação oficiosa os vícios constantes do art. 410.° n.ºs 2 e 3 do CPP, que no caso se não constatam, como se verá. Recorde-se que a norma respeita aos vícios da decisão, verificáveis pelo mero exame do seu (dela, decisão) próprio texto, ou por esse exame conjugado com as regras da experiência comum. Por outras palavras, elementos estranhos à decisão não podem ser invocados ou chamados a fundamentar esses vícios que, repete-se, têm de resultar do próprio texto, e apenas deste. Da leitura do acórdão recorrido ressalta a enorme clareza do texto e do sentido da decisão, não existindo a mais ténue obscuridade ou contradição. Trata-se de um texto integralmente lógico, bem estruturado e devidamente fundamentado. Do erro notório na apreciação da prova - trata-se, como pacificamente tem vindo a ser considerado, de um erro (ignorância ou falsa representação da realidade) evidente, facilmente detectado, e resultante do texto da decisão ou do encontro deste com a experiência comum. É manifesta a ausência de tal erro, que nos deveríamos bastar com esta declaração. No entanto, refira-se ainda que o que resulta da motivação dos recursos é a discordância dos recorrentes relativamente àquilo que o tribunal deu como provado; ou seja, discordância entre aquilo que o tribunal considerou provado e aquilo que os recorrentes entendem ter (ou não ter) resultado da prova produzida. Ora, tal nada tem a ver com o erro notório na apreciação da prova, que consistiria em considerar-se provado algo notoriamente errado, que não poderia ter acontecido, algo de ilógico, arbitrário ou notoriamente violador das regras da experiência comum. Tem sim a ver com a formação da íntima convicção do julgador, segundo as provas valoradas segundo as regras técnicas e da experiência, que este tribunal não pode, como vimos, ora sindicar. Registe-se que os arguidos negaram que agissem em co-autoria. Só que o tribunal a quo justifica a sua decisão com base no visionamento de cassete-video (a forma como ambos vendiam o haxixe), no depoimento dos agentes policiais, e ainda no facto de, por exemplo, a droga apreendida aos arguidos pertencer ao mesmo lote. Veja-se ainda o que refere o acórdão recorrido: “Mostrou ter perfeito conhecimento dos rotinas dos arguidos quando se encontravam no local, nomeadamente, nos contactos com os consumidores e na forma como se revezavam e dos locais onde guardavam a droga e o dinheiro; Todos os agentes destacaram o facto de, em regra, os arguidos permanecerem no local alternadamente e uma vez ou outra quando se juntavam trocarem, entre si, substância estupefaciente e dinheiro como, por exemplo, sucedeu no dia 20 de Maio de 2003; concluíram, em face da observação que efectuaram durante o período das vigilâncias, que os arguidos tinham repartido tarefas entre si e que estavam a desenvolver aquela actividade em conjunto”. Não procede a invocação deste erro. Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - verifica-se este vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito. E só existe quando o tribunal deixar de investigar o que devia e podia, tornando a matéria de facto insusceptível de adequada subsunção jurídica, concluindo-se pela existência de factos não apurados que seriam relevantes para a decisão da causa. É por demais evidente que todos os factos à boa decisão foram devidamente apreciados pelo tribunal, sendo os demonstrados, objectiva e subjectivamente típicos, e suficientes para a conclusão de direito. Da contradição insanável da fundamentação e da fundamentação e da decisão - nada na fundamentação da decisão recorrida aponta no sentido de decisão oposta à tomada, ou no sentido da colisão entre os fundamentos invocados. Pelo contrário, a decisão de facto encontra-se devidamente fundamentada e suportada por prova testemunhal e documental, que o tribunal devidamente valorou, numa forma clara e perceptível, sendo facilmente perceptível o seu processo lógico-mental de formação da convicção. Com efeito, a decisão não enferma de qualquer dos vícios do n° 2 do art. 410º do CPP. Assim, a matéria de facto encontra-se definitivamente fixada. Da qualificação jurídica e da medida da pena. Foram os arguidos condenados: - O arguido AA, pela prática em co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes p. p. art. 21 do DL 15/93, na pena de 4 anos e 5 meses de prisão e, por um crime de detenção de arma proibida p. p. art. 275, nº l e 3 do C. Penal na redacção do DL 98/2001, com referência às als. a) e d) do nº l do art° 3 do DL 207-A/75, numa pena de 5 meses de prisão; - e em cúmulo, nos termos do disposto no art° 77.° do CP, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão; - O arguido BB, pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes p. p. art. 21 do DL 15/93, na pena de 4 anos e 8 meses de prisão e, por um crime de detenção de arma proibida p. p. art. 275, n° 3, do C.P, numa pena de 2 meses de prisão; - e em cúmulo, na pena única de 4 anos e 8 meses de prisão. Refere-se no Dec- Lei 15/93 que na prática do crime de tráfico previsto no art. 21° "quem, sem para tal se encontrar autorizado, (...) produzir, comprar, vender, ceder ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40°, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III”. Como é, hermeneuticamente, entendimento pacífico, o referido preceito define o tipo fundamental do crime de tráfico de estupefacientes, no qual se punem diversas actividades ilícitas, cada uma delas de per si integradora do elemento objectivo deste crime. Nos artigos 25° e 26°, são definidos