Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
117/15.7YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: ISABEL PAIS MARTINS
Descritores: NOMEAÇÃO
JUIZ
MILITAR
DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
FUNDAMENTAÇÃO
DELIBERAÇÃO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
MODIFICAÇÃO
INSTÂNCIA
RECURSO CONTENCIOSO
Data do Acordão: 11/24/2016
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTENCIOSO
Decisão: IMPROCEDENTE
Área Temática:
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ESTATUTOS PROFISSIONAIS / JUÍZES MILITARES.
DIREITO ADMINISTRATIVO - ACTO ADMINISTRATIVO ( ATO ADMINISTRATIVO ) / FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO ( FUNDAMENTAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO ) - ORGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA / ÓRGÃOS COLEGIAIS - PROCESSO ADMINISTRATIVO / IMPUGNAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO ( IMPUGNAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO ) / ACTO REVOGATÓRIO ( ATO REVOGATÓRIO ).
Doutrina:
- Mário Esteves de Oliveira et alii, “Código do Procedimento Administrativo” comentado, 2.ª edição, Almedina, Coimbra – 1998, comentário VII ao artigo 3.º, 91.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGOS 3.º, N.º1, 31.º, N.ºS 2 E 3, 153.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGO 64.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 268.º, N.º3.
LEI N.º 101/2003, DE 15 DE NOVEMBRO, QUE APROVOU O ESTATUTO DOS JUÍZES MILITARES E DOS ASSESSORES DO MINISTÉRIO PÚBLICO: - ARTIGOS 13.º, N.º4, 14.º.
Jurisprudência Nacional:
Sumário :

I - Tendo o CSM anulado a deliberação originalmente recorrida e proferido uma nova deliberação sobre a mesma questão, é lícito aos recorrentes, no prazo de impugnação desta, requererem a modificação da instância (n.º 1 do art. 64.º do CPTA).
II - Pese embora o n.º 4 do art. 13.º da Lei n.º 101/2003, de 15-11 indique que devem merecer preferência os oficiais licenciados em direito, a verdade é que esse diploma não densifica os critérios que o CSM deve observar na escolha dos juízes militares propostos pelo Conselho de Chefes do Estado Maior ou pelo Conselho Geral da GNR, sendo, pois, de considerar que aquele ente dispõe de uma inescapável margem de liberdade de apreciação e valoração no desempenho dessa tarefa.
III - O princípio da legalidade (n.º 1 do art. 3.º do CPA) traduz a ideia da vinculação da administração ao direito, razão pela qual se deve ter como admissível que a preferência referida em II haja sido concebida, na deliberação impugnada, como um critério que, a par de outros, o CSM deve ter em conta na escolha de juízes militares.
IV - A exigência de fundamentação (n.º 3 do art. 268.º da CRP) constitui um indispensável sustentáculo da legalidade administrativa e um instrumento essencial para a sindicabilidade da sua actuação.
V - Resultando do arrazoamento usado na deliberação recorrida os critérios empregues pelo CSM, a valoração que deles foi feita e os motivos da escolha que efectuou e tendo aquela sido precedida da avaliação dos elementos curriculares dos militares propostos e de uma discussão sobre a natureza das funções dos juízes militares, é de concluir que a mesma não padece de falta ou insuficiência de fundamentação.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I

1. AA, ... de Cavalaria na reserva, e BB, ... na reserva, apresentaram, em 30/09/2015, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 168.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais [EMJ][1], da deliberação do plenário do Conselho Superior da Magistratura [CSM], de 04/07/2015, relativa a nomeação de juízes militares, na parte que se refere ao juiz ... para o tribunal judicial da comarca do ... e ao juiz ... para o tribunal judicial da comarca de ..., terminando a pedir a respectiva anulação.

Alegaram:

«I - Objeto do recurso e pressupostos

«1º O ato impugnado é, como se disse, a douta deliberação do Plenário do CSM, de 14 de julho de 2015, relativa a nomeação de juízes militares, mas apenas na parte em que se refere ao Juiz da ... para o Tribunal Judicial da Comarca do ... - Instância Central - Secção Criminal e ao Juiz do ... para o Tribunal Judicial da Comarca de ... - Instância Central - Secção Criminal - deliberação que foi publicada como Deliberação (extrato) n.º 1695/2015 no Diário da República, 2ª série, de 31.08.2015, na pág. 25068, publicação de que se junta fotocópia como doc. 1 e se dá por integralmente reproduzida.

«2º Os AA. integravam as listas submetidas pelo Conselho de Chefes de Estado-Maior ao Conselho Superior da Magistratura para nomeação como juízes militares, nos termos do n.º 2 do artigo 14.º da Lei n.º 101/2003, de 15 de novembro (Aprova o Estatuto dos Juízes Militares e dos Assessores do Ministério Público), o primeiro para o Tribunal Judicial da Comarca de ... - Instância Central - Secção Criminal e o segundo para o Tribunal Judicial da Comarca do ... - Instância Central - Secção Criminal.

«3º Os AA. sentem-se injustamente preteridos nas nomeações em causa e, assim, lesados  pela deliberação impugnada, pelo que têm legitimidade.

«4º Tendo sabido, ainda antes da publicação, que tinham sido outros oficiais os nomeados, os ora AA. requereram ao Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM) a fundamentação da referida douta deliberação, requerimentos que foram recebidos no CSM em 26.08.2015 (docs. 2 a 7, documentos que se juntam e aqui dão por integralmente reproduzidos).

