Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
654/13.8TBPTL.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: HELDER ALMEIDA
Descritores: AUTORIDADE DO CASO JULGADO
PRESSUPOSTOS
CASO JULGADO
LIMITES DO CASO JULGADO
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
EXCEÇÃO DILATÓRIA
MORA
OFENSA DO CASO JULGADO
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 02/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO RECEBIDO O ACÓRDÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / ATENDIBILIDADE DOS FACTOS JURÍDICOS SUPERVENIENTES.
Doutrina:
- Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, p. 628, 629, 631, 632 e 633;
- Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, p. 578, 579, 585 e 586.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO N.º 611.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 20-06-1978, IN BMJ N.º 278, P. 149;
- DE 15-01-2013, PROCESSO N.º 816/09, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 21-03-2013, PROCESSO N.º 3210/07, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 08-03-2016, PROCESSO N.º 1197/09, IN SASTJ, MAR./2016, P. 34;
- DE 19-05-2016, PROCESSO N.º 4091/07, TODOS IN WWW,DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

- DE 28-10-2015, PROCESSO N.º 2248/05.2TBSJM.
Sumário :
I - A autoridade do caso julgado, enquanto efeito do caso julgado, assenta na indiscutibilidade de uma questão já previamente decidida, prescindindo, para a sua concitação, dos pressupostos de que depende a procedência da excepção dilatória do caso julgado.

II - O caso julgado abarca as questões expressamente mencionadas no dispositivo e aquelas que, embora aí não incluídas, integraram a precedente motivação como premissas necessárias das determinações contidas no segmento decisório.

III - Tendo, em acção anterior e definitivamente julgada, se decidido pela absolvição do pedido formulado pelo recorrente com base na ponderação de que a mora debitória em que os recorridos se acham incursos não obviava à celebração do contrato prometido, é de concluir que tal consideração constitui um pressuposto indispensável da decisão final, integrando-se assim no caso julgado formado naquela lide.

IV - O efeito preclusivo derivado da norma contida no art. 611.º do CPC pressupõe que, em alguma medida, o autor tenha obtido ganho de causa, só se assim se justificando que seja inviável ao réu aduzir, numa nova acção, factos que poderia ter alegado na primeira acção.

V - Tendo as instâncias considerado um quadro factual em parte diverso daquele que foi fixado na precedente causa e, com base nesse acervo, considerado que a conduta do recorrente era determinante da mora dos recorridos, é de concluir que não se verifica a ofensa do caso julgado invocada como fundamento de admissão da revista.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]



I – RELATÓRIO[2]


1. AA instaurou a presente ACÇÃO DECLARATIVA COM PROCESSO ORDINÁRIO contra BB e esposa, CC, pedindo que:

a) se declare a resolução do contrato-promessa de trespasse celebrado em 30 de Abril de 2001, entre o A. e os RR.;

b) se declare a culpa dos RR. no incumprimento definitivo do referido contrato-promessa;

c) os RR. sejam condenados a pagar ao A., a quantia de € 192.618,01 acrescida de juros à taxa legal a partir da citação e até integral pagamento;

d) Os RR sejam condenados a pagar aos AA., a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 47.550,00 acrescida de juros à taxa legal a contar da citação até integral pagamento.

Alegou para tanto, e em síntese, que os RR. incumpriram definitiva e culposamente o contrato promessa de trespasse que com eles celebrou tendo por objecto mediato um bar, porquanto os mesmos negligenciaram e incumpriram a obrigação de obtenção da respectiva licença de utilização, que sobre eles impendia, necessária quer à própria exploração do estabelecimento, quer à realização do contrato prometido.

Em consequência deste incumprimento, para além do direito à restituição em dobro do preço já pago pelo trespasse, uma vez que ele, A., sofreu igualmente prejuízos, danos patrimoniais e não patrimoniais na sua esfera jurídica, impetra igualmente a correspondente indemnização.


2. Contestaram os RR alegando a excepção dilatória do caso julgado – posteriormente apreciada em sede do saneamento do processo -, e no mais impugnando, também em suma, os factos pelo A. invocados.


3. Posteriormente, o A. intentou uma nova acção– Acção apensa - , tendo como RR., além dos acima referenciados, os filhos destes, DD e EE, a qual ao caso em absoluto desinteressa – por isso ora nos dispensando de mais lata referência -, como o seguimento da vertente exposição melhor permitirá aferir.


4. Seguindo esta acção [principal] e a dita apensa, em conjunto, os seus normais trâmites, foi proferida sentença julgando ambas as acções totalmente improcedentes, em consequência absolvendo os RR. dos correspondentes pedidos.


5. Inconformado, o A. interpôs o competente recurso de apelação para a Relação de Guimarães, a qual, por Acórdão de fls. 841 e ss., lhe negou provimento confirmando as decisões recorridas.


6. De novo irresignado, o A. interpôs para este Supremo Tribunal recurso de revista normal, no tocante à parte relativa à acção principal, e recurso de revista excepcional quanto à outra parte.


7. A Formação a que alude o art. 671.º, n.º 3, do CPC, por douto Acórdão de fls. 1038 e ss., não admitiu o recurso de revista excepcional [parte respeitante à acção apensa], determinando quanto ao mais a distribuição como revista normal.


8. No remate da sua douta alegação quanto à revista normal, o A. formulou as seguintes conclusões:

Io - 0 recorrente intentou a presente acção contra os recorridos tendo formulado o seguinte pedido:

"...deve a presente acção ser julgada procedente e provada e, por via disso, deve:

A) declarar-se a resolução do contrato-promessa de trespasse celebrado em 30 de Abril de 2001, entre o A. e os RR;

B) declara-se a culpa dos RR, no incumprimento definitivo do referido contrato-promessa;

C) os RR serem condenados a pagar ao A., a quantia de € 192.018,01 acrescida de juros à taxa legal a partir da citação e até integral pagamento;

D) os RR. serem condenados a pagar ao A., a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 47.550,00 acrescida de juros à taxa legal a contar da citação até integral pagamento";

2o - Por sentença proferida no dia 30 de Janeiro de 2017, foi julgada "improcedente a acção principal absolvendo os Réus de todos os pedidos contra si formulados nesta acção" e ainda, foi julgada "Improcedente a acção apensa de impugnação pauliana, absolvendo todos os réus dos pedidos contra si formulados nessa acção";

3o - No acórdão recorrido, foi acrescentado "a finalidade da vistoria no n° 28 dos factos provados e aditar um novo ponto nos factos provados alinhados na sentença, na sequência lógica dos que já lá constavam, a saber:

28. No referido dia 20 de Agosto de 2012, o Ilustre Mandatário do R. comunicou à aqui Ilustre Mandatária do A., a data agendada pela Câmara Municipal de … para a vistoria do estabelecimento comercial - 22/08/2012 - "...para verificação das condições higio -sanitárias de segurança contra incêndios exigíveis a este tipo de estabelecimento.doc. de fls. 111 (Doe. n° 18).

28.1 Consta da informação técnica da Câmara Municipal de … datada de 2/04/2007 que "o presente projecto de arquitectura, referente à alteração de destino de r/c do Prédio Urbano 427, sito no Largo … n°s 12 a 15, e legalização de um estabelecimento de Bebidas -Bar, de que em principio se considera não haver inconveniente, deve, no sentido de se emitir parecer técnico final, proceder à rectificação do documento da C.R.P., no que se refere à área de construção e destino, e indicai- a "despensa do dia" e "zona de armazenagem".

Na impossibilidade de criação dos 8 lugares de estacionamento público, de acordo com a alínea d) do n°s 1 e 2 do artigo 41° do regulamento, é devida a compensação em numerário nos termos do n° 3 do artigo 26 o regulamento do R.M.E, no valor de 9 576.006

C = K.AlxV

15.0m2 x 8 lugares x 4 x 19.956 = 9 576.006

Dado que o estabelecimento em causa se localiza dentro do perímetro da Zona de protecção à Casa …., está o projecto condicionado a parecer favorável do I.P.P.A.R" (fls. 125)".

No demais foi confirmado as decisões recorridas.