tipos privilegiados em relação ao tipo fundamental do artigo 21°. Diga-se ainda que o crime de tráfico só será subsumível ao tipo privilegiado do art. 25° se a ilicitude se revelar consideravelmente diminuída ou no tipo privilegiado do art. 26° (traficante-consumidor) quando o agente tiver por finalidade exclusiva conseguir droga para o seu uso pessoal. O crime de tráfico de menor gravidade fundamenta-se assim na diminuição considerável da ilicitude do facto, revelada pela valoração em conjunto de diversos factores, alguns deles exemplificativamente indicados na norma: os meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade ou quantidade das substâncias. E o enquadramento da conduta de qualquer um dos arguidos na previsão do citado art. 25° mostra-se afastado. Como já o dissemos, o crime de tráfico de menor gravidade fundamenta-se na diminuição considerável da ilicitude do facto, revelada pela valoração em conjunto de diversos factores, como sejam: os meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade ou quantidade das substâncias. E, no caso em apreço, importa ter em conta a qualidade dos produtos estupefacientes em causa, de grande perniciosidade para a saúde, embora não seja uma droga dura, aliada à quantidade dos mesmos produtos transaccionada pelos arguidos durante os referenciados períodos, constatada pela decisão recorrida de que era vendida droga a grande numero de consumidores bem como que o faziam durante cerca alguns meses. Neste contexto, tendo em conta o modo de actuação dos arguidos, a qualidade e quantidade dos produtos estupefacientes em causa, não se poderá concluir pela particular diminuição da ilicitude da conduta dos arguidos, donde se tem por afastado o seu enquadramento no crime de menor gravidade previsto no citado art. 25°. Como justificou o acórdão recorrido: “No caso vertente, considerando o tempo de duração da actividade desenvolvida pelos arguidos que, pelo menos, se prolongou por cinco meses, a quantidade considerável de substância estupefaciente que tinham em seu poder, cerca de 4 kg de haxixe, que permitiria um expressivo número de vendas e uma disseminação alargada desta substância e os faria obter ganhos também bastante consideráveis, o local onde, durante aquele período, venderam o haxixe, numa zona de grande movimento, perto de um estabelecimento comercial e a quantia que tinham em seu poder proveniente de vendas”. E constitui jurisprudência actualmente pacífica que o crime de tráfico de estupefacientes, em qualquer das suas modalidades, é um crime de perigo abstracto ou presumido, pelo que não se exige, para a sua consumação, a existência de um dano real e efectivo. O crime consuma-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem protegido (a saúde pública). A conduta dos arguidos preenche os elementos objectivos e subjectivos do crime de tráfico previsto art. 21°, nº 1, do DL 15/93, com referência à Tabela l-C anexas ao citado diploma. Ao referido ilícito corresponde pena de prisão de 4 a 12 anos. A conduta dos arguidos preenche ainda os elementos objectivos e subjectivos de: - um crime de detenção de arma proibida p. p. art. 275, nº l e 3, do CP, na redacção do DL 98/2001, com referência às als. a) e d) do nº 1 do art. 3 do DL 207-A/75 de 17/4 (arguido AA); - um crime de detenção de arma proibida p. p. art. 275, n° 3, do CP, com referência á al. f) do nº 1 do art. 3 do DL 207-A/75, de 17/4 (arguido BB). Da análise da sentença sob recurso consideramos que a matéria de facto dada como provada e não provada na decisão recorrida, é clara e incontroversa. A sentença em recurso, na sua bem elaborada e suficiente fundamentação de facto - em consonância com o principio da livre apreciação da prova, enunciado no art. 127.° do CPP - e de direito, analisou todos os pressupostos que permitiram tipificar a matéria fáctica dada como provada. Relativamente à sentença dos autos, entende-se pela fundamentação qual o raciocínio lógico que levou o tribunal a dar como assentes os factos provados. A ilicitude dos factos deve ser apreciada de uma forma global ponderando a qualidade da droga, a quantidade em causa e bem assim os "meios, modalidades e circunstâncias da actividade do tráfico, como por exemplo, se é ou não sistemático, sua amplitude, a existência de estruturas organizativas ainda que rudimentares, o papel desempenhado nesse tráfico, a disponibilidade económica correlativa a essa actividade, a quantidade de estupefacientes destinada ao tráfico em comparação com a detida para consumo pessoal" (cfr. Lourenço Martins, Droga - Comentários às Decisões de 1.ª Instância, 1993, p. 271 e nota 4, citando a Rivista Penale). Tendo os arguidos praticado factos típicos, ilícitos e culposos e não se encontrando reunidos os pressupostos da dispensa de pena, impõe-se a aplicação de pena, como consequência jurídica da prática do crime. A determinação da medida da pena continua compreendida dentro da faculdade discricionária do juiz (Cavaleiro Ferreira, "Boletim dos Institutos de Criminologia", 64) após a subsunção dos factos aos preceitos penais e respeitando os pressupostos a que se refere o artigo 71.° do Código Penal. E um dos princípios basilares do Direito Penal reside na compreensão de que toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta. A medida da pena não é pura matemática, antes uma operação complexa desenrolada em três fases: - escolhem-se os fins das penas, pois só a partir deles se podem ajuizar os factos do caso concreto relevantes para a determinação da pena e a valoração que lhes deve ser dada (o n.