Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P3772
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERNANDO FRÓIS
Descritores: CONCURSO DE INFRACÇÕES
SUCESSÃO DE CRIMES
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
CÚMULO POR ARRASTAMENTO
CÚMULO JURÍDICO
REFORMULAÇÃO
PENA SUSPENSA
Nº do Documento: SJ200901140037723
Data do Acordão: 01/14/2009
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário :

I - Uma pluralidade de infracções/crimes cometidas pelo mesmo arguido/agente pode dar lugar ou a um concurso de penas (quando os vários crimes/infracções tiverem sido cometidos antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles) ou a uma sucessão de penas (nos demais casos de pluralidade de crimes/infracções cometidos pelo mesmo arguido/agente).

II - Elemento relevante e fundamental para determinar a possibilidade de efectivação de cúmulo jurídico das penas é o trânsito em julgado da condenação pelo primeiro crime.

III - Na verdade, a jurisprudência mais recente e dominante deste STJ vai no sentido de que não poderá haver cúmulo jurídico de penas respeitantes a crimes praticados uns antes e outros depois da primeira condenação transitada em julgado. Depois daquele trânsito haverá sucessão de crimes e de penas.

IV - A jurisprudência dominante entende que não há fundamento legal para o chamado “cúmulo por arrastamento”, que conheceu «alguma aplicação neste STJ até 1997, mas que constituía uma forma de, divergindo dos termos legais, aniquilar a “teleologia” e a “coerência interna” do sistema, “dissolver a diferença entre as figuras do concurso de crimes e da reincidência” (cf. Vera Lúcia Raposo, in RPCC, Ano 13.º, n.º 4, pág. 592)» – Acs. do STJ de 10-09-2008, Procs. n.ºs 2500/08 - 3.ª e 1887/08 - 3.ª.

V - Esse cúmulo por arrastamento «baseia-se numa interpretação do art. 78.º, n.º 1, do CP, nos termos da qual “a condenação por crimes cometidos antes e depois de condenações entretanto proferidas, implica a efectivação de um cúmulo jurídico por arrastamento, das pena aplicadas e a aplicar a todos esses crimes”. Porém, da análise do regime emergente dos arts 78.º, n.º 1, e 77.º, n.º 1, do CP, tanto na redacção emergente da Lei 59/2007, de 04-09, como na anterior, resulta que o trânsito em julgado da condenação por um crime constitui o limite temporal dos crimes a englobar no cúmulo, inviabilizando a consideração, no concurso, de penas aplicadas por crimes praticados após o trânsito dessa primeira condenação, o que afasta o denominado cúmulo por arrastamento – cf. Ac. do STJ de 25-09-2008, Proc. n.º 1512/08 - 5.ª.

VI - As regras dos arts. 77.º e 78.º do CP são aplicáveis, também, no caso de reformulação do cúmulo de penas.

VII - Neste caso (como se refere no Ac. deste STJ de 30-01-2003, in CJSTJ, Ano XXVIII, tomo 1, pág. 177) as penas «readquirem a sua autonomia (…), por ter sobrevindo conhecimento de novas infracções a cumular, pelo que se torna necessário fazer novo uso da norma do art. 77.º, n.º 1, do Código Penal: determinar uma nova pena única em que são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».

VIII - Segundo a jurisprudência dominante, a circunstância de as penas aplicadas terem sido suspensas na respectiva execução não obsta à realização de cúmulo jurídico, orientação que o TC julgou não ser inconstitucional (Ac. do TC de 06-01-2003, DR Série II, de 06-02-2007).


Decisão Texto Integral:





Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I - No Círculo Judicial de Alcobaça, no processo comum nº 660/05.6 GAACB, do 3º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Alcobaça, foi o arguido:
AA, solteiro, desempregado, nascido a 18 de Maio de 1966, natural de São Vicente de Aljubarrota, Alcobaça, filho de F...I...de C... e de M...O...V...M..., residente na Rua Principal, nº ..., Ataíja de Baixo, São Vicente de Aljubarrota e actualmente detido no Estabelecimento Prisional Regional de Leiria;

Condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão, à qual acresce, para efeitos de cumprimento, a pena de 13 meses de prisão aplicada no processo sumário nº 677/05.0 GAACB, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Alcobaça, determinando a pena única de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

Porém, porque a referida pena de 13 meses de prisão aplicada no dito processo sumário 677/05.0, se mostra extinta pelo cumprimento, deverá ser descontada no cumprimento da pena única aplicada.

Aquele cúmulo, realizado no dia 31 de Julho de 2008, resultou de anteriores condenações e penas parcelares que haviam já sido aplicadas ao mesmo arguido, nos processos e termos seguintes:


a) no processo comum colectivo n.º 660/05.6 GAACB, do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, por acórdão de 06/07/07, transitado em 20/07/07, foi julgado e condenado, por factos praticados em 02 de Fevereiro de 2006:

a) como autor material, e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 275º, n.º 1, do Cód. Penal, por referência ao art. 3º, nº 1, alínea g), do DL nº 207-A/75, de 17/04, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, a qual ficou suspensa na sua execução pelo período de 3 anos – cf., fls. 186 a 207;

b) no processo comum singular n.º 125/06.9 TAACB do 2º Juízo do Tribunal da Comarca de Alcobaça, por sentença de 14/05/07, transitada em 01/07/07, foi julgado e condenado, por factos praticados em 06/02/2006 :

a) como autor material, e na forma consumada, de um crime de detenção de substâncias explosivas ou análogas, p. e p. pelo artigo 275º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão – cf., fls. 243 a 253;
b) conforme informação prestada a fls. 261, o arguido encontra-se a cumprir pena de prisão à ordem destes autos desde 02/03/2008;

c) no processo comum colectivo nº 657/05.6 GAACB do 2º Juízo do Tribunal da Comarca de Alcobaça, por Acórdão de 21/05/07, transitado em 05/06/07, foi julgado e condenado, por factos praticados de 08 a 14 de Dezembro de 2005:

a) como autor material e na forma consumada, de quatro crimes de condução de veículo sem legal habilitação, p. e p. no artº 3º, nº 2, do DL nº 02/98, com referência ao art.º 121º do Cód. da Estrada, na pena de 7 (sete) meses de prisão, por cada um deles;
b) como autor material e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 348º, nº 1, alínea a) e 69º, nº 1, alínea c) e nº 2, ambos do Cód. Penal, com referência ao art.º 152º, nº 1, alínea a) e nº 3, do Cód. da Estrada, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
c) como autor material e na forma consumada, de dois crimes de desobediência qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 348º, nº 2, do Cód. Penal, com referência ao art.º 154º, nº 1 e 2, do Cód. da Estrada, na pena de 7 (sete) meses de prisão por cada um deles;
d) como autor material e na forma consumada, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347º do Cód. Penal, na pena de 15 (quinze) meses de prisão;
e) como autor material e na forma consumada de uma contra-ordenação ao disposto no art.º 4º, nº 2, do Cód. da Estrada, na coima de 200,00 €;
f) em cúmulo jurídico, nos termos do art.º 77º do Cód. Penal, na pena única de 3 (três) anos de prisão (acrescida da coima de 200,00 €) – cf., fls. 282 a 304;

d) no Processo Sumário nº 677/05.0 GAACB do 1º Juízo do Tribunal da Comarca de Alcobaça, por sentença de 19/12/2005, devidamente transitada em 16/01/2006, foi julgado e condenado, por factos praticados em 14/12/2005:

a) como autor material, e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem legal habilitação, p. e p. no art.º 3º, nºs 1 e 2, do DL nº 02/98, de 03/01, na pena de 12 (doze) meses de prisão;
b) como autor material e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. no artigo 348º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 2 (dois) meses de prisão;
c) em cúmulo jurídico, nos termos do art.º 77º do Cód. Penal, na pena única de 13 (treze) meses de prisão – cf., fls. 306 a 315;
d) por despacho de 12/03/2007, e nos termos do estatuído no artº 475º do Cód. de Processo Penal, foi declarada extinta, pelo cumprimento, a pena aplicada ao arguido – cf., fls. 329.


Justificando o cúmulo realizado e a pena aplicada, diz (além do mais) o acórdão em causa:

Especificando:
Os crimes cometidos pelo arguido identificados sob as alíneas a), b), e c) encontram-se numa relação de concurso nos termos do artº 77º, nº 1, do Cód. Penal. Efectivamente, os factos praticados e correspondentes a tais processos foram praticados pelo arguido em datas anteriores à data do trânsito em julgado das condenações proferidas em tais processos, pelo que há que aplicar ao arguido uma única pena, em que se englobem tais penas resultantes dessas anteriores condenações. Ou seja, impõe-se a realização de cúmulo jurídico de tais penas parcelares.
Por sua vez, idêntica relação de concurso existe entre as penas parcelares aplicadas nos processos identificados sob as alíneas c) e d), (relativamente ás infracções referenciadas em a) e b), por referência à mencionada em d), existe sucessão de crimes e não concurso).
Temos, assim, que em verdadeiro e efectivo concurso com a pena aplicada nos presentes autos – alínea a) -, encontram-se apenas as infracções referenciadas em b) e c).
Ora, sendo apenas parcial o concurso de infracções, e estando-se, relativamente a outras, no domínio da reincidência, como determinar a pena única ?
Numa primeira fase, o entendimento jurisprudencial dominante consagrava a admissibilidade do denominado cúmulo por arrastamento (1)..
Posteriormente, porém, passou-se a dar operacionalidade ao legalmente estatuído, ou seja, considerar apenas admissível a determinação de uma pena única quando a prática dos crimes em concurso haja tido lugar antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles. Acerca de tal solução, Figueiredo Dias (2) defende a sua total compreensão pois, “sendo a prática do crime posterior – e se bem que, do ponto de vista da doutrina do crime, continue a existir uma «pluralidade» ou um «concurso» de crimes -, a hipótese já não relevará para efeitos de punição, como concurso de crimes, mas só, eventualmente, como reincidência (...)”. Acrescenta o mesmo Ilustre Professor (3) ser necessário “que o crime de que haja só agora conhecimento tenha sido praticado antes da condenação anteriormente proferida de tal forma que esta deveria tê-lo tomado em conta, para efeito da pena conjunta, se dele tivesse tido conhecimento”(4) .E que, “se os crimes agora conhecidos forem vários, tendo um ocorrido antes de proferida a condenação anterior e outros depois dela, o tribunal proferirá duas penas conjuntas, uma a corrigir a condenação anterior, outra relativa aos crimes praticados depois daquela condenação ; a ideia de que o tribunal deveria ainda aqui proferir uma só pena conjunta contraria expressamente a lei e não se adequaria ao sistema legal de distinção entre punição de concurso de crimes e de reincidência”.
Deste modo, a realização do cúmulo jurídico por arrastamento ignora ou despreza a relevância de uma condenação transitada em julgado, entendida esta como solene advertência ao arguido (5) , acabando por contrariar o princípio fundamental da incompatibilidade entre os conceitos de concurso de penas e da reincidência.
Fazendo a distinção entre ambas as figuras jurídicas, Eduardo Correia (6) defende que “(...) qualquer das formas apontadas de reincidência tem de particular, relativamente à simples acumulação dos crimes (...), a circunstância de que quem viveu as consequências de uma condenação encontra-se, no caso de renovação da sua actividade criminosa, numa situação inteiramente diferente daquele a quem falta essa experiência”.

Ora, a solução legalmente pertinente, e que adoptamos, é a que pretende evitar que o agente beneficie (injustificadamente) da consideração conjunta de vários crimes, quando um ou mais deles tenha sido praticado já depois de ele próprio ter sido solenemente advertido com uma condenação judicial tornada irreversível com o trânsito em julgado, mas também com o sentido positivo de permitir essa mesma consideração conjunta quando o agente ainda não tenha sido objecto, por qualquer deles, de condenação transitada.
Só desta forma se dá a devida relevância a tudo o que envolve uma condenação com trânsito em julgado, como advertência solene que é. Entendimento diferente daria relevância não fundamentada ao princípio da favorabilidade do arguido, tornando-o de tal forma amplo que incluiria o que a lei quis excluir, nomeadamente o limite da condenação transitada em julgado.
Efectuada tal opção, urge considerar quais os factos ou relações de concurso a ponderar pois que, afastando a solução do cúmulo por arrastamento, somos confrontados com o facto de que também entre o(s) crime(s) que fica(m) fora do concurso se verificar uma relação dessa natureza com outro ou outros que daquele fazem parte.
Nestes casos, o critério a considerar e ponderar, por apelo ao princípio basilar neste domínio (7), é o de, na impossibilidade de se proceder ao cúmulo jurídico das penas sofridas por todos os crimes, se realizar o cúmulo que se mostre mais favorável ao arguido, em concreto (o que exigirá que sejam consideradas todas as situações, com realização dos cúmulos que para tanto se impuserem, por forma a que deles sejas escolhido e aplicado aquele que em concreto se mostrar mais favorável ao arguido) (8)

