Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
63/10.0YFLSB
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: SERRA BAPTISTA
Descritores: RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR
DEFEITOS
ÓNUS DA PROVA
DANOS FUTUROS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário : 1.º - É escopo principal da responsabilidade civil do produtor a protecção adequada e eficaz do público utente ou consumidor em geral, exposto ao perigo e ao dano cuja fonte são os defeitos dos produtos postos em circulação.
2.º - O DL 383/89, de 6 de Novembro consagra o carácter objectivo da responsabilidade do produtor.
3.º- Neste regime – no da responsabilidade civil do produtor – a prova do defeito - tal como do dano e do nexo de causalidade entre aquele e este - cabe ao lesado.
4.º - Mas o lesado já não precisa de demonstra a existência do defeito no domínio da organização e risco do produtor no momento em que o produto foi posto por este em circulação. Esta existência é presumida por lei, cabendo ao produtor ilidi-la, convencendo o Tribunal da probabilidade ou razoabilidade da inexistência do defeito no momento da entrada do produto em circulação.
5.ª – Entende-se adequada à satisfação do dano não patrimonial consistente na cegueira de um olho, pelo rebentamento de uma garrafa de cerveja defeituosa na mão da vítima, com 49 anos, a que acrescem dores, angústias, internamento hospitalar e intervenção cirúrgica, a indemnização de € 45 000.
Decisão Texto Integral:



ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


AA veio intentar acção, com processo ordinário, contra S... – SOCIEDADE CENTRAL DE CERVEJAS E BEBIDAS, S. A. (antes, C.......... – CENTRAL DE CERVEJAS, S. A.), COMPANHIA DE SEGUROS ................. e ............. SUPERMERCADOS, LDA, pedindo a condenação solidária destes a pagar-lhe de indemnização:
a) 75.000.000$00, relativamente aos danos não patrimoniais;
b) 94.429$00 pelos danos patrimoniais que melhor descreve, acrescidos da quantia que se liquidar ulteriormente;
c) 8.894.160$00 relativos à redução da capacidade de ganho.

Alegando, para tanto, e em suma:
Adquiriu, na terceira ré, uma garrafa de cerveja, proveniente da primeira
Já em casa, aquela rebentou, ferindo-a com gravidade, no olho direito que vazou e ficou irremediavelmente cego.
A segunda ré havia assumido, por contrato de seguro com a 1ª, a responsabilidade respeitante a danos emergentes da fabricação dos seus produtos.

Contestaram as 1ª e 2ª rés, sustentando, no essencial que o rebentamento da garrafa não foi espontâneo, antes se devendo a impacto de objecto exterior a ela, de sorte que não lhes deve ser assacada responsabilidade.

Na réplica, a autora manteve as anteriores posições. E requereu a intervenção de S....... B......., S. A. por ter sido o fabricante da garrafa.

Admitida a intervenção, este contestou, sustentando, também no essencial, que a quebra da garrafa se deveu a impacto de objecto duro.

Foi proferido o despacho saneador, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho junto de fls 1269 a 1278 consta.

Foi proferida a sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu as rés, bem como a interveniente, do pedido.


Inconformada, veio a autora interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa onde, por acórdão de 14/10/2008, se decidiu:
“Julgar parcialmente procedente a apelação e alterar a indicação da matéria de facto provada e não provada apenas nos termos enunciados no ponto 4.2.6. do presente acórdão, para o qual se remete, revogar, na íntegra, o decreto judicial absolutório contido na sentença recorrida, e, em sua substituição, condenar solidariamente as Rés "S... – SOCIEDADE CENTRAL DE CERVEJAS E BEBIDAS, S.A.”, (antes C.............. Central de Cervejas, S.A.) e COMPANHIA DE SEGUROS ............. no pagamento à Autora das quantias a seguir indicadas, absolvendo as demais demandadas dos pedidos contra elas formulados nestes autos pela demandante:
1 - € 45.000.00, a título de danos morais,
2 - € 44.834,89, a título de danos patrimoniais já liquidados, sendo € 44.363,89 pela perda da capacidade de ganho sofrida peta Autora,
3 - a que for apurada em execução de sentença, correspondente ao valor dos tratamentos necessários à manutenção da estabilidade do estado de saúde da Autora que esta tinha, na parte do seu corpo afectada pelo sinistro, no momento da alta (16 de Setembro de 1998),
4 - os juros de mora vencidos e vincendos sobre os montantes referidos nos três números anteriores, à taxa supletivamente fixada por lei para os credores que não são empresas comerciais singulares ou colectivas, e contados desde a data da citação da última das Rés condenadas até integral pagamento desses valores."

Agora irresignadas, vieram as rés ........... e SOCIEDADE CENTRAL DE CERVEJAS pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, onde, por acórdão de 4/6/2009, se ordenou a baixa do processo ao Tribunal da Relação de Lisboa para, se possível com os mesmos senhores Desembargadores, se decidir a matéria de facto, tomando a necessária posição sobre o perguntado nos nºs 47.º e 65.º.

Na Relação, em 20/10/2009, foi proferido novo acórdão, no qual, julgando-se parcialmente procedente a apelação, se decidiu:
a) alterar a indicação da matéria de facto provada e não provada apenas nos termos enunciados no ponto 4.1.6. do presente acórdão, para o qual se remete, e
b) revogar o decreto judicial absolutório contido na sentença recorrida, e, em sua substituição, condenar solidariamente as Rés "....... – S........ C.......B......, S.A.”, (antes C...............C.............. C, S.A.) e COMPANHIA DE SEGUROS ............ no pagamento à Autora das quantias a seguir indicadas, absolvendo as demais demandadas dos pedidos contra elas formulados nestes autos pela demandante:
1 - € 45.000.00, a título de danos morais,
2 - € 44.834,89, a título de danos patrimoniais já liquidados, sendo € 44.363,89 pela perda da capacidade de ganho sofrida peta Autora,
3 - a que for apurada em execução de sentença, correspondente ao valor dos tratamentos necessários à manutenção da estabilidade do estado de saúde da Autora que esta tinha, na parte do seu corpo afectada pelo sinistro, no momento da alta (16 de Setembro de 1998),
4 - os juros de mora vencidos e vincendos sobre os montantes referidos nos três números anteriores, à taxa supletivamente fixada por lei para os credores que não são empresas comerciais singulares ou colectivas, e contados desde a data da citação da última das Rés condenadas até integral pagamento desses valores."