º 1 indica a culpa do agente em primeiro lugar, mas no mesmo nível situa as exigências de prevenção), lembrando que agora dispõe o art. 40.º, n.º 1, sobre as finalidades da punição - protecção dos bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade; - fixam-se os factores que influem no doseamento da pena, as circunstâncias concorrentes no caso concreto que, em relação com os fins das penas, têm importância para a determinação do tipo e gravidade da pena (indicados, exemplificativamente, no n.º 2); - tecem-se os considerandos que fundamentam a determinação efectuada (de acordo com o n.º 3). É conhecida a severidade do ordenamento jurídico português contra os traficantes de produtos estupefacientes. As exigências de prevenção geral, não é despiciendo salientá-lo, são elevadas, atenta a natureza do ilícito em causa, que, hodiernamente, dentro da panóplia de tipos legais de crimes, é seguramente dos que maior repulsa social concita em decorrência dos malefícios que potencia, sobejamente conhecidos e referidos pelo acórdão recorrido. Igualmente são patentes as necessidades de prevenção especial. Escreve-se num recente relatório elaborado pelas Nações Unidas: "a luta contra o abuso de drogas é, antes de mais e sobretudo um combate contra a degradação e a destruição de seres humanos. A toxicomania priva ainda a sociedade do contributo que os consumidores de drogas poderiam trazer à comunidade de que fazem parte. O custo social e económico do abuso de drogas é. pois, exorbitante, em particular se se atentar nos crimes e violências que origina e erosão de valores que provoca". Graves são também as consequências do facto, como é lógico, no que se refere à saúde física e psíquica de todos aqueles que usem o produto - que é considerado droga dura e que, como é sabido, tantos malefícios ocasiona às pessoas que a utilizam, bem como às famílias respectivas e à própria comunidade. Sendo finalidades das penas a protecção de bens e valores jurídicos e a reintegração do agente delituoso na sociedade (prevenção geral e prevenção especial, respectivamente), há que buscar um ajustado equilíbrio entre elas, equilíbrio esse que não inibe que, perante o caso concreto uma dessas finalidades possa e deva prevalecer sobre a outra. Contra os arguidos há a considerar a gravidade objectiva e subjectiva dos factos; a ilicitude é mediana como o é o grau de culpa. Ora, os bens e valores jurídicos protegidos e tutelados no e pelo art. 21.1 do DL n.º 15/93 são indiscutivelmente muito valiosos - o que explica a severidade das sanções e a amplitude do horizonte típico -pelo que não podem ficar indefesos por via de uma eventual supremacia (ou prevalência) do escopo da ressocialização sobre o da sua eficaz salvaguarda: quando assim suceda ou seja, quando a prevenção especial deva ceder o lugar à prevenção geral, competirá ao arguido, na fase da execução penal, demonstrar que o desiderato reintegrador venha ou possa vir a ser assegurado. E como acima se expôs, face às finalidades das penas. em caso algum pode a pena ultrapassar a medida da culpa. E, como aponta a decisão recorrida, “o dolo directo e a ilicitude de grau mediano/baixo atenta a quantidade e a natureza da substância estupefaciente (das menos nocivas e de menor perigosidade) e o tempo em que se prolongou a actividade dos arguidos”. Quanto às armas, um maior grau de ilicitude do AA e uma ilicitude reduzida do BB. A confissão parcial dos factos que, não obstante a clareza e a evidência das imagens captadas pelos agentes policiais, ainda assim, teve algum relevo para a descoberta da verdade. O arrependimento demonstrado em audiência. O apoio familiar de que dispõem (dos pais e dos irmãos). A idade dos arguidos; 33 anos o AA e 30 o BB. As motivações dos arguidos, que não ficaram devidamente esclarecidas, uma vez que aparentemente e de acordo com os relatórios sociais pelo menos o BB tem, ou tinha, possibilidades trabalhar na Suíça, para onde se ausentou quando saiu em liberdade em Maio de 1999. A ausência de consequências no caso das armas, que não foram utilizadas. Verificou-se, contudo, o perigo que o tipo de crime incrimina. A ausência de antecedentes criminais do arguido AA e os antecedentes criminais do arguido BB, que embora, pelas razões já expostas, não bastem para que se puna o arguido como reincidente não devem deixar de ser atendidos na determinação da medida concreta da pena. As exigências de prevenção geral que são muito intensas. No caso sub judice, entende-se que foram bem doseadas as penas aplicadas aos arguidos recorrentes, de quatro anos e cinco meses de prisão (arguido AA) e de quatro anos e oito meses de prisão (arguido BB), pelo crime de tráfico de estupefacientes. Relativamente ao crime de detenção de arma proibida p. p. art. 275, nº 3, do CP, foi aplicada a pena de 5 meses de prisão ao arguido AA, e a pena de 2 meses de prisão ao arguido BB, sendo correctamente fixadas e correcta a opção pela pena de prisão, por só esta se mostrar adequada às finalidades da punição. Não merecem também censura os cúmulos jurídicos efectuados, ponderadas que foram no seu conjunto a personalidade dos arguidos e os factos praticados. A suspensão da execução da pena de prisão só tem lugar quando tiver sido aplicada em medida não superior a três anos, pelo que desde logo se mostra afastada no que respeita aos arguidos recorrentes. Assim, em termos globais, a decisão sob recurso não merece censura. (...) A pretensão dos arguidos é, pelo que expôs, formal e substancialmente improcedente.