«5º O Ex.mo Senhor Presidente do CSM não prestou até ao dia 16.09.2015 (nem até hoje) tal informação nem deu qualquer resposta a tais requerimentos, apesar de já ter decorrido o prazo para tanto estabelecido no art. 82º, nº 3, do CPA.

«6º Por tais razões, em 16.09.2015, os ora AA. requereram no Tribunal Administrativo de Círculo de ... a intimação do CSM para a prestação das informações que haviam solicitado (doc. 8, que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido).

«7º Processo que ainda está em curso.

«8º Por outro lado, em 18.09.2015, os ora AA. reclamaram para o CSM (doc. 9, que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido).

«9º Reclamação que até hoje não foi decidida ou, pelo menos os AA não foram notificados da decisão.

«10º Pelo que os AA. estão em tempo - artigo 169º do EMJ, para já não referir os arts. 59º, nº 4, e 60, nºs 2 e 3, ambos do CPTA.

«11º O Tribunal é competente, nos termos do artigo 168º, nº 1, do referido EMJ.

«II – Da deliberação impugnada

«A. Dos factos

«12º Como se referiu, os AA. integravam as listas submetidas pelo Conselho de Chefes de Estado-Maior ao Conselho Superior da Magistratura para nomeação como juízes militares, nos termos do n.º 2 do artigo 14.º da Lei n.º 101/2003, de 15 de novembro (Aprova o Estatuto dos Juízes Militares e dos Assessores do Ministério Público), o primeiro para o Tribunal Judicial da Comarca de ... - Instância Central - Secção Criminal e o segundo para o Tribunal Judicial da Comarca do .... - Instância Central - Secção Criminal (como se pode ver do PA).

«13º Das listas de três nomes indicados para cada um dos Tribunais e ramos das Forças Armadas em causa (ou seja, ... e ...) os AA. eram os únicos licenciados em direito (como se pode ver do PA).

«14º Os AA. têm um curriculum vitae que é considerado, nas Forças Armadas e fora delas, como muito bom.

«15º O que se pode ver do PA, que aliás está longe de ser exaustivo - veja-se, a título de exemplo e quanto ao A. BB, que do PA não consta a sua participação no Grupo de Trabalho - Criminalidade Militar (doc. 10, que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido).

«16º Os AA. estavam perfeitamente convictos de que seriam nomeados.

«17º Tal como estavam todas as pessoas que conheciam o procedimento em causa.

«18º Por isso mesmo os AA. organizaram a sua vida pessoal e profissional na espectativa [sic] de tal nomeação.

«19º A frustração de tal espectativa [sic] (em bom rigor, de tal direito) causou aos AA. elevados prejuízos patrimoniais e não patrimoniais.

«B. Do direito

«20º As nomeações para juízes militares (…) devem recair, de preferência, em oficiais possuidores da licenciatura em Direito (artigo 13º, nº 4, da referida Lei nº 101/2003, de 15 de novembro).

«21º Preferência que, tanto quanto os AA. sabem, sempre foi respeitada.

«22º Como se referiu, os AA. eram, nos respetivos grupos de três indicados, os únicos licenciados em direito.

«23º O que significa que foi violada tal norma.

«24º Por outro lado e como é sabido, (…) devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente: (…) d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais (artigo 152.º, n.º 1, alínea d) do CPA).

«25º Não foi publicada qualquer fundamentação para a deliberação impugnada,

«26º Nem a mesma foi, por qualquer meio, dada a conhecer aos ora AA., apesar de a terem requerido - desrespeitando o comando constitucional estabelecido na CRP art. 268º, nº 1, e densificado nos arts. 82º e segs. do CPA.

«27º A não existir fundamentação, a deliberação impugnada violou o comando constitucional estabelecido na CRP art. 268º, nº 3, e densificado nos arts. 152º e 153º do CPA.

«28º Sem prejuízo dos demais vícios de que a deliberação impugnada possa padecer e que só o PA permitirá detetar, os dados disponíveis mostram que a deliberação impugnada é claramente ilegal e por isso anulável.

«C. Do pedido

«29º Por todas as razões referidas, deverá a deliberação impugnada (e na medida em que o é) ser anulada.»

2. Cumprido o disposto no artigo 174.º, n.º 1, do EMJ, o CSM respondeu, como segue:

«Como bem notam os Recorrentes, está em causa, no presente recurso, apenas a parte da referida deliberação em que o Conselho Superior da Magistratura, preterindo as candidaturas dos Recorrentes, nomeou, como Juiz do Exército para a ....ª Secção Criminal da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de ..., o Exmo. Sr. ... na reserva CC e, como Juiz ... para a ... Secção Criminal da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca do..., o Exmo. Sr. ... na reserva DD.

«Desde logo, o Conselho Superior da Magistratura aceita o que vem alegado, em termos de matéria de facto, nos arts. 2.º, 4.º, este exceto no que concerne ao momento em que os Recorrentes tomaram conhecimento da deliberação, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 12.º, 13.º, 14.º e 15.º do Requerimento de interposição de recurso, por tal corresponder ao que consta do processo administrativo que culminou com a tomada da deliberação e ao teor de documentos que são do seu conhecimento.

