Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1085/15.0T8VNF.G1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO
RESOLUÇÃO
DECLARAÇÃO
Data do Acordão: 07/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO POR INICIATIVA DO TRABALHADOR / RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.
Doutrina:
- JOANA VASCONCELOS, “Código do Trabalho” Anotado, de PEDRO ROMANO MARTINEZ e OUTROS, 9.ª edição, Almedina, Coimbra, 2013, anotação III. ao artigo 395.º, 834.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 666.º, N.º.1.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGOS 1.º, N.º 2, ALÍNEA A), 77.º, N.º1.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 340.º, ALÍNEA G), 394.º, N.ºS 1 E 2, 395.º, N.ºS 1 E 2, 396.º, N.ºS 1 E 2, 399.º, 401.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 24 DE FEVEREIRO DE 2010, PROCESSO N.º 934/07.1TTCBR.C1.S1, DA 4.ª SECÇÃO.
Sumário :
1.  A carta de resolução do contrato enviada pelo trabalhador à empregadora em que se faz consignar como justa causa da resolução, apenas, a «falta de pagamento do trabalho suplementar prestado e da retribuição legal» e o «incumprimento das obrigações legais relativas ao tempo de trabalho e descanso do trabalhador», não especifica qualquer facto concreto, mas antes afirmações de natureza conclusiva, reproduzindo fórmulas legais.

2.  A indicação dos factos concretos e da temporalidade dos mesmos, na carta de resolução do contrato de trabalho, mostra-se indispensável para, além do mais, se aferir se o direito foi exercido no prazo legal, condição formal de que, também, depende a licitude da resolução.

3.  A verificada preterição dos requisitos de natureza procedimental previstos no n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho, determina a ilicitude da resolução operada pelo trabalhador, ainda que por razões meramente formais, incorrendo este, nos termos dos artigos 399.º e 401.º do mesmo Código, em responsabilidade perante a empregadora.
Decisão Texto Integral:



Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

1. Em 4 do mês de fevereiro de 2015, na Comarca de Braga, Vila Nova de Famalicão, Instância Central, 4.ª Secção Trabalho, J1, AA instaurou ação declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra BB, Lda., pedindo que se declarasse a existência de justa causa para a resolução, por sua iniciativa, do contrato de trabalho celebrado com a ré e que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 45.334, a título de créditos laborais, diferenças salariais e indemnização por antiguidade, conforme discriminado no artigo 20.º da petição inicial, «acrescida dos juros vincendos, à taxa legal, desde 13/11/2014 até efetivo pagamento».

Realizada a audiência de partes e frustrada a tentativa de conciliação, a ré contestou, por exceção, invocando que na comunicação da resolução do contrato de trabalho o autor não alegou os factos concretos justificativos da alegada justa causa e, por impugnação, tendo deduzido reconvenção em que pediu a condenação do autor a pagar-lhe indemnização de valor não inferior a € 1.010, nos termos dos conjugados artigos 399.º e 401.º do Código do Trabalho.

O autor não respondeu.

Entretanto, proferiu-se despacho saneador sentença, que julgou parcialmente procedente a ação e totalmente procedente a reconvenção e que, em consequência: (i) declarou ilícita a resolução do contrato de trabalho operada pelo autor; (ii) condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 1.534,60, sendo € 218,83, a título do trabalho prestado no mês de novembro de 2014, e € 1.315,77, referentes aos proporcionais das férias e subsídios de férias e de Natal do ano de 2014, vencidas em 1 de janeiro de 2015, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, no mais absolvendo a ré do pedido; e (iii) condenou o autor/reconvindo a pagar à ré/reconvinte a indemnização no valor de € 1.010.

2. Inconformado, o autor apelou para o Tribunal da Relação de Guimarães, que julgou a apelação procedente e revogou o saneador sentença, na parte «em que declara a ilicitude da resolução e condena o reconvindo em indemnização, devendo os autos prosseguir para apreciação das questões suscitadas por esta revogação».