4o - Consideramos que o pedido formulado pelo recorrente deveria ter sido julgado inteiramente procedente sobretudo tendo em conta a sentença proferida no processo n° 1195/07.8TBPTL que correu seus termos pelo 2o Juízo do extinto Tribunal Judicial de …;

5o - Também deveria ter sido julgada inteiramente procedente, a acção de impugnação pau liana;

6o - O fulcro da questão consiste em saber se o tribunal da primeira instância pode voltar a pronuncíar-se sobre um facto que já foi apreciado na acção declarativa n° 1195/07.8TBPTL devidamente transitada em julgada;

- Na acção n° 1195/07.8TBPTL, quer a primeira instância quer a segunda, ambas declararam na fundamentação da sentença e do acórdão, respectivamente, de que competia aos recorridos, obter a licença de utilização do estabelecimento comercial, objecto do contrato-promessa de trespasse;

8o - Todos os factos, em termos camarários (processo n° 100/07 da Câmara Municipal de …), foram praticados em data anterior ao encerramento da audiência de discussão no processo n° 1195/07.8TBPTL;

9o - Os Senhores Desembargadores entenderam não ter havido violação da autoridade de caso julgado emanado da sentença n° 1195/07.8TBPTL;

10° - No processo n° 1195/07.8TBPTL ficou demonstrado na fundamentação quer da sentença quer do acórdão, que era aos recorridos que competia obter a respectiva licença de utilização;

11° - Segundo o professor Miguel Teixeira de Sousa, "o caso julgado é uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, pois que evita que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, obsta a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a dirimir. Ele é, por isso, expressão dos valores de segurança e certeza que são imanentes a qualquer ordem jurídica" (Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, p. 568).

Salienta que o "caso julgado das decisões dos tribunais é uma consequência da caracterização dos tribunais como órgãos de soberania (art. 113°, n° 1, CRP). Neste enquadramento, o art. 208°, n° 2, CRP estabelece que as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas (nomeadamente, outros tribunais e entes administrativos) e privadas, prevalecendo, por isso, sobre as de quaisquer outras entidades. Aquela obrigatoriedade e esta prevalência são conseguidas, em grande medida, através do valor do caso julgado dessas decisões (ob. Cit. p. 568). Esclarece que "a relação de prejudicial idade entre objectos processuais verifica-se quando a apreciação de um objecto (que é o prejudicial) constitui um pressuposto ou condição do julgamento de um outro objecto (que é o dependente). Também nesta situação tem relevância o caso julgado: a decisão proferida sobre o objecto prejudicial vale como autoridade de caso julgado na acção em que é apreciado o objecto dependente.

Nesta hipótese, o tribunal da acção dependente está vinculado à decisão proferida na causa prejudicial. Assim, por exemplo, o reconhecimento da propriedade na acção de reivindicação vale como autoridade de caso julgado num processo posterior em que o proprietário requer a condenação da contraparte no pagamento de uma indemnização pela ocupação indevida do imóvel" (Ob. Cit. p. 575).

E,

Que "o caso julgado abrange a parte decisória do despacho, sentença ou acórdão, isto é, a conclusão extraída dos seus fundamentos que pode ser, por exemplo, a condenação ou a absolvição do réu ou o deferimento ou indeferimento da providência solicitada. Como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão. (...) O caso julgado da decisão também possui um valor enunciativo: essa eficácia de caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada. Excluída está, desde logo, a situação contraditória: se, por exemplo, o autor é reconhecido como proprietário, então não o é o demandado; se o autor é reconhecido como herdeiro, o réu não pode instaurar uma acção de apreciação negativa dessa mesma qualidade. Além disso, está igualmente afastado todo o efeito incompatível, isto é, todo aquele que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada" (ob. Cit., p. 579);

12° - Dispõe o n° 1 do artigo 625 do Cód. Proc. Civil que "havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar";

13° - Tendo na acção declarativa n° 1195/07.8TBPTL sido declarado que competia aos recorridos obter a licença de utilização do estabelecimento comercial para o qual foi celebrado entre estes e o recorrente, um contrato-promessa de trespasse, o tribunal da primeira instância, nesta matéria, teria de respeitar o que foi decidido naquela referida acção declarativa por ter passado "em julgado em primeiro lugar" sob pena de ser posto em causa a certeza e a segurança jurídica;

14° - Na sentença proferida no referido processo n° 1195/07.8TBPTL é dito, expressamente,

"São questões a resolver:

- que contrato foi celebrado entre Autor e Réus;

- se há fundamento para a sua resolução;

- em caso afirmativo, se daí deriva obrigação de indemnização de qualquer das partes em relação à outra, ou o pagamento de outra quantia.

(...)

Duas teses estão em confronto nos autos, quanto à qualificação do contrato: o Autor defende que é um contrato-promessa de trespasse, e os Réus que se trata do contrato prometido, ou seja, de um contrato de trespasse.

(...)

Confrontada esta figura jurídica com as cláusulas do contrato em causa, não podem restar dúvidas de que as partes quiseram celebrar um acordo vestibular, prévio, que tinha como obrigação principal a celebração do contrato definitivo, já não apenas por documento particular, mas por escritura pública (como aliás exigia, em 2001 e até 27 de Agosto de 2006, o art. 115.°, n.° 3, RAU). Aliás, tal exigência não é despicienda para as cláusulas contratuais: à data, um contrato de trespasse que não fosse celebrado por escritura pública era nulo por falta de forma legalmente exigida (art. 220.°) e também por isso as partes não podiam, no escrito que fizeram, consagrar o contrato definitivo"

(...)

É certo que, coevo a este contrato, houve tradição da coisa: o Autor tomou posse do estabelecimento e, como contrapartida, passou a pagar uma quantia mensal aos Réus; no entanto, essa circunstância não retira ao convénio a sua marca fundamental, que é ser um contrato-promessa de trespasse. E formalmente válido, face ao disposto no art. 410.°, n.° 2: há documento particular que o titule, assinado por ambos os outorgantes, quando o contrato definitivo exigia, como já se referiu, escritura pública.

No entanto, este contrato-promessa não foi cumprido, isto é, não foi celebrada a escritura pública de compra e venda, que se traduziria no contrato de trespasse, pretendido pelas partes, pelo menos na altura da celebração da promessa. Importa então apreciar o invocado incumprimento definitivo pelos Réus do contrato-promessa em causa, e se haverá lugar à resolução do mesmo, face à matéria apurada e tendo em conta que aquele incumprimento se rege pelas normas dos outros contratos, ou seja, as do Livro II, título I, capítulo VII, secção II, aplicáveis às obrigações em geral.

Porque não foi, afinal, celebrada a escritura pública de trespasse? No clausulado contratual, estabeleceram-se duas condições: uma temporal (nunca antes da data do vencimento do cheque a que se refere a cláusula 3.a, ou seja, não antes de 1 de Novembro de 2002, face à resposta dada ao quesito 3o) e outra quanto à marcação -a fazer-se pelo ora Autor, "logo que lhe seja legalmente possível e este tenha em seu podei" toda a documentação necessária para o efeito" e com aviso prévio aos Réus.

Fácil é constatar, portanto, que não se pode falar de qualquer incumprimento antes da verificação da primeira condição: só depois de 1 de Novembro de 2002 é que seria possível ao Autor marcar a escritura pública, de acordo com o próprio texto contratual.

Porém, um obstáculo legal se deparava ao Autor já nesta data: ao contrário do que acontecia na vigência do D.L. n.° 168/97, de 4 de Julho (regime de licenciamento dos estabelecimentos de restauração e de bebidas) - e portanto à data do contrato-promessa - em Novembro de 2002 já tinham entrado em vigor (mais exactamente a 12 de Março anterior) as alterações àquele diploma, introduzidas pelo D.L. n.° 57/2002, de 11 de Março, entre as quais avulta a do n.° 2 do art. 14.° D.L. n.° 168/97: "a existência de alvará de licença ou de autorização de utilização para serviços de restauração ou de bebidas concedido ao abrigo do presente diploma (...) deve ser obrigatoriamente mencionado nos contratos de transmissão ou nos contratos-promessa de transmissão, sob qualquer forma jurídica, relativos a estabelecimentos ou a imóveis ou suas fracções onde estejam instalados estabelecimentos de restauração ou de bebidas, que venham a ser celebrados em data posterior à entrada em vigor do presente diploma, sob pena de nulidade dos mesmos". Quer dizer, embora o contrato-promessa dos autos não estivesse sujeito a essa obrigatoriedade - e seja, também por isso, válido - o mesmo não aconteceria com qualquer contrato definitivo que Autor e Réus viessem a celebrar a partir de 1 de Novembro de 2002, caso não mencionasse a existência de licença de utilização do estabelecimento.