«Impugna, por se tratar de mera conclusão que não está minimamente substanciada, o que vem alegado nos arts. 18.º e 19.º da mesma peça e, por não ser do seu conhecimento, a parte do art. 4.º em que os Recorrentes afirmam ter sabido da deliberação antes da respetiva publicação, e o que consta dos arts. 16.º e 17.º

«Como quer que seja, o ora impugnado não assume qualquer relevo para os termos do presente recurso.

«Prosseguindo, o Conselho Superior da Magistratura acrescenta que, ao tomar a deliberação, o seu Plenário mais não fez que, por respeito à autonomia administrativa das Forças Armadas, seguir a praxe de nomear os juízes militares seguindo a ordem pela qual os candidatos são indicados, pelos Chefes de Estado-Maior, nas listas a que alude o art. 14/3 da Lei n.º 101/2003, de 15.11.

«Isto porque sempre supôs que tais listas lhe são apresentadas contendo já uma ordenação dos oficiais indicados para exercerem o cargo de juiz militar, a qual provém de quem os conhece de forma direta e imediata e não apenas através de currículos escritos.

«Convicto de que esse seu modo de proceder estava consolidado, pela prática pretérita, o Conselho Superior da Magistratura não cuidou de fundamentar a deliberação.

«Vale isto por dizer que, perante a crueza dos factos, o Conselho Superior da Magistratura aceita a judiciosa argumentação jurídica feita pelos Recorrentes.

«Ciente disso mesmo, quando confrontado com a reclamação que vem referida nos arts. 8.º e 9.º, deu início a um procedimento destinado à revogação (anulatória) do ato, conforme deliberação tomada na sua Sessão Plenária do passado dia 29 de setembro (ponto 3.3.79). (Vide documento adiante junto.)

«Esse procedimento, de cujo início foi dado conhecimento aos Recorrentes, ainda não foi concluído, por uma simples razão: para o levar a cabo o Conselho Superior da Magistratura tem de proceder à audiência prévia, por escrito, de todos os interessados, designadamente dos oficiais que foram nomeados, e apenas poderá deliberar quando reunido em Plenário, o que sucede, ordinariamente, apenas uma vez por mês, conforme decorre do art. 156/1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

«É apodítico que, em caso de revogação da deliberação ora impugnada perante V. Exa., o presente recurso perderá o seu objeto.

«Perante esta circunstância, entendemos existir motivo justificado para que seja suspensa a presente instância, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 272/1, in fine, do Código de Processo Civil, ex vi art. 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

«Nestes termos:

«1) Deve a presente instância ser suspensa, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 272/1, in fine, do Código de Processo Civil, ex vi do art. 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com fundamento na existência de motivo justificado, até que seja concluído o procedimento iniciado pelo Conselho Superior da Magistratura destinado à revogação da deliberação recorrida;

«2) Caso, no termo desse procedimento, a deliberação recorrida seja revogada, deve a presente instância ser declarada extinta, por inutilidade superveniente da lide, com arrimo no art. 277, e), do Código de Processo Civil, ex vi art. 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;

«3) Na hipótese contrária, deve o recurso ser julgado conforme for de direito – iura novit curia

3. Cumprido o disposto no artigo 176.º, n.º 1, do EMJ, começaram por se pronunciar os recorrentes e o CSM.

3.1. Os recorrentes disseram, em conclusão:

«a) A deliberação impugnada violou o artigo 13º, nº 4, da Lei nº 101/2003, de 15 de novembro, que estabelece que as nomeações para juízes militares devem recair, de preferência, em oficiais possuidores de licenciatura em direito, o que não foi respeitado;

«b) A deliberação impugnada não está fundamentada, violando, assim, o comando constitucional estabelecido no art. 268º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, e densificado nos arts. 152º e 153º do Código do Procedimento Administrativo.»

3.2. O CSM alegou, no que, agora, releva, o seguinte:

«(…)

«Na Sessão Plenária do passado dia 1 de dezembro foi deliberado anular a deliberação objeto do presente recurso, com fundamento no vício de falta de fundamentação, conforme extrato da ata que se protesta juntar assim que ocorra a respetiva aprovação.

«O que antecede deve conduzir à extinção da presente instância, por inutilidade superveniente da lide (cf. art. 277, e), do Código de Processo Civil, ex vi do art. 1.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

«(…)»

4. Deferindo-se promoção do Ministério Público, foram os recorrentes notificados para se pronunciarem, querendo, sobre a dita anulação da deliberação impugnada.

Nada fizeram chegar aos autos.

5. Entretanto, em 04/01/2016, foi remetida aos autos cópia da referida deliberação do plenário do CSM, de 01/12/2015, segundo a qual ”retomada a apreciação do acto de nomeação de Juízes Militares aprovada pelo Plenário deste Conselho em 14.07.2015, foram tomadas as seguintes deliberações, por unanimidade dos presentes:

«1) Concordar com os termos do projecto de deliberação de anulação administrativa do acto de nomeação dos Juízes militares, cujo teor se considera reproduzido;

«(…)».

6. Na vista a que se refere o artigo 176.º do EMJ, pronunciou-se o Ministério Público no sentido da extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil [CPC], ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA].