É contra o assim deliberado que a ré interpôs recurso de revista, rematando a respetiva alegação de recurso com as conclusões que se passam a transcrever:

«1. O tema do presente recurso circunscreve-se, em primeiro fundamento, à questão de saber se a mera invocação da falta de pagamento de trabalho suplementar satisfaz a exigência legal de indicar sucintamente os factos na carta de resolução do contrato de trabalho, nos termos do disposto no art. 395.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
2. A aqui Recorrente entende que não satisfaz tal exigência a mera invocação, sem mais, da falta de pagamento de trabalho suplementar, à semelhança do entendimento que foi consagrado no saneador sentença proferido em 1.ª instância.
3. Aliás, foi este também o entendimento expresso pelo Digno Representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação e ainda o correspondente ao voto de vencido do acórdão recorrido.
4. Conforme é sabido, ainda que de forma sucinta, para cumprir a exigência do disposto no art. 395.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o trabalhador tem de invocar factos concretos na comunicação de resolução do contrato.
5. Não bastando, por isso, a invocação de conceitos genéricos e conclusivos que extrai dos factos, relegando a alegação e concretização destes para a petição inicial da ação que venha a intentar contra o empregador (cfr. AC RP de 18/06/2012, Proc. n.º 728/10.7TTMTS.P1, n.º convencional JTRP000, in www.dgsi.pt).
6. A invocação da falta de pagamento de trabalho suplementar, sem mais, constitui mera invocação de conceito genérico meramente qualificativo de um determinado tipo de trabalho alegadamente prestado pelo Autor, ou seja, trabalho prestado nas condições referidas no art. 226.º do Código do Trabalho.
7. Por isso, tal alegação não corresponde à invocação de qualquer facto, antes à qualificação jurídica de um determinado tipo de trabalho que, pelas suas características específicas, a Lei qualifica de suplementar, como qualifica outros tipos de trabalho (trabalho noturno, trabalho por turnos, teletrabalho, trabalho intermitente, trabalho a tempo parcial).
8. Na comunicação em que procedeu à resolução do contrato de trabalho (doc. n.º 3 junto com a p.i.), o Autor não alegou qualquer facto concreto, situado no tempo e lugar que pudesse justificar a invocada justa causa.
9. Limitando-se, pelo contrário, à mera formulação de afirmações conclusivas, como é a mera alegação da falta de pagamento de trabalho do tipo suplementar.
10. Na falta de cumprimento do ónus de indicação dos factos concretos e do seu contexto temporal, a resolução em causa deverá ser considerada ilícita, por incumprimento da condição formal da sua licitude a que se refere o mencionado art. 395.º do Código do Trabalho,
11. Afigurando-se, por isso, absolutamente correto concluir, conforme concluiu o douto saneador sentença de 1.ª instância, que o Autor fez cessar o seu contrato de trabalho desprovido de justa causa.
12. Em segundo fundamento, o presente recurso também se impõe em face da circunstância do douto acórdão recorrido, debruçando-se em pormenor apenas sobre a questão de saber se a mera alegação da falta de pagamento de trabalho suplementar cumpre a exigência do disposto no art. 395.º, n.º 1, do Código do Trabalho, ter acabado por determinar a revogação total do saneador sentença de 1.ª instância.
13. Na verdade, o douto acórdão recorrido reconheceu que relativamente a determinado fundamento da resolução contratual operada “não há margem para duvidar do incumprimento do ónus referenciado” (cfr. pág. 7 do douto acórdão, 3.º parágrafo).
14. Não obstante tal consideração — que vai no sentido da concordância, ainda que parcial, com o teor do saneador sentença de l.ª instância — o sentido da decisão final acaba por abranger também o fundamento de resolução que o próprio acórdão reconhece carecido do incumprimento do ónus legal previsto no citado art. 395.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
15. Deve, pois, tal acórdão ser revogado, mantendo-se a decisão proferida no saneador sentença de 1.ª instância.
16. Foram violadas as normas constantes dos art.s 395.º, n.º 1, e 399.º do Código do Trabalho.»
Termina afirmando que se deve revogar o acórdão recorrido, mantendo-se a decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

O autor/recorrido não contra-alegou.

Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no qual acolheu, em substância, o entendimento que se passa a transcrever:

–   «Na missiva que enviou à empregadora, limitou-se o A. a alegar de forma vaga, sem factos que suportem minimamente a sua pretensão, que rescindia o contrato de trabalho por falta de pagamento de trabalho suplementar»;
–   «[D]ada a ausência completa de elementos que permitam sequer concluir ter efetivamente o A. prestado trabalho para a Ré fora do seu horário de trabalho e muito menos que a verificar-se tal hipótese, se deva concluir ter existido justa causa para a rescisão do contrato de trabalho, emite-se parecer no sentido de ser concedida revista, revogando-se o Acórdão em análise, devendo ser repristinada a decisão proferida em 1.ª instância».

O mencionado parecer, notificado às partes, não obteve resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

  Se o aresto recorrido padece de «contradição manifesta nos seus termos» [conclusões 12) a 14) da alegação do recurso de revista];
  Se a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, fundada em justa causa, foi ilicitamente operada, em função dos termos da comunicação enviada, para o efeito, à entidade empregadora [conclusões 1) a 11), 15) e 16) da alegação do recurso de revista].

Preparada a deliberação, cumpre julgar o objeto do recurso interposto.
                                              II

1. A ré, no corpo da alegação do recurso de revista, propugna que, «na esteira lógica do raciocínio expendido no douto acórdão, impunha-se que — pelo menos em parte — o douto acórdão tivesse manifestado a sua concordância com o sentido da decisão do saneador sentença», pelo que, «[n]ão o fazendo, acaba por revelar uma contradição manifesta nos seus termos, uma vez que apesar de considerar incumprido aquele ónus ainda que parcialmente, acaba por — na decisão final — não distinguir entre o fundamento da resolução que considera ter cumprido o referido ónus e o fundamento que ele próprio reconhece não o ter respeitado».

E, em sede conclusiva, aduz que «o douto acórdão recorrido reconheceu que relativamente a determinado fundamento da resolução contratual operada “não há margem para duvidar do incumprimento do ónus referenciado” […]» e que, «[n]ão obstante tal consideração — que vai no sentido da concordância, ainda que parcial, com o teor do saneador sentença de l.ª instância —, o sentido da decisão final acaba por abranger também o fundamento de resolução que o próprio acórdão reconhece carecido do incumprimento do ónus legal previsto no citado art. 395.º, n.º 1, do Código do Trabalho» [conclusões 13) e 14) da alegação do recurso de revista].

Se a ré pretendeu, por esta via, invocar a nulidade do acórdão recorrido, por oposição dos seus fundamentos com a decisão, o certo é que, no requerimento de interposição do recurso de revista, não deduziu qualquer arguição neste sentido.

Ora, a arguição de nulidade da sentença em contencioso laboral, face ao preceituado no n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, com vista a habilitar o tribunal recorrido a pronunciar-se sobre as nulidades invocadas no requerimento que lhe é dirigido e proceder eventualmente ao seu suprimento, sendo entendimento jurisprudencial pacífico que essa norma é também aplicável à arguição de nulidade do acórdão da Relação, por força das disposições conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, alínea a), desse Código e 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, de onde resulta, conforme tem sido reiteradamente afirmado por este Supremo Tribunal, que essa arguição, no texto da alegação do recurso, não é atendível.

Nesta conformidade, este Supremo Tribunal não pode tomar conhecimento da questão suscitada nas conclusões 12) a 14) da alegação do recurso de revista.