De novo irresignadas, vieram as rés e novo irresignadas, vieram as rés SOCIEDADE CENTRAL DE CERVEJAS e A.....E......pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando aquela primeira ré, na sua alegação, as seguintes conclusões:
1ª - Enferma o Acórdão recorrido de um vício de nulidade, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 668.° do Código de Processo Civil, por manifesta e incontornável contradição entre a resposta do Tribunal da 1ª Instância - não alterada pelo Tribunal a quo - ao quesito 75.° da Base Instrutória e a decisão do Tribunal Recorrido, no sentido de responsabilizar a ora Recorrente pelos danos suportados pela Autora, isto porquanto a factualidade plasmada na resposta do Tribunal ao artigo 75.° da Base Instrutória sempre suscitaria a aplicabilidade da alínea b) do artigo 5.° do Decreto-Lei n.º 383/89 e, em concomitância, a desresponsabilização da Recorrente pelos danos sofridos pela Recorrida, nulidade que se requer seja conhecida e determine a reversão da decisão a final proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, sendo esta substituída pela decisão anteriormente proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 721.° e no artigo 731.° do Código de Processo Civil.
2ª - O Tribunal Recorrido, ao alterar, nos termos em que o fez, a decisão do Tribunal de 1ª Instância, e para esse efeito, secundou depoimentos pertinentes, objectivos e rigorosos como foram aqueles prestados pelas testemunhas Engenheiros BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, cuja razão de ciência se encontra exarada em acta da sessão de julgamento do Tribunal de 1ª Instância e que, atenta a sua completude e solidez, estiveram na base dos factos considerados como provados por esse mesmo Tribunal.
3ª - Preterindo, por outro lado, a ciência e vinculatividade da prova documental e pericial considerada determinante pelo Tribunal de 1ª Instância para a corroboração dos quesitos 47.º e 65.º da Base Instrutória, sendo que de acordo com os dois relatórios periciais juntos aos autos o concreto rebentamento dos autos apenas se poderá imputar a um impacto que a garrafa tenha sofrido com um objecto duro.
4ª - Errou, assim, o Tribunal Recorrido ao secundar os sobreditos elementos probatórios e ao atribuir eficácia e força probatória suficiente para alterar a resposta do Tribunal de 1ª Instância aos quesitos 47.º e 65.º da Base Instrutória ao depoimento de uma testemunha que, não só não tem qualquer experiência e conhecimento técnico-científico sobre a matéria (e muito menos o teria no decurso de uma situação que se pressupõe de alguma aflição como a retratada nos autos) como apresenta uma proximidade inquestionável com a Autora (sendo sua filha!).
5ª - Acresce que o Tribunal Recorrido ignorou por completo o disposto na alínea b) do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro, que possibilita ao produtor demonstrar a sua "desculpabilidade" na hipótese de ser demonstrada a inexistência de qualquer defeito aquando da entrada em circulação do produto. Tal circunstância - não obstante se encontrar efectivamente corroborada em resposta, não alterada, ao quesito 75.º da Base Instrutória - jamais poderia ser apurada no momento do rebentamento da garrafa ­testemunhado pela testemunha para o efeito invocada pelo Tribunal Recorrido -, mas sim no momento da actividade da Recorrente e do seu término, com a consequente colocação no mercado do produto, razão peia qual não se compreende a falaciosa asserção do Tribunal Recorrido no sentido de desvalorizar os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelas Rés, concluindo que "nenhum deles [ ... ] assistiu [ ... ] a todo o percurso prosseguido por essa garrafa desde que deixou as instalações da fábrica cervejaria até ao seu rebentamento".
6ª - Ademais, e para além da manifesta contrariedade entre a matéria apurada em sede do quesito 75.º da Base Instrutória e a decisão final proferida pelo Tribunal Recorrido - que se deixou alegada enquanto fundamento da nulidade do Acórdão - existe ainda uma inequívoca contradição entre a resposta do Tribunal Recorrido aos quesitos 47.º e 65.º da Base Instrutória e a resposta do Tribunal de 1ª Instância - não alterada pelo Tribunal Recorrido - aos quesitos 59.º e 60.º da Base Instrutória.
7ª - Nenhuma das preposições do artigo 712.º do Código de Processo Civil deverá considerar-se observada, de forma a justificar a decisão do Tribunal Recorrido no sentido da alteração da resposta do Tribunal de 1ª Instância à matéria dos quesitos 47.º e 65.ºda Base Instrutória, razão também pela qual deverá ser revogada a decisão do Tribunal Recorrido, no que a este aspecto concerne.
8ª - Ademais, o Tribunal Recorrido violou as regras - nacionais e comunitárias - de distribuição do ónus da prova (regras de direito probatório material), que impõem ao lesado a prova da existência de um defeito e do estabelecimento de um nexo de causalidade entre tal defeito e os danos evidenciados, ao considerar, ainda que de forma não assumida, que competia à Recorrente demonstrar, não apenas a prova da sua "desculpabilidade", mas igualmente a ausência de defeito do produto adquirido pela Autora.
9ª - Com efeito, ao considerar que "[ ... ] nenhum daqueles depoentes arrolados pelas demandadas conseguiu dar uma cabal justificação para a existência, sem aparente violação da cápsula, de um corpo estranho no interior da garrafa de 20 centilitros", o Tribunal Recorrido ofende uma disposição expressa de lei que exige certa espécie de prova para a existência de um facto, porquanto prescreve que a Recorrente deveria ter procedido à demonstração da inexistência de um defeito do produto - e que o deveria ter feito não apenas por referência ao momento em que este produto é lançado no mercado -, assim procedendo a uma inversão da repartição do ónus da prova, e exigindo uma prova, por parte da Recorrente, que não decorre obrigatória das normas aplicáveis ao caso em apreço,
10ª- O Tribunal a quo, ao alterar a matéria de facto, fez tábua rasa das normas de direito substantivo que estabelecem, para o caso em apreço nos presentes autos, a distribuição do ónus da prova, nessa medida valorando de forma distorcida os elementos probatórios produzidos pelas partes, impondo-se, pois, a anulação das novas respostas fixadas para os quesitos 47.º e 65.º da Base Instrutória, e a sua substituição pela factualidade fixada, a esse propósito, pelo Tribunal da 1ª Instância, resultando dessa forma evidente a competência do Supremo Tribunal de Justiça para se pronunciar sobre esta matéria, conforme decorre do n.º 2 do artigo 722.ºdo Código de Processo Civil.
11ª- Em qualquer caso, sempre se dirá que daqueles mesmos meios de prova nunca poderia resultar aquela alteração factual, razão pela qual se conclui ter o Tribunal a quo violado os limites enunciados no artigo 712.º do Código de Processo Civil, o que têm a jurisprudência e doutrina supra citadas considerado ser legitimamente susceptível de sindicância em sede de recurso de revista.
12ª- O regime transposto para o Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro, proclama o carácter objectivo da responsabilidade do produtor, exigindo-se, contudo, ao consumidor, e por força do que se encontra preceituado no artigo 342.º do Código Civil, que faça prova dos restantes factos constitutivos do direito de que se arroga, ou seja, do dano, do defeito do produto e ainda, e necessariamente, do nexo causal entre um e outro,
13ª- Tal postulado encontra-se expressamente consagrado no texto da Directiva nº 85/374 CEE, de 25 de Julho de 1985, transposta para o ordenamento jurídico nacional mediante o Decreto-lei ora em análise, que dispõe, no seu artigo 4.°, que "cabe ao lesado a prova do dano, do defeito e do nexo causal entre o defeito e o dano", o que resulta manifestamente colocado em crise pelo entendimento adoptado pelo Tribunal Recorrido.
14ª- Muito embora a Autora, ora Recorrida, tenha provado a existência dos danos provenientes do rebentamento de uma garrafa, a mesma não logrou provar que aquela ruptura se deveria a um qualquer defeito do produto, isto tendo especialmente em linha de conta que, para além da demonstração da existência de tal defeito, sempre seria imprescindível que não se tivesse demonstrado - como demonstrou, em conformidade com o teor da resposta ao artigo 75.° da Base Instrutória - que o eventual defeito não "onerava" o produto aquando da sua colocação em circulação pela Recorrente.
15ª- Conforme decorre do n.º 1 do artigo 4.° do Decreto-Lei em análise, um produto será tido por defeituoso quando "não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente, a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação", devendo considerar-se, na linha do exposto por CALVÃO DA SILVA, que a segurança de um produto vai muito além do uso a que aquele, à partida, se destina, assim se impondo ao produtor, igualmente na óptica do referido Professor, a obrigação de "colocar no mercado apenas produtos seguros, no sentido de os mesmos não apresentarem riscos inaceitáveis para a saúde e segurança pessoal dos consumidores que lhe dêem o uso pretendido ou uma utilização razoavelmente previsível e socialmente aceite”.
16ª- Nesta senda, e tendo em conta a efectiva repartição do ónus da prova com respeito à demonstração dos requisitos da responsabilidade civil do produtor, resulta evidente que para o cabal preenchimento do conceito de defeito não basta que se proceda à alegação de que a garrafa dos autos terá rebentado sem qualquer razão aparente, para que daí se conclua pelo seu carácter defeituoso no momento da sua entrada em circulação, não bastando que se aventem meras possibilidades para que daí se possa decidir sem mais, pela existência efectiva de um defeito do produto posto em circulação.
17ª- De resto, da resposta dada à matéria de facto (e designadamente da resposta dada ao quesito 19.º da Base Instrutória, que não foi colocada em crise no âmbito do recurso oferecido pela Autora, ora Recorrida, para o Tribunal a quo não resultou sequer provado que as garrafas de cerveja Sagres rebentem sem qualquer razão aparente,
18ª- Acrescentando-se ainda que a Autora, ora Recorrente, na verdade, nem sequer logrou arredar terminantemente a hipótese de que aquela ruptura se deveria a culpa sua, pois que da resposta (e inerente fundamentação) dada ao quesito 20.º da Base Instrutória resulta que não se apurou que a Autora não bateu com a garrafa em algum sítio, seja no percurso do supermercado até à sua residência, seja já na mesma.
19ª- Destarte, não tendo a Autora, ora Recorrida, produzido prova dos factos constitutivos do seu direito, outra não deveria ter sido a decisão do Tribunal Recorrido senão a de considerar a presente acção totalmente improcedente por manifesta falta de prova, assim confirmando a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.
20ª- Ademais, atenta a prova exaustivamente produzida pela Recorrente quanto à infalibilidade do processo de controlo de segurança das garrafas por si produzidas (ou melhor, cheias) ­materializada na resposta do Tribunal de 1ª Instância, não alterada pelo Tribunal Recorrido, aos quesitos 32.° a 46.°, 48.° a 64.° e 75.° da Base Instrutória (e também nas respostas negativas aos quesitos 19.°, 20.° e 74.°) - sempre estaria o Tribunal a quo obrigado a decidir no sentido de improcedência do presente pleito, ao abrigo do que se encontra preceituado na alínea b) do artigo 5.° do Decreto-Lei n.º 383/89 de 06 de Novembro,
21ª- Com efeito, o regime da responsabilidade do produtor parte da existência de uma obrigação de segurança a cargo do fabricante, obrigação essa que de resto, e em tempo algum, poderá ser configurada em termos absolutos ou ilimitados, sob pena de nessa medida se frustrar o objectivo primacial do regime específico da responsabilidade objectiva do produtor: assegurar-se a justa repartição de riscos correspondente a um equilíbrio de interesses entre o lesado e o produtor.
22ª- Assim sendo, e para o afastamento ou liminar exclusão da responsabilidade tutelada no diploma legal em apreço, basta que o produtor demonstre que atentos os procedimentos por si adaptados para asseverar a segurança do produto por si produzido e posto em circulação, se afigura por plausível e razoável a conclusão de que à data da sua entrada em circulação, aquele produto seria ou estaria perfeito.
23ª- Afigura-se especialmente inexplicável a circunstância de o Tribunal a quo ter isentado a Ré Supermercados A........... de qualquer responsabilidade com fundamento na demonstração de que os seus empregados e representantes não agiram com intenção dolosa de violar o direito da Autora. Não se compreende, assim, que a mera previsão da responsabilidade objectiva do produtor, plasmada no Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro, tenha por efeito a "desconsideração" de factualidade idêntica, desta feita favorável à ora Recorrente (conforme apurado em sede de resposta ao quesito 75.° da Base Instrutória). Tal circunstância apenas se compreenderá aos olhos da - inconcebível - transformação de tal "responsabilidade objectiva" em "presunção de culpa" e em "presunção" de "responsabilidade", operante independentemente da observados dos restantes requisitos da responsabilidade civil.
24ª- Também mal andou o Tribunal Recorrido ao considerar que a circunstância de, para a Ré S....... B....... - VIDROS SA, o "momento da entrada do produto em circulação se consubstanciar com a aquisição desse recipiente por parte da Ré .S.....- SOCIEDADE CENTRAL DE CERVEJAS E BEBIDAS S.A" exonera, tão-somente (e sem quaisquer acrescidas explicações) aquela sociedade de qualquer responsabilidade pelo incidente em apreço nos autos.
25ª- Não se descortina, em particular, por que motivo conclui o Tribunal Recorrido que, aquando da aquisição do recipiente pela ora Recorrente, "pode razoavelmente admitir-se que o defeito não existia " - para o efeito não invocado qualquer justificação fáctica ou jurídica -, concluindo em sentido completamente inverso (porém igualmente sem cabal sustentação) no que à apreciação da responsabilidade da ora Recorrente respeita.
26ª- Quanto ao valor da indemnização fixada pelo Tribunal Recorrido a título de danos não patrimoniais, e uma vez perscrutado o decidido pela Jurisprudência a propósito de situações em tudo idênticas - e inclusivamente mais gravosas - que a retratada nos autos, cumpre concluir que pecou o Tribunal Recorrido por excesso na fixação de tal montante indemnizatório,
27ª- No que de igual modo se consente se se notar que não alegaram as partes (designadamente a Autora) nem se encontra plasmado na matéria controvertida, ou sequer corroborada nos autos qualquer facto respeitante ao exacto montante de remuneração mensal da Autora no valor de € 299,50 (Esc. 60.000), e que, por outro lado, não resultou demonstrada uma incapacidade da Autora para o trabalho de 100% (mas antes de apenas 20%), sendo sempre igualmente necessário observar os abatimentos resultantes, quer da idade da lesada, quer da antecipação do capital.
28ª- O Acórdão Recorrido violou, assim, de forma clamorosa, o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 668.°, no artigo 712,° e no n.º 2 do artigo 722.° do Código de Processo Civil, o disposto nos artigo 342.°, 562.° e 563.° do Código Civil, o disposto no artigo 4.° da Directiva n.º 85/374 CEE, de 25 de Julho de 1985 e nos artigos 1.°, 4.° e 5.° do Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro que a transpôs para o ordenamento jurídico nacional.