7. Encontrando-se o processo na fase de recolha de vistos, vieram os recorrentes, ao abrigo do artigo 64.º do CPTA, requerer que o processo prosseguisse contra o novo acto, entretanto praticado, qual seja, a deliberação tomada pelo CSM, em 01/12/2015, a qual anulou a deliberação de 14/07/2015 (impugnada nos autos) e a substituiu por nova deliberação sobre o mesmo objecto, traduzida nos seguintes três segmentos:

«a) Concordar com os termos do projecto de deliberação de anulação administrativa do acto de nomeação dos Juízes militares, cujo teor se considera reproduzido;

«b) Conformar os critérios para nomeação dos juízes militares nos seguintes termos:

«A nomeação de juízes militares de 1.ª instância é feita por escolha, nos termos do artigo 13.º, n.º 3, da Lei n.º 102/2003, de 15 de Novembro.

«Dispõe o n.º 4 da norma que as nomeações devem recair, de preferência, em oficiais possuidores da licenciatura em direito.

«Na sequência da discussão que teve lugar relativa aos pressupostos e critérios para a escolha, o Conselho deliberou que a função e o sentido da “preferência” no contexto da norma releva como indicação de um critério, a par de outros, no processo de escolha, não constituindo uma preferência legal, determinante e absoluta, com o valor de sobreposição relativamente a quaisquer outros critérios de decisão a considerar no exercício da referida competência do CSM.

«c) (…) nomear como Juiz Militar para a Instância Central de Lisboa, secção criminal, para o ramo do Exército, o Exm.º Sr. ..., CC e nomear como Juiz Militar para a Instância Central do ..., secção criminal, para o ramo da ..., o ..., DD (…).»

Relativamente aos segmentos das alíneas b) e c) da deliberação, apontam a respectiva ilegalidade por violação de lei e vício de fundamentação.

Alegando, em suma:

i) Por um lado, que a discricionariedade se situa, apenas, dentro do espaço de ponderação que a lei delimitou, não sendo absoluta; por isso, o espaço de discricionariedade do CSM está vinculado a respeitar a preferência que a lei estabeleceu e, não o tendo feito, o segmento da deliberação da alínea b) viola a norma do artigo 4.º do artigo 13.º da Lei n.º 102/2003, de 15 de Novembro;

ii) Por outro lado, nem face à conformação dos critérios – que não era previamente conhecida, não respeita o entendimento antes seguido pelo CSM –, nem à fundamentação proferida pelo Ex.mo Presidente do CSM «é possível perceber porque não foram os AA. os nomeados e porque é que foram outros dois dos oficiais propostos».

Terminam a pedir que os segmentos da deliberação enunciados sob as alíneas b) e c) sejam anulados por violação de lei e vícios de fundamentação.

8. Em resposta, o CSM começou por dizer nada ter a opor à modificação da instância, nos termos pretendidos pelos recorrentes, passando, depois, a refutar a existência dos vícios imputados pelos recorrentes.

Quanto à alegada falta de fundamentação, destaca, em suma, que a deliberação “permite compreender as razões e motivações que estiveram na sua génese – não só na parte em que, com base no parecer do Gabinete de Apoio ao Vice-Presidente e Membros para o qual remeteu, conformou num plano abstracto, os critérios de escolha dos juízes militares, como também na parte em que, num plano concreto, o Ex.mo Presidente, em cumprimento do dever estabelecido no art. 31/3 do Código do Procedimento Administrativo, considerou que as escolhas feitas respeitavam aqueles critérios”.

Quanto à apontada violação de lei, salienta, em síntese, que o “CSM pode, na escolha de juízes militares, preterir candidatos licenciados em Direito em benefício de outos que o não sejam, sempre que considere que estes últimos apresentam outras qualidades ou preencham outros critérios de escolha que asseguram um melhor desempenho do cargo, o que se situa dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei”, como, no caso, sucedeu, pois “a votação, assente na análise dos currículos apresentados pelos vários candidatos, exprime precisamente a valorização que foi dada aos critérios acabados de referir [especial conhecimento e experiência dos aspectos relevantes da cultura da instituição militar, das particularidades inerentes ao exercício dos deveres militares e das circunstâncias desse exercício, experiência de comando e disciplina, enquanto valores essenciais da instituição, adquirida no contacto directo nas unidades e na acção] em termos que justificaram que os ora recorrentes, não obstante o título académico fossem preteridos por candidatos com maior conhecimento e experiência do funcionamento da instituição militar”.

9. Havendo fundamento legal para prosseguimento do processo, nos termos do artigo 64.º, n.º 1, do CPTA, foi observada a citação dos interessados.

10. Foi apresentada resposta pelo ... EE, na qual, em suma, concluiu que “perante a definição de outros critérios de apreciação, para além da licenciatura em direito, os quais a este se juntaram e sobrepuseram conduzindo a um novo quadro de avaliação e decisão, renova-se o interesse por esta matriz, o respectivo método de aplicação, as apreciações efectuadas e a ponderação dos factores”.

Também CC, ..., se pronunciou mas referindo-se à deliberação anulada, de 14 de Julho de 2015, pelo que entende ter sido satisfeita a pretensão dos recorrentes.  

11. Cumprido o disposto no artigo 176.º, n.º 1, do EMJ, alegaram:

11.1. Os recorrentes, concluindo como segue:

«a) A deliberação impugnada violou o artigo 13º, nº 4, da Lei nº 101/2003, de 15 de novembro, que estabelece que as nomeações para juízes militares devem recair, de preferência, em oficiais possuidores de licenciatura em direito, o que não foi respeitado;

«b) A deliberação impugnada não está fundamentada, violando, assim, o comando constitucional estabelecido no art. 268º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, e densificado nos arts. 152º e 153º do Código do Procedimento Administrativo.»