Ora, apesar de o Autor já explorar o estabelecimento desde Fevereiro de 1997 e ter o alvará sanitário em seu  nome, precisava ainda, para celebrar o contrato prometido, da licença de utilização, que os Réus sabiam não existir já na altura do contrato-promessa.

E que fizeram, Autor e Réus, depois de Novembro de 2002, para que a situação ficasse regularizada? Em Março de 2003, o Autor apresentou, na Câmara Municipal de … e na qualidade de explorador do estabelecimento, um projecto de arquitectura para obras, que mereceu parecer favorável do IPPAR, embora condicionado à realização de uma intervenção arqueológica e aos resultados obtidos; em Maio de 2004, o Autor desistiu desse processo de obras, continuando a explorar o estabelecimento que lhe tinha sido entregue pelos Réus.

Por seu lado, e até Maio de 2006, os Réus nada fizeram para obter, por si, a licença de utilização. Ora, à data do contrato-promessa, eram os Réus os donos do estabelecimento, pelo que a eles lhes competia obter a respectiva licença de utilização; de tal forma assim é que, a 4 de Maio de 2006, o Réu requereu junto da Câmara Municipal de … a realização de uma vistoria para... a concessão da licença de utilização ao estabelecimento. Apreciado pelos serviços técnicos da edilidade, esta comunicou ao Réu, em Julho de 2006, que havia motivos para indeferimento (descritos em pormenor na resposta ao quesito 7o). Perante isso, o Réu apresentou em 9 de Março de 2007, no mesmo órgão autárquico, um processo de legalização do estabelecimento que, apesar da aprovação do projecto de arquitectura condicionado ao parecer favoráveJ do IPPAR, em Junho de 2007, ficou parado a partir daí.

A coroar tudo isto, deu-se o encerramento administrativo do estabelecimento, precisamente por falta de licença de utilização, a 5 de Maio de 2007. É caso para dizer que, enquanto tudo esteve a funcionar, nenhuma das partes parecia demasiado preocupada com a legalização da situação e com o cumprimento do contrato.

Ora, é certo que a redacção da cláusula terceira deste, já citada, embora dúbia quanto à obtenção dos documentos necessários à realização da escritura pública, é expressa quanto a quem tinha de a marcar: o Autor. Perante o encerramento, optou aquele por uma actuação que não tinha a mínima correspondência com a letra do contrato: mandou aos Réus carta registada com aviso de recepção, dando a conhecer aquele encerramento e solicitando que, no prazo de trinta dias, o Réu procedesse à marcação da escritura pública de trespasse (é o que decorre da redacção das alíneas E) e F), matéria que foi aceite pelas partes, embora a carta em causa não conste dos autos). Ao não darem qualquer resposta â carta, os Réus não tiveram qualquer actuação censurável à luz do contrato: se não lhes cabia marcar a escritura, nada podiam nem deviam fazê-Io perante a inversão operada de moto próprio pelo Autor. Não incorreram, portanto, os Réus em mora pelo facto de não terem marcado a escritura pública";

15° - O Tribunal da Relação de Guimarães, no referido processo n° I195/07.8TBPTL, também se pronunciou dizendo que "estípulou-se no contrato promessa em causa nos autos que a escritura pública do contrato prometido trespasse seria realizada em data a designar pelo Autor, logo que fosse possível fazê-lo, mas nunca antes da data do vencimento do cheque emitido pelo Autor, promitente vendedor, no valor correspondente ao preço do trespasse, ou seja, antes de 1 de Novembro de 2002.

Contudo, sendo necessária, actualmente, a licença de utilização do estabelecimento pertença dos Réus para a celebração do contrato prometido, o que é certo é que, a mesma inexiste até ao momento.

É certo também que, à data da celebração do contrato promessa, ainda não tinha entrado em vigor a obrigatoriedade de ser mencionado nos contratos de transmissão e de promessa de transmissão dos estabelecimentos de restauração e de bebidas, a existência de licença de utilização conforme alteração introduzida pelo DL 57/2002 de 11 de Março ao art.° 2.° do DL 168/97. Contudo, após o dia 1 de Novembro de 2002, tal obrigação já vigorava para o contrato prometido a celebrar. Ou seja, a escritura não podia celebrar-se sem esta licença.

Concordamos com a Mm.a juiz da primeira instância quando refere que a obrigação de obter a licença de utilização, indispensável à celebração da escritura do trespasse de estabelecimento comercial, cabia aos Réus, apesar de, no contrato promessa não se referir expressamente quem deveria obter pelos documentos necessários para a realização da escritura (clausula-se apenas que o escritura pública será marcada pelo Autor logo que seja legalmente possível fazê-Io e que este tenha em seu poder toda a documentação necessária, o que não significa que lhe incumbisse obtê-Ia).

Está subentendido no espírito do contrato-promessa, ou seja, subjacente à manifestação de vontade das partes contratantes, a obrigação de virem a celebrar um contrato prometido, válido e eficaz, ou seja e no caso, o trespasse do estabelecimento comercial com todos os elementos necessários, para fruir e dispor dele plenamente, entre os quais a licença de utilização, para o seu funcionamento, já necessária quando da data a partir da qual a escritura podia ser celebrada. Está assim implícita a obrigação do promitente trespassante obter a licença para, a seguir, cumprir o contrato, até como dever acessório de conduta destinada a salvaguardar o direito da promitente trespassaria, segundo as regras da boa fé (art. 762°, n° 2 do CC).

Aliás, os Réus a certa alta, assumiram essa obrigação, quando, em 4 de Maio de 2006, o Réu requereu junto da Câmara Municipal de … a realização de vistoria para a concessão de licença de utilização do estabelecimento. Tendo-Ihe sido comunicado, em Julho de 2006 pelos serviços competentes da Câmara que havia motivos para indeferimento do requerido, o Réu apresentou em 9 de Março de 2007, na mesma entidade, um projecto de legalização do estabelecimento, estando o processo de licenciamento parado desde Junho de 2007";

16° - Após o decidido nesta acção declarativa n° 1195/07.8TBPTL quanto a quem competia marcar a escritura definitiva de trespasse, o recorrente comunicou por carta registada com aviso de recepção, aos recorridos, o dia, hora e local para a celebração da referida escritura pública;

17° - Esta escritura não foi celebrada devido à falta de licença de utilização;

18° - Após o recorrente ter questionado, através da sua mandatária, a Câmara Municipal de … no sentido de saber se o recorrido, requerente do processo de licenciamento n° 100/07, tinha dado cumprimento ao exigido na informação técnica datada de 2/04/2007, a Câmara Municipal de … veio informar em 15 de Outubro de 2012 que o alvará de autorização de utilização só poderá ser solicitado após o deferimento do projecto de arquitectura o qual será deferido quando o recorrido der resposta ao exigido na aludida informação técnica de 2/04/2007 cujo teor da mesma consistia em que "o presente projecto de arquitectura, referente à alteração de destino de r/c do Prédio Urbano n° 427, sito no Largo … n°s 12 a 15, e legalização de um estabelecimento de Bebidas - Bar, de que em princípio se considera não haver inconveniente, deve, no sentido de se emitir parecer técnico final, proceder à rectificação do documento da C.R.P., no que se refere à área de construção e destino, e indicar a "despensa do dia" e "zona de armazenagem".