Formulando, por seu turno, a ré A.....E......(actual S........ C.......B......, S. A – sucursal em Portugal), também na sua alegação, as seguintes conclusões:
1ª- O novo douto Aresto introduz um sumário, pelo qual de acordo com o regime da responsabilidade civil do produtor vertida no Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro, cabe ao produtor cumprir (1) que cumpriu todas as regras técnicas em matéria de segurança e não ao lesado consumidor demonstrar que estas exigências não foram cumpridas.
2ª- Todavia, este sumário, enquadra erradamente a decisão final proferida, em face dos factos provados no processo e da jurisprudência que se entende ser pacífica, no sentido do cumprimento dos efectivos ónus que cabem, respectivamente, ao produtor e ao lesado.
3ª- Com efeito, se ao produtor cabe o ónus da prova de que o produto foi produzido de acordo com as boas regras da arte e que é seguro aquando da sua entrada em circulação não é menos certo que as regras legais, nacionais e comunitárias impõem ao lesado o ónus da prova do defeito, sendo certo que só com essa prova se pode então presumir que o produto é inseguro e não o inverso.
4ª- A alteração das respostas aos arts. 47.° e 65.° da BI, nos termos ora decididos pelo Venerando Tribunal da Relação, ou seja de «não provado», apenas significa que a matéria nelas contida foi, para todos os efeitos, dada como não escrita, e nada mais.
5ª- A apreciação da matéria provada, considerada na sua globalidade, não permitia que se tivesse revogado, como se revogou, a douta sentença proferida em 1ª Instância que bem havia decidido que, quer a ora Recorrente quer a sua segurada ....... não tiveram qualquer culpa na produção do evento que causou a cegueira do olho direito da Autora e ora Recorrida,
6ª- Atendendo a que os factos assentes e a Base Instrutória não se esgotavam nos dois referidos artigos, as respostas negativas que ambos ora mereceram não põem em crise a restante factualidade que, quer a decisão de 1ª Instância, quer o Douto Aresto inicial quer o Aresto ora em crise aceitaram como boa, a saber, a vertida sob as alíneas M a R dos Factos Assentes e sob as respostas aos artigos 32.° a 46.°, 48.° a 63.°, 70.° a 74.° e, especialmente, 75.° da BI e ainda 20.°, 49.° e 50.° e 64.° da BI.
7ª - Dito de outro modo, excepção feita às respostas ora alteradas, das referidas respostas resulta que a garrafa dos autos sofreu uma pancada a que a ....... e a ora Recorrente foram totalmente alheias.
8ª- Mais do que isso, do teor dessas respostas, conjugadas com o teor das aludidas alíneas M a R dos factos assentes decorre que as Recorrentes claramente demonstraram que tal garrafa, enquanto produto destinado a consumo, era seguro no momento em que aquela primeira o colocou em circulação.
9ª- Com efeito, se:
- em Espanha, o Instituto de Cerâmica y Vidro, submeteu os fragmentos a vários testes tendo em vista apurar se a rotura se deu por choque térmico, por pressão interna, por compressão vertical ou por impacto, tendo a garrafa em causa ficado sempre com a tampa, não havendo a mesma saltado no momento da ocorrência – O) e P);
- foi levado a cabo um exame denominado estudo fractográfico, tendo, em vista apurar se a ruptura foi causada por impacto ou pancada exterior, causada por um corpo duro - Q);
- à ....... foi atribuído pela Associação Portuguesa de Certificação Certificado de Qualidade demonstrativo de, na produção e comercialização de cerveja, refrigerantes e malte, cumprir os requisitos da, sendo o único fabricante nacional detentor daquela certificação na respectiva área industrial e comercial, e que está autorizada a usar o símbolo de empresa certificada - R);
- Não se provou que a Autora não bateu com a garrafa em algum sítio, quer no percurso do local onde a adquiriu até à sua residência, quer na sua residência (art. 20);
- Se provou que a ....... adquiriu e lançou no mercado ao longo dos últimos 16 anos, cerca de 120 milhões do identificado modelo de garrafa, o qual, devido ao seu tipo pesado, com cerca de 240 gr.- e resistência, atinge com frequência quinze anos de vida útil em circulação (art. 34;)
- Ao longo de todos estes anos, o modelo de garrafa em apreço nunca sofreu qualquer alteração destinada a corrigir qualquer defeito de concepção e/ou de fabrico que tivesse sido detectado (art. 35;)
- Cada processo de enchimento (de cerveja) selecciona, naturalmente, aquelas que, por qualquer motivo, estão fragilizadas (art. 36);
- Essa selecção se verifica em função das temperaturas a que estão sujeitas, quer nos sucessivos quatro banhos de lavagem através de uma solução cáustica que atinge os 85°, quer nos sucessivos quatro banhos de enxaguamento seguintes, do choque térmico a que são submetidas - 10°c/85°c/5°c, a alta pressão vertical a que são sujeitas na fase de enchimento e capsulagem superior a 200 kg/cm2, e ao choque mecânico continuado, sobretudo nos tapetes transportadores e também no engradamento (art. 37;)
- Qualquer garrafa, com defeito, seja de fabrico seja resultante de anterior utilização, susceptível de originar a sua quebra é eliminada durante o processo de fabrico (art. 38);
- A linha de enchimento das garrafas está equipada com inspectores electrónicos que rejeitam automaticamente as garrafas que apresentam anomalias, como sejam falhas de vidro, objectos estranhos no seu interior e outros objectos (art. 39);
- As garrafas resistem, no mínimo, a 12kg/cm2 de pressão interna e, durante o enchimento, são submetidas a uma pressão interna variável entre 2,5 a 3 kg/cm2, o que conduz à eliminação das fragilidades que, por qualquer motivo, antes da sua introdução/reintrodução no circuito comercial (art. 40);
- Mesmo que a temperatura atinja os 30º c, a pressão interna da garrafa sobe para os 2,82 kg/cm2, ficando muito abaixo dos 12 kg/cm2 que tais garrafas suportam (art. 43);
- Na linha de enchimento n. º 5 a pasteurização efectua-se através de um permutador de placas /Sistema Flash), sendo a cerveja pasteurizada antes de se proceder ao enchimento, que é feito a uma temperatura de +/- 4ºC, enquanto quer a força vertical da capsulagem da garrafa é de +/- 300Kg (art. 45);
- A variação de espessuras, referidas no relatório de f1s 217 a 230 dos autos, a que se refere a alínea J) da Matéria Assente, compreendida entre 1,3 e 3,4 mm, numa garrafa retornável de 0,33 cl constitui um dado essencial do respectivo processo de fabrico, uma vez que tanto a marisa, para permitir a vedação hermética por capsulagem, como o fundo da garrafa, têm de ter uma quantidade de vidro superior ao das demais partes (art. 46);
- A zona da garrafa onde ocorreu a fractura foi junto à base da garrafa (art. 48);
- Não se provou que o rebentamento foi causado por um choque térmico (art. 49);
- Não se provou que a introdução da garrafa no frigorífico deu lugar ao seu esfriamento instantâneo (art. 50);
- A fractura detectada na garrafa não corresponde ao tipo de fractura que ocorre nas garrafas que sofrem pressões internas (art. 51);
- No decurso do processo de pasteurização as garrafas de vidro podem sofrer um aumento de temperatura da ordem dos 60/65º C e uma pressão de cerca de 4/5 Kg/cm2 (art. 52);
- As garrafas não sofrem qualquer aumento de temperatura aquando da pasteurização da cerveja (art. 53);
- As tampas deste tipo de garrafas estão preparadas para saltar com uma pressão interna de 8 a 10 Kg/cm2 (art. 54);
- A ter havido pressão interna, esta terá sido inferior à necessária para fazer saltar a tampa (art. 55);
- A causa do rebentamento não foi a pressão interna (art. 56);
- Durante os testes, a garrafa suportou mecanicamente uma carga vertical de força de 300 kg idêntica à que é suportada durante o engarrafamento e capsulamento (art. 57);
- O cone de percussão existente num dos fragmentos indicia a ocorrência de uma pancada (art. 59);
- Essa pancada causou uma perda de vidro que impediu determinar as zonas que rodeiam o ponto da fractura (art. 60);
- Aquando do teste por compressão vertical a garrafa apesar de uma variação de espessuras, compreendida entre 1,3 e 3,4 mm, suportou mecanicamente a carga vertical a que foi sujeita aquando do engarrafamento do líquido (art. 63);
- A garrafa realizou dezenas de retornos à fábrica de enchimento da primeira R.,C...............- CC............. C, antes de ser entregue ao 3.º R, A........... Supermercados (art. 71);
- Por cada retorno, a garrafa suportou diversos tratos de pancadas, choques e sacudidelas, no cliente final, no carregamento para a grade de retorno, no veículo onde se efectuava o retorno, na descarga na fábrica de enchimento, na linha de enchimento, na carga para o veiculo de distribuição, na descarga desde e na colocação no destino do cliente comerciante (art. 72);
- Por cada enchimento suporta a pressão vertical de cerca de 350 Kg/cm2, ao ser-lhe colocada a cápsula (art. 73);
- A rotura da garrafa não foi causada por qualquer acto da ....... (exC...............­CC............. C SA, ou dos seus funcionários no decurso das respectivas operações de produção do líquido, enchimento das garrafas, rotulagem e capsulamento (resposta ao art.º 75.º da BI), (o que indicia que as garrafas não rebentam ao retardador);
- Há elementos nos autos que, embora não quesitados, demonstram que a responsabilidade pelo transporte cabia a uma entidade autónoma da Ré .......,
10ª- Não há qualquer fundamento legal para responsabilizar as Recorrentes por não terem provado que a garrafa era segura no momento em que a colocaram em circulação, porque de facto provaram que a dita garrafa era segura.
11ª- O Acórdão enferma, assim, da nulidade consistente em contradição entre a decisão e os seus fundamentos, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do art. 668.° Do CPC, pelo que a decisão nele contida é nula, devendo ser substituída por uma outra que decrete essa nulidade e reponha a decisão absolutória da 1ª Instância.
12ª- Inexiste no direito comunitário ou ordinário português qualquer presunção legal de defeito de produtos, sendo certo que qualquer dita "presunção" de insegurança do produto só opera se provar que o produto era defeituoso, prova essa que, legalmente cabe ao lesado. (cf. art.º 4 do Decreto Lei n.º 382/89, de 6 de Novembro e art. 4. ° da Directiva 85/374 CEE, de 25 de Julho de 1985, transposta para ordem jurídica interna por aquele primeiro, e que, por conseguinte, a integra nos termos do disposto no art. 8. ° da Constituição da Republica Portuguesa).
13ª- Nos termos das disposições conjugadas dos arts 1.º e 4.º Do Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro, e do art.º 4 da Directiva 85 374 CEE, de 25 de Julho de 1985, transposta para a ordem jurídica portuguesa, sem qualquer reserva, por aquele primeiro diploma cabe ao lesado a prova do dano, do defeito e do nexo causal entre o defeito e o dano.
14ª-Ao decidir como decidiu, violou o Douto Acórdão a referida norma do art.º 8. ° Da Constituição bem como o próprio direito comunitário vertido na citada Directiva, que vigora regularmente em Portugal desde a data em que foi transposta para o direito pátrio, inconstitucionalidade e violação esta que aqui expressamente se invocam uma vez que, por imperativo constitucional e do primado do direito comunitário, é ao lesado que cabe a prova do defeito e do nexo causal
15ª- O Douto Acórdão viola, ele próprio, o princípio da proporcionalidade – que invoca em defesa da Recorrida – enquanto afloramento do princípio da igualdade vertido no art. 13. ° Da Constituição, princípio esse que tanto rege as relações entre o Estado e o cidadão como as relações entre os particulares entre si.
16ª- Utiliza o douto Acórdão o argumento de que a Autora, ora Recorrida, não pode ser prejudicada com fundamento num dito princípio estruturante do ordenamento jurídico que é o da proporcionalidade pelo qual, diz, é desproporcional exigir a alguém o que lhe é impossível ou muito difícil de realizar quando outrem está objectivamente em condições de praticar o acto exigível.
17ª - Sucede que foi o próprio legislador comunitário que produziu um diploma que o legislador português acolheu, sem qualquer reserva, na ordem interna, pelo qual é ao lesado que cabe a prova do dano, defeito, e do nexo causal entre um e outro.
18ª- Como o produtor está mais próximo do processo produtivo e conhece as técnicas de produção e os eventuais pontos vulneráveis desse processo, é justo e proporcional que não se onere o lesado com o ónus de provar a sua culpa em juízo,
19ª- Por isso o legislador cominou um regime de responsabilidade objectiva do produtor.
20ª- Todavia, também é proporcional que se exija ao lesado, que faça prova do defeito e do nexo causal entre o defeito e o dano, ou, se quiser não é desproporcional que se exija que o faça até porque essa é a regra geral do direito civil maxime arts. 483. ° E SS do Código Civil.
21ª- Por isso o legislador determinou que é ao lesado que compete essa prova.
22ª- A doutrina nacional que se conhece é peremptória em afirmar que a lei interna portuguesa deve ser interpretada de acordo com a referida Directiva e que, em função disso, sendo embora a responsabilidade do produtor objectiva, isto é independente de culpa, ao lesado cabe sempre o ónus da prova do dano, do defeito e do nexo causal (cf., Prof. João Calvão e Silva in Responsabilidade Civil do Produtor Almedina Coimbra Teses, pág. 453 e SS e 712 e ss e João Manuel Vieira Conde, A Responsabilidade Civil do Produtor face a Terceiros, AAFOL 1990, pág. 117).
23- A jurisprudência nacional, de forma que se pode considerar pacífica, tem entendido que:
(I) o regime da responsabilidade do produtor, por ser um regime de responsabilidade objectiva, isenta o lesado da prova da culpa, mas não o dispensa de provar o defeito, o dano, e o nexo causal entre um e outro, segundo as regras gerais dos arts. 342.° e 563.° ambos do Código Civil - vide por todos o Ac. do STJ de 16/12/99, que pode ser consultado em www.dgsi.pt doc. n.º SJ199912176009921 e Ac. STJ de 27.4.04 que pode ser consultado em www.dgsi.pt processo n.º 431/04;
(II) da impossibilidade de apurar a causa concreta de um defeito de um produto não decorre, automaticamente, que o mesmo se tenha que ter por defeituoso, na medida em que tal equivaleria a estabelecer uma presunção legal de defeito, o que seria uma forma habilidosa, mas não permitida por lei, de inverter o ónus da prova - vide por todos Ac. TRP de 06/03/01, que pode ser consultado em www.dgsi.pt doc. n.º RP2001 03060021631;
(III) para determinar se um produto é ou não defeituoso o juiz deve reportar-se à data da sua colocação em circulação - Ac. do TRP de 27/03/03, que pode ser consultado em www.dgsi.pt doc. n.º RP200303270330634;
(IV) um produto é defeituoso quando não oferece a segurança que legitimamente dele se pode esperar recaindo sobre o lesado o ónus da prova não só do defeito, mas também quanto ao nexo causal entre aquele e o dano - ­Ac. do TRE de 13/09/07, que pode ser consultado em www.dgsi.pt processo n.º 1139/07-2.
24ª- A Autora e ora Recorrida não deu cumprimento a tal ónus, ficando sem se saber se a origem do rebentamento da garrafa radica num defeito de fabrico, de concepção ou de outra natureza.
25ª- Portanto, ao decidir como decidiu incorreu o Venerando Tribunal da Relação em duas inconstitucionalidades, por violação dos arts. 8.° e 13.° da Constituição, em violação ao direito comunitário por infracção do art. 4.° da Directiva 85/374 CEE, de 25 de Julho de 1985, em violação ao disposto nos arts 4.° e 5.°do citado Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro e ao disposto no art. 342.°do C. Civil pelo que a sua decisão deve ser revogada e substituída por uma outra que reponha a decisão proferida pelo Tribunal de Almada absolvendo as Recorrentes por a Recorrida não ter efectuado a prova que, legalmente, lhe cabia.
26ª- A lei determina que o produtor não responde se provar que o produto era seguro no momento em que foi posto em circulação. Sucede que, à semelhança do que se passa noutros domínios do direito em que alguém tem a responsabilidade pela conservação de dado imóvel ou pelo exercício de uma dada actividade, a prova de que o produto é seguro no momento em que entra no circuito distributivo tem de se aferir em termos de razoabilidade e não em termos absolutos, não sendo de exigir a prova impossível ou diabólica.
27ª- Conforme refere André Mouzinho (de resto citado na douta sentença de 1ª Instância) em a Responsabilidade Civil do Produtor que pode ser consultada em www. verbo jurídico, pág. 22, «há que explicar que a existência de segurança nos produtos não é uma segurança total, já que isso seria impossível: trata-se de uma segurança com que todas as pessoas e não o consumidor ou lesado concreto podem legitimamente contar».
28ª- A Recorrente e sua segurada lograram ainda provar, em julgamento, a fiabilidade dos respectivos métodos de fabrico e produção, a qualidade dos mesmos em ordem à obtenção de um produto seguro, no momento da entrada do mesmo em circulação, como claramente decorre das alíneas M a R dos factos Assentes e das respostas positivas dadas aos arts. 32. ° a 48.° 52.° a 63.° e 70.° a 75.° da BI e das respostas negativas dadas aos arts. 49.° a 50.°. da mesma BI.
29ª- Para essa prova contribuíram os depoimentos das testemunhas arroladas pelas Rés, e os relatórios periciais quer do elaborado pelo grupo Beer quer o produzido do Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro da autoria do Eng.º II que foram livremente apreciados pelo Tribunal da Relação mas de forma "selectiva" apenas para os descredibilizar olvidando que, pelo menos, um deles, é um relatório oficial, produzido em sede de prova pericial e que concluiu claramente no sentido de que a causa do rebentamento terá sido o embate com um corpo duro exterior (cfr. conclusão do relatório de fls na qual, claramente, se refere que «dificilmente pode ser colocada como explicação para o posterior ocorrência da explosão dessa garrafa, sem intervenção de qualquer outra acção agressiva sobre a mesma»)
30ª- Em nome do princípio da busca da verdade material, o contraditório no processo em 1ª Instância foi ao ponto de se confrontarem as testemunhas com matéria que nem sequer foi alegada a saber, se seria possível que ocorressem fragilidades nas linhas de enchimento da Ré ....... ou nalguma das fases do engarrafamento e enchimento, que potenciassem os chamados" rebentamentos ao retardador", tendo as suas respostas sido claramente em sentido negativo.
31ª- O vidro ou os artefactos de que o mesmo é feito, não são, em si, produto inseguros sendo o vidro utilizado há séculos, em variadas actividades e indústrias, desde a construção civil, à automóvel, à vinícola e cervejeira e nunca ninguém reputou o vidro como material pouco seguro ou mais propenso a acidentes nem consta que exista algum impedimento legal à sua utilização.
32ª- Os "tratos de polé" alegadamente sofridos por garrafas a que, segundo o Venerando Tribunal da Relação se assiste televisivamente e que fundam a sua afirmação de que permitiam à Autora e ora Recorrida, legitimamente, contar que a garrafa não rebentasse na sua mãos, não são argumentos de direito nem de facto em que, legitimamente, se possa estribar um Aresto de um Tribunal Superior,
33ª- Apenas relevam de alguns anúncios ou filmes em que de facto, objectos são, por exemplo, arremessados contra embarcações, para "dar sorte" mas que são produto de uma realidade cinéfila e de estúdio onde abundam técnicas e efeitos especiais que, não só não permitem identificar o objecto em causa como sendo de vidro e que, em rigor, nada tem que ver com a vida real.
34ª- Portanto, ao decidir como decidiu incorreu o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa em violação ao direito comunitário por infracção do art. 4.°, 6.° e 7.° da Directiva 85/374 CEE, de 25 de Julho de 1985, por violação aos arts. 4.° e 5.° do citado Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro e ainda ao disposto no art.º 342.° do C. Civil pelo que a sua decisão deve ser revogada e substituída por uma outra que reponha a decisão proferida pelo Tribunal de Almada absolvendo as Recorrentes por a Recorrida não ter efectuado a prova que, legalmente, lhe cabia.
35ª- O Douto Aresto fixou uma compensação por perdas salariais futuras da Autora, ora Recorrida, numa base de cerca de € 299.50 mensais, durante um período expectável de vida útil de 11 anos, quando não se levou à BI nem, por conseguinte, se provou nos autos que o montante exacto da remuneração mensal da Autora ora Recorrida fosse de € 299,50 (60 contos na moeda antiga).
36ª- Mas mesmo que assim se entendesse, o valor de € 44.834.89 corresponderia, grosso modo, à soma de 60 contos (€ 299,50) x 12 meses x 11 anos, o que significa que o Venerando Tribunal da Relação calculou uma perda salarial com base numa IPP de 100% quando deveria ter calculado uma indemnização com base na IPP de 20%.que foi a que foi provada.
37ª- Tratando-se de uma IPP de 20%, o valor mensal da perda salarial da Autora ora Recorrida seria não € 299,50 mensais mas € 60 mensais, ou seja, € 840 anuais e, por conseguinte, € 9240 no final dos 11 anos, devendo, ainda, a esse valor se ter procedido ao abatimento resultante quer da idade da lesada quer, sobretudo, da antecipação do capital e que, em média, equivalem a 1/4 do valor total a receber, como de resto, e bem, tem entendido pacificamente a Jurisprudência e doutrina (cfr. Desembargador Joaquim Sousa Dinis, Dano Corporal em acidentes de Viação, Col. Jur. STJ, 1997, Tomo II, pág. 15), ou seja, cerca de € 2310, pelo que o valor final a receber pela Autora nunca deveria ser superior a € 6930.
38ª- E mesmo que assim se não entendesse, o raciocínio teria que ser o mesmo caso se atendesse a uma efectiva incapacidade total (de 100% para o trabalho) pois ao valor de € 44.834.89 haveria de se abater a referida percentagem de 1/4 pelo que o efectivo valor a receber não poderia exceder a quantia € 33.626.
39- Por conseguinte, também aqui, ao decidir como decidiu, incorreu o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa em violação do disposto nos arts. 562.° e 563.° do C. Civil, pelo que a sua decisão deve ser revogada e substituída por uma outra que, mesmo que mantenha o teor da sentença de condenação, reduza a indemnização por perdas salariais futuras em conformidade.