Ora, no caso sub judice, e tendo em consideração o juízo supra exposto, que se afasta dos quadros do cúmulo por arrastamento, urge proceder á realização de dois ordenamentos de cúmulos: o primeiro, abrangendo as penas parcelares mencionadas em a), b), e c), relativamente ás quais, conforme já vimos, existe concurso de infracções. E, a tal cúmulo urge acrescer, para efeitos de cumprimento, a pena parcelar restante, referenciada em d) a qual, respeitando a factos em concurso com os apreciados em c), já não está com os apreciados em a) e b) ; o segundo abrangendo as penas parcelares mencionadas em c) e d), estando estas também entre si numa relação de concurso (mas não já a pena aplicada em d), com as mencionadas em a) e b)) ; e, por outro lado, existe igualmente concurso de infracções entre as penas parcelares referenciadas em a) e b) que, por sua vez, já não estão em idêntica relação com a totalidade das referenciadas em primeiro lugar (c) e d)). E, para efeitos de cumprimento, deverão tais penas acrescer uma á outra, optando-se pelo cúmulo jurídico que, em concreto, se configurar como mais favorável ao arguido, segundo o princípio geral da favorabilidade deste”.

E, aplicando o critério supra referido e tendo em atenção o disposto no artigo 77º nº 2, do Código Penal, o acórdão em questão decidiu assim:

Pelo que, ponderando-se tais factores, consideram-se ajustadas e equitativas as seguintes penas:

1º - cúmulo jurídico englobando as penas aplicadas nos processos identificados em a), b), e c) (PCTC n.º 660/05.6 GAACB, PCTS n.º 125/06.9 TAACB e PCTC n.º 657/05.6 GAACB)
Conjugando os critérios supra referidos, julga-se adequada a pena única de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão.
Fica apenas de fora a pena aplicada no processo referenciado em d) (Processo Sumário n.º 677/05.0 GAACB)13 (treze) meses de prisão -, que com aquelas não está em concurso e que, acrescendo, determina, para efeitos de cumprimento, 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de prisão (5 anos e 3 meses + 13 meses).

- cúmulo jurídico englobando as penas aplicadas nos processos identificados em c) e d) (PCTC n.º 657/05.6 GAACB e Processo Sumário n.º 677/05.0 GAACB)
Articulando os critérios e legais pressupostos supra mencionados, entende-se ser justa e adequada a pena única de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
E, efectuando, agora, o cúmulo jurídico entre as demais penas aplicadas nos processos identificados em a) e b) (PCTC n.º 660/05.6 GAACB e PCTS n.º 125/06.9 TAACB), entende-se ser justa e adequada a pena única de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão.
O que determina, para efeitos de cumprimento, acrescendo ambas as penas de cúmulo, 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão (3 anos e 4 meses + 3 anos e 2 meses).

Analisando as duas soluções supra expostas, correspondentes aos diferenciados cúmulos efectuados, verifica-se que a primeira solução configura-se mais favorável para o arguido (pena única de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de prisão), dado comportar um cumprimento total de pena inferior á segunda solução apontada. E, como tal, deverá ser a tal solução de cúmulo que se deverá dar efectiva prevalência.


III – DECISÃO

Pelo exposto, tendo em atenção os critérios enunciados, e os legais juízos expressamente expostos, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, o tempo considerado da sua prática, e a personalidade evidenciada através dos mesmos, decide-se:

1) condenar o arguido AA, em cúmulo jurídico das penas referidas em a), b) e c), na pena única de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão ;
2) a tal pena acresce, para efeitos de cumprimento, a pena aplicada no processo referenciado em d) (13 (treze) meses de prisão), determinando a pena única de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de prisão ;
3) a pena aplicada no processo referenciado em d) (treze meses), por se mostrar já extinta, pelo cumprimento, deverá ser descontada no cumprimento da pena única aplicada”.