Na impossibilidade de criação dos 8 lugares de estacionamento público, de acordo com a alínea d) do n°s 1 e 2 do artigo 41° do regulamento, é devida a compensação em numerário nos termos do n° 3 do artigo 26 o regulamento do R.M.E, no valor de 9 576.006

C-K.AlxV

15.0m2 x 8 lugares x 4 x 19.956 = 9 576.006

Dado que o estabelecimento em causa se localiza dentro do perímetro da Zona de protecção à Casa …, está o projecto condicionado a parecer favorável do I.P.P.A.R";

19° - Atendendo que o recorrido não deu resposta à informação técnica datada de 2/04/2007 por não ter dado "satisfação aos reparos levantados na informação dos serviços técnicos", o processo camarário n° 100/07 não conheceu nenhum andamento desde Junho 2007 tendo tal sido considerado facto provado no processo n° 1195/07.8TBPTL;

20° - A sentença proferida nesse mesmo processo data de 13 Outubro de 2011;

21° - Em termos camarários, não ocorreram factos novos após Junho de 2007 com vista à obtenção da licença de utilização;

22° - Não ocorreram factos novos após o encerramento da discussão do processo n° 1195/07.8TBPTL;

23° - A Meritíssima Juíza da primeira instância bem como os Meritíssimos Desembargadores deveriam ter observado o que foi decidido na fundamentação quer da sentença quer do acórdão, ambos proferidos na acção declarativa n° 1195/07.8TBPTL, transitada em julgado, nos quais foi declarado que competia aos recorridos, obter a licença de utilização do estabelecimento comercial, objecto do contrato-promessa de trespasse;

24° - Ao decidirem, quer a Meritíssíma Juíza da Ia instância quer os Senhores Desembargadores, que "a escritura de trespasse do estabelecimento em causa nunca foi celebrada por falta de licença de utilização, tendo-se, ainda, apurado a falta de interesse por parte do A. na sua obtenção, acabando por colocar obstáculos às tentativas dos RR. em resolver a situação. Terminando o estabelecimento por ser encerrado a 5 de Maio de 2007, depois da CM de … ter determinado o seu encerramento em 26 de Janeiro de 2007, numa altura em que o declínio da actividade era já muito acentuado" violaram a autoridade de caso julgado emanada da sentença proferida na acção declarativa n° 1195/07.8TBPTL que reconheceu que competia aos recorridos, obter a licença de utilização;

25° - Atendendo ao disposto no n° 1 do artigo 625 do Cód. Proc. Civil, "havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar";

26° - Deverá prevalecer a acção declarativa n° 1195/07.8TBPTL por ter transitado em julgado em primeiro lugar;

27° - A segurança e a certeza jurídica decorrentes do trânsito em julgado impediam que em acção posterior à aludida acção n° 1195/07.8TBPTL se voltasse a discutir a quem competia obter a licença de utilização e/ou se o recorrente colocou entraves na emissão da mesma;

28° - Consideramos que o recorrente demonstrou o seu crédito bem como a anterioridade do mesmo e que cabia aos recorridos provar a existência de outros bens penhoráveis de valor suficiente ao crédito do recorrente;

[…]

49° - O acórdão recorrido violou as seguintes disposições legais:

[…]

- artigo 625 do Cód. Proc. Civil.

Conclui, assim, no sentido de dever o presente recurso ser provido e, em consequência, proferido Acórdão que revogue a Decisão em revista e condene os RR. no pagamento/ reembolso dos valores peticionados.

8. Os RR. apresentaram resposta, pugnando no sentido de o recurso ser julgado improcedente e eles, RR., absolvidos do pedido nos termos do anteriormente decidido.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Como claramente deflui do douto requerimento de recurso, bem como das conclusões da respectiva alegação supra inscritas, o A./Recorrente filia a extraordinária admissibilidade de tal impugnação – pese a coincidência de decisório final entre a sentença apelada e o acórdão que sobre ela versou [dupla conforme] - , no disposto na última parte da alínea a), do art. 629.º, do Cód. Proc. Civil[3], na qual se estatuiu que “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso […] com fundamento na ofensa do caso julgado.”

Efectivamente, o A., nesse “conspectu”, sustenta que em ambas essas decisões devia ter sido observado o que foi decidido na fundamentação, quer da sentença quer do acórdão proferidos na acção declarativa n° 1195/07.8TBPTL, transitada em julgado, nos quais foi declarado que competia aos ora RR./recorridos obter a licença de utilização do estabelecimento comercial, objecto do contrato-promessa de trespasse.

Na verdade – mais aduz - , em face dessa [dupla] declaração, constitutiva, mercê do respectivo trânsito, de “julgado em primeiro lugar”, ambas essas decisões não poderiam deixar de a respeitar, sob pena de ser posta em causa a certeza e a segurança jurídica.

Analisemos.

2. Como é sabido, o instituto do caso julgado tem por escopo finalístico, quer salvaguardar o prestígio dos tribunais obviando à sua colocação perante a contingência de definir num sentido uma concreta situação já validamente definida em sentido diferente, quer assegurar a certeza do direito ou da segurança jurídica imprescindíveis à fluidez do comércio jurídico e à paz social.

Como efeitos de tal figura, releva de considerar a excepção do caso julgado e a autoridade do caso julgado.

Aquela - “exceptio rei judicatae” - , tem por finalidade evitar a repetição de causas –“ne bis in idem” - , obstando a que os tribunais possam ser chamados não só a contrariarem uma decisão anterior, como a reeditarem essa mesma decisão. Os seus requisitos de verificação acham-se taxativamente enunciados no art. 581.º, quais sejam, identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.

A autoridade de caso julgado – “auctoritas rei judicatae” - , por sua vez, pressupõe a decisão de certa questão, que não pode voltar a ser discutida – efeito vinculativo - sendo generalizado entendimento[4] não ser necessário, para que a sua operância ocorra, a coexistência dessas três identidades exigidas para a “exceptio”.

De posse destas considerações e baixando à situação que nos ocupa, desde logo concluímos que é convocando esta última vertente do caso julgado, a correspectiva autoridade, que o A. faz repousar a excepcional admissibilidade do seu ora enfocado recurso de revista.

Assistir-lhe-á razão? Vejamos.

3. Nessa mencionada acção declarativa n.º 1195/07.8TBPTL, intentada pelo aqui A. contra os aqui RR. BB e mulher, CC, aquele deduziu contra estes últimos – fundados, a exemplo do que na vertente demanda ocorre, no incumprimento definitivo para com ele, A., do contrato promessa de trespasse do Bar aos mesmos pertencente - , os sub-pedidos seguintes:

a) se declare a resolução do contrato-promessa de trespasse celebrado em 30 de Abril de 2001, entre o Autor e os Réus, por incumprimento definitivo destes;

b) se condenem os Réus a pagar ao Autor a quantia de € 191.459,69, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento, e ainda indemnização por todos os danos causados a liquidar em execução de sentença.

4. Tal acção foi julgada totalmente improcedente, quer na 1.ª Instância, quer na Relação de Guimarães - na sequência de apelação pelo dito A. interposta -, com fundamento em que, a despeito de se verificar incumprimento culposo de banda dos RR., por falta de obtenção, sobre eles exclusivamente impendente, da licença de exploração do Bar, imprescindível para a celebração do contrato definitivo de trespasse, tal incumprimento apenas se apresentava constitutivo de mora e não de definitivo inadimplemento, sendo, por isso, inidóneo a servir de fundamento a essa pretendida resolução do contrato promessa.

5. Sem embargo deste negativo veredicto, tanto numa como noutra dessas Instâncias entendeu-se, como dito, recair sobre os RR. a obrigação de obtenção da licença de exploração do negociado estabelecimento, em absoluto necessária, ao invés do que ocorria à data da celebração do contrato-promessa, para a outorga do contrato definitivo.

A tal propósito – é dizer, a justificar a adstrição dos RR., em decorrência do conteúdo da promessa, ao conseguimento dessa necessária licença de exploração - consignou-se, primeiramente na sentença e depois no subsequente acórdão, tudo o que, respectivamente, se acha vazado nas supra transcritas conclusões recursórias n.ºs 14.º e 15.º, conteúdo literal esse para o qual, por comodidade de exposição e, bem assim, obviar a maior adensamento desta exposição, ora remetemos, dando-o aqui por reproduzido.

6. Pois bem.

Atendo-se a esse conteúdo, o A. defende que em face de tal conteúdo de uma e outra dessas primeiramente proferidas decisões, aos fundamentos aí plasmados, e dado o trânsito operado no tocante às mesmas, impunha-se que, na presente acção, não se voltasse a discutir a quem competia obter a licença de utilização do Bar e/ou se ele, A., colocou entraves na emissão dessa licença.

E isso porquanto – mais aduz - , tendo em conta o disposto no n.º 1, do art. 625.º, segundo o qual “havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar:”

7. Preliminarmente, refira-se que, conquanto o caso julgado, em princípio, se forme apenas sobre a decisão, por isso estatuindo o art. 621º que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga…”, o certo é que nesse inciso “precisos limites e termos em que julga”, não se compreende apenas e só – como essa douta observação por parte do A. tem implícito - a parte dispositiva ou estatuitória – o “thema decisum” – de tal decisão.