2. O tribunal recorrido deu como provados os factos seguintes:
1) A ré dedica-se à indústria de panificação;
2) A ré admitiu o autor para trabalhar na padaria, sob as suas ordens e direção, por contrato de 07/04/2008, tendo-lhe sido atribuída a categoria de aspirante panificador e o salário mínimo nacional;
3) O autor foi contratado para proceder ao fabrico do pão e demais produtos de padaria e, ainda, da respetiva distribuição e venda;
4) Diariamente, executava as tarefas de panificador, amassador e/ou forneiro, cuidando da limpeza e da arrumação das mesas, das máquinas e dos utensílios;
5) Procedia, também, à expedição e distribuição dos diversos produtos da padaria, em transporte da ré, executando encomendas e elaborando os documentos de transporte e os necessários à faturação;
6) O autor esteve ao serviço da ré até 12 de Novembro de 2014;
7) Nesta data, auferia o salário mínimo nacional, acrescido de € 126,25 de trabalho noturno e € 4 de subsídio de alimentação por dia;
8) Por carta enviada pelo autor à ré, no dia 12/11/14, que esta recebeu em 13/11/14, declarou o autor:
«          Serve a presente para comunicar a resolução do contrato de trabalho celebrado em 7/4/2008, com efeitos imediatos, nos termos do art. 394.º, n.º 2, alíneas a), b) e e) do Código do Trabalho […].
A presente resolução tem como fundamento a falta de pagamento do trabalho suplementar [prestado] e da retribuição legal, com prejuízo económico claro para o trabalhador.
Funda-se ainda no incumprimento das obrigações legais relativas ao tempo de trabalho e descanso do trabalhador.»

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram impugnados pelas partes, nem ocorre qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 682.º do actual Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que há de ser resolvida a questão nuclear suscitada no recurso.

3. A ré defende que o autor, na comunicação em que operou a resolução do contrato de trabalho, «não alegou qualquer facto concreto, situado no tempo e lugar que pudesse justificar a invocada justa causa», limitando-se «à mera formulação de afirmações conclusivas, como é a mera alegação da falta de pagamento de trabalho do tipo suplementar», e, portanto, «[n]a falta de cumprimento do ónus de indicação dos factos concretos e do seu contexto temporal, a resolução em causa deverá ser considerada ilícita, por incumprimento da condição formal da sua licitude a que se refere o mencionado art. 395.º do Código do Trabalho», devendo-se concluir «que o Autor fez cessar o seu contrato de trabalho desprovido de justa causa».

Estando em causa a cessação de um contrato de trabalho por resolução do trabalhador, com efeitos a partir de 13 de novembro de 2014 [factos provados 6) e 8)], ou seja, na vigência do Código do Trabalho de 2009, que entrou em vigor em 17 de fevereiro de 2009, aplica-se o regime jurídico aprovado por este Código, diploma a que pertencem as normas adiante referidas, sem menção da origem.

Nos termos dos artigos 340.º, alínea g), e 394.º, n.º 1, ocorrendo justa causa, o contrato de trabalho pode cessar imediatamente por resolução do trabalhador.

A declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos (artigo 395.º, n.º 1), e, no caso de falta culposa de pagamento pontual da retribuição, «o prazo para resolução conta-se a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador» (artigo 395.º, n.º 2), havendo lugar a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, se a mesma se fundar nos factos previstos no n.º 2 do artigo 394.º, indemnização a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fração, neste último caso calculada proporcionalmente (artigo 396.º, n.os 1 e 2).

Consoante o disposto no n.º 2 do artigo 394.º, «[c]onstituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: (a) falta culposa de pagamento pontual da retribuição; (b) violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador; (c) aplicação de sanção abusiva; (d) falta culposa de condições de segurança, higiene e saúde no trabalho; (e) lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; (f) ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante.»

Trata-se da chamada justa causa subjetiva (culposa).

Constituem justa causa objetiva de resolução do contrato pelo trabalhador, nos termos do n.º 3 do artigo 394.º, as circunstâncias seguintes: «(a) necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato; (b) alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes do empregador; (c) falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.»

Em qualquer das apontadas situações está subjacente o conceito de justa causa, que o artigo 394.º não define, mas que corresponde à ideia de impossibilidade para o trabalhador de manutenção do vínculo laboral, nos termos de similar locução constante no n.º 1 do artigo 351.º, até porque, em consonância com o preceituado no n.º 4 do artigo 394.º, a justa causa é apreciada segundo o disposto no n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações, ou seja, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao caráter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.