11.2. O CSM, concluindo como na resposta.

11.3. O Ministério Público, com parecer no sentido da anulação da deliberação recorrida por vício de violação de lei no entendimento de que ao estabelecer a lei, no n.º 4 do artigo 13.º da Lei n.º 101/2003, a licenciatura em direito, como critério de preferência, limitou, nesse aspecto, a margem de escolha da administração, que está, assim, vinculada a respeitar essa preferência.

12. Colhidos os vistos, com projecto de acórdão, realizou-se a audiência.

Dos trabalhos da mesma resulta o presente acórdão.

II

1. A nomeação de juízes militares

Sobre a nomeação e movimento de juízes militares dispõem os artigos 13.º e 14.º da Lei n.º 101/2003, de 15 de Novembro, que aprovou o Estatuto dos Juízes Militares e dos Assessores do Ministério Público:

«Artigo 13.º

«Nomeação

«1- A colocação de juízes militares nos quadros efectua-se por nomeação.

«2- Os juízes militares a que se referem as alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 1º são nomeados, por escolha, de entre os oficiais na reserva; a nomeação pode recair em oficial na situação de activo, desde que o mesmo transite para a reserva até à tomada de posse.

«3- Os juízes militares de 1ª instância podem ser nomeados, por escolha, de entre oficiais nas situações de activo ou reserva.

«4 – As nomeações a que se referem os números anteriores devem recair, de preferência, em oficiais possuidores de licenciatura em Direito.

(…).»

«Artigo 14.º

«Movimento de juízes militares

«1- Os Juízes militares são nomeados pelo Conselho Superior da Magistratura, sob proposta do Conselho de Chefes de Estado–Maior ou do Conselho Geral da GNR, conforme os casos.

«2 – Em caso de exoneração ou vagatura de algum lugar previsto no artigo 12.º, o Conselho de Chefes de Estado–Maior ou do Conselho Geral da GNR, conforme os casos, submetem ao Conselho Superior da Magistratura uma lista de três nomes que preencham as condições legais para a nomeação e que fundamentadamente considerem os mais adequados para o desempenho do cargo a prover.

«3 – O Conselho Superior da Magistratura pode proceder à nomeação de entre os nomes propostos ou solicitar a indicação de mais um nome ou a apresentação de nova lista, seguindo-se depois os mesmos trâmites.»

2. Os factos relevantes

                      Os recorrentes integravam as listas submetidas pelo Conselho de Chefes de Estado-Maior ao CSM para nomeação como juízes militares, nos termos do n.º 2 do artigo 14.º da Lei n.º 101/2003, de 15 de Novembro, o primeiro para o Tribunal Judicial da Comarca de ... [instância central - secção criminal] e o segundo para o Tribunal Judicial da Comarca do ... [instância central - secção criminal].

                      Das listas de três nomes indicados para cada um dos Tribunais e ramos das Forças Armadas em causa (ou seja, ... e ...) os AA. eram os únicos licenciados em direito.

                      Na deliberação do plenário de 14/07/2015, o CSM, preterindo as candidaturas dos AA., nomeou como juiz do exército para a ...ª secção criminal da instância central do Tribunal Judicial da Comarca de ..., o Exmo. Sr. coronel tirocinado na reserva CC e como juiz da marinha para a ... secção criminal da instância central do Tribunal Judicial da Comarca do ..., o Exmo. Sr. capitão de mar-e-guerra na reserva DD.

                      Na sessão do plenário ordinário do CSM, realizada em 01/12/2015, foi deliberado, por unanimidade, anular a deliberação de 14/07/2015, de nomeação de juiz militar, do ramo do exército, para a ....ª secção criminal da instância central do Tribunal Judicial da Comarca de ... e de juiz militar, do ramo da ..., para a ...ª secção criminal da instância central do Tribunal Judicial da Comarca do ....

                      Na mesma sessão plenária, o CSM deliberou nomear como juiz militar, do ramo do exército, para a ....ª secção criminal da instância central do Tribunal Judicial da Comarca de ..., o Exmo. Sr. ... na reserva CC e, como juiz militar, do ramo da ..., para a ...ª secção criminal da instância central do Tribunal Judicial da Comarca do ..., o Exmo. Sr. capitão de mar-e-guerra na reserva DD.

                      3. A modificação da instância

                      Os recorrentes requereram, em 25/02/2016 que o processo prosseguisse contra o novo acto, entretanto praticado – a deliberação de 01/12/2015 –, ao abrigo do disposto no artigo 64.º do CPTA, manifestando o CSM, na resposta, nada ter a opor a essa pretensão.

                      Nos termos do artigo 64.º, n.º 1, do CPTA, na redacção anterior à conferida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, «quando na pendência do processo seja proferido acto revogatório com efeitos retroactivos do acto impugnado, acompanhado de nova regulação da situação, pode o autor requerer que o processo prossiga contra o novo acto, com a faculdade de alegação de novos fundamentos e do oferecimento de diferentes meios de prova».

                      Foi, justamente, essa a situação que se verificou no processo.

                      O requerimento foi apresentado em tempo (nos termos do n.º 2 do artigo 64.º, o requerimento a que se refere o n.º 1 deve ser apresentado no prazo de impugnação do acto revogatório e antes do trânsito em julgado da decisão que julgue extinta a instância).

                      É, pois, admissível a modificação da instância, de modo a que a impugnação passasse a ter como objecto a deliberação tomada na sessão plenária do CSM de 01/12/2015.