Inconformado com tal decisão, o Exmº Magistrado do MºP no Círculo Judicial de Alcobaça interpôs o presente recurso, pugnando pela revogação e alteração da mesma por forma a que não se efectue – como foi efectuado – um cúmulo “por arrastamento”, devendo:
- as penas correspondentes aos factos praticados entre 8 e 14 de Dezembro de 2005, aplicadas em 2007 ser cumuladas mas apenas com a correspondente aos factos de 14.12.2005 (os primeiros apreciados por sentença transitada); e
- as penas correspondentes aos crimes praticados em 2006, ser cumuladas entre si, já que apreciados tais crimes, ambos em 2007;
Assim, o tribunal deveria ter efectuado dois cúmulos, fixando duas penas únicas (ou conjuntas), a cumprir sucessivamente pelo arguido: uma, respeitante aos factos de 2005 e outra aos factos de 2006, não sendo aplicável o critério do “regime mais favorável” constante do artigo 2º nº 4 do Código Penal à determinação da existência ou não de concurso de crimes, para efeitos de formação de cúmulo(s) jurídico(s) de penas.
Assim, o arguido não seria beneficiado por um cúmulo por arrastamento (efectuado e que resultou do facto de ter praticado dois crimes antes da primeira condenação transitada, um deles julgado depois de ter praticado outros dois crimes após tal condenação) mas também não seria prejudicado (já que as penas relativas aos crimes de 2005 seriam cumuladas entre si, como se impõe, tal como as respeitantes aos crimes de 2006).
Assim, o tribunal deveria ter condenado o arguido nas penas únicas (que encontrou) de prisão de 3 anos e 4 meses e de 3 anos e 2 meses, a cumprir sucessivamente pelo arguido.
Na respectiva motivação apresenta as seguintes conclusões:
1 - No acórdão objecto de recurso, o arguido AA foi condenado, "... em cúmulo jurídico ... , na pena única de 5 ... anos e 3 ... meses de prisão", à qual "... acresce, para efeitos de cumprimento, a pena aplicada [noutro] processo (13 meses de prisão), determinando a pena única de 6 ... anos e 4 ... meses de prisão" .
2 - " ... Um concurso de crimes (uma pluralidade de infracções cometidas pelo mesmo agente) pode dar origem a uma de duas situações: " ... um concurso de penas, quando as diversas infracções tiverem sido cometidas antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer delas .... ; "uma sucessão de penas, em todos os outros casos de uma pluralidade de crimes praticados por um mesmo agente, isto é quando, por exemplo, tendo sido praticadas duas infracções pelo mesmo agente, a segunda tenha sido praticada depois do trânsito em julgado da condenação pelo primeiro crime".
3 - Caso não existissem as normas (os arts. 77 e 78 do C. Penal) relativas ao cúmulo jurídico de penas, teria de haver acumulação material das penas relativas aos crimes em concurso.
4 - Com o sistema de cúmulo jurídico visou-se evitar esta acumulação material, aplicando-se uma pena única (ou conjunta), ponderando todo o percurso criminoso do arguido possível (o que respeita aos crimes em concurso, para efeito do cúmulo jurídico das penas), bem como a respectiva personalidade.
5 - Marco a relevar para a determinação da possibilidade de formação de cúmulo jurídico de penas é o do "trânsito em julgado da condenação pelo primeiro crime" potencialmente em concurso.
6 - Aliás, é, também, esse o marco reiteradamente evidenciado pelo STJ.
7 - Não poderá, assim, haver cúmulo entre penas relativas a crimes praticados antes e após a referida primeira condenação transitada.
8 - A partir dela existirá, sim, sucessão de crimes e de penas.
9 - A situação não é diversa havendo condenações por crimes anteriores a uma decisão transitada após condenações por crimes posteriores a tal decisão.
10 - É, actualmente, doutrinária e jurisprudencialmente pacífico que não há fundamento legal para o designado cúmulo por arrastamento.
11 - Um dos riscos de tal cúmulo seria a possibilidade de um julgamento tardio de um crime "antigo" vir a unificar toda a conduta criminosa do arguido, tomando-o impune a novas condenações.
12 - No caso dos autos, o tribunal levou em conta penas por crimes praticados de 8 a 14/1212005 (no processo 657/05.6GAACB - acórdão transitado em 5/612007), em 14/12/2005 (no processo 677/05.0GAACB - sentença transitada em 16/1/2006), em 2/2/2006 (crime apreciado nos presentes autos - processo 660/05.6GAACB - por acórdão transitado em 2117/2007) e em 612/2006 (crime apreciado no processo 125/06.9TAACB por sentença transitada em 1/7/2007).
13 - O tribunal entendeu, primeiro, haver concurso (para efeitos de cúmulo jurídico de penas) entre os crimes apreciados em 2007, autonomizando dele os factos apreciados pela sentença transitada em 16/1/2006, chegando a uma pena única de 5 anos e 3 meses de prisão e mantendo a pena autónoma (dos factos de 14/12/2005) de 13 meses de prisão.
14 - Não revelou, o tribunal, como devia, a existência da referida sentença transitada (relativa aos factos de 14/12/2005),
15 - E que, em consequência, estava a "arrastar", para cúmulo com penas respeitantes a factos de 2005 (mais precisamente entre 8 e 14/12/2005), penas correspondentes a crimes praticados já em 2006, ou seja, depois daquela sentença transitada.
16 - De seguida, o tribunal hipotizou cúmulos entre as penas relativas aos factos de 2005 e entre as penas relativas aos factos de 2006, chegando a penas únicas de 3 anos e 4 meses de prisão e de 3 anos e 2 meses de prisão, respectivamente.
17 - As penas correspondentes aos factos praticados entre 8 e 14/12/2005, aplicadas em 2007, deveriam ser cumuladas, mas apenas com a correspondente aos factos de 14/12/2005 - os primeiros apreciados por sentença transitada.
18 - De igual modo, as penas correspondentes aos crimes praticados em 2006 eram cumuláveis entre si, já que apreciados, ambos, já em 2007.
19 - Chegando a penas "únicas" diversas face às hipóteses referidas em 13 e 16, o tribunal adoptou o critério do "regime mais favorável", nos termos do art. 2.4 do C. Penal.
20 - Aplicou, por isso, ao arguido, a pena "única" de 6 anos e 4 meses de prisão (correspondente à soma do cúmulo das penas dos crimes ocorridos de 8 a 14/1212005 e em 2006, com a pena, "autónoma", do crime ocorrido em 14/12/2006),
21 - Em vez da pena "única" de 6 anos e 6 meses de prisão, que entendeu caber à soma dos cúmulos entre as penas pelos factos de 2005 e pelos factos de 2006.
22 - O critério, referido, "do regime mais favorável", não é aplicável à determinação da existência, ou não, de concurso de crimes, para efeitos de formação de cúmulo(s) jurídico(s) de penas.
23 - O tribunal deveria ter realizado dois cúmulos, fixando duas penas únicas (ou conjuntas), a cumprir sucessivamente pelo arguido - uma respeitante aos factos de 2005 e outra aos factos de 2006.
24 - Dessa forma, o arguido não sena beneficiado por um "cúmulo por arrastamento" (que resultaria de facto de ter praticado não um mas dois crimes antes da primeira condenação transitada, um deles julgado depois de ter praticado outros dois após tal condenação),
25 - Mas também não seria prejudicado (já que as penas relativas aos crimes de 2005 seriam cumuladas entre si, como se impõe, tal como as respeitantes aos crimes de 2006).
26 - A perfilhar-se o entendimento do M. Público, poderia argumentar-se que não caberia na competência do tribunal colectivo a aplicação, ao arguido, da pena de 3 anos e 2 meses, correspondente às penas parcelares de 2 anos e 3 meses e de 2 anos e 3 meses, aplicadas no âmbito dos presentes autos e do processo 125/06.9TAACB, respecti vamente,
27 - Na verdade, não sendo aplicável, ao arguido, "no máximo", pena superior a 4 anos e 6 meses de prisão, caberia, em princípio, ao tribunal singular a realização do cúmulo jurídico das citadas penas parcelares (arts. 77°.2 do C. Penal e 471°.1 e 14°.2 aI. b) do CPP) •.
28 - De igual modo, e não havendo concurso entre os crimes a que corresponderam as penas de 2 anos e 3 meses acabadas de referir e os crimes, de 2005, objecto de apreciação no âmbito dos processos 657/05.6GAACB e 677/05.0GAACB, estes de Juízos diferentes, poderia, também, argumentar-se que o cúmulo a efectuar entre as penas destes últimos deveria ter lugar no âmbito do processo 657/05.6GAACB (o da última condenação, das duas em concurso) - art. 471 °.2 do CPP.
29 - Porém, "... a competência do colectivo ... é fixada precisamente naquele momento processual ["convocação" do tribunal para a fixação do cúmulo, face à pena potencialmente aplicável] mantendo-se estabilizada até à decisão final", e
30 - "O tribunal [que] pode o mais pode o menos e, por isso, v.g., se o tribunal colectivo podia aplicar pena de prisão superior a cinco anos pode também aplicar pena inferior" .
31 - A questão da eventual incompetência territorial do tribunal a quo para o conhecimento do concurso entre os crimes cometidos em 2005, no âmbito dos processos 657/05.6GAACB e 677/05.0GAACB (que não estão em concurso designadamente com os dos presentes autos) é de afastar não só face ao referido em 29 mas também porque seria de natureza territorial, tendo ficado sanada com a realização da audiência.
32":, Pelo exposto, o arguido poderia (e deveria) ter sido condenado, pelo tribunal a quo, nas penas únicas de 3 anos e 4 meses de prisão e de 3 anos e 2 meses de prisão, a cumprir sucessivamente.
33 - Ao adoptar a solução referida em 20, o tribunal interpretou indevidamente o disposto nos arts. 2° nº 4, 77° nº l e 78° nº l do C. Penal.
34 - Em consequência, o recurso deverá proceder, sendo o acórdão objecto de recurso alterado de modo a serem aplicadas, ao arguido, as penas referidas em 32, resultantes dos cúmulos indicados em 16 e 23, penas essas a cumprir sucessivamente.