A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.

Vem dado como PROVADO do tribunal recorrido:

1) A Autora denunciou o rebentamento da garrafa junto do fabricante do produto, a primeira Ré,C...............- CC............. C, SA.- A)

2) A primeira Ré,C...............- CC............. C, S.A., transferiu a responsabilidade civil decorrente de defeito dos produtos por esta fabricados, vendidos e/ou distribuídos para a 2ª Ré, Companhia de Seguros ........., através de contrato de seguro titulado pela apólice A 00000, com as condições gerais e particulares constantes de folhas 171 a 176 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas - B)

3) Com vista a apurar as causas do sinistro, a 2ªR, Companhia de Seguros ......., nomeou como peritos a sociedade "......., Lda.", com sede na Av. ............., 1350 Lisboa - C)

4) A mencionada empresa de peritagem elaborou o pertinente relatório em reunião realizada para tal efeito com a A., ao qual anexou relatório médico - D)

5) Para apuramento da causa do rebentamento da garrafa entendeu a empresa "L.....R....., Lda.", submeter os estilhaços da garrafa de cerveja Sagres a exame junto do laboratório sediado em Espanha, "B..... A......", ao que a autora acedeu - E)

6) A "Beer & Astech" adjudicou a realização dos testes e exames ao "Instituto de Cerâmica y Vidro", organismo tutelado pelo Consejo Superior de Investigaciones Cientificas - F)

7) Os fragmentos/estilhaços da garrafa enviados para Espanha em envelope fechado e acolchoado foram numeradas de 14.03401 a 14.03443 - G)

8) Com os fragmentos foi possível reconstruir a garrafa em apreço em mais de 99% - H)

9) Os fragmentos da garrafa remetidos a Espanha são os da garrafa dos autos - I)

10) Em 9 de Junho de 1999 a "Luso-Roux, Lda." elaborou o relatório de peritagem junto aos autos a folhas 137 a 187, e ao qual estão anexos os relatórios elaborados pela "B..... A......" a folhas 200 a 214 e, pelo Instituto de Cerâmica y Vidro a folhas 217 a folhas 230 dos autos - J)

11) A primeira Ré,C...............- CC............. C, SA, é uma sociedade comercial que tem por objecto principal a produção e comercialização de malte, cerveja, refrigerantes, águas minerais e de mesa e outros produtos alimentares - L)

12) As garrafas de vidro utilizadas pela primeira RéC...............- CC............. C, SA, no enchimento de cerveja são produzidas por fabricantes terceiros, aos quais a primeira ré as adquire segundo modelos predefinidos por ambas as partes - M)

13) A garrafa em causa foi fabricada no molde 1 (primeiro número) por "S....... B....... ­Vidros, SA", com estabelecimento fabril na Marinha Grande (conjunto de letras SB), corresponde ao modelo de garrafa 537 (3° conjunto de números), o ano de fabrico é 1996 (número 6), e tem uma capacidade à boca de 34,5 cc (último conjunto de números) - N)

14) O Instituto de Cerâmica y Vidro, submeteu os fragmentos a vários testes tendo em vista apurar se a rotura se deu por choque térmico, por pressão interna, por compressão vertical ou por impacto - O)

15) A garrafa em causa ficou sempre com a tampa, não havendo a mesma saltado no momento da ocorrência - P)

16) Foi levado a cabo um exame denominado estudo fractográfico, tendo, em vista apurar se a ruptura foi causada por impacto ou pancada exterior, causada por um corpo duro - Q)

17) À primeira Ré,C...............- CC............. C, SA, foi atribuído pela Associação Portuguesa de Certificação o Certificado de Qualidade n° 96/CEP.414, demonstrativo de, na produção e comercialização de cerveja, refrigerantes e malte, cumprir os requisitos da NP EN ISSO 9001: 1995, sendo o único fabricante nacional detentor daquela certificação na respectiva área industrial e comercial, e que está autorizada a usar o símbolo de empresa certificada - R)

18) No dia 9 de Setembro de 1998, a A. adquiriu no estabelecimento comercial propriedade da 3ª Ré A........... Supermercados, Lda., sito na ....................., duas garrafas de 33 cl de cerveja Sagres, entre outras mercadorias – 1.º.

19) Cerca das 19h 15m desse dia, tendo chegado à sua residência, após ter arrumado as restantes compras, a A. colocou uma das garrafas de cerveja Sagres no frigorifico e quando ia colocar a segunda garrafa no frigorífico, mas antes de completar a operação, a garrafa de cerveja Sagres rebentou na mão da A. – 2.º

20) O rebentamento da garrafa de cerveja Sagres feriu a A. com um corte na face - 3.º

21) O rebentamento causou ainda um corte no interior do olho direito da A. que lhe vazou completamente o referido olho - 4.º

22) Em consequência, no referido dia 9 de Setembro de 1998, a Autora foi internada no Serviço de Oftalmologia do Hospital Garcia da Horta, em Almada - 5.º

23) A A. foi submetida a uma intervenção cirúrgica de quatro horas e meia, cujo objectivo foi apenas preservar física e materialmente o olho da A.- 6.º

24) Não é possível o restabelecimento do olho da Autora -7.º.

25) Em virtude do rebentamento da garrafa de cerveja Sagres, na mão da autora, esta ficou cega do olho direito. - 8.º.

26) A situação referida anteriormente é permanente e irreparável - 9.º.

27) Não pode ser reposto um olho novo - 10.º.

28) A A. esteve internada no Hospital Garcia da Horta, em Almada, entre o dia 9 e o dia 16 de Setembro de 1998 - 11.º.

29) E, novamente, no período compreendido entre o dia 12 e o dia 19 de Novembro de 1998 - 12.º.

30) As lesões descritas no relatório médico de folhas 23 dos autos são as decorrentes do referido em 21) - 13.º.

31) Desde a data em que teve alta médica, em 16 de Setembro de 1998, a A. é regularmente submetida a exames médicos para verificação do seu estado clínico - 14.º.

32) No internamento ocorrido em 12 de Novembro de 1998 constatou-se que o olho esquerdo, que não foi atingido pelo rebentamento da garrafa de cerveja Sagres, apresentava visão turva e vermelha, uveíte anterior e intermediária do olho esquerdo interpretada como oftalmia simpática – 15.º.

33) Apesar do olho esquerdo da A. não ter sido directamente atingido com o rebentamento da garrafa de cerveja, começou a manifestar sintomas de querer deixar de ver por solidariedade com o olho direito - 16.º.

34) Para além da A., já várias pessoas presenciaram, e padeceram com o rebentamento de garrafas de cerveja Sagres, nomeadamente no estabelecimento "A........... Supermercados" onde a Autora adquiriu a garrafa que a vitimou - 18.º.