Nesta linha, com efeito, escreveu-se no já datado, mas ainda pontificante, douto Acórdão deste Tribunal Supremo de 20-06-1978[5] “Temos por evidente que o objecto da acção não é apenas tal como o põe o autor na petição inicial, mas sim o que resulta da sua discussão, mormente quando o réu argui qualquer excepção peremptória ou suscita outras questões, pelo que, para se decidir da procedência ou improcedência do pedido, há que formular necessariamente vários juízos, solucionando essas questões suscitadas, como seu antecedente lógico, como se impõe no artigo 660º, nº 2, [actual 608.º, n.º 2] do Cód. Proc. Civil.”

Esta mesma jurisprudência vem continuando a fazer o seu rumo em mais recentes decisões do dito Alto Tribunal, a título meramente exemplificativo podendo referenciar-se o Acórdão de 8.3.2016[6], em cujo sumário, após se referir que “O caso julgado material anterior abrange a decisão e os seus pressupostos”, logo se acrescenta: “Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressuposto daquele decisão.”

Destarte, abarcando o caso julgado não só as questões objecto de expressa estatuição no dispositivo final, mas também aquelas que, a despeito de aí não incluídas, integraram no entanto a precedente parte motivatória, consubstanciando-se em premissas necessárias das explícitas determinações contidas em tal dispositivo, baixando ao caso “sub judice”, ocorre desde logo perguntar:

- esse entendimento sintonicamente perfilhado por ambas as Instâncias em sede da acção n.º 1195/07.8TBPTL, no sentido de que, tornando-se necessária para a celebração do prometido contrato de trespasse do Bar a respectiva licença de exploração, a obtenção desta competia aos RR., pelo que não havendo estes logrado tal obtenção, ainda que não tendo definitivamente inviabilizado essa celebração, contudo obviaram a que a mesma pudesse ter lugar no momento devido, incorrendo por isso em mora “debitoris”, esse entendimento – dizíamos - , pode ser considerado como pressuposto indispensável do negativo decisório final, também uniformemente emitido por tais Instâncias, julgando a pretensão do A. totalmente improcedente?

8. Como logo se alcança, a resposta a esta questão apresenta-se na íntegra afirmativa, sendo, sem dúvida, em função desse uníssono entendimento, bem como da adicional consideração que, malgrado essa mora por parte dos RR., uma vez que não se verificou a interpelação admonitória dos mesmos, em ordem a fazer transitar tal mora para incumprimento contratual definitivo, essa pretensão do A. – integrada pelos apontados sub-pedidos - soçobrou.

Donde, segue-se que esse comum entendimento, ou seja, os fundamentos que o corporizam, a par de tal negativa estatuição final a que se reconduziram, integram o caso julgado – assistindo-lhes pois a “auctoritas” própria deste - que, considerando o desfecho do acórdão incidente sobre a apelada sentença, acabou por ocorrer.

E assim sendo, como é, na linha do defendido pelo A./Recorrente, tais fundamentos não podiam ser contrariados/infirmados pelas posteriores decisões – sentença e acórdão ora recorrendo – que nos presentes autos, face à nova demanda intentada por aquele, vieram a ser prolatados.

9. Mas será que estas últimas mencionadas decisões – notadamente o ora questionado douto aresto‑, contrariam tais fundamentos, frontal e indevidamente violando assim o caso julgado cobrindo, como vimos, os mesmos?

Com vista a esta questão responder, atentemos, antes de mais, nos fundamentos, por sua vez, expendidos em tais decisões, começando pela sentença, uma vez que o acórdão da mesma sindicante, no essencial, louva-se no vertido nessa apreciada decisão.

10. Ora, nesta, depois de se assentar – mediante convocação de pertinentes elementos de cariz legal e jurisprudencial ‑ em que a resolução de um qualquer contrato-promessa passa indispensavelmente pela transformação da mora em incumprimento definitivo, passou-se a considerar:

- “Volvendo ao caso sub iudice, impõe-se então averiguar se existe incumprimento definitivo por parte dos RR, e concomitantemente fundamento de resolução do contrato-promessa e direito desde logo à restituição do sinal em dobro.

O A. fez radicar essencialmente esse alegado incumprimento na inexistência da licença de utilização para o estabelecimento objecto do contrato, prometido trespassar.

Das decisões proferidas no âmbito do processo 1195/07.8TBPTL resultou que a obrigação de obtenção dessa licença impendia sobre os Réus.

Mais resulta inequívoco e objectivo que até à data tal licença não foi emitida.

E a questão que agora se coloca é a de saber se simplesmente por tal facto se deve concluir de imediato pela incumprimento definitivo e culposo dos Réus, ou há que averiguar se tal falta se deve imputar ou resulta de incumprimento culposo por parte dos Réus nessa obtenção.

Nos termos do artigo 799g, n91 CC, sob a epígrafe "Presunção de culpa e apreciação desta": incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.

Para dar resposta à supra enunciada questão no caso em apreço, impõe-se desde logo atentar que a obtenção da referida licença possuía um processo administrativo próprio, iniciado por requerimento assinado pelos RR junto da entidade competente, ou seja, a Câmara Municipal de Ponte de Lima: processo 2729/2006 (facto provado em 1.10.), tendo-se apurado no âmbito desse processo (cfr. motivação da presente sentença):

  - o A. deveria ter realizado obras necessárias à regularização das desconformidades detectadas pela vistoria com legislação em vigor: bancas, mesas, balcões, prateleiras das cozinhas e das zonas de fabrico em material não lavável; desconformidade nas zonas de vestiários e sanitários do pessoal; falta de sinalização de emergência e sistema de detecção de fumos; copa e instalações sanitárias existentes não possuem ventilação adequada; obras de pouco vulto;

- sendo que, caso o A. tivesse realizado as obras necessárias à regularização das descritas desconformidades a edilidade teria emitido a licença de utilização. Como o A. nada disse ou fez foi ordenada a AA, ora A. a cessação da utilização do estabelecimento, por decisão de 26/1/2007, notificada ao Autor em 31/1/2007 (fls. 49 a 51). sendo que no prazo de 30 dias para encerrar o A. nada fez, manteve o estabelecimento em utilização, aberto ao público

   Ou seja, a questão da licença de utilização não estaria a ser discutida entre as partes, caso em 2007 o A. tivesse regularizado as desconformidades com a legislação em vigor, detectadas pela vistoria.

Entretanto, já após a ordem da cessação da utilização, ocorre a abertura do processo de licenciamento de obras por requerimento uma vez mais assinado pelo R..

Mais resultou provado que, na sequência da decisão que determinou o encerramento / cessação da utilização por falta de regularização das desconformidades por parte do A., regularização essa que a ter ocorrido permitiria a obtenção de tal licença a obtenção da referida licença de utilização, a mesma passou a estar ou ficou dependente do subsequente e referido processo administrativo de licenciamento de obras para o espaço, também requerido pelos Réus a que correspondia o processo nQ1.../2007 (facto provado em 1.11.).

Na verdade, ficou provado que:

- No processo que correu seus termos neste Tribunal sob o nº 1195/07.8TBPTL, a Câmara Municipal de … prestou a seguinte informação técnica com data de 25/6/2009 (doc. de fls. 120 a 122) no âmbito e com referência ao processo de obras nº 1.../07:

"Quanto aos esclarecimentos solicitados tenho a informar o seguinte:

1º BB requereu em 4/5/2006 a Licença de Utilização para Bar, para o estabelecimento em causa. A este processo de concessão de licença de utilização corresponde o nQ.../06.