                      3. As razões da impugnação

                      A impugnação da deliberação assenta em duas ordens de razões:

                      i) na violação do artigo 13.º, n.º 4, da Lei n.º 101/2003, de 15 de Novembro, que estabelece que as nomeações para juízes militares devem recair, de preferência, em oficiais possuidores de licenciatura em direito, “o que não foi respeitado”;

                      ii) por falta de fundamentação, em violação do comando constitucional estabelecido no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, e densificado nos artigos 152.º e 153.º do Código do Procedimento Administrativo, porque “nem face à conformação de critérios deliberada nem perante a fundamentação proferida pelo Ex.mo Senhor Presidente do CSM é possível perceber porque não foram os AA. os nomeados e porque é que (o) foram outros dois dos oficiais propostos”.

                      4. Delas passamos a conhecer

                      4.1. Um dos segmentos da deliberação respeita à conformação dos critérios para nomeação dos juízes militares.

                      Por unanimidade dos presentes foi deliberado conformar os critérios para nomeação dos juízes militares nos seguintes termos:

                           «A nomeação de juízes militares de 1.ª instância é feita por escolha, nos termos do artigo 13.º, n.º 3, da Lei n.º 102/2003, de 15 de Novembro.

                           «Dispõe o n.º 4 da norma que as nomeações devem recair, de preferência, em oficiais possuidores da licenciatura em direito.

                           «Na sequência da discussão que teve lugar relativa aos pressupostos e critérios para a escolha, o Conselho deliberou que a função e o sentido da “preferência” no contexto da norma releva como indicação de um critério, a par de outros, no processo de escolha, não constituindo uma preferência legal, determinante e absoluta, com o valor de sobreposição relativamente a quaisquer outros critérios de decisão a considerar no exercício da referida competência do CSM.

                      «No decurso da discussão foi salientado que o juiz militar, independentemente do critério de competência jurídica deve possuir um especial conhecimento e experiência de aspectos relevantes da cultura da instituição militar, das particularidades inerentes ao exercício dos deveres militares e às circunstâncias desse exercício, experiência de comando e de disciplina como valores essenciais da instituição, adquirida no contacto directo nas unidades e na acção.»

                      Entendem os recorrentes, quanto a este ponto, que o espaço de discricionariedade do CSM está vinculado a respeitar a preferência que a lei estabeleceu, considerando que a deliberação violou a lei – norma do n.º 4 do artigo 13.º da Lei n.º 102/2003, de 15 de Novembro.

                      Pois bem.

                      O CSM nomeia os juízes militares, “por escolha”, sob proposta do Conselho de Chefes de Estado-Maior ou do Conselho Geral da GNR, consoante os casos, os quais submetem ao Conselho Superior da Magistratura uma lista de três nomes que preencham as condições legais para a nomeação e que fundamentadamente considerem os mais adequados para o desempenho do cargo a prover.

                      Não estão legalmente densificados os factores que devem presidir à escolha.

                      A lei estabelece unicamente um critério de preferência – estar o oficial habilitado com licenciatura em direito.

                      Critério esse que terá de ser ponderado a par de outros não legalmente inscritos, pois, como é bom de ver, a escolha sempre terá de ser feita mesmo que nenhum dos oficias que consta da lista seja licenciado em direito ou, na hipótese inversa, mesmo que todos os oficiais que constam da lista sejam licenciados em direito.

                      Além disso, a lei reconhece ao CSM a faculdade de não se bastar com a lista de três nomes que lhe é apresentada – dela constem, ou não, oficias possuidores de licenciatura em direito – podendo solicitar a indicação de mais um nome ou a apresentação de nova lista.

                      Com o que se quer destacar que o CSM, na escolha dos juízes militares, a nomear, actua com uma inescapável margem de liberdade de apreciação e valoração. Trata-se, aí, de uma discricionariedade típica da Administração.

                      Foi, afinal, para reduzir essa margem de liberdade e a influência de alguma subjectividade que a deliberação incorporou os critérios para a escolha, além do critério da licenciatura em direito, deixando claro que a indicação da norma do n.º 4 do artigo 13.º da Lei n.º 102/2003, releva como indicação de um critério de escolha, sem que a licenciatura em direito constitua uma preferência legal e absoluta, por si só determinante da escolha.     

                      Segundo o princípio da legalidade, inscrito no artigo 3.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo [CPA][2], «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes foram conferidos». A referência ao “direito”, como parâmetro da actividade administrativa, leva ínsita a ideia «da vinculação da Administração a uma ideia justa (ou jurídica) da lei, não para a olhar de forma mecanicista e formalista, mas como um crivo jurídico para a sua interpretação e aplicação, em consonância com os valores de justiça inerentes ao ordenamento jurídico, maxime constitucional»[3].

                      Nesta exigência de submissão ao direito, que vai muito além de um entendimento positivista da ordem jurídica, a compreensão da norma do n.º 4 do artigo 13.º da Lei n.º 101/2003 como indicação de um critério a atender, a par de outros – que não exclui outros nem a eles se sobrepõe –, no processo de escolha dos juízes militares, não colide com o princípio da legalidade.

                      4.2. A deliberação foi tomada por voto secreto.

                      Com efeito, nos termos do n.º 2 do artigo 31.º do CPA «As deliberações que envolvam um juízo de valor sobre comportamentos ou qualidades de pessoas são tomadas por escrutínio secreto, devendo o presidente, em caso de dúvida fundada, determinar que seja essa a forma para a votação».      