5. O RECURSO PARA O SUPREMO

5.1. Notificado por c/r de 22Set06, o arguido, em 13Out06 (2), recorreu ao Supremo, pedindo «uma pena de prisão que não vá além dos 3 anos, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos»:

Os recorrentes afirmam que é da mais elementar justiça enquadrar os factos dados como provados na previsão do art. 25.° do DL n.º 15/93. Acrescentam ainda que outro facto deverá relevar e que era inexistente aquando da primeira passagem dos autos por este Supremo Tribunal de Justiça. Têm os recorrentes estado em prisão domiciliária, integrando-se aos poucos na comunidade de origem, constituindo um retrocesso na sua reinserção social nova inclusão no meio prisional. Louvamos a rápida entrada do novo CPP, que prevê alargadas medidas de flexibilização das penas, nomeadamente a extensão aos condenados definitivos do regime da vigilância electrónica. Pelo exposto, entendem os recorrentes que a pena a aplicar em concreto deveria ser a prevista no art. 25.° do citado Decreto-Lei e, caso assim se não entenda, deverá ser aplicada uma pena especialmente atenuada, com os fundamentos de facto e de direito já anteriormente explanados pelos recorrentes quando do recurso interposto da decisão da 1.ª instância. De momento ainda não estão em vigor tais medidas, rogando os recorrentes o provimento do presente recurso em toda a sua plenitude e, em consequência, ordenem a baixa dos autos ao TRL para correcção dos vícios apontados. Caso não dêem provimento a tal parte, que concedam uma oportunidade aos recorrentes de prosseguirem o seu processo de ressocialização longe do estabelecimento prisional. Conclusões: - Não se verifica qualquer “manifesta improcedência” nas motivações/conclusões do recurso apresentado pelos recorrentes, que deram integral cumprimento ao disposto no art. 412.° n.º 2 do CPP, até porque, tendo recorrido sobre matéria de direito e verificando-se o cumprimento desse preceito, nenhum fundamento legal existe para aquela rejeição. Por não cumprirem o n.º 3 do citado preceito, deveria o tribunal recorrido ter ordenado aos recorrentes que corrigissem tal vicio e, jamais, a rejeição liminar do recurso. Devendo, como se verifica para o n.º 2 do art. 412.° do CPP, entender-se como violador do ac. n.º 320/2002, de 09.07, do Tribunal Constitucional, o entendimento segundo o qual é de rejeitar de imediato o recurso que não dá cumprimento ao disposto no n.º 3 do art. 412.° do CPP, pelo que se deverá ordenar a devolução dos autos ao tribunal recorrido para que dê cumprimento ao preceituado na lei, por um lado conferindo a possibilidade aos recorrentes de corrigirem o vício e, de seguida, dando cumprimento ao disposto no art. 412.° do CPP;. Caso assim se não entenda, os factos dados como provados (...) integram a previsão do art. 25.° do DL 15/93. Devendo ainda considerar-se a aplicação de uma pena adequada às condições pessoais dos arguidos e à circunstância de os recorrentes estarem afastados do sistema prisional desde a anterior decisão deste Supremo Tribunal de Justiça. Reiterando aqui idêntica argumentação já expendida nas suas anteriores motivações sobre tal matéria (e que, por economia processual, se dispensam agora de realizar, mas que dão por integralmente por reproduzida), entendem que estão no correcto caminho para o afastamento do consumo de drogas e a sua reintegração no sistema prisional irá prejudicar a sempre desejada ressocialização. Aceitam como acertada uma pena de prisão que não vá além dos 3 anos, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos.

5.2. O MP, na sua resposta de 03Nov06, sustentou que «a manifesta improcedência se mantém em relação a este novo recurso».


6. A DEFINITIVIDADE DA PENA POR DETENÇÃO DE ARMA proibida

6.1. Não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções (...)» (art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP). Ou seja, «mesmo em caso de concurso de infracções», não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime ou crimes individualmente puníveis com pena de prisão não superior a cinco anos.

6.2. No caso, um dos «processos conexos» (cfr. art.s 24.º e 25.º do CPP) (3) versa um crime punível com pena de multa ou de prisão não superior a cinco anos de prisão (cfr. art. art. 275, n.ºs 1 e 3, do C. Penal) (4) e daí, pois, que valha como «processo por crime a que é aplicável pena de prisão não superior a cinco anos».

6.3. Se julgado isoladamente, não haveria dúvidas de que não seria admissível recurso do(s) acórdão(s) proferido(s), em recurso, pela Relação.

6.4. Ora, não há razões substanciais - ou sequer, processuais - para que se adopte um regime diverso de recorribilidade em função da circunstância de, por razões de «conexão» («de processos» - art. 25.º), terem sido conhecidos simultaneamente os crimes «concorrentes» (dos demais «processo conexo»).

6.5. Acresce que, para efeitos de recurso, «é autónoma a parte da decisão que se referir, em caso de concurso de crimes, a cada um dos crimes» (art. 403.º, n.º 2, al. b), do CPP). Por isso, o art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP adverte para que tal regime de recorribilidade (no tocante «a cada um dos crimes», ou, mais propriamente, ao «processo conexo» respeitante a cada «crime») se há-de manter «mesmo em caso de concurso de infracções» julgadas «em processos conexos» (ou em «um único processo organizado para todos os crimes determinantes de uma conexão» - art. 29.º, n.º 1, do CPP).

6.6. Aliás, se o art. 400.º, n.º 1, nas suas alíneas e) e f), pretendesse levar em conta a pena correspondente ao «concurso de crimes», teria aludido a «processos por crime ou concurso de crimes» (e não a «processos por crime, mesmo em caso de concurso»).

6.7. De resto, é nesse sentido que a melhor doutrina (5) se vem pronunciando: «A expressão “mesmo em caso de concurso de infracções” suscita algumas dificuldades de interpretação. A pena aplicável no concurso tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas e como limite máximo a soma das penas aplicadas aos diversos crimes em concurso (art. 77.º do CP). Não parece que o legislador tenha aqui recorrido a um critério assente na pena efectivamente aplicada no concurso e, em abstracto, é impossível determinar qual a pena aplicável aos crimes em concurso antes da determinação da pena aplicada a qualquer deles. Parece que a expressão “mesmo em caso de concurso de infracções” significa aqui que não importa a pena aplicada no concurso, tomando-se em conta a pena abstracta aplicável a cada um dos crimes».