35) Os cortes na face e dentro do olho direito causados pelo rebentamento da garrafa causam á Autora sofrimento físico - 21.°.

36) Desde o sinistro, a A. convive diariamente com a dor que representa reviver o sucedido ­22.°.

37) A A. sente-se diminuída fisicamente porque está cega de um olho aos 49 anos de idade. - 23.°.

38) Desde o sinistro, a A. deixou de fazer a sua vida normalmente - 24.°.

39) A A. não pode exercer a sua actividade profissional de comerciante de uma retrosaria o mesmo número de horas que anteriormente praticava pela necessidade de dar repouso obrigatório aos olhos - 27°.

40) O diagnóstico actual da A. é, relativamente ao olho direito, de ausência de percepção luminosa e sem possibilidade de recuperação funcional, olho indolor, hipotonio, com cicatriz da ferida da córnea e íris ovalada - 28. °

41) Ate á data da propositura da acção a A. já despendeu Esc. 94.429$00 em despesas médico-medicamentosas, internamento e deslocações - 29.°

42) A autora tem necessidade de continuar a submeter-se a tratamentos - 30.°.

43) A A. poderia continuar a sua actividade de comerciante de uma retrosaria até aos 60 anos de idade. - 31. °.

44) A garrafa que foi objecto de análise pericial é do tipo reutilizável, ou retornável, isto é pode ser utilizada em sucessivos enchimentos de cerveja, e tem gravado no fundo o código de rastreabilidade alfa-numérico com a composição ISB 537 6.34,5 - 32.°.

45) O modelo de garrafa em apreço é fabricado e fornecido á primeira RéC...............­Cervejas de Portugal, SA, desde 1983 até ao presente - 33.º.

46) A primeira R.,C...............- Cervejas de Portugal, SA, adquiriu e lançou no mercado, ao longo dos últimos 16 anos, cerca de 120 milhões do identificado modelo de garrafa, o qual, devido ao seu tipo- tipo pesado, com cerca de 240 gr. - e resistência, atinge, com frequência, quinze anos de vida útil em circulação - 34.°.

47) Ao longo de todos estes anos, o modelo de garrafa em apreço nunca sofreu qualquer alteração destinada a corrigir qualquer defeito de concepção e/ou de fabrico, que tivesse sido detectado - 35. °.

48) Embora as garrafas, tanto no seu ciclo normal de venda como no circuito caseiro/doméstico, sejam sujeitas a várias agressões, cada processo de enchimento (de cerveja) selecciona naturalmente aquelas que, por qualquer motivo, estão fragilizadas - 36.°.

49) Esta selecção verifica-se em função das temperaturas a que estão sujeitas, quer nos sucessivos quatro banhos de lavagem através de uma solução cáustica que atinge os 85°, quer nos dois banhos de enxaguamento seguintes, do choque térmico a que são submetidas a alta pressão vertical a que são sujeitas na fase de enchimento e capsulagem superior a 200 KG/cm2 e ao choque mecânico continuado, sobretudo nos tapetes transportadores e também no engradamento - 37.°.

50) Qualquer garrafa com defeito, seja de fabrico seja resultante de anterior utilização, susceptível de originar a sua quebra é eliminada durante o processo referido no art. 37.º da base instrutória - 38.°.

51) A linha de enchimento das garrafas está equipada com inspectores electrónicos que rejeitam automaticamente as garrafas que apresentem anomalias, como sejam falhas de vidro, objectos estranhos no seu interior e outras similares - 39.°.

52) As garrafas resistem, no mínimo, a 12 kg/cm2 de pressão interna e, durante o enchimento, são submetidas a uma pressão interna variável entre 2,5 a 3 kg/cm2, o que conduz à eliminação das fragilidades por qualquer motivo, antes da sua introdução/reintrodução no circuito comercial - 40.°.

53) O teor de C02 da cerveja Sagres, pré-embalada em garrafa retornável é de 5,0 grama/litro - 41.°.

54) A variação da pressão interna da garrafa com a temperatura é
Temperatura C: 5 10 15 20 25 30
Pressão kg/cm2: 0,93 1,24 1,62 2,07 2,51 2,82 – 42.º.

55) Mesmo que a temperatura atinja os 30º C, a pressão interna da garrafa sobe para os 2,82 kg/cm2, ficando muito abaixo dos 12 kg/cm2 que tais garrafas suportam - 43.°.

56) A garrafa que foi objecto de exame pericial tem aposto um rótulo do qual consta a indicação do lote de fabrico, identificado por L09045 11, o que significa que a garrafa em questão foi cheia no dia 4 de Setembro na linha de enchimento nº 5, no turno das 00hOO/08hOO, e o produto é cerveja - 44.°.

57) Na linha de enchimento n° 5 a pasteurização efectua-se através de um permutador de placas (Sistema Flash), sendo a cerveja pasteurizada antes de se proceder ao enchimento, que e feito uma temperatura de +/- 4º C, enquanto que a força vertical de capsulagem da garrafa é de +/-300Kg -45.°

58) A variação de espessuras, referidas no relatório de fis. 217 a 230 dos autos, a que se refere a alínea J) da Matéria Assente, compreendida entre 1,3 e 3,4 mm, numa garrafa retornável de 0,33 cl constitui um dado essencial do respectivo processo de fabrico, uma vez que, tanto a Marisa, para permitir a vedação hermética por capsulagem, como o fundo da garrafa, têm de ter uma quantidade de vidro superior ao das demais partes - 46.°.

59) (2)

60) A zona onde ocorreu a fractura foi junto à base da garrafa - 48.º.

61) A fractura detectada na garrafa não corresponde ao tipo de fractura que ocorre nas garrafas que sofrem pressões internas - 51.º.

62) No decurso do processo de pasteurização as garrafas de vidro podem sofrer um aumento de temperatura da ordem dos 60/65 ºC e uma pressão de cerca 4/5 Kg/cm2 - 52.º.

63) As garrafas não sofrem qualquer aumento de temperatura aquando da pasteurização da cerveja – 53º.

64) As tampas deste tipo de garrafas estão preparadas para saltar com uma pressão interna de 8 a 10 Kg/ cm2 - 54.º.

65) A ter havido pressão interna, esta terá sido inferior à necessária para fazer saltar a tampa - 55.º .

66) A causa de rebentamento não foi a pressão interna - 56.º.

67) Durante os testes, a garrafa suportou mecanicamente uma carga vertical de força de 300 Kg idêntica a que é suportada durante o engarrafamento e capsulamento – 57.º.

68) Nas rupturas por compressão vertical, as zonas de fractura situam-se junto ao gargalo. – 58.º.

69) O cone de precursão existente num dos fragmentos indicia a ocorrência de uma pancada - 59. º.

70) Essa pancada causou uma perda de vidro que impediu determinar as zonas que rodeiam o ponto de fractura - 60.º.

71) A partir da zona de fractura propagaram-se as denominadas ondas de fractura - 61.º.

72) Uma dessas ondas descreve uma linha vertical ascendente, terminando numa fractura bifurcada, enquanto que as outras, mais ou menos paralelas à base da garrafa deram lugar a uma fractura múltipla - 62.º.

73) Aquando do teste por compressão vertical a garrafa apesar de uma variação de espessuras, compreendida entre 1,3 e 3,4 mm, suportou mecanicamente a carga vertical a que foi sujeita aquando do engarrafamento do líquido - 63.º.

74) (3)


75) A garrafa em questão saiu da fábrica da interveniente, S....... B....... - Vidros, SA, e foi entregue à 1ª R.,C...............- CC............. C, SA, em perfeito estado e sem qualquer defeito - 66.º.

76) A interveniente, S....... B....... - Vidros, SA., está há vários anos habilitada com o Certificado de Qualidade – 67.º.

77) A garrafa em questão saiu da fábrica da interveniente S....... B....... - Vidros, SA para a cliente antes de Setembro - 69.°.

78) A garrafa foi cheia e tornada a encher pela primeira réC...............- CC............. C, dezenas de vezes, a última das quais em 4 de Setembro de 1998. - 70. °.

79) A garrafa realizou dezenas de retornos à fábrica de enchimento da primeira R.,C...............- CC............. C, antes de ser entregue ao 3.° R, A........... Supermercados -71.°.

80) Por cada retorno, a garrafa suportou diversos tratos de pancadas, choques e sacudidelas, no cliente final, no carregamento deste para a grade de retomo, no veículo onde se efectuava o retorno, na descarga na fábrica de enchimento, na linha de enchimento, na carga para o veículo de distribuição, na descarga deste e na colocação no destino do cliente comerciante - 72.°.

81) Por cada enchimento suporta a pressão vertical de cerca de 350 Kg/m2, ao ser-lhe colocada a cápsula - 73.°.

82) A rotura da garrafa não foi causada por qualquer acto da primeira R.,C...............­CC............. C, SA, ou dos seus funcionários no decurso das operações de produção do líquido, enchimento das garrafas, rotulagem e capsulação - 75.°.
As conclusões da alegação dos recorrentes, como é bem sabido, delimitam o objecto do recurso – arts 684º, nº 3 e 690º, nº 1 e 4 do CPC, bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.
Sendo, pois, as questões atrás enunciadas e que pelos recorrentes nos são colocadas que cumpre apreciar e decidir.

I – Revista da ré SOCIEDADE CC............. C:

Assim se podendo resumir as questões pela mesma suscitadas nas extensas conclusões da sua alegação:
1ª – A nulidade do acórdão recorrido por oposição entre os fundamentos e a decisão (art. 668.º, nº 1, al. c) do CPC);
2ª – A incorrecta alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto dos quesitos 47.º e 65.º pelo Tribunal de 1ª instância, com a consequente anulação das novas respostas e a manutenção das anteriormente dadas;
3ª – A violação, pelo Tribunal recorrido, das regras do ónus da prova sobre a existência do defeito do produto e do nexo de causalidade entre o defeito e os danos evidenciados;
4ª – A falta de prova sobre o defeito do produto posto em circulação;
5ª – A da razoável admissibilidade da inexistência do defeito no momento da entrada do produto em circulação (art. 5.º, al. b) do DL 383/89, de 6 de Novembro);
6ª – A excessiva indemnização por danos não patrimoniais;
7ª – A excessiva indemnização a título de danos patrimoniais futuros.

Comecemos, naturalmente, até por razões de ordem lógica, pela análise e decisão da primeira questão: a da nulidade do acórdão recorrido por oposição entre os fundamentos e a decisão (art. 668.º, nº 1, al. c) do CPC).

É nulo o acórdão (4) quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão – art. 668.º, nº 1, al. c) do CPC.

Sendo certo que os fundamentos a que a previsão de tal nulidade se refere são os aduzidos pelo Juiz para basear a sua decisão, constituindo o respectivo antecedente lógico desta, e não aqueles que a parte entende existirem para, em seu juízo, se decidir de forma diferente. Pois, esta nulidade consubstancia um vício puramente lógico do discurso judicial e não um mero erro de julgamento.

Ora, entende a recorrente que tendo o Tribunal recorrido dado como provado que “A rotura da garrafa não foi causado por qualquer acto da 1ª réC...............– CC............. C, SA, ou por qualquer dos seus funcionários no decurso das operações de produção de líquido, enchimento das garrafas, rotulagem ou capsulação” – resposta dada ao quesito 75.º - tal facto é inconciliável com a decisão proferida, desde logo pela aplicabilidade do disposto no art. 5.º, al. b) do DL 383/89, de 6 de Novembro que estipula que o produtor não é responsável se provar “que, tendo em conta as circunstâncias, se pode razoavelmente admitir a inexistência do defeito no momento da entrada do produto em circulação”.

Podendo, na realidade, o produtor provar não lhe serem imputáveis os defeitos causadores dos danos.

Contudo, a haver erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou na interpretação desta – e não estamos, para já, a dizer que o haja – encontramo-nos perante um erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade (5)..

Pelo que a arguida nulidade não se verifica.

Passemos à segunda questão: a da incorrecta alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto dos quesitos 47.º e 65.º pelo Tribunal de 1ª instância, com a consequente anulação das novas respostas e a manutenção das anteriormente dadas.

Na sequência do ordenado pelo anterior acórdão deste STJ, que mandou que fosse proferida decisão de facto sobre a matéria dos quesitos 47.º e 65.º - e já que a resposta antes dada pela Relação traduzia um non liquet factual – julgou o Tribunal recorrido, e ao invés do decidido na 1ª instância, como não provados os factos constantes de tais questões.

Tendo, a propósito, fundamentado as suas respostas ora em crise pela forma que teve por conveniente e as razões da sua discordância com a fundamentação antes, e também a respeito, dadas pela 1ª instância.