Remetido o processo a este STJ, o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer no sentido de que deverão efectuar-se dois cúmulos. O primeiro, respeitante aos crimes da primeira e segunda condenações; o segundo, das duas restantes ou seja, considerar-se em exclusivo a situação que o tribunal equacionou a fls. 376 sob o nº 2, revogando-se o acórdão recorrido no demais (à pena única de 2 anos e 3 meses há que descontar os 13 meses de prisão cumpridos no processo 677/05.0).
Colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Não é questionada – directamente - a medida da pena.
A única questão suscitada pelo recorrente e a decidir é apenas a de saber se o cúmulo jurídico efectuado se mostra “legal” ou se foi efectuado um cúmulo “por arrastamento” que a jurisprudência não tem aceitado.

Vejamos então:

Podem considerar-se assentes os factos seguintes:


A - no processo comum colectivo n.º 660/05.6 GAACB, do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, por acórdão de 06/07/07, transitado em 20/07/07, o arguido foi julgado e condenado, por factos praticados em 02 de Fevereiro de 2006:

a) - como autor material, e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 275º, n.º 1, do Cód. Penal, por referência ao art. 3º, nº 1, alínea g), do DL nº 207-A/75, de 17/04, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, a qual ficou suspensa na sua execução pelo período de 3 anos – cf., fls. 186 a 207;

B) - no processo comum singular n.º 125/06.9 TAACB do 2º Juízo do Tribunal da Comarca de Alcobaça, por sentença de 14/05/07, transitada em 01/07/07, foi julgado e condenado, por factos praticados em 06/02/2006 :

a) - como autor material, e na forma consumada, de um crime de detenção de substâncias explosivas ou análogas, p. e p. pelo artigo 275º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão – cf., fls. 243 a 253;
b) - conforme informação prestada a fls. 261, o arguido encontra-se a cumprir pena de prisão à ordem destes autos desde 02/03/2008;

C - no processo comum colectivo nº 657/05.6 GAACB do 2º Juízo do Tribunal da Comarca de Alcobaça, por Acórdão de 21/05/07, transitado em 05/06/07, foi julgado e condenado, por factos praticados de 08 a 14 de Dezembro de 2005:

a) - como autor material e na forma consumada, de quatro crimes de condução de veículo sem legal habilitação, p. e p. no artº 3º, nº 2, do DL nº 02/98, com referência ao art.º 121º do Cód. da Estrada, na pena de 7 (sete) meses de prisão, por cada um deles;
b) - como autor material e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 348º, nº 1, alínea a) e 69º, nº 1, alínea c) e nº 2, ambos do Cód. Penal, com referência ao art.º 152º, nº 1, alínea a) e nº 3, do Cód. da Estrada, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
c) - como autor material e na forma consumada, de dois crimes de desobediência qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 348º, nº 2, do Cód. Penal, com referência ao art.º 154º, nº 1 e 2, do Cód. da Estrada, na pena de 7 (sete) meses de prisão por cada um deles;
d) - como autor material e na forma consumada, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347º do Cód. Penal, na pena de 15 (quinze) meses de prisão;
e) - como autor material e na forma consumada de uma contra-ordenação ao disposto no art.º 4º, nº 2, do Cód. da Estrada, na coima de 200,00 €;
f) - em cúmulo jurídico, nos termos do art.º 77º do Cód. Penal, na pena única de 3 (três) anos de prisão (acrescida da coima de 200,00 €) – cf., fls. 282 a 304;

D) - no Processo Sumário nº 677/05.0 GAACB do 1º Juízo do Tribunal da Comarca de Alcobaça, por sentença de 19/12/2005, devidamente transitada em 16/01/2006, foi julgado e condenado, por factos praticados em 14/12/2005:

a) como autor material, e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem legal habilitação, p. e p. no art.º 3º, nºs 1 e 2, do DL nº 02/98, de 03/01, na pena de 12 (doze) meses de prisão;
b) como autor material e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. no artigo 348º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 2 (dois) meses de prisão;
c) em cúmulo jurídico, nos termos do art.º 77º do Cód. Penal, na pena única de 13 (treze) meses de prisão – cf., fls. 306 a 315;
d) por despacho de 12/03/2007, e nos termos do estatuído no artº 475º do Cód. de Processo Penal, foi declarada extinta, pelo cumprimento, a pena aplicada ao arguido – cf., fls. 329.