6.8. Daí que haja de se considerar definitiva (art. 400.1.e do CPP) – e, por isso, irrecorrível - a pena parcelar aplicada ao arguido, pelas instâncias, por «detenção ilegal de arma proibida [espingarda de canos serrados]» (cinco meses de prisão).


7. A impugnação da matéria de facto

7.1. Para que o recurso do arguido para a Relação pudesse considerar-se directamente impugnatório da «decisão proferida sobre matéria de facto» (art. 412.3 e 4 do CPP), o recorrente deveria ter «especificado» a) os pontos de facto que considerava incorrectamente julgados e b) as provas, por referência aos suportes técnicos, que impunham decisão diversa da recorrida. Porém, quanto as estas, não só as não especificou como não identificou os respectivos suportes técnicos e, quanto àqueles, limitou-se a «rejeitar que tivesse agido concertadamente» negando que tivesse formulado qualquer propósito de, em conjunto [com o irmão], se dedicar à venda de produto estupefaciente ») e extraindo daí – já no âmbito da sua perspectivação jurídica - que «o crime do qual os Rec. vêm condenados não foi praticado em co-autoria» e que, diversamente, «os Rec. cometeram cada um isoladamente um crime de tráfico de estupefacientes».

7.2. Todavia, como o recorrente – mesmo que se entenda haver especificado os pontos de facto considerados incorrectamente julgados – não especificou (nas conclusões da sua motivação e, bem assim, no próprio texto desta) as provas, por referência aos suportes técnicos, que impunham decisão diversa da recorrida, a Relação não poderia ter (re)apreciado (6) a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo. Pois que, como resulta do art. 431.º, a Relação só pode modificar «a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto se, havendo documentação da prova, esta tiver sido impugnada nos termos do art. 412.3 do CPP».

7.3. E não se sustente que, por o recorrente não ter cumprido «o n.º 3 do citado preceito», «deveria o tribunal recorrido ter-lhe ordenado que corrigisse tal vício». . Pois que só assim deveria ter sido se o vício a corrigir apenas se verificasse nas conclusões da motivação e não também – como acontecia – no próprio texto desta. Com efeito, o Tribunal Constitucional não tem julgado inconstitucional «a norma do artigo 412º, n.ºs 3, alínea b), e 4, do Código de Processo Penal, [quando] interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne matéria de facto, da especificação nele exigida tem como efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência do recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências» (TC 10Mar04, ac. 140/2004, processo n.º 565/03-2, Cons. Paulo Mota Pinto)


8. CO-AUTORIA OU AUTORIA MEDIATA

8.1. O que vinha motivando os arguidos a sustentar não terem actuado «juntamente» seria, sobretudo, a ideia de que a conduta do co-arguido BB, vista isoladamente, não passaria de um crime de tráfico menor. No entanto, o recurso deste arguido (que, a fls. 1437, já manifestara o seu propósito de «desistir») ficou entretanto «sem efeito» (cfr. despacho de 16Jan07, a fls. 1446), já que o recorrente, tendo-o interposto no primeiro dia útil ao último do prazo, não pagou oportunamente a multa de cujo pagamento dependeria a validade do seu (tardio) acto de interposição de recurso de 13Out06.

8.2. Todavia, o arguido AA, apesar de nos seus recursos para a Relação, se haver conformado com a qualificação da sua conduta (mesmo que isolada da do co-arguido) como integrante de um crime de «tráfico comum», veio agora, no seu recurso para o Supremo, sustentar, insolitamente, que «é da mais elementar justiça enquadrar os factos dados como provados na previsão do art. 25.° do DL n.º 15/93».

8.3. Continuará por isso a interessar saber se o arguido AA deverá ser responsabilizado apenas pelos factos que ele próprio («por si mesmo») executou ou também pelos que o irmão, «juntamente» com ele, por seu «intermédio» ou «por acordo» entre ambos , levou a cabo.

8.4. E isso porque é punível como autor não só quem executar o facto por si mesmo como também quem o executar por intermédio de outrem. E, ainda, quem «tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros» (art. 26.º do CP). Sendo certo que, «em princípio, cada co-autor [seja] responsável como se fosse autor singular da respectiva realização típica» (Faria Costa) (7.

8.5. É verdade que a co-autoria exige não só uma «decisão conjunta» («por acordo») (8). como também uma «execução conjunta» (uma directa tomada de parte na sua execução). Porém, foi na execução de um desígnio comum que «os dois arguidos, no dia 13 de Fevereiro de 2003, em frente ao estabelecimento comercial “...” efectuaram entregas de haxixe a indivíduos de sexo masculino, recebendo em troca dinheiro (9) e que, «prosseguindo tal actividade, os arguidos, no dia 27 de Fevereiro de 2003, no mesmo local, efectuaram mais entregas de haxixe nas mesmas circunstâncias (10) E ainda que, no dia 19 de Maio de 2003, sempre em frente ao “....”, efectuaram outras entregas de haxixe (11) e que, no dia 20 de Maio de 2003, pelas 16:26, BB entregou pedaços de haxixe a indivíduo do sexo masculino, recebendo em troca dinheiro, e que AA, ao ausentar-se às 17:34 do local (onde logo regressou cerca das 17:50); trocou pedaços de haxixe e notas em dinheiro com o irmão».