2º Em 9/3/2007 BB apresenta um processo de obras, a que foi atribuído o nº 1.../07, relativo "à legalização de um estabelecimento de bebidas" referindo no mesmo requerimento que o estabelecimento em causa tem um processo com a referência ng.../96

3º O terceiro parágrafo da informação referida transmite uma informação incompleta pois a deliberação tomada sobre o projecto de arquitectura foi do seguinte teor:

"Processo de obras nº 100/07 em que é requerente BB e outra para proceder a legalização de um estabelecimento de bebidas sito na Rua …, nºs 12 a 15 nesta Vila: "A Câmara Municipal deliberou, por unanimidade, aprovar nas condições da informação dos Serviços Técnicos. Mais foi deliberado, por unanimidade, aprovar o projecto de arquitectura, condicionado ao parecer favorável do IPPAR"

Na sequência desta deliberação deveria o requerente ter dado satisfação aos reparos levantados na informação dos serviços técnicos para depois, já com informação favorável dos serviços técnicos, ser consultado o IPPAR, entidade que a Câmara municipal consulta, enviando um exemplar do projecto e cópia da informação dos serviços técnicos, não podendo pedir o parecer ao IPPAR enquanto esta informação não for favorável"

- Em 15 de Outubro de 2012, a Câmara Municipal de … notificou as partes interessadas, ou seja, o A. e o R., da informação técnica datada de 26 de Agosto de 2012 - fls. 127 e 128 - segundo a qual:

"1. A aprovação do projecto de arquitectura relativo à legalização do estabelecimento em causa encontra-se todavia condicionada a parecer favorável da Direcção Regional de Cultura do Norte, que solicitou a 19.03.2009 fotografias do interior e exterior do estabelecimento, situação da qual o requerente foi informado mas não deu resposta. 2. O requerente foi também informado por estes serviços que deveria procederá rectificação da C.R.P, no que se refere à área de construção e destino, e indicar a despensa de dia e a zona de armazenagem nas peças desenhadas, situações a que o requerente não deu resposta até à data. 3. O requerente ainda não se pronunciou quanto ao facto de na impossibilidade de criar os lugares de estabelecimento público previsto, pagar a compensação de 9 576 euros. 4. O alvará de autorização de utilização só poderá ser solicitado quando o projecto de arquitectura for deferido, o que acontecerá quando o requerente der resposta aos  pontos acima mencionados. Deve ser notificado o requerente do teor da presente informação, e informado o Sr. AA que a vistoria só terá lugar aquando do pedido de emissão do alvará de autorização de utilização, o que poderá vir a acontecer quando o projecto de arquitectura for deferido" (Doc. fls. 128).

Resultou do conjunto da prova produzida e dos factos provados que os RR. sempre se mostraram disponíveis para colaborar com o A., requerendo a pedido deste e assinando tudo quanto fosse necessário para efeito da obtenção dos licenciamentos de obra e de utilização, promovendo ou requerendo vistorias por forma a que se alcançassem as necessárias licenças.

E porque a aprovação do projecto de obras a que correspondia o processo 100/2007 implicava a realização de obras ao nível da cozinha, nomeadamente, com revestimento de balcões, mesas, bancadas e prateleiras, num valor orçamentado em €10.000,00 (dez mil euros), o A. decidiu não dar andamento àquelas, arrastando a situação até que o Município ordenou o encerramento do estabelecimento. Já que igualmente resultou provado que para evitar o encerramento do estabelecimento ao A. bastaria ter realizado obras que não alteravam a estrutura do prédio e do estabelecimento, designadamente a substituição dos móveis existentes por outros em alumínio.

Mais resultou provado que o A. foi por várias e sucessivas vezes interpelado pelos RR., para resolver a situação relativa às condições impostas para aprovação e licenciamento de obras e da utilização do estabelecimento comercial, inclusive por carta, nunca tendo no entanto, dado qualquer resposta.

E quanto à realização das obras necessárias à utilização do estabelecimento ressalta-se o facto de aquando da celebração do contrato-promessa de trespasse, nos termos da cláusula 5 -, o estabelecimento ter sido entregue em 30/4/2OCí ao A., tendo ocorrido traditio do mesmo, e o A. mantido e ficado na posse do mesmo, sendo que já o detinha desde 1996 ao abrigo do contrato de cessão de exploração.

Nestes termos, entende-se que a não obtenção, a inexistência ou falta de emissão da licença de utilização necessária para a formalização e concretização do contrato definitivo não pode ser vista por si só, como pretende o A., como um acto isolado e dele decorrendo automaticamente um alegado e suposto incumprimento definitivo e culposo dos RR, que de resto pretendeu desde logo assacar pouco tempo após (dias) a notificação do Acórdão do Tribunal Superior proferido no processo 1195/07.8TBPTL

A falta da licença de utilização insere-se numa sequência de processos de licenciamento, e poderia ter sido obtida pelo próprio A. no competente processo administrativo 2729/2006 em finais de 2006, princípios de 2007, como posteriormente acabou por ficar dependente do licenciamento de obras no estabelecimento, para as quais o próprio A. foi convocado a realizar, já que na posse ou com traditio do estabelecimento desde 2001, e que não realizou, para além daquele outro de que desistiu ou havia desistido anteriormente, de tudo resultando que a referida falta da licença de utilização resultou de um impasse gerado entre as partes, mas sem que daí se conclua necessariamente por um incumprimento definitivo e culposo dos RR, existindo inclusivamente apuramento de factos subsumíveis à mora do credor / A. - cf. artigo 813ç CC - não praticando os actos necessários ao cumprimento da obrigação, em especial com a realização das obras necessárias para a utilização do estabelecimento, e que impediriam o seu encerramento, assumindo relevo também nesta sede o facto apurado de que, ao contrário do que o A. alegou, ter resultado que a exploração do estabelecimento encontrava-se a decair como decaiu do ano de 2003 para 2004 (-20,70%), de 2004 para 2005 (-41,49%), de 2005 para 2006 (-30,55%).

Conclui-se assim não se verificar no caso concreto fundamentos para a pretendida resolução: na medida em que a não realização da prestação em falta -obtenção da licença de utilização - não resulta directamente de omissão culposa ou mora dos RR, tendo estes logrado elidir tal presunção, designadamente com prova de factos que integram a mora do próprio A. na qualidade de credor.”

E isto posto, rematou-se: ”Soçobra pois a pretensão de resolução do contrato promessa de trespasse deduzida pelo A. contra os RR. e pedidos de indemnização inerentes.”

11. Como retro avançado, toda esta soma de considerações alicerçantes da sentença foi acolhida pelo acórdão da mesma fiscalizador, fazendo-se constar deste, sob o capítulo intitulado “ Reapreciação da decisão de mérito da acção”, o que segue:

- “Mantendo-se incólume - o deferido em II) nada altera - o quadro factual julgado provado e não provado pelo Tribunal a quo, ter-se-á de manter, igualmente, a decisão jurídica da causa, que se mostra adequada e correcta face à factualidade apurada e aos normativos aplicáveis. Implicando a reapreciação pretendida pelo recorrente o acolhimento da pretendida alteração da matéria de facto.

Verificando-se, pois, que a escritura de trespasse do estabelecimento em causa nunca foi celebrada por falta de licença de utilização, tendo-se, ainda, apurado a falta de interesse por parte do A. na sua obtenção, acabando por colocar obstáculos às tentativas dos RR. em resolver a situação. Terminando o estabelecimento por ser encerrado a 5 de Maio de 2007, depois da CM de Ponte de Lima ter determinado o seu encerramento em 26 de Janeiro de 2007, numa altura em que o declínio da actividade era já muito acentuado (cfr. factos 63, 64, 70 e 71).”

Concluindo-se: “Improcede, assim, este 1º recurso.”

12. Plasmados todos estes considerandos, uma primeira ilação se nos quadra, sendo ela a de que, diversamente do afirmado pelo A./Recorrente, nos mesmos não se diverge desses outros vertidos nas duas decisões exaradas na acção n.º 1195/07.8TBPTL, no sentido de que era sobre os RR. que, segundo o vestibular convénio entre eles e o A. firmado, recaía a obrigação de obter a licença de exploração do Bar, tornada supervenientemente mister para a realização do contrato definitivo.

Diverge-se, porém, quanto a considerar - presente a ocorrida falta dessa realização no momento devido -, quem o efectivo responsável pela não obtenção de tal documento, que o mesmo é dizer, quem dos contraentes, mor dessa impeditiva omissão, incorreu em mora.

Nas sobreditas decisões proferidas na acção n.º 1195/07.8TBPTL, tal mora verificou-se por parte dos RR., ao passo que nas dos presentes autos esse anómalo e culposo comportamento teve lugar de banda do próprio A..

13. Parece assim de considerar, em coro com o aqui A./Recorrente, que nestas decisões em último referidas – as prolatadas neste processo -, verificou-se a ofensa do caso julgado formado em tal acção n.º 1195/07.8TBPTL, surgindo os fundamentos expressos em uma e outra das decisões editadas nesta – em especial no terminante acórdão - , diametralmente contrariados pelos insertos no acórdão aqui recorrendo.

Salvo sempre melhor opinativo, porém, cremos não merecer tal linha de pensamento justificada concordância.