                      A votação foi precedida de «uma discussão geral sobre a natureza das funções dos juízes militares, tendo sempre em consideração as finalidades e os valores que justificam a intervenção de juízes militares no julgamento de crimes estritamente militares» e a fundamentação foi feita pelo Presidente do CSM, pois, como decorre do n.º 3 do mesmo artigo 31.º, «Quando exigida, a fundamentação das deliberações tomadas por escrutínio secreto é feita pelo presidente do órgão colegial após a votação, tendo presente a discussão que a tiver precedido».

                      A fundamentação da deliberação, nos termos do artigo 31.º, n.º 3, do CPA, é a seguinte:

                      «A nomeação de juízes militares da 1ª instância é feita por escolha, nos termos do artigo 13º, nº 3, da Lei nº 102/203, de 15 de Novembro.

                      «Dispõe o nº 4 da norma que as nomeações devem recair, de preferência, em oficiais possuidores da licenciatura em direito.

                      «Na sequência da discussão que teve lugar relativa aos pressupostos e critérios para a escolha, o Conselho deliberou que a função e o sentido da «preferência» no contexto da norma releva como indicação de um critério, a par de outros, no processo de escolha, não constituindo uma preferência legal, determinante e absoluta, com o valor de sobreposição relativamente a quaisquer outros critério de decisão a considerar no exercício da referida competência do CSM.

                      «A deliberação foi tomada por voto secreto, como determina o artigo 31, nº 2 do CPA, por envolver um juízo de valor sobre qualidades de pessoas.

                      «A votação foi precedida, como dispõe o artigo 31º, nº 3 do CPA, de uma discussão geral sobre a natureza das funções dos juízes militares, tendo sempre em consideração as finalidades e os valores que justificam a intervenção de juízes militares no julgamento de crimes estritamente militares.

                      «Tendo sido este o sentido da discussão prévia à deliberação, o resultado da votação exprime a agregação dos votos individuais, de acordo com o sentido da discussão prévia e da avaliação efectuada por cada dos membros do Conselho dos elementos curriculares dos militares constantes das listas enviadas ao Conselho».

                      4.3. A exigência de fundamentação “expressa e acessível”, está consagrada no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa em relação a todos os actos administrativos, enquanto indispensável sustentáculo da legalidade administrativa e instrumento fundamental do respectivo controlo e sindicabilidade.

                                  Segundo o artigo 153.º n.º 1, do CPA (com a mesma redacção do artigo do 125.º, n.º 1, do anterior CPA), “A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respectivo acto”.

                                  Dispondo o n.º 2 do mesmo artigo 153.º (tal como dispunha o n.º 2 do artigo 125.º do anterior CPA), que: “Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto”.

                      Ora, no caso, a deliberação de nomear «como juiz militar, do ramo do exército, para a ....ª secção criminal da instância central do Tribunal Judicial da Comarca de ..., o Exmo. Sr. ... na reserva CC e, como juiz militar, do ramo da ..., para a ....ª secção criminal da instância central do Tribunal Judicial da Comarca do ..., o Exmo. Sr. ... na reserva DD» mostra-se suficiente e concretamente esclarecida.

                      Sem prejuízo de ser tomada por voto secreto, demonstra-se que foi precedida da avaliação dos elementos curriculares dos militares constantes das listas enviadas ao CSM e de uma discussão prévia “sobre a natureza e funções dos juízes militares, tendo sempre em consideração as finalidades e os valores que justificam a intervenção de juízes militares no julgamento de crimes estritamente militares”, no âmbito da qual «foi salientado que o juiz militar, independentemente do critério de competência jurídica deve possuir um especial conhecimento e experiência de aspectos relevantes da cultura da instituição militar, das particularidades inerentes ao exercício dos deveres militares e às circunstâncias desse exercício, experiência de comando e de disciplina como valores essenciais da instituição, adquirida no contacto directo nas unidades e na acção», conforme consta da deliberação.

                      A fundamentação explicita os fundamentos de direito e os pressupostos e critérios de escolha de juízes militares, em conformidade com a deliberação do CSM no sentido de que «a função e o sentido da “preferência” no contexto da norma [n.º 4 do artigo 13.º] releva como indicação de um critério, a par de outros, no processo de escolha, não constituindo uma preferência legal, determinante e absoluta, com o valor de sobreposição relativamente a quaisquer outros critérios de decisão a considerar no exercício da referida competência do CSM» [nomeação de juízes militares por escolha].

                       Esta fundamentação esclarece a motivação da escolha não deixando que subsistam quaisquer dúvidas sobre os critérios ponderados e a valoração relativa deles feita em ordem a permitir o seu controlo.

                      Não ocorre, pois, nem falta nem insuficiência de fundamentação da deliberação.

                      Não incorrendo a mesma em vício de violação de lei, como, antes, já deixámos explicitado.

                      III

                      Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem a secção de contencioso do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso interposto por AA, ... na reserva, e BB, ... na reserva.

                      Custas pelos recorrentes, com 6 UC de taxa de justiça (artigo 527.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e artigo 7.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, e respectiva Tabela I-A anexa).