Os Factos e o Direito:

Dúvidas não pode haver em que, uma pluralidade de infracções/crimes cometidas pelo mesmo arguido/agente pode dar lugar ou a um concurso de penas (quando os vários crimes/infracções tiverem sido cometidos antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles) ou a uma sucessão de penas (nos demais casos de pluralidade de crimes/infracções cometidos pelo mesmo arguido/agente).

Haverá, portanto, sucessão de penas p. ex. quando o mesmo arguido pratica dois crimes, mas o segundo crime é praticado depois do trânsito em julgado da condenação pelo primeiro crime.

Elemento relevante e fundamental para determinar a possibilidade de efectivação de cúmulo jurídico das penas, é o trânsito em julgado da condenação pelo primeiro crime.

Na verdade, a jurisprudência mais recente e dominante deste STJ, vai no sentido de que não poderá haver cúmulo jurídico de penas respeitantes a crimes praticados, uns antes e outros depois, da primeira condenação transitada em julgado. Depois daquele trânsito haverá sucessão de crimes e de penas.

Neste sentido, cfr. o Ac. deste STJ de 10.09.2008, Proc. 2500.08, desta 3ª Secção que refere expressamente: “Tem sido pacífico neste STJ o entendimento de que o concurso de infracções não dispensa que os vários crimes tenham sido praticados antes de ter transitado em julgado a pena imposta por qualquer um deles, representando o trânsito em julgado de uma condenação penal o limite temporal intransponível no âmbito do concurso de crimes, excluindo-se da pena única os praticados posteriormente; o trânsito em julgado de uma dada condenação obsta a que se fixe uma pena unitária em que, englobando as cometidas até essa data, se cumulem infracções praticadas depois desse trânsito
Assim, o momento determinante para a sujeição de um conjunto de crimes a uma pena única é, nos termos do artº 77º-1 e 2, aplicável por força do artº 78º-2, do CP, o trânsito em julgado da primeira condenação, pois os crimes praticados posteriormente a essa decisão transitada em julgado não estão em relação de concurso, devendo ser encarados e punidos na perspectiva da sucessão criminal”.

E, como bem refere o Exmº Magistrado recorrente, o mesmo acontece “havendo condenações por crimes anteriores a uma decisão transitada em julgado após condenações por crimes posteriores a tal decisão”.

A jurisprudência dominante entende que não há fundamento legal para o chamado “cúmulo por arrastamento” que conheceu “alguma aplicação neste STJ até 1997, mas que constituía uma forma de, divergindo dos termos legais, aniquilar a “teleologia” e a “coerência interna” do sistema, “dissolver a diferença entre as figuras do concurso de crimes e da reincidência” (cfr. Vera Lúcia Raposo, in RPCC, Ano 13, nº 4, pág. 592)” – cfr. o citado Ac. deste STJ de 10.09.2008, Proc. 2500/08 – 3ª e o Ac. deste STJ de 10.09.2008, Proc. 1887/08 – 3ª.

Esse cúmulo por arrastamento – seguido por alguma jurisprudência do STJ (cfr. Ac. de 20.10.1988, in CJ, Ano XIII, Tomo IV, pág.18 e segs.) baseia-se numa interpretação do artigo 78º-1 do Código Penal, nos termos da qual “a condenação por crimes cometidos antes e depois de condenações entretanto proferidas, implica a efectivação de um cúmulo jurídico por arrastamento, das penas aplicadas e a aplicar a todos esses crimes”.
Porém, da análise do regime emergente dos artigos 78º-1 e 77º-1, do Código Penal, tanto na redacção emergente da Lei 59/2007, de 04 de Setembro, como na anterior, resulta que o trânsito em julgado da condenação por um crime constitui o limite temporal dos crimes a englobar no cúmulo, inviabilizando a consideração, no concurso, de penas aplicadas por crimes praticados após o trânsito dessa primeira condenação, o que afasta o denominado cúmulo por arrastamento – (cfr. Ac. STJ de 25.09.2008, Proc. 1512/08 – 5ª).

O sistema de cúmulo jurídico, adoptado na nossa lei, visa evitar a acumulação material das penas relativas aos crimes em concurso, aplicando-se uma pena única.

Nos termos do disposto no artigo 77º do Código Penal, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

E para os casos de conhecimento superveniente do concurso rege o artº 78º, n.º 1 do mesmo diploma, o qual estatui que “se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”.

Ora, as mesmas regras são aplicáveis no caso de reformulação do cúmulo de penas.

Neste caso (como se refere no Ac. deste STJ de de 30/01/2003, in CJSTJ, Ano XXVIII, Tomo 1, pág. 177) as penas readquirem a sua autonomia (....), por ter sobrevindo conhecimento de novas infracções a cumular, pelo que se torna necessário fazer novo uso da norma do art. 77º, n.º 1, do Código Penal: determinar uma nova pena única em que são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

No caso em apreço, os crimes cometidos pelo arguido e referidos nas alíneas A) a D), estão numa relação parcial de concurso nos termos do art.º 77º, nº 1, do Código Penal.

Efectivamente, como refere o acórdão recorrido, “os factos praticados e correspondentes a alguns desses processos foram praticados por aquele em datas anteriores à data do trânsito em julgado das mesmas condenações proferidas em tais processos, pelo que, ab initio, haveria que aplicar ao arguido uma única pena, em que se englobassem tais penas parcelares resultantes dessas anteriores condenações.
Ou seja, impor-se-ia a realização de cúmulo jurídico dessas mesmas penas”.

Deve também ter-se em atenção que, segundo a jurisprudência dominante, a circunstância das penas aplicadas terem sido suspensas na respectiva execução (como acontece, neste caso, no processo nº 660/05.6 GAACB do 3º Juízo de Alcobaça, referido supra em A), não obsta à realização do cúmulo jurídico.

Neste sentido, cfr. o Acórdão deste STJ de 04/06/98 (Documento n.º SJ199806040003333, in http://www.dgsi.pt/jstjj.nsf): “Não obsta à sua inclusão num cúmulo jurídico, a circunstância de uma pena de prisão estar suspensa na sua execução, uma vez que o caso julgado se forma quanto á medida da pena e não quanto á sua execução; em relação á pena única de prisão, resultante de tal cúmulo jurídico, não tem que ser, necessariamente, decretada a suspensão da sua execução.