Insurge-se a recorrente pela não valoração de provas que melhor especifica, entre elas os relatórios periciais juntos aos autos, e pelo relevo agora dado ao depoimento da testemunha DG, filha da autora.

Mas este Tribunal, como é bem sabido, como tribunal de revista que é, aplica definitivamente aos factos fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue aplicável – artigo 729.°, nº1, do Código de Processo Civil e, consequentemente, não conhece de matéria de facto, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova - artigos 729°, nº 2 e 722°, nº 2, do mesmo diploma legal.

Com efeito, cabe às instâncias apurar a factualidade relevante, sendo que na definição da matéria fáctica necessária para a solução do litígio, a ultima palavra cabe a Relação. Daí que, a tal propósito, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça se apresente como residual e apenas destinada a averiguar da observância de regras de direito probatório material ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto. Alias, não poderá esquecer-se que só á Relação compete censurar as respostas dadas à base instrut6ria ou anular a decisão proferida na 1ª instancia, através do exercício dos poderes conferidos pelos nºs 1 e 4 do artigo 712° do Código de Processo Civil.

Podendo, assim, afirmar-se que, no âmbito do julgamento da matéria de facto se movem as instâncias, estando, em principio, vedado ao Supremo Tribunal de Justiça proceder à respectiva sindicância, visto que a sua missão, neste campo, consiste, não em sopesar o valor que for de atribuir, de acordo com a consciência e argúcia do julgador, aos diversos meios probatórios de livre apreciação – e, entre eles, os relatórios periciais - mas em assegurar que se respeite a lei, quando ela atribui a determinados meios probatórios um valor tabelado e insusceptível de ser contrariado por outros (6)..

Ora, no caso concreto em apreço, não se está perante os casos excepcionais previstos naqueles preceitos legais.
Não se vendo ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova, sendo certo que, face ao disposto no art. 364.º do CC, quando a lei exigir como forma da declaração negocial documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por qualquer outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.

Nem se vislumbrando ofensa de disposição expressa da lei que fixe a força de determinado meio de prova, como sucede, por exemplo, no art. 371.º daquele CC.

Nem a Relação, como instância julgadora de facto que é, exorbitou dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 712.º do CPC. Havendo que nos recordar que a decisão agora dada quanto à matéria de facto dos referidos quesitos 47.º e 65.º da base instrutória havia antes sido posta em causa pela então recorrente autora. Tendo a decisão primitivamente dada pela Relação a tal respeito sido “anulada” por acórdão deste Supremo, transitado em julgado.

A Relação não fez, pois, uso indevido dos poderes que pelo referido art. 712.º lhe são conferidos.

Pelo que, respeitando, embora, o inconformismo da recorrente, há que manter o decidido pela Relação.
Entremos, agora, na análise e decisão das terceira, quarta e quinta questões: as da violação, pelo Tribunal recorrido, das regras do ónus da prova sobre a existência do defeito do produto e do nexo de causalidade entre o defeito e os danos evidenciados, da falta de prova sobre o defeito do produto posto em circulação e da razoável admissibilidade da inexistência do defeito no momento da entrada do produto em circulação.

Todos parecem reconhecer estar-se, à partida, em sede de responsabilidade civil do produtor.

Como refere Calvão da Silva(7), no contexto que rodeia esta responsabilidade, destaca-se o vertiginoso desenvolvimento e progresso científico e tecnológico próprio da contemporânea revolução industrial.

Tratando-se essencialmente, no moderno estudo sistemático da questão originado nos E.U.A. pelo advento da produção, distribuição e consumo de massas, do ressarcimento pelo produtor ou fabricante dos danos causados por produtos defeituosos por si produzidos ou fabricados e difundidos no mercado a pessoas que, pela actual cadeia de distribuição, não têm qualquer relação contratual com esse fabricante ou produtor.

Sendo o escopo principal da responsabilidade em apreço a protecção adequada e eficaz do público utente ou consumidor em geral, exposto ao perigo e ao dano cuja fonte e causa são tais defeitos.

Estimulando-se o produtor, no seguimento da preocupação havida com o consumidor, através da legislação elaborada a propósito, a reduzir os riscos da inserção de um seu produto no mercado, reduzindo, em consequência, os defeitos que o produto possa ter.

Constituindo tal responsabilidade um dos corolários da evolução da responsabilidade civil (8).

Como refere Pinto Monteiro (9), a expressão ‘responsabilidade do produtor’ procura fazer face a um problema candente da actualidade, em virtude de a autonomização do processo produtivo, a produção em série e a distribuição em cadeia dos produtos, e o desmembramento da produção-comércio, virem conferir características específicas ao problema da responsabilidade pelos danos causados por coisas defeituosas ou perigosas”.

E, como justificação de uma maior penalização do produtor, responsabilizando-o objectivamente pelos defeitos dos produtos que fabrica e coloca no mercado, os diferentes sistemas legislativos socorreram-se do princípio social do “ubi commoda ibi incommoda”, na ideia de que quem aproveita o resultado útil de certa actividade produtiva, deve igualmente suportar os riscos que decorrem dessa mesma actividade.

No desenvolvimento destes princípios, e, na insuficiência das normas clássicas do direito privado sobre a responsabilidade civil, surgiram, tanto a Directiva 85/374/CEE5, do Conselho de 25 de Julho de 1985, que consagra expressamente a responsabilidade civil por danos causados por produtos defeituosos, como o Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro, que a transpôs para o ordenamento jurídico nacional.

Desde logo se acentuando, no preâmbulo da referida Directiva, que a responsabilidade sem culpa do produtor é a sua trave mestra (10).. Mesmo que o lesado seja um simples utilizador. Visando a mesma proteger as vítimas sem distinguir se são ou não contrapartes do produtor numa relação contratual.

Sem que as regras tradicionais de defesa ao serviço do lesado, quer as atinentes à responsabilidade contratual, quer as respeitantes à responsabilidade extracontratual, tenham sido substituídas pela Directiva. Mas apenas complementadas.

Constando o conceito de defeito (pressuposto essencial da responsabilidade) no art. 4.º do Dec-Lei 383/89, que, assim e no seu nº 1, dispõe: “Um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momenta da sua entrada em circulação”.

É uma noção vaga e bastante elástica, no dizer de Calvão da Silva (11), sendo o seu cerne a segurança do produto e não a aptidão ou a idoneidade deste para a realização do fim a que é destinado. Não se confundindo ambos, caracterizando-se a moderna responsabilidade do produtor por ser uma responsabilidade por falta de segurança dos produtos, enquanto a clássica garantia por vícios (art. 913.º e ss do CC) se traduz na responsabilidade do vendedor por falta de conformidade ou qualidade das coisas, visando, uma e outra objectivos diferentes (12).

E se a noção de defeito, no regime em apreço, é a segurança do produto, o problema fulcral que nos é colocado é o de saber qual o grau de segurança a ter em conta. Não exigindo a lei que o produto ofereça uma segurança absoluta, mas apenas aquela com que se possa legitimamente contar. Devendo atender-se às expectativas objectivas do “público em geral” – e não à expectativa subjectiva do lesado – isto é, à segurança esperada e tida por normal nas concepções do tráfico do respectivo sector do consumo (13).

Devendo, no apuramento do defeito, ser, alem do mais, valorado como elemento da sua definição, “a utilização que dele razoavelmente possa ser feita”. Ou seja, o produtor, ao conceber, fabricar e comercializar um produto, deve ter em conta não só a utilização conforme ao fim ou destino dele pretendido em condições normais, mas também outros usos razoavelmente possíveis que do mesmo possam ser feitos. Só assim cumprindo a sua obrigação de colocar no mercado apenas produtos seguros, que não apresentem riscos inaceitáveis para a saúde ou segurança pessoal dos consumidores que lhes dêem o uso pretendido ou que deles façam uma utilização razoavelmente previsível e socialmente aceite. Devendo o Juiz, na determinação do carácter defeituoso do produto, ser intérprete do sentimento geral de legítima segurança dele esperada, atendendo não só ao uso pretendido, mas à utilização que, à luz do grande público ou do conhecimento ordinário, dele razoavelmente possa ser feita(14).

Sendo certo que o momento relevante para se apurar a defeituosidade do produto é o do momento da sua entrada em circulação – art. 4.º já citado, na parte final do seu nº 1.
Devendo o Juiz, para determinar se um produto é ou não defeituoso, ater-se, não ao momento da ocorrência do dano, mas sim à data da colocação em circulação do produto (15).
Considerando-se em circulação um produto logo que entregue pelo produtor a terceiro ou à cadeia distributiva.

Devendo, ainda, ter-se em conta, na determinação do defeito, conforme o citado art. 4.º, todas as circunstâncias do caso, designadamente – e é impossível enumerar taxativamente todas as circunstâncias que neste contexto poderão ser atendíveis – a natureza do produto, o seu preço, a sua importância e utilidade para a Humanidade, a possibilidade de eliminação do defeito (16).

Podendo o produto ser defeituoso, no que aqui pode relevar(17), porque indevidamente inseguro no seu fabrico, na fase de laboração, produção ou fabrico. São defeitos típicos da moderna produção em massa, automatizada, estandardizada, devidos a falhas mecânicas e humanas da organização empresarial. Que escapam até ao mais elevado grau de cuidado e controlo de produção. Não se olvidando, também, que o controlo será em regra feito por amostragem e que a racionalidade económica ditará inevitavelmente a aceitação de uma certa percentagem de exemplares defeituosos (18).

Do mesmo modo, quanto ao direito à reparação de danos por banda do consumidor, dispondo o art. 12.º, nº 2 do DL 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor), com a alteração que lhe foi dada pelo art. 13.º do DL 67/2003, de 8 de Abril, que regula a venda dos bem de consumo: “O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que coloque no mercado, nos termos da lei”.

Cabendo a prova do defeito – tal como do dano e do nexo de causalidade entre aquele e este – ao lesado.
Assim dispondo expressamente o art. 4.º da aludida Directiva 85/374, introduzida e executada no nosso País pelo mencionado DL 383/89. Devendo este ser interpretado e aplicado à luz da Directiva para ele transposta, sua fonte material, directa e imediata (19)

Mas, atenção, o lesado precisa apenas de demonstrar o defeito, a falta de segurança legitimamente esperada, no momento do acidente. Mas já não a sua existência no domínio da organização e risco do produtor no momento em que o produto foi por este posto em circulação.
Esta existência é pela lei presumida, cabendo ao produtor ilidi-la, convencendo o Tribunal da probabilidade ou razoabilidade da inexistência do defeito no momento da entrada do produto em circulação – art. art. 5.º, al. b) do DL 383/89 (20).
Quer dizer, provado que seja o defeito – e deixemos de lado a questão de saber se tal prova deve ser meramente perfunctória, como sustenta Carlos da Silva Campos (21) - presume-se, de forma ilidível, que o mesmo já existia antes do produto entrar em circulação.

Expostas estas considerações sobre os princípios e conceitos a adoptar na subsunção jurídica dos factos ao direito, recordemos agora a materialidade a que nos poderemos ater para a decisão deste recurso.

Crendo-se, desde logo, dúvidas não haver que a garrafa de cerveja em causa, saída da fábrica respectiva, de S....... B......., Vidros, S.A., em perfeito estado e sem qualquer defeito, assim tendo sido entregue à ré ex-C....... (resposta ao quesito 66.º) e que rebentou na mão da autora quando esta a ia colocar no frigorífico (resposta ao quesito 2.º), tendo (a dita garrafa) suportado dezenas de retornos à fábrica de enchimento da dita ex-C............... e, em consequência destes, diversos tratos de pancadas, choques e sacudidelas, no cliente final, no carregamento deste para a grade de retorno, na descarga na fábrica de enchimento, na linha de enchimento, na carga para o veículo de distribuição, na descarga deste e na colocação do destino do cliente comerciante (respostas aos quesitos 71.º e 72.º) era, naquele momento do rebentamento, defeituosa.

Não podendo deixar de assim ser.

Pois, uma garrafa de cerveja não é um coquetel molotov, não devendo rebentar quando se manipula (22).

Não tendo ficado apurado que a garrafa tivesse rebentado por choque térmico ou que a introdução no frigorífico(23) tivesse dado lugar ao seu esfriamento instantâneo (respostas negativas aos quesitos 49.º e 50.º.

Nem que a causa do rebentamento tivesse sido uma ruptura causada por impacto exterior de objecto duro, alheio e estranho ao produto e aos intervenientes na cadeia de distribuição (resposta negativa ao quesito 47.º).