14. Na verdade, cotejando os fundamentos ora em confronto, constata-se que, no tocante aos produzidos nestes autos, teve-se em linha de conta um diferente quadro factual que o coligido e ponderado nessoutros, mais precisamente, e considerando a sentença da 1.ª Instância, cuja matéria fáctica foi particamente replicada no sequente e ora recorrendo acórdão:

- o Facto n.º 30 [acima já feito constar e que ora se reitera]:

“No processo que correu seus termos neste Tribunal sob o nº 1195/07.8TBPTL, a Câmara Municipal de … prestou a seguinte informação técnica com data de 25/6/2009 (doc. de fls. 120 a 122) no âmbito e com referência ao processo de obras nº 100/07:

"Quanto aos esclarecimentos solicitados tenho a informar o seguinte:

1º BB requereu em 4/5/2006 a Licença de Utilização para Bar, para o estabelecimento em causa. A este processo de concessão de licença de utilização corresponde o nQ…/06.

2º Em 9/3/2007 BB apresenta um processo de obras, a que foi atribuído o nº 1…/07, relativo "à legalização de um estabelecimento de bebidas" referindo no mesmo requerimento que o estabelecimento em causa tem um processo com a referência ng…/96

3º O terceiro parágrafo da informação referida transmite uma informação incompleta pois a deliberação tomada sobre o projecto de arquitectura foi do seguinte teor:

"Processo de obras nº 1…/07 em que é requerente BB e outra para proceder a legalização de um estabelecimento de bebidas sito na Rua …, nºs 12 a 15 nesta Vila: "A Câmara Municipal deliberou, por unanimidade, aprovar nas condições da informação dos Serviços Técnicos. Mais foi deliberado, por unanimidade, aprovar o projecto de arquitectura, condicionado ao parecer favorável do IPPAR"

Na sequência desta deliberação deveria o requerente ter dado satisfação aos reparos levantados na informação dos serviços técnicos para depois, já com informação favorável dos serviços técnicos, ser consultado o IPPAR, entidade que a Câmara municipal consulta, enviando um exemplar do projecto e cópia da informação dos serviços técnicos, não podendo pedir o parecer ao IPPAR enquanto esta informação não for favorável"

- o Facto n.º 31 [igualmente acima plasmado]:

“Em 15 de Outubro de 2012, a Câmara Municipal de … notificou as partes interessadas, ou seja, o A. e o R., da informação técnica datada de 26 de Agosto de 2012 - fls. 127 e 128 - segundo a qual:

"1. A aprovação do projecto de arquitectura relativo à legalização do estabelecimento em causa encontra-se todavia condicionada a parecer favorável da Direcção Regional de Cultura do Norte, que solicitou a 19.03.2009 fotografias do interior e exterior do estabelecimento, situação da qual o requerente foi informado mas não deu resposta. 2. O requerente foi também informado por estes serviços que deveria procederá rectificação da C.R.P, no que se refere à área de construção e destino, e indicar a despensa de dia e a zona de armazenagem nas peças desenhadas, situações a que o requerente não deu resposta até à data. 3. O requerente ainda não se pronunciou quanto ao facto de na impossibilidade de criar os lugares de estabelecimento público previsto, pagar a compensação de 9 576 euros. 4. O alvará de autorização de utilização só poderá ser solicitado quando o projecto de arquitectura for deferido, o que acontecerá quando o requerente der resposta aos  pontos  acima  mencionados. Deve ser notificado o requerente do teor da presente informação, e informado o Sr. AA que a vistoria só terá lugar aquando do pedido de emissão do alvará de autorização de utilização, o que poderá vir a acontecer quando o projecto de arquitectura for deferido" (Doc. fls. 128).

- o Facto n.º 64:

“Porque a aprovação do projecto de obras a que correspondia o processo 1…/2007 implicava a realização de obras ao nível da cozinha, nomeadamente, com revestimento de balcões, mesas, bancadas e prateleiras, num valor orçamentado em € 10.000,00 (dez mil euros), o A. decidiu não dar andamento àquelas, arrastando a situação até que o Município ordenou o encerramento do estabelecimento através da PSP – cfr. docs. n.ºs 18 a 24.”

- o Facto n.º 65:

O A. apenas, trabalhava de terça a sexta das 15:00 horas às 10:00 horas e, ao fim de semana das 15:00 horas até 24:00 horas, mercê dos processos judiciais instaurados contra o estabelecimento em virtude dos ruídos produzidos na sua laboração.”

- o Facto n.º 68:

“O A. foi por várias e sucessivas vezes interpelado pelos RR., para resolver a situação relativa às condições impostas para aprovação e licenciamento de obras e da utilização do estabelecimento comercial, inclusive por carta, nunca no entanto, tendo dado qualquer resposta.”

- o Facto n.º 69:

“Para evitar o encerramento do estabelecimento ao A. bastaria ter realizado obras que não alteravam a estrutura do prédio e do estabelecimento, designadamente a substituição dos móveis existentes por outros em alumínio.” e, ainda,

- o Facto n.º 70:

“O A. através da exploração do estabelecimento em causa obteve os seguintes rendimentos médios mensais:

- ano 2003: € 710,71;

- ano 2004: € 739,36;

- ano 2005: € 593,54;

- ano 2006: € 615,62;

- ano 2007: € 427,20.

Os resultados líquidos obtidos nos anos 2005, 2006 e 2007 com a exploração do estabelecimento e à falta de clientela no mesmo, revelam um declínio da actividade, não tendo o A. retirado lucro da referida exploração nos referidos anos: a exploração do estabelecimento encontrava-se a decair como decaiu do ano de 2003 para 2004 (-20,70%), de 2004 para 2005 (-41,49%), de 2005 para 2006 (-30,55%).”

15. E foi com suporte neste novo, inédito e diferente acervo factual que, como dimana desse excerto supratranscrito, na sentença destes autos – e por inerência no acórdão que se lhe seguiu ‑, se decidiu, em oposição com os precedentes sentença e acórdão, pela mora, não dos RR. mas do A., como determinante da falta de obtenção da licença de exploração do estabelecimento a trespassar.

16. Sem embargo, constata-se que, afora aquele decorrente do Facto n.º 31, todo o demais substrato inscrito em cada um dos outros elencados Factos respeita ou encerra matéria de ocorrência cronologicamente referenciável a momento anterior ao encerramento da discussão, em 1.ª Instância, no processo nº 1195/07.8TBPTL, sendo que a sentença neste proferida data de 13 de Outubro de 2011.

17. Ora – e tal como o A./Recorrente bem obtempera ‑, no n.º 1, do art. 611.º, estipula-se que “"sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão".

Reportando-se à correspondente norma do anterior Código [art. 663.º, n.º 1], o Prof. Miguel Teixeira de Sousa[7] diz resultar do seu teor que “para efeitos do caso julgado, apenas os factos ocorridos depois do encerramento da discussão são considerados factos novos e podem ser invocados como uma nova causa de pedir numa acção posterior.”

E prossegue: “Esta referência temporal do caso julgado determina várias consequências: - uma referida ao passado, que é a preclusão da invocação num processo posterior de questões suscitadas no processo findo, mas anteriores ao encerramento da discussão na fase da audiência final e que nele podiam ter sido apresentadas […][8]”.

Mais à frente, após salientar que “ o âmbito da preclusão é substancialmente distinto para o autor e para o réu”, quanto a este último refere[9] que “há que considerar que lhe incumbe o ónus de apresentar toda a defesa na contestação (art. 489.º n.º 1‑ actual art. 573.º, n.º 1), pelo que a preclusão que o atinge é independente do caso julgado: ficam precludidos todos os factos que podiam ter sido invocados como fundamento dessa contestação, tenham ou não qualquer relação com a defesa apresentada e, por isso, com aquela que foi apreciada pelo tribunal.[10]

Nestes mesmos moldes se expressa Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida[11], o qual, dizendo também ele que “o âmbito de preclusão factual varia consoante se trate do autor ou do réu”, no referente a este expende “há […] que ter em conta que sobre ele impende o ónus de apresentar toda a sua defesa na contestação (o consabido princípio da concentração da defesa – art.º 573.º, n.º 1), pelo que a preclusão independe do caso julgado: ficam precludidos todos os factos à partida suscetíveis de substanciar a contestação, ainda que em nada co-relacionados com a defesa apresentada e objeto de apreciação pelo tribunal.”