8.6. Daí que, mesmo quando, aparentemente, as condutas de um pudessem isolar-se das do outro, todas elas hajam constituído, sempre, a realização, juntamente umas vezes e por acordo sempre, de um mesmo facto, comummente acordado e comummente executado (ainda que, as mais das vezes, partilhadamente).

8.7. De qualquer modo, mesmo as condutas comummente acordadas, mas em cuja execução não tenham ambos tomado «parte directa», acabaram por ser executadas, quando não «juntamente», por intermédio um do outro. Aliás, «o dinheiro encontrado a ambos os arguidos era proveniente da venda de produtos estupefacientes efectuadas pelos dois no período de tempo situado entre 13 de Fevereiro e 1 de Julho de 2003».

8.8. Em suma, e sem prejuízo de «cada comparticipante ser punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros» (art. 29.º do CP), o arguido responderá – como autor ou co-autor - não só pelos factos executados por ele próprio ou juntamente com o irmão como também pelos que executou por intermédio deste e, ainda, pelos que este levou a cabo, por ele determinado, na execução de um acordo e objectivo comuns.


9. TRÁFICO COMUM OU TRÁFICO MENOR?

9.1. Uma situação de tráfico de drogas ilícitas tipificada no art. 21.º do DL 15/93 só merecerá o tratamento privilegiado do art. 25.º (“Tráfico de menor gravidade”) “se a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta (...) os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das substâncias [traficadas ou a traficar]”.

9.2. No caso, a ilicitude do facto, embora algo «diminuída» (pela circunstância de o arguido não passar de um “retalhista” de drogas leves), não se mostra, no seu todo, «diminuta» nem, na sua imagem global, «consideravelmente diminuída». Com efeito, o arguido, na sua actividade de revenda de drogas ilícitas, exerceu-a em parceria com um irmão, durante um alongado período de tempo (de 13Fev a 02Out03, data em que foi detido), com poiso certoem frente ao estabelecimento comercial “...”») e, quando detido, detinha consigo, para outras revendas, uma grande quantidade de haxixe (mais de 15 «sabonetes»: 3,808 quilogramas) (12), e, proveniente de anteriores transacções, uma considerável importância em dinheiro (€ 1.000) (13). Além de que, «durante este período, não trabalhou nem teve qualquer outra fonte de rendimentos».

9.3. Tendo em conta, pois, os meios utilizados (nomeadamente a circunstância de o arguido não «trabalhar» sozinho mas juntamente com um irmão), a modalidade e as circunstâncias da acção (que, limitando-se o arguido, embora, à revenda de doses individuais, o fez durante um prolongado período de tempo e, como que «estabelecido», em poiso certo) e a quantidade da droga transaccionada (haxixe adquirido em «sabonetes» de 250 g), a ilicitude (global) do facto, apesar do lugar (praticamente terminal) ocupado pelo arguido na cadeia de comercialização da droga, não se mostra, ante o paradigma do art. 21.º do DL 15/93, «consideravelmente diminuída» (art. 25.º).

9.4. No caso, a qualificação da actividade do arguido como de «tráfico menor» seria fazê-lo passar por um mero «passador de rua», que o arguido, decididamente, não era. O que não prejudicará, obviamente, que – tratando-se, como se trata, de tráfico de fronteira entre o tráfico comum (punível com prisão não inferior a 4 anos) e o tráfico menor (punível com prisão não superior a 5 anos) - a respectiva penalização reflicta essa proximidade.

9.5. E, do mesmo modo que não existem circunstâncias que diminuam acentuadamente a ilicitude do facto, também se não detectam outras que «diminuam por forma acentuada a culpa do agente» (pois que nem se sequer se provou a conexão entre o seus antigos consumos de droga e a sua mais recente actividade de passador de haxixe).

9.6. Enfim, quanto à necessidade da pena, apenas concorre, em favor da sua contenção (e não, propriamente, da sua atenuação especial – como agora pretende o recorrente, depois de, nos seus primeiros recursos para a Relação e Supremo, se haver contentado com uma pena de quatro anos de prisão) (14), o tempo [mais de três anos] entretanto decorrido sobre o crime (sendo que, em prisão preventiva de 03Out03 a 15Dez05 e, desde então, sob obrigação – nem sempre cumprida - de permanência na habitação).


10. a personalidade do arguido (15) .