Deste modo, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, sendo ainda necessária a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral.

Refira que, tal como é sustentado por JOANA VASCONCELOS (Código do Trabalho Anotado, de PEDRO ROMANO MARTINEZ e OUTROS, 9.ª edição, Almedina, Coimbra, 2013, anotação III. ao artigo 395.º, p. 834) «[a] observância pelo trabalhador dos requisitos de natureza procedimental previstos no n.º 1 do presente preceito — forma escrita, indicação sucinta dos factos que em seu entender são de molde a constituir justa causa (e não mera reprodução ou remissão genérica para qualquer alínea do n.º 2 do artigo 394.º) e prazo — constitui condição de licitude da resolução, pois dela depende a atendibilidade dos factos invocados para justificar a imediata cessação do contrato. Significa isto que, perante a respetiva preterição, tudo se passa como se o trabalhador tivesse feito cessar o contrato invocando uma justa causa não verificada.»

No caso vertente, relativamente ao procedimento para resolução do contrato pelo trabalhador, flui da matéria de facto provada que, por carta enviada pelo autor à ré, no dia 12 de novembro de 2014, que esta recebeu em 13 de novembro seguinte, foi expressa a declaração subsequente: «Serve a presente para comunicar a resolução do contrato de trabalho celebrado em 7/4/2008, com efeitos imediatos, nos termos do art. 394.º, n.º 2, alíneas a), b) e e) do Código do Trabalho […].
A presente resolução tem como fundamento a falta de pagamento do trabalho suplementar [prestado] e da retribuição legal, com prejuízo económico claro para o trabalhador. Funda-se ainda no incumprimento das obrigações legais relativas ao tempo de trabalho e descanso do trabalhador» [facto provado 8)].

Ora, é patente que a carta de resolução do contrato não especifica qualquer facto concreto suscetível de preencher as expressões que constam da comunicação,  «falta de pagamento do trabalho suplementar prestado e da retribuição legal» e «incumprimento das obrigações legais relativas ao tempo de trabalho e descanso do trabalhador», que, no dizer do Acórdão deste Supremo Tribunal, de 24 de fevereiro de 2010, Processo n.º 934/07.1TTCBR.C1.S1, da 4.ª Secção, que apreciou questão semelhante, «representam afirmações de natureza conclusiva, reproduzindo fórmulas legais, e não afirmações referidas a realidades concretas suscetíveis de serem averiguadas sem o recurso a operações intelectuais de enquadramento normativo».

Acresce que, tal como é asseverado no mencionado Acórdão, «a indicação dos factos concretos e da temporalidade dos mesmos, na carta de resolução, se mostra indispensável para, além do mais, se aferir se o direito foi exercido dentro do prazo de 30 dias, estabelecido no artigo 442.º, n.º 1 [que corresponde ao atual artigo 395.º, n.º 1], condição formal de que, também, depende a licitude da resolução».

Tudo para concluir que a verificada preterição dos requisitos de natureza procedimental previstos no n.º 1 do artigo 395.º determina a ilicitude da resolução operada pelo trabalhador, ainda que por razões meramente formais, incorrendo este, nos termos dos conjugados artigos 399.º e 401.º, em responsabilidade civil perante a entidade  empregadora.

A explanação precedente logrou evidenciar, no grau de exigência requerido, que procedem as conclusões 1) a 11), 15) e 16) da alegação do recurso de revista.

                                             III

Pelo exposto, delibera-se conceder a revista e revogar o acórdão recorrido, repristinando-se o decidido na sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Na 1.ª instância, custas da ação a cargo do autor e da ré, na proporção do correspondente decaimento e custas da reconvenção a cargo do autor/reconvindo, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao autor.

Custas do recurso de apelação e do recurso de revista a cargo do autor, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe concedido.

Anexa-se o sumário do acórdão.



Lisboa, 14 de julho de 2016



Pinto Hespanhol (Relator)

Gonçalves Rocha

Ana Luísa Geraldes