Nem que a garrafa se tivesse partido em consequência de impacto com corpo duro (resposta negativa ao quesito 65.º).

Ou seja, não se tendo apurado que a causa do rebentamento da garrafa na mão da autora tivesse sido originado por uma pancada então sofrida.

Mesmo que não tivesse ficado provado que a autora não tivesse batido com a garrafa em algum sítio, quer no percurso do local onde a adquiriu até à sua residência, quer nesta (resposta negativa ao quesito 20.º).
Sendo certo que a resposta negativa a um quesito (mesmo que formulado pela negativa) não equivale à prova do contrário. Tudo se passando como se a sua matéria não tivesse sido alegada.

Ou que as garrafas daC...............rebentam sem razão aparente (resposta negativa ao quesito 19.º).

Embora tivesse ficado provado que, para alem da autora, já várias pessoas presenciaram e padeceram com o rebentamento de garrafas de cerveja Sagres, nomeadamente no estabelecimento A........... Supermercados (resposta ao quesito 18.º).

E, assim, mesmo admitindo-se que a garrafa tivesse sofrido uma pancada, desconhece-se quando é que tal impacto terá ocorrido.

Assim se tendo de concluir, mesmo sabendo-se que a causa de rebentamento não foi a pressão interna (resposta ao quesito 56.º).

Pelo que, no momento do acidente, a garrafa que, repete-se, estava nas mãos da autora, não ofereceu a segurança que legitimamente era esperada de tal produto, tendo, desde logo, em conta a utilização que dele razoavelmente podia ser feita.

Pois, como é de todos sabido, a garrafa de cerveja contêm líquido que se destina a ser bebido, com o inerente manuseamento do recipiente onde está inserido, quer no acto final do consumo, quer em momentos anteriores ocorridos no percurso necessário à sua chegada ao destinatário final.

Provado, ficou, pois o defeito da garrafa.
Tal como está previsto no art. 2.º, nº 1 do citado DL 383/89.

Mas, cabe agora perguntar?

Quando é que terá ocorrido a anomalia que originou o rebentamento da garrafa e o seu respectivo defeito?

Não tendo a mesma ficado completamente apurada (24) e, muito menos, o momento em que se terá verificado (25), resta-nos, de acordo com a lei, como atrás expusemos, presumir que o defeito já existia no momento da sua entrada em circulação – citado art. 5.º, al. b).

Incumbindo ao produtor, ora ré ex-C..............., o ónus da prova do facto impeditivo ou excludente previsto no segmento legislativo imediatamente antes mencionado.

Demonstrando, desde logo, que, atentas as circunstâncias se pode razoavelmente admitir a inexistência do defeito no momento da entrada do produto em circulação.

Ora, convenhamos que quase o conseguiu fazer.

Pois comprovado ficou que a ruptura da garrafa não foi causada por qualquer acto da ré cervejeira ou dos seus funcionários no decurso das operações de produção do líquido, do seu enchimento, da rotulagem ou da sua capsulação (resposta ao quesito 75.º).

Restando-nos, contudo, saber – e a dúvida opera contra a ré, face ao ónus que a presunção falada lhe acarreta - também desde logo, se a mesma terá sido causada na operação de embalamento que necessariamente se terá verificado e onde não é difícil prever a existência de pancadas, quer no acto em si, quer nos que se seguirão até à entrada em circulação.

E já não falando no decurso do transporte distribuidor até ao mercado armazenista ou retalhista, pois desconhece-se se o mesmo é operado por conta da ré ou de entidade desta autónoma.

Não sendo concludente a matéria apurada e constante da resposta dada ao quesito 37.º, pois, não obstante se ter como provada a boa qualidade dos serviços da ré, há que admitir falhas do sistema de selecção, genericamente tratado no mesmo quesito. Não se podendo olvidar que se está perante uma enorme quantidade de garrafas que entram no sistema de produção da ré, estimadas, ao longo dos últimos 16 anos, em cerca de 120 milhões (quesito 34.º).

Presumir se tem, pois, que o defeito ocorreu antes da entrada em circulação do produto ora em causa.

Com a consequente responsabilidade do produtor, independentemente de culpa, pelos danos causados – art. 1.º do mesmo DL 383/89.

Provado se tendo que dar, sem qualquer dificuldade que ofereça mais pormenorizada análise, o nexo causal entre o defeito que originou o rebentamento e as lesões pela autora comprovadamente sofridas – respostas aos quesitos 3.º a 13.º, designadamente (26).

Sendo certo que o nexo de causalidade é pressuposto ou requisito da responsabilidade, funcionando, ainda, como medida da obrigação de indemnizar(27).

Determinando-se, entre nós, o conceito de causa juridicamente relevante segundo a teoria da causalidade adequada, consagrada no art. 563.º do CC.

Sendo ocioso aqui lhe dedicar mais atenção e pormenor, dada a singeleza, pela sua clareza, da questão que ora temos de enfrentar.

Pois bem comprovado ficou que as lesões que a autora apresentou foram decorrentes do rebentamento da garrafa.
E este, como atrás procurámos demonstrar, foi causado pelo defeito de tal recipiente.

Finalmente, as sexta e sétima questões, ambas relativas à indemnização decretada; quer a título de danos não patrimoniais, quer a título de danos patrimoniais futuros. Que a recorrente entende excessivos.

Pretende a autora, na parte final da sua alegação, a redução das indemnizações decretadas a título de danos não patrimoniais e patrimoniais futuros. Por entender que as mesmas são excessivas.

A Relação fixou, quanto à primeira, a quantia de € 45 000 e, quanto à segunda, a quantia de € 44.363,89.

Tendo a A. pedido, em tal contexto, as quantias respectivas de € 374.098,43 e de € 44.363,89.

Não põe a ré recorrente em causa, não obstante a sua discordância quanto à sua responsabilidade, que a A. sofreu danos não patrimoniais ou que estes não mereçam a tutela do direito.
Mas, apenas que o seu montante é exagerado.
Sendo, assim, sobre este que nos iremos pronunciar.

Vejamos, então:

Como é de todos sabido, o montante da indemnização – e sendo certo que tais danos, não integram o património do lesado e apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização – deve ser calculado segundo critérios de equidade – art. 496.º, nº 3 do CC.

Mandando a lei que se fixe a indemnização de forma equita­tiva - desde logo por ser difícil se não muitas vezes impossí­vel a prova do montante de tais danos - quer a mesma afastar a estrita aplicabilidade das regras porque se rege a obrigação de indemnização (28).

Salientando, a propósito, o Prof. A. Varela:
"O facto de a lei através da remissão feita no art. 496°, nº 3 para as circunstâncias mencionadas no art. 494°, ter mandado atender, na fixação da indemnização, quer á culpa, (…), quer à situação económica do lesante, revela que ela não aderiu, estritamente, à tese segundo a qual a indemnização se destinaria nestes casos a proporcionar ao lesado, de acordo com o seu teor de vida, os meios económicos necessários para satisfazer ou compensar com os prazeres da vida os desgostos, os sofrimentos ou as inibições que sofrera por virtude da lesão.
Mas também a circunstância de se mandar atender à situação económica do lesado, ao lado da do lesante, mostra que a indemnização não reveste, aos olhos da lei, um puro carácter sancionatório " (29).

Não se devendo confundir a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir "a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei", devendo o julgador "ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida. " (30).

Merecendo ser ainda destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global (mesmo considerando a grave crise sócio-económica que hoje grassa), a nossa inserção no espaço político, jurídi­co, social e económico mais alargado correspondente á União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito á integridade física e á qualidade de vida.

Atentando-se, ainda, que a jurisprudência do nosso STJ, em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a respectiva compensação deve constituir um le­nitivo para os danos suportados, não devendo, assim, ser mise­rabilista. Devendo, para responder actualizadamente ao comando do art. 496°, constituir uma efectiva possibilidade compensatória, devendo ser significativa, desse modo viabili­zando uma compensação para os danos suportados e a suportar, já que os mesmos, necessariamente, se irão prolongar no tempo (31).

Não se vislumbrando razões para se fixar indemnização de valor inferior ao dano, sem necessidade, assim, de se entrar na polémica de saber se a limitação aludida no art. 494.º do CC é também aplicável aos casos de responsabilidade objectiva (32)

Posto isto, como princípios gerais a ter em conta na resolução desta questão, fixemos, então, os factos a este concreto respeito apurados:
A A., com o rebentamento, sofreu um corte – alem do da face - no interior do olho direito que o vazou completamente - resposta ao quesito 4.º.
Ficando a mesma cega, de forma permanente e irreparável, desse olho – respostas aos quesitos 7.º a 10.º. e 13.º.
Sofreu restrições no olho esquerdo, uma intervenção cirúrgica de quatro horas e meia e internamentos – respostas aos quesitos 15.º e 16.º, 6.º e 11.º.
Convive diariamente com a dor de reviver o sucedido e teve sofrimento físico – respostas aos quesitos 21.º e 22.º
Desde o sinistro que deixou de fazer a sua vida normal – resposta ao quesito 24.º.
Sente-se diminuída fisicamente porque está cega de um olho aos 49 anos de idade – resposta ao quesito 23.º.

A cegueira, mesmo que consistente na perda de um olho, é uma deficiência grave, necessariamente angustiante e traumática.

Pelo que tal deficiência, associada às inerentes dores e incómodos com internamentos pelo acidente provocados, terá que ser compensada com uma indemnização com algum relevo.

Crendo-se, assim, não ser exagerada a indemnização fixada pela Relação a seu propósito.
Que se mantém.

Passemos à indemnização pela perda da capacidade de ganho.

Tem-se distinguido modernamente, na esteira da que também julgamos mais esclarecida jurisprudência em matéria de avaliação de danos corporais – a italiana – dentro do chamado dano corporal, o dano corporal em sentido estrito (o dano biológico), o dano patrimonial e o dano moral.

E, ao contrário do dano biológico, que é um dano base ou um dano central, um verdadeiro dano primário, sempre presente em cada lesão da integridade físico-psíquica, sempre lesivo do bem saúde, o dano patrimonial é um dano sucessivo ou ulterior e eventual, um dano consequência, entendendo-se em tal contexto, não todas as consequências da lesão mas só as perdas económicas, danos emergentes e lucros cessantes, causadas pela lesão.


Constituindo entendimento corrente deste Tribunal, que o lesado que fica a padecer de determinada incapacidade parcial permanente (IPP) – sendo a força de trabalho um bem patrimonial, uma vez que propicia rendimentos, a incapacidade permanente parcial é, consequentemente, um dano patrimonial - tem direito a indemnização por danos futuros, danos estes a que lei manda expressamente atender, desde que sejam previsíveis – art. 564º, nº 2 do CC(33)
Sendo os danos previsíveis a que a lei se reporta, essencialmente, os certos ou suficientemente prováveis, como é o caso da perda da capacidade produtiva por banda de quem trabalha ou o maior esforço que, por via da lesão e das suas sequelas, terá que passar a desenvolver para obter os mesmos resultados.

Sendo, pois, a incapacidade permanente, de per si, um dano patrimonial indemnizável, pela incapacidade em que o lesado se encontra e se encontrará na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços.

Sendo, assim, indemnizável, quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar, físico ou/e psíquico, para obter o mesmo resultado (34)
.

Sendo certo que, sempre que a reconstituição natural não seja possível, a indemnização será fixada em dinheiro, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos – art. 566º, nºs 1 e 2.

Consagrando-se, assim, a denominada teoria da diferença e a equidade como critérios de compensação dos danos futuros.

Ora, não sendo tarefa fácil a fixação da indemnização por estes danos, sem possibilidade de simples recurso a critérios abstractos e mecânicos ou matemáticos, mas atendendo antes ao tempero da equidade (art. 566º, nº 3), tem a nossa jurisprudência vindo a fazer um esforço de clarificação dos métodos a adoptar para alcançar tal necessário objectivo, visando o estabelecimento de critérios de apreciação e de cálculo de danos que reduzam ao mínimo o subjectivismo do tribunal e a margem de arbítrio que, embora jamais se possa excluir destes juízos, se pretende minimizar o mais possível.