«O processo de desenvolvimento do arguido decorreu no seio de agregado de condição socio-económica modesta, cuja dinâmica familiar se caracterizou pele existência de relações solidárias e de afecto inter elementos. Contudo, as actividades laborais dos progenitores, exercidas em regime de turnos, determinaram uma ausência de controlo no processo educativo do arguido e irmãos. Esta alteração revelou-se perniciosa, sobretudo na adolescência do arguido, perto dos 16 anos de idade, quando passou a privilegiar a companhia de pares com condutas desadequadas e inicia o consumo de estupefacientes. Ainda completou o 6° ano de escolaridade e uma formação como pintor de automóveis, integrando-se na vida activa, aos 17 anos, nessa área. A sua problemática adictiva e consequente absentismo laboral, compeliram-no a abandonar essa actividade, passando desde aí a trabalhar na construção civil. Entretanto, embora nunca tivesse efectuado acompanhamento/tratamento à toxicodependência, o arguido passou por alguns períodos de abstinência. Mantém relação afectiva com uma namorada, também ela vivenciando problemática adictiva. Nunca residiram juntos. À data dos factos, o arguido permanecia integrado no núcleo familiar de origem, com o qual estabelecia relacionamento gratificante e coeso. Desempregado durante o ano anterior à sua detenção, executou entretanto pequenos trabalhos pontuais na área da construção civil. Mantinha ligação afectiva com a namorada e desta união nasceu uma filha. No entanto, mãe e filha permaneciam no agregado dos avós maternos. Preventivamente preso entre 03Out03 até 15Dez05, o arguido, durante o período de reclusão, manteve atitude institucionalmente adequada, assumindo uma postura crítica, reconhecendo a ilicitude dos seus actos e penalizando-se pelo constrangimento que a sua reclusão determinou na sua família».
Colocado em casa, sob vigilância electrónica, a partir de 15Dez05, o relacionamento familiar passou a denotar, por saturação, «alguma conflitualidade». O próprio arguido passou cedo a «evidenciar acentuada dificuldade em manter-se confinado ao espaço habitacional, saindo com frequência de casa, em períodos de restrição, alegadamente para "apanhar ar"». Saiu de casa, incumprindo horários, em 10 e 24-07-2006. Teve ainda uma ausência imprevista, alegadamente por motivos de saúde, no passado dia 17Ago06 das 03h21m às 08h14m. Os serviços de acompanhamento comunicaram diversas ausências ocorridas em períodos de restrição (em 25-05-06. 27-05-06, 30-05-06, 31-05-06, 01-06-06, 15-06-06, 27-06-06, 15-08-06, 18-08-06, 20-08-06, 22-08-06, 26-08-06, com duração entre os 8 e 12 minutos, que arguido assumiu e justificou com a necessidade de vir à rua "fumar e apanhar ar". Evidenciando dificuldade em manter-se confinado ao espaço habitacional, «não apresenta capacidade para cumprir com rigor as regras a que está sujeito», adoptando «uma postura pouco consensual com o IRS, rejeitando algumas funções de controle exercidas por este e projectando nos técnicos a obrigatoriedade do confinamento permanente a casa». Apesar das diversas diligências desenvolvidas pelo IRS, no sentido de alterar o comportamento do arguido, não se verificou – até, pelo menos, 30Ago06 - uma evolução positiva. Foi por isso advertido em 13Out06, pelo tribunal da 1.ª instância, de que «deveria respeitar escrupulosamente as obrigações a que estava sujeitos, sob pena de o tribunal poder vir a ser obrigado a alterar o seu estatuto processual, impondo uma medida de coacção mais gravosa»


11. A MEDIDA DA PENA

11.1. É sabido que, de um modo geral, «a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva», vindo a ser «definitiva e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização» (16).

11.2. No caso (em que a moldura penal abstracta do crime de tráfico comum de drogas ilícitas é de a prisão de 4 a 12 anos: art. 21.1 do DL 15/93), o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade – ou seja, a medida de pena que a comunidade entenderia necessária à tutela das suas expectativas na validade e no reforço da norma jurídica afectada pela conduta do arguido – situar-se-ia nos 5 anos de prisão (ante o facto de ele, embora mero retalhista de drogas ilícitas leves – haxixe – haver prolongado a sua actividade, concertadamente com o irmão, durante alguns meses e até à sua detenção (altura em que, na sua posse, tinha, para revenda, quase quatro quilos de haxixe e, em resultado de vendas anteriores, mais de mil euros)

11.3. Mas «abaixo dessa medida (óptima) da pena de prevenção, outras haverá – até ao “limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas” - que a comunidade ainda entenderá suficientes para proteger as suas expectativas na validade da norma». O «limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral» coincidirá, pois, em concreto, com «o absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral sob a forma de defesa da ordem jurídica» (e não, necessariamente, com «o limiar mínimo da moldura penal abstracta»). E, no caso, esse limite mínimo (da moldura de prevenção) poderá encontrar-se por volta dos 4 anos de prisão (uma vez que o arguido – apesar de tudo - ocupava, na cadeia comercial de drogas ilícitas, uma posição, das menos remuneradas e de maior risco, de contacto directo com o consumidor).

11.4. «Os limites de pena definida pela necessidade de protecção de bens jurídicos não poderão ser desrespeitados em nome da realização da finalidade de prevenção especial, que só poderá intervir numa posição subordinada à prevenção geral», mas, concorrendo esta, dentro dos limites da moldura de prevenção, para a concretização da pena, o comportamento anterior e posterior do arguido (17) poderá invocar-se para quantificar exactamente a pena a meio [4,5 anos de prisão] – ou aproximadamente (por exemplo, 4 anos e 5 meses de prisão, como a fixaram as instâncias) - da moldura de prevenção (18).

11.5. Aliás, «o Código [de Processo Penal] assume claramente os recursos como remédios jurídicos» e não como «meio de refinamento jurisprudencial», pois que «o julgamento em que é legítimo apostar como instrumento preferencial de uma correcta administração da justiça é o de primeira instância» (Cunha Rodrigues, Recursos, Jornadas de Direito Processual Penal, Almedina, 1995, p. 387).


12. A PENA CONJUNTA

12.1. Em atenção, finalmente, à personalidade do arguido e aos factos no seu conjunto, importaria enfim unificar as penas parcelares, pois que «quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa pena única» (art. 77.º, n.º 1, do CP), considerando-se, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (n.º 2).

12.2. Em sede de pena conjunta, «tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique» (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, § 429). E, no caso, a detenção do arguido, em casa dos pais, de uma espingarda de canos serrados (apesar de ter ficado por esclarecer) não terá, decerto, a ver com o negócio de droga a que ele e o irmão se vinham dedicando. Ora, na «avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade; [sendo certo que] só no primeiro caso [que não será o dos autos] será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta» (a. e ob. cit., § 521).