No mesmo sentido, refere o Acórdão deste STJ de 30/09/98 (Documento n.º SJ199809300006403, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf) que ao elaborar o cúmulo jurídico e ao determinar a pena única, o tribunal não está vinculado às particularidades de cada uma das penas parcelares, nada obstando a que, naquela, se não mantenha a suspensão da execução da pena de qualquer uma destas.

Mais recentemente, acrescentou o Acórdão desta 3ª Secção do STJ, de 14/06/2006, in Proc. n.º 1581/06, ser de acolher a jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal, segundo a qual, nos termos dos arts. 77.º e 78.º do CP, não se exclui a pena que tenha sido suspensa, que pode ou não ser mantida, orientação esta que o Tribunal Constitucional recentemente julgou não ser inconstitucional (Acórdão n.º 306, de 06.01.2003. DR 2.ª S de 06-02.2007).
(No sentido de que na jurisprudência dos Tribunais Superiores a orientação dominante é no sentido da integração da pena suspensa no cúmulo, podem citar-se os acórdãos deste STJ: de 04.03.2004, Proc. 3293/03 – 5ª; de 22.04.2004, CJSTJ, 2004, tomo 2, pág.172; de 02.12.2004, Proc. 4106/04; de 21.04.2005, Proc. 1303/05; de 27.04.2005, Proc. 897/05; de 05.05.2005, Proc. 661/05; de 09.11.2006, Proc. 3512/06 – 5ª, CJSTJ, 2006, Tomo 3, pág. 226; de 29.11.2006, Proc. 3106/06 – 3ª; de 03.10.2007, Proc. 2576/07 – 3ª; de 27.03.2008, Proc. 411/08 – 5ª; de 25.09.2008, Proc. 2860/08 – 3ª; de 04.09.2008, Proc. 2378/08 – 5ª; e de 25.09.2008, Proc. 2194/08 – 5ª).

Tendo tudo isto em consideração, verifica-se, no caso “sub judice” que o acórdão recorrido atendeu/englobou penas respeitantes a crimes praticados de 8 a 14 de Dezembro de 2005 (no processo 657/05.6 – acórdão transitado em julgado em 05.06.2007), penas respeitantes a crimes praticados em 14 de Dezembro de 2005 (no processo 677/05.0 – sentença transitada em 16.01.2006), penas respeitantes a crimes praticados em 02 de Fevereiro de 2006 (no processo 660/05.6 – acórdão transitado em 21.07.2007) e penas respeitantes a crimes praticados em 06 de Fevereiro de 2006 (no processo 125/06.9, sentença transitada em 01.07.2007).

Para efeito de cúmulo jurídico, no acórdão recorrido entendeu-se, primeiramente, haver concurso entre os crimes julgados em 2007 (ou seja, os cometidos em 02.02.2006, julgados por acórdão de 06.07.2007, os cometidos em 06.02.2006, julgados por sentença de 14.05.2007 e os cometidos entre 08.12.2005 e 14.12.2005, julgados por acórdão de 21.05.2007 - autonomizando daquele acórdão os factos praticados em 14.12.2005 e apreciados pela sentença de 19.12.2005, transitada em julgado em 16.01.2006), chegando à pena “única” de prisão de 5 anos e 3 meses e mantendo a pena autónoma de 13 meses de prisão (respeitante aos factos referidos, praticados em 14.12.2005 e julgados por sentença transitada em 16.01.2006).

Donde resultava a “pena única” de prisão de 6 anos e 4 meses (correspondente à soma daquelas penas de 5 anos e 3 meses e de 13 meses).

Porém, esse acórdão não teve em atenção que (alguns) factos praticados em 14 de Dezembro de 2005 já tinham sido julgados por sentença proferida em 19.12.2005 (processo sumário) e transitada em julgado em 16.01.2006.

Por isso, ao efectuar aquele cúmulo, o acórdão “arrastou” para cúmulo com penas relativas a factos praticados entre 8 e 14 de Dezembro de 2005, as penas respeitantes a crimes cometidos em 02 e 06 de Fevereiro de 2006, isto é, crimes cometidos depois do trânsito em julgado daquela sentença.

O que, como atrás se disse, não é legalmente admissível.

Na verdade, somente deveriam/poderiam ser cumuladas entre si as penas – aplicadas por acórdão de 21.05.2007 e transitado em 05.06.2007 - respeitantes aos crimes cometidos entre 8 e 14 de Dezembro de 2005 e as (penas) respeitantes aos (crimes) cometidos em 14 de Dezembro de 2005 (estes apreciados por sentença de 14.12.2005 e transitada em 16.01.2006).

E as penas respeitantes aos factos/crimes praticados em 2006 (02 e 06 de Fevereiro), eram cumuláveis entre si porque foram, ambas, aplicadas por decisões de 2007 (acórdão de 06.07.2007, transitado em 20.07.2007 e sentença de 14.05.2007, transitada em 01.07.2007, respectivamente).

Acresce que, depois de ter procedido ao primeiro cúmulo atrás referido e encontrado a pena única dele constante, de prisão de 5 anos e 3 meses - mantendo autonomizada a (outra) pena de prisão de 13 meses - donde resultava a pena “única” de prisão de 6 anos e 4 meses (correspondente à soma daquelas penas de 5 anos e 3 meses e de 13 meses), o acórdão recorrido – com vista a apurar qual o regime concretamente mais favorável para o arguido, procedeu a outros dois cúmulos jurídicos:
- um, relativo às penas respeitantes aos crimes/factos praticados em 2005 e chegou à pena única de prisão de 3 anos e 4 meses; e
- outro, relativo às penas respeitantes aos factos/crimes praticados em 2006 e chegou à pena única de prisão de 3 anos e 2 meses.

E chegou à pena “única” de 6 anos e 6 meses, correspondente à soma das penas aplicadas nestes 2 cúmulos.

E, considerando que o “regime” mais favorável ao arguido (nos termos do artigo 2º nº 4 do Código Penal) era o do primeiro cúmulo (supra referido), aplicou a pena ali encontrada, de 6 anos e 4 meses de prisão.