Tendo vindo a assentar-se, tal como de forma generalizada se explicitou no citado Ac. deste STJ, de 17/6/08, nos seguintes princípios e ideias que presidirão à quantificação da indemnização em apreço e que aqui e agora assim se esquematizam para maior facilidade de exposição e compreensão do nosso pensamento:
a) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extinguirá no período provável da sua vida;
b) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, implicando o relevo devido às regras de experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
c) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para o alcance da indemnização devida, terão sempre mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo, de modo algum, a devida ponderação judicial com base na equidade;
d) Deve sempre ponderar-se que a indemnização será paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, e, assim, considerando-se esses proveitos, deverá introduzir-se um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento abusivo do lesado à custa de outrem (o que estará contra a finalidade da indemnização arbitrada);
e) Deve ter-se preferencialmente em conta a esperança média de vida da vítima, atingindo actualmente a das mulheres cerca de 80 anos (pois, mantendo-se o dano fisiológico para além da vida activa, é razoável que, num juízo de equidade sobre o dano ora em causa, se apele à esperança média de vida).

Funcionando sempre, como já dito, a equidade como elemento de correcção do resultado que se venha a atingir.

Ora, à data do sinistro a autora teria, como atrás dito, 49 anos de idade.

Com a perda de visão de um olho ficou necessariamente com incapacidade, sendo que a mesma (inexplicavelmente) não ficou expressamente apurada.
Apenas se sabendo que tem de repousar obrigatoriamente os olhos (sic), não podendo trabalhar o mesmo número de horas que anteriormente praticava (resposta ao quesito 27.º).
E que auferia, à data do acidente, quantia não apurada, no exercício da actividade profissional de comerciante de uma retrosaria (resposta ao quesito 27.º).

Face aos parcos dados apurados – e competia à autora a sua alegação e prova – a tarefa de fixação da indemnização devida torna-se necessariamente mais penosa.

Vamos atentar, tal como fez a Relação, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, que a A., com a perda total de um olho e cicatrizes com dano estético (quesito 13.º) ficou com uma IPP de 20%.
E que, no decurso da sua actividade comercial aufere quantia equivalente ao rendimento mínimo nacional.
Temperando-se com a equidade, a desfavor da autora, pela ausência de dados mais precisos que lhe competia fornecer, o resultado indemnizatório a alcançar.

E, assim, tudo isto já dito se ponderando, tendo ainda em apreço, como devido, o facto de receber por uma só vez o montante indemnizatório, que deveria ser fraccionado ao longo dos anos, devendo o mesmo, repete-se, ficar esgotado no termo do período para que foi estimado – pelo que, para evitar o seu enriquecimento indevido se abaterá a percentagem de 25% (1/4), na esteira da jurisprudência francesa - com o apelo devido ao necessário juízo de equidade, se entende como mais ajustada a indemnização a este título a da quantia de € 22 500.

II – Revista da ré AG(actual C.....E........ S. A – sucursal em Portugal).
Assim se podendo resumir as questões por si suscitadas, nas também extensas conclusões:


1ª – A da nulidade do acórdão recorrido por contradição entre os fundamentos e a decisão – art. 668.º, nº 1, al. c) do CPC.
2ª A da indevida alteração das respostas dadas aos arts 47.º e 65.º da base instrutória.
3ª – A do ónus da prova do defeito por banda do lesado.
4ª – A da inconstitucionalidade do aresto recorrido por violação do art. 8.º da CRP, tendo o mesmo acórdão violado o direito comunitário vertido na Directiva 85/374.CEE.
5ª – A da violação do princípio da proporcionalidade, enquanto afloramento do princípio da igualdade vertido no art. 13.º da CRP.
6ª – A da excessiva indemnização fixada a título de perdas salariais futuras.

As primeira, segunda, terceira e sexta questões também suscitadas pela recorrente, e mau grado o seu descontentamento pela decisão proferida e ora recorrida e pelo tom pouco sóbrio – quase inquisitório, ríspido e cáustico na terminologia por si usada – de que a mesma, em seu entender, vem impregnada, são idênticas, na sua essência, às de igual modo pela recorrente ex-C............... colocadas.

Pelo que, e sem desrespeito pela posição expressamente assumida neste seu recurso – e sendo certo que não questiona a indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais - se remete para o antes decidido ao mesmo propósito.
Já que nova argumentação com relevo não se vê expressa.
Assim se dando aqui como integralmente reproduzida a decisão anteriormente tomada sobre estas questões.

Sempre se dizendo quanto às das inconstitucionalidades (quarta e quinta questões):

A decisão recorrida não viola o preceituado no art. 8.º da CRP, dedicado às relações entre a ordem jurídica portuguesa e o direito internacional.
Não ofendendo a Directiva 85/374, transcrita para o nosso direito interno.
Cabendo, por via dela, como atrás melhor procurámos explicar, e sopesados que foram os interesses em jogo, a prova do defeito ao lesado, presumindo-se, de formas ilidível, que o mesmo, uma vez apurado, existia no momento da entrada do produto em circulação.

Como também não viola o princípio da proporcionalidade, aflorado no citado art. 13.º da mesma CRP que prescreve sobre o princípio da igualdade perante a lei, abrangente de quaisquer direitos e deveres existentes na ordem jurídica portuguesa.
Devendo dar-se tratamento igual a situações iguais e tratamento desigual a situações desiguais (35).
Estando o produtor, parte em princípio mais forte, e não obstante a eventual dificuldade de prova de o produto ter sido colocado em circulação sem defeito, em regra mais bem colocado para acarretar com tal encargo.
Sendo, como já dito, o escopo principal da responsabilidade em apreço, a protecção adequada e eficaz do público utente ou consumidor em geral, exposto ao perigo e ao dano causado pelo defeito do produto.
Sendo, ainda, de realçar, no tratamento da questão, o recurso ao velho princípio ubi commoda ibi incommoda, ou seja, quem aproveita o resultado útil de certa actividade produtiva, deve igualmente suportar os riscos dela advenientes.
Concluindo:
1.º - É escopo principal da responsabilidade civil do produtor a protecção adequada e eficaz do público utente ou consumidor em geral, exposto ao perigo e ao dano cuja fonte são os defeitos dos produtos postos em circulação.
2.º - O DL 383/89, de 6 de Novembro consagra o carácter objectivo da responsabilidade do produtor.
3.º- Neste regime – no da responsabilidade civil do produtor – a prova do defeito - tal como do dano e do nexo de causalidade entre aquele e este - cabe ao lesado.
4.º - Mas o lesado já não precisa de demonstra a existência do defeito no domínio da organização e risco do produtor no momento em que o produto foi posto por este em circulação. Esta existência é presumida por lei, cabendo ao produtor ilidi-la, convencendo o Tribunal da probabilidade ou razoabilidade da inexistência do defeito no momento da entrada do produto em circulação.
5.ª – Entende-se adequada à satisfação do dano não patrimonial consistente na cegueira de um olho, pelo rebentamento de uma garrafa de cerveja defeituosa na mão da vítima, com 49 anos, a que acrescem dores, angústias, internamento hospitalar e intervenção cirúrgica, a indemnização de € 45 000.

Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça, na sequência da parcial procedência das revistas, em se revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou solidariamente as rés ....... – S........ C.......B......, SA e A.....E......(actual S........ C.......B......, S. A – sucursal em Portugal) a pagar à autora, a título de perda de capacidade de ganho, a quantia de € 44.363,89, condenando-se antes ambas, na mesma forma solidária e a tal título, ao pagamento da quantia de € 22 500 (vinte e dois mil e quinhentos euros). No mais se mantendo a decisão recorrida.
Custas, em cada uma das revistas, por recorrente e recorrida, na proporção dos respectivos decaimentos.

Lisboa, 09 de Setembro de 2010
Serra Baptista (Relator)
Álvaro Rodrigues
Bettencout de Faria
________________________

(1) Quererá, por certo, dizer provar.
(2) O quesito 47.º a que este facto se reportava foi dado como não provado pelo acórdão da Relação recorrido. Assim rezando a alterada resposta: ”O rebentamento teve como causa uma ruptura causada por impacto exterior de objecto duro, alheio e estranho quer ao produto, quer aos intervenientes na cadeia de distribuição - 47.º.”.
(3)O quesito 65.º a que este facto se reportava foi dado como não provado pela Relação. E tinha a seguinte redacção: “A garrafa partiu-se, não por rebentamento a partir do interior, mas sim em consequência do impacto de um corpo duro, do exterior, na parte lateral baixa, perto da base - 65.º”.
(4) O acórdão é a denominação dada às decisões dos tribunais colegiais – art. 156.º, nº 3 do CPC.
(5)Neste mesmo sentido, Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 2.º, p. 670.
(6) Ac. do STJ de 13/3/08 (Oliveira Vasconcelos), revista nº 492/08.
(7) Responsabilidade Civil do Produtor, p. 3 e ss.
(8)Francisco Luís Alves, A Responsabilidade do Produtor: soluções actuais e perspectivas futuras, Verbo Jurídico.net.com, p. 5 e ss.
(9) Cláusulas limitativas e de exclusão da responsabilidade civil, p. 315.
(10) O art. 1.º do DL 383/89 estabelece o princípio da responsabilidade objectiva do produtor pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação.
(11)Ob. cit., p. 634 e ss.
(12) Neste mesmo sentido, André Neves Mouzinho, A Responsabilidade Objectiva do Produtor, Verbo Jurídico, Julho 2007, p. 21 e ss.
(13)Neste mesmo sentido, Conde Rodrigues, A Responsabilidade Civil do Produtor Face a Terceiros, p. 119.
(14) Calvão da Silva, ob. cit., p. 633 e ss.
(15)Calvão da Silva, ob. cit., p. 644.
(16) André Neves Mouzinho, ob. cit., p. 29.
(17) Não distinguindo a lei, numa tipologia conhecida, entre defeitos de concepção, de fabrico ou de informação. Cfr., ainda, Conde Rodrigues, ob. cit., p. 113.
(18)Calvão da Silva, ob. cit., p. 658 e 519.
(19) O Tribunal das Comunidades Europeias, em jurisprudência constante, têm decidido que os Estados-membros são obrigados a interpretar e a aplicar as legislações nacionais por forma a “alinhá-las” e compatibilizá-las com a Directiva executada - Calvão da Silva, ob. cit., p. 454 e nota (1). Ver, ainda, p. 490.
(20) Calvão da Silva, ob. cit., p. 721, Conde Rodrigues, ob. cit., p. 121 e Acs do STJ de 16/10/2003 (Quirino Soares), revista 2959/03-7ª Secção e de 23/9/2008 (Paulo Sá), revista nº 2085/08-1ª Secção.
(21)A Responsabilidade objectiva do produtor pelos danos causados por produtos defeituosos, Tribuna da Justiça, nº 39, Março de 1988, p. 8.
(22)InDret, Revista para el análisis del derecho, Guia InDret de jurisprudência sobre responsabilidad de producto (I): alimentos e botellas – 5ª edición, p. 16.
(23) Ficou antes provado que a garrafa rebentou na mão da autora quando a mesma a ia colocar no frigorífico e antes de completar tal operação – resposta ao quesito 2.º.
(24) A fractura indiciada poderia ter sido provocada posteriormente ao rebentamento.
(25) E nada ficou apurado quanto ao defeito ter tido a sua causa na ré Supermercados A............ Ocorrendo, neste caso, o mesmo após a entrada do produto em circulação.
(26)Bem como as demais, que se lhes seguem, atinentes aos danos pela autora sofridos e conexionados com o rebentamento em causa.
(27) A. Costa, Direito das Obrigações, p. 397 e Rui de Alarcão, Direito das Obrigações, p. 278.
(28) Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, I, p. 491 e ss.
(29) Das Obrigações em Geral, I, p. 607 e ss.
(30) Ac. do STJ de 10/2/98, CJ S., T. 1, p. 65 e P. Lima e A. Varela, CCAnotado, Vol. I, p. 501.
(31)Cfr., neste mesmo sentido, Ac. do STJ de 25/6/2002, CJ S., Ano X, T. 2, p. 134.
(32) No sentido de que assim sucede, por via da remissão prescrita no art. 499.º do CC, cfr. P. Lima e A. Varela, CCAnotado, vol. I, p. 506 e A. Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, p. 689; em sentido contrário Acs de 14/2/75, RLJ Ano 109.º, p. 111, com anotação de Vaz Serra e da RL de 16/2/79, CJ Ano IV, T. 1, p. 163.
(33) Sendo deste diploma legal todas as disposições a seguir citadas sem referência expressa.
(34) Entre muitos outros, só anotando jurisprudência mais recente, Acs do STJ de 18/12/07 (Santos Bernardino), Pº 07B3715, de 7/1/08 (Pereira da Silva), Pº 07B4538, de 17/6/08 (Nuno Cameira), Pº 08A1266 e de 10/7/08 (Salvador da Costa), Pº 082B111, bem como Sousa Diniz, “Dano Corporal em Acidentes de Viação”, CJ STJ, Ano IX, T.1, p. 6 e ss.
(35) Jorge Miranda – Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, T. I, p. 120 e seg.