12.4. Não poderia, enfim, deixar de se dar algum «relevo» à «análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)» (ibidem), sendo certo que o arguido (com 32 anos de idade ao tempo e, agora, quase 36) esteve preventivamente mais de dois anos e está confinado em casa há mais de um ano.

12.5. Daí que, tudo ponderado, bem tenham andado as instâncias ao fixar a respectiva pena conjunta – entre 4 anos e 5 meses e 4 anos e 10 meses - em 4,5 (quatro e meio) anos de prisão.


13. decisão

.1. Tudo visto, o Supremo Tribunal de Justiça, reunido em conferência para apreciar a questão prévia suscitada pelo relator no exame preliminar, rejeita, porque manifestamente improcedente, o recurso atravessado pelo cidadão AA ao acórdão da Relação de Lisboa que, em 21Set06, também julgara manifestamente improcedente o recurso entretanto oposto ao acórdão da 9.ª Vara Criminal de Lisboa que, em 24Fev06 e no âmbito do processo comum colectivo 121/03.8POLSB da 2.ª secção, o condenara, por um crime de detenção de arma proibida (art. 275.3 CP), na pena de 5 meses de prisão; pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico comum de drogas ilícitas (art. 21.º do DL 15/93), na pena de 4 anos e 5 meses de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.

13.2. O recorrente pagará, a título de sanção processual (19), a importância de 8 (oito) UC.


Lisboa, 15 de Fevereiro de 2007

Carmona da Mota
Pereira Madeira
Simas Santos
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(1) Em prisão preventiva de 03Out03 até 15Dez05 e, desde então, em prisão domiciliária sob vigilância electrónica.
(2) E, por isso, no primeiro dia útil seguinte ao último do prazo, motivo por que, em 02Fev07, pagou a correspondente multa.
(3) «Há ainda conexão de processos quando o mesmo agente tiver cometido vários crimes cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca (...)»
(4)«Se as condutas disserem respeito a armas proibidas não incluídas nesse número, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias»
(5) Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição, p. 325.
(6) Senão, como fez, nos apertados termos, decorrentes do próprio texto da decisão recorrida, consentidos pelo art. 410.2 do CPP.
(7) Formas do crime, Jornadas de Direito Criminal, O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar", pág. 170.
(8) Que aqui terá estado, efectivamente, presente: «Em ocasião aproximada e anterior a 13 de Fevereiro de 2003, os arguidos, que são irmãos, formularam o propósito de ceder haxixe a consumidores de droga que lha solicitassem, aceitando e exigindo em troca o pagamento das doses individuais por si entregues».
(9) «BB, às 14:10, às 14:20 e às 14:40; AA, às 14:28, às 14:35, às 14:41, às 15:30, às 16:25 e às 16:40»
(10) «BB pelas 20:47, 20:59 e 21:18; AA pelas 21:15 e 21:27»
(11) «AA, pelas 16:50, 17:22 e 17:31; BB, que na última entrega não recebeu dinheiro em troca, pelas 17:53, 18:00 e 18:09»
(12) E, no quarto do irmão, mais 238,245 g.
(13) E, na posse do irmão, € 150.
(14) Aliás, mesmo no seu segundo recurso para a Relação, o arguido, apesar de já se encontrar sujeito à obrigação de permanência na habitação, não pediu mais que «a aplicação de uma pena única que não ultrapassasse os 4 anos de prisão».
(15) Cfr. relatório social e os relatórios de vigilância electrónica.
(16) Anabela Miranda Rodrigues, O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena, RDCC 12-2, Abr/Jun02.
(17) Que não tem antecedentes criminais; que passou a «consumir» aos 16 anos de idade; que não foi além do 6.º ano de escolaridade; que se iniciou, laboralmente, como pintor de automóveis, mas que, mercê do seu absentismo laboral decorrente do consumo de estupefacientes, se viu forçado a abandonar essa actividade; que conta quase 36 anos de idade; que, na cadeia, durante os mais de dois anos por que se prolongou a sua prisão preventiva, «manteve atitude institucionalmente adequada, assumindo uma postura crítica, reconhecendo a ilicitude dos actos e penalizando-se pelo constrangimento que a sua reclusão determinou na sua família»; que, em julgamento, confessou parcialmente os factos e se mostrou arrependido; que, colocado em casa, sob vigilância electrónica, a partir de 15Dez05, ele a família atingiram já o ponto de saturação, evidenciando o arguido «acentuada dificuldade em manter-se confinado ao espaço habitacional, saindo com frequência de casa, em períodos de restrição, alegadamente para "apanhar ar"» e «não apresentando capacidade para cumprir com rigor as regras a que está sujeito», adoptando «uma postura pouco consensual com o IRS, rejeitando algumas funções de controle exercidas por este e projectando nos técnicos a obrigatoriedade do confinamento permanente a casa», tendo por isso chegado a ser judicialmente advertido em 13Out06 de que «deveria respeitar escrupulosamente as obrigações a que estava sujeito, sob pena de o tribunal poder vir a ser obrigado a alterar o seu estatuto processual, impondo uma medida de coacção mais gravosa».
(18) «Nestas circunstâncias, compreende-se que à medida das necessidades assim determinadas corresponda um quantum exacto de pena: o desvalor do facto é agora valorado à luz das necessidades individuais e concretas de socialização, que, sendo inexistentes, desencadearão, sucessivamente, o funcionamento das necessidades de intimidação e de segurança individuais»
(19) Não beneficiária de apoio judiciário, por não consubstanciar «custas».