18. Presentes estes doutos considerandos, suscitar-se-ia pensar que todos esses listados Factos – à excepção do n.º 31 ‑, dados os momentos das respectivas ocorrências ‑ e portanto a possibilidade/imperatividade de serem alegados e provados, em sede do processo n. 1195/07.8TBPTL, em momento anterior ao término da discussão na fase da respectiva audiência final‑, não podiam ser aportados para o âmbito desta acção – achavam-se precludidos ‑, e, logo, ao haver os mesmos como provados e nessa medida inscritos a consubstanciar os apontados fundamentos, assacando ao A. a incorrência em mora na obtenção da licença de exploração do Bar, tanto a sentença como o subsequente acórdão ora recorrendo infringiram – consoante o defendido pelo A./Recorrente ‑ o caso julgado formado no dito processo.

19. Ressalvando sempre o muito respeito, tal conjecturada perspectiva temo-la por infundada.

É que, em nosso modesto entender, tal efeito preclusivo da invocação de factos anteriores ao encerramento da discussão na primeira acção, afectando o réu, apenas cobra verificação no caso de o desfecho de tal acção não constituir para o autor/demandante um rotundo insucesso, ou seja, ter o mesmo logrado obter, em alguma medida, ganho de causa.

De outro modo, nada justifica – mormente os direitos [que direitos?] do autor - que na nova acção o réu, reiteradamente demandado, não possa aduzir em sua defesa factos que, conquanto o pudessem ter sido, não foram carreados nem apreciados naquela primeiramente intentada.

20. Neste sentido, afigura-se-nos consistentemente depor o mui autorizado entendimento de Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, quando escreve[12] que “O alcance e autoridade do caso julgado, não podendo confinar-se aos estreitos contornos definidos pelos artºs 580.º e ss., com vista à detecção da aludida exceção dilatória nominada, deve estender-se às situações em que a sentença reconheça, no todo ou em parte o direito do A.[13], assim fazendo precludir todos os meios de defesa do R., os concretamente deduzidos e até os abstratamente dedutíveis com base em direito próprio (procedência da acção) […].”

E, outrossim, um passo adiante[14], em que dizendo, a preceder, que “O caso julgado incide, assim, sobre uma decisão que é suposto ter tomado em consideração a matéria de facto tal como ela se apresentava no momento do encerramento da discussão, já que a sentença deve decidir de harmonia com a situação existente aquando desse terminus ad quem”; ligeiramente à frente consigna[15]:

- “É, assim, vedado ao réu sucumbente invocar, em noa acção, quaisquer factos não invocados em acção anterior (ainda que anteriores ao encerramento da respectiva discussão). Isto basicamente porque – e como vimos acima – tendo reconhecido (total ou parcialmente) o direito do autor, a sentença preclude todos e quaisquer outros possíveis meios de defesa do réu[16] (princípio da concentração da defesa na contestação – artº 573.º, nº 1), em aplicação do clássico brocardo supra-citado, “tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat”.

21. Nestes doutos termos, pois, postulando a preclusão da ulterior invocação de factos/questões pelo réu, a vitória em alguma medida da pretensão do autor em sede da demanda precedente, atentando na ora enfocada, da qual emerge o total decaimento do A./Recorrente nesse primitivo processo n.º 1195/07.8TBPTL, hemos de concluir que nada obstava à alegação e posterior demonstração pelos aqui RR., na presente acção, desse contingente fáctico – para além do Facto n.º 31 -, supra vazado.

E assim sendo, como é, a sentença nesta acção proferida e, em sequência, o acórdão ora em vista impugnar, fazendo processual e relevantemente adquirido para a lide esse contingente, de molde a, entre o mais, concluírem pela mora do A. – e não dos RR. ‑ na base da não concretização do definitivo acordo entre mesmos firmado, houve-se em perfeita conformidade legal.

Designadamente, não infringindo o caso julgado em tal pretérita acção ocorrido.

22. Destarte, temos, pois, que a invocada - pelo aqui A./Recorrente - , especial ou extraordinária admissibilidade do recurso de revista normal que ora se nos acha sujeito, referenciada ao final segmento da predita alínea a), do n.º 2, do art. 629.º, não se verifica, pelo que – em suma - , tal recurso não era nem é legalmente possível.

A despeito da sua tramitação até aqui ocorrida, inviável se torna, pois, nela prosseguir e conhecer do respectivo objecto, impondo-se, diversamente, pôr-lhe sumário termo e à atinente instância - art. 641.º, n.º 5.

23. Aliás – anote-se ainda - , mesmo que esta decidida rejeição do recurso não fosse de prevalecer – o que apenas a benefício de mera argumentação ora se equaciona - , o certo é que, ainda assim, tal negativo veredicto não poderia deixar de se se verificar.

De facto, atentando nas doutas conclusões que encerram esse recurso – e o mesmo se diga quanto ao corpo alegatório que tais proposições antecede - , constata-se que o A./Recorrente, a mais da questão da violação do caso julgado, que vem sendo alvo da nossa atenção, nenhuma outra, em recta visão, suscita.

Assim é que - como supra narrado -, finda a propugnar a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que julgue a acção totalmente procedente, com a condenação dos Recorridos no pedido formulado – para o que aqui releva – na acção principal.

Mas, percorridos ambos aqueles capítulos da sua minuta recursória, nada mais se vê aduzido em vista a fazer incutir do bem fundado dessa sua pretensão, verdade como é que a procedência desta – notadamente dos pedidos indemnizatórios formulados, note-se, nunca objecto de apreciação, quer na 1.ª Instância, quer na Relação - , não resulta[ria], sem mais, “automaticamente”, de decisão assentando na proclamada violação do caso julgado.

Questão recursória única – insista-se - levantada pelo A./Recorrente, como marcantemente definida na conclusão 26.ª“Deverá prevalecer a acção declarativa nº 1195/07.8TBPTL por ter transitado em julgado em primeiro lugar” - , e na parte final da listagem de conclusões, indicando, a título de disposição legal infringida, no que tange a esta acção principal, tão-só a norma do “artigo 625 do Cód. Proc. Civil”.

24. Como assim, e não se impondo ao Tribunal oficiosamente conhecer e estatuir sobre o “iter” conducente a injuntivo pronunciamento sobre tal pretensão e respectivos [sub] pedidos, a eventual admissão do recurso em apreço sempre e fatalmente redundaria em vão procedimento, desprovido de qualquer útil efeito.

E, por isso, consoante o disposto no art. 130.º, vedado de efectivar.

Tudo visto, resta, pois, finalizar com a seguinte

III – DECISÃO

Por todo o exposto, decide-se não receber o recurso de revista normal em apreço, indeferindo o atinente requerimento.

Custas pelo A./Recorrente.

                                                                            *

                                                                            *

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 12 de fevereiro de 2019


Helder Almeida (Relator)

Oliveira Abreu

Ilídio Sacarrão Martins

__________

[1] Rel.: Helder Almeida
   Adjs.: Exm.º Conselheiro Oliveira Abreu e
       Exm.º Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins.
[2] No essencial, seguir-se-á o elaborado em sede do douto Acórdão recorrido.
[3] Ao qual respeitam os demais preceitos doravante a citar sem menção de proveniência.
[4] Cfr., entre outros, Acs. do STJ de 15.01.2013, Proc. n.º 816/09, e de 21.03.2013, Proc. n.º 3210/07, ambos acessíveis in dgsi.pt.
[5] In Bol. n.º 278, p. 149.
[6] Proferido no Proc. n.º 1197/09, e acessível in “Sumários”, Mar./2016, p. 34; exactamente no mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, pp. 578-579.
[7] Cfr. Ob. cit., p. 585.
[8] A este propósito, escreve-se no Ac. do STJ de 19.05.2016 – Proc. n.º 4091/07, e acessível in dgsi.pt- “Por isso se diz [citando Chiovenda] que o caso julgado cobre o deduzido e o dedutível por via de acção e de excepção.”
[9] Ibidem, p. 586.
[10] A este propósito, escreve-se no Ac. do STJ de 19.05.2016 – Proc. n.º 4091/07, e acessível in dgsi.pt - “Por isso se diz [citando Chiovenda] que o caso julgado cobre o deduzido e o dedutível
[11] Cfr. Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, p. 633.
[12] Cfr. Ob. cit. pp. 628-629.
[13] Sublinhado nosso.
[14] Cfr. Ob. cit., p. 631
[15] Idem, p. 632.
[16] Sublinhado nosso.