Só que, como atrás se disse, tal cúmulo não tem suporte legal na medida em que se trata de cúmulo “por arrastamento” pois englobou, com penas respeitantes a factos praticados entre 8 e 14 de Dezembro de 2005, penas respeitantes a factos praticados em Fevereiro de 2006, isto é, já depois do trânsito em julgado - em 16.01.2006 – da sentença proferida em 19.12.2005.

Daí que não possa subsistir, devendo antes manter-se os outros dois cúmulos efectuados e supra referidos:
- um, relativo às penas respeitantes aos crimes/factos praticados em 2005 (concretamente praticados entre 08 e 14 de Dezembro de 2005 – processo comum colectivo nº 657/05.6 GAACB do 2º Juízo do Tribunal de Alcobaça; e praticados em 14 de Dezembro de 2005 – processo sumário nº 677/05.0 GAACB, do 1º Juízo de Alcobaça) e no qual foi aplicada a pena única de prisão de 3 anos e 4 meses; e
- outro, relativo às penas respeitantes aos factos/crimes praticados em 2006 (concretamente praticados em 02 de Fevereiro de 2006 – processo comum colectivo nº 660/05.6 GAACB do 3º Juízo do Tribunal de Alcobaça; e praticados em 06 de Fevereiro de 2006 – processo comum singular nº 125/06.9 TAACB, do 2º Juízo de Alcobaça) e no qual foi aplicada a pena única de prisão de 3 anos e 2 meses.
E tais penas devem ser cumpridas sucessivamente.
E nada obsta a que tais cúmulos e penas fossem efectuadas pelo tribunal colectivo pois, sendo embora a pena única aplicável ao arguido, em qualquer daqueles cúmulos, inferior a 5 anos de prisão, a competência do tribunal colectivo fixou-se com a convocação do tribunal para a fixação do cúmulo face à pena aplicável, mantendo-se estabilizada até à decisão final e, por outro lado, o tribunal que pode aplicar uma pena de prisão superior a 5 anos pode também aplicar uma pena inferior (quem tem competência para o mais, também tem para o menos).

Por outro lado, sendo o tribunal competente para a realização do cúmulo, o da última condenação (artigo 471º-2, do CPP), poderia dizer-se que o cúmulo das penas aplicadas nos processos 657/05.6 e 677/05.0, deveria ter lugar, não neste processo (nº 660/05.6 do 3º Juízo de Alcobaça), mas no processo 657/05.6 (do 2º Juízo do Tribunal de Alcobaça).
Só que essa questão (eventual incompetência territorial do tribunal “a quo” para conhecer do concurso entre os crimes praticados em 2005 – que não estão em concurso com os deste processo) fica afastada não só pelo que atrás se disse quanto ao momento em que se fixou a competência do tribunal, mas também porque tal vício (incompetência territorial) ficou sanado com a realização da audiência.

Finalmente, resta dizer que no recurso não é posta – directamente - em causa a medida das penas aplicadas.

Pelo exposto, o recurso logra provimento.

Decisão:

Nos termos expostos, acorda-se em conceder provimento ao recurso e, em consequência:

1 – Revoga-se o acórdão recorrido e, aplica-se ao arguido:

a) – a pena única de prisão de 3 anos e 4 meses, pelos crimes praticados em Dezembro de 2005 (entre 8 e 14 de Dezembro de 2005 – Processo comum colectivo nº 657/05.6GAACB, do 2º Juízo do Tribunal de Alcobaça; e em 14 de Dezembro de 2005 – Processo Sumário nº 677/05.0 GAACB, do 1º Juízo do Tribunal de Alcobaça).
Nesta pena única deverá ser descontada a pena de 13 meses de prisão aplicada no processo supra referenciado em D), já cumprida e declarada extinta (processo sumário nº 677/05.0 GAACB, do 1º Juízo do Tribunal de Alcobaça).

b) – a pena única de prisão de 3 anos e 2 meses, pelos crimes praticados em Fevereiro de 2006 (em 02 de Fevereiro de 2006 – Processo comum colectivo nº 660/05.6 GAACB, do 3º Juízo do Tribunal de Alcobaça; e em 06 de Fevereiro de 2006 – Processo comum singular nº 125/06.9 TAACB, do 2º Juízo do Tribunal de Alcobaça).

Tais penas devem ser cumpridas pelo arguido, sucessivamente.

Na 1ª Instância far-se-ão as necessárias comunicações e demais diligências necessárias e proceder-se-á à liquidação das penas, tendo em conta o estatuído no artigo 78º do Código Penal - maxime nº 1 - e nomeadamente, que:

- a pena de 13 meses de prisão foi já cumprida e declarada extinta no processo sumário nº 677/05.0 GAACB, do 1º Juízo do Tribunal de Alcobaça;
- o arguido sofreu 3 dias de detenção no âmbito do processo comum colectivo 657/05.6 GAACB, do 2º Juízo do Tribunal de Alcobaça (cfr. fls. 330 e 331);
- o período de pena de prisão cumprida à ordem do processo comum singular 125/06.9 TAACB, do 2º Juízo do Tribunal de Alcobaça, até à data em que sejam emitidos os competentes mandados de desligamento (cfr. informação de fls. 261).

Lisboa, 14 de Janeiro de 2009

Fernando Fróis (relator)
Henriques Gaspar (tem declaração de voto, por considerar que uma pena suspensa não pode ser considerada na pena única antes do procedimento específico de execução e de eventual revogação da suspensão)
_________________________

(1) Exemplificativamente, cf.., os Acórdãos do STJ de 26/10/88 e 02/07/86, respectivamente, in CJ, tomo 4, pág. 18 e BMJ, n.º 359, pág. 339.
(2) Direito Penal Português – Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 278, parágrafo 396.
(3) Idem, pág. 293, parágrafo 425.
(4) Cfr., ainda, Dá Mesquita, RMP, Ano 16, n.º 63, págs. 42 e 44
(5) Idem, págs. 50, 51 e 53 e segs. ; cf.., ainda, o Acórdão do STJ de 20/06/96, in BMJ, n.º 458, págs. 119 e segs.
(6) Direito Criminal, Vol. II, 1965, pág. 161.
(7) Cfr., art.º 2º, n.º 4, do Cód. Penal.
(8) Cfr., entre outros, o douto Acórdão do STJ de 04/12/97, Processo 97P909, in www.dgsi.pt..