                      Valor da causa: € 30.000,01 (artigo 34.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

                       

                      Supremo Tribunal de Justiça, 25 de Novembro de 2016

                      Isabel Pais Martins (Relatora)

                      João Trindade

                      Oliveira Mendes (Vencido nos termos da declaração que junto)*

                      Ana Luísa Geraldes

                      Pinto de Almeida

                      Silva Gonçalves

                      Sebastião Póvoas (Presidente da Secção do Contencioso)

                      -------------
                      [1] Aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho e alterado pelo Decreto-Lei n.º 342/88, de 28 de Setembro, e pelas Leis n.os 2/1990, de 20 de Janeiro, 10/94, de 5 de Maio, 44/96, de 3 de Setembro, 81/98, de 3 de Dezembro, 143/99, de 31 de Agosto, 3-B/2000, de 4 de Abril, 42/2005, de 29 de Agosto, 26/2008, de 27 de Junho, 52/2008, de 28 de Agosto, 63/2008, de 18 de Novembro, 37/2009, de 20 de Julho, 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e 9/2011, de 12 de Abril.  
                      [2] Quer no antigo – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro – quer no novo – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro.
                      [3] Assim, Mário Esteves de Oliveira et alii, Código do Procedimento Administrativo comentado, 2.ª edição, Almedina, Coimbra – 1998, comentário VII ao artigo 3.º, p. 91.
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                      *

                      Voto vencido com os seguintes fundamentos:
                      Estabelece o artigo 14º, da Lei n.º 101/03, de 15 de Novembro:
                      «1. Os juízes militares são nomeados pelo Conselho Superior da Magistratura, sob proposta do Conselho de Chefes de Estado-Maior ou do Conselho Geral da GNR, conforme os casos.
                      2. Em caso de exoneração ou vagatura de algum lugar previsto no artigo 12º, o Conselho de Chefes de Estado-Maior ou o Conselho Geral da GNR, conforme os casos, submetem ao Conselho Superior da Magistratura uma lista de três nomes que preencham as condições legais para a nomeação e que fundamentalmente considerem os mais adequados para o desempenho do cargo a prover.
                      3. O Conselho Superior da Magistratura pode proceder à nomeação de entre os nomes propostos ou solicitar a indicação de mais um nome ou a apresentação de nova lista, seguindo-se depois os mesmos trâmites».
                      Por sua vez o artigo 13º, da Lei n.º 101/03, estatui:
                      «1. A colocação de juízes militares nos quadros efectua-se por nomeação.
                      2. Os juízes militares a que se referem as alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 12º são nomeados, por escolha, de entre os oficiais na reserva; a nomeação pode recair em oficial na situação de activo, desde que transite para a reserva até à tomada de posse.
                      3. Os juízes militares de 1ª instância podem ser nomeados, por escolha, de entre oficiais nas situações de activo ou reserva.
                      4. As nomeações a que se referem os números anteriores devem recair, de preferência, em oficiais possuidores de licenciatura em Direito.
                      5. Não podem ser nomeados juízes militares os oficiais que:
                      a) Tenham sido definitivamente condenados em pena criminal privativa da liberdade pela prática de crimes dolosos;
                      b) Se encontrem definitivamente pronunciados por crimes comuns ou estritamente militares, até ao trânsito em julgado da decisão final».
                      A deliberação ora em apreciação vem impugnada mediante a invocação de dois fundamentos:
                      - violação do artigo 13.º, n.º 4, da Lei n.º 101/2003, de 15 de Novembro, que estabelece que as nomeações para juízes militares devem recair, de preferência, em oficiais possuidores de licenciatura em Direito, o que não foi observado;
                      - violação do comando constitucional estabelecido no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, densificado nos artigos 152.º e 153.º do Código do Procedimento Administrativo, que impõe sejam fundamentados, de forma expressa e acessível, todos os actos administrativos quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.
                      Para tanto, vem alegado pelos recorrentes serem ambos licenciados em Direito, ao contrário dos demais militares propostos pelo Conselho de Chefes de Estado-Maior, bem como a circunstância de da deliberação impugnada não ser possível perceber a razão pela qual não foram nomeados e a razão pela qual foram nomeados outros dois dos oficiais propostos.
                      É do seguinte teor a fundamentação que foi apresentada pelo Exmo. Presidente do Conselho Superior da Magistratura depois de tomada a deliberação impugnada:
                      «A nomeação de juízes militares da 1ª instância é feita por escolha, nos termos do artigo 13º, nº 3, da Lei nº 102/203, de 15 de Novembro.
                      Dispõe o nº 4 da norma que as nomeações devem recair, de preferência, em oficiais possuidores da licenciatura em direito.
                      Na sequência da discussão que teve lugar relativa aos pressupostos e critérios para a escolha, o Conselho deliberou que a função e o sentido da «preferência» no contexto da norma releva como indicação de um critério, a par de outros, no processo de escolha, não constituindo uma preferência legal, determinante e absoluta, com o valor de sobreposição relativamente a quaisquer outros critério de decisão a considerar no exercício da referida competência do CSM.
                      A deliberação foi tomada por voto secreto, como determina o artigo 31, nº 2 do CPA, por envolver um juízo de valor sobre qualidades de pessoas.
                      A votação foi precedida, como dispõe o artigo 31º, nº 3 do CPA, de uma discussão geral sobre a natureza das funções dos juízes militares, tendo sempre em consideração as finalidades e os valores que justificam a intervenção de juízes militares no julgamento de crimes estritamente militares.
                      Tendo sido este o sentido da discussão prévia à deliberação, o resultado da votação exprime a agregação dos votos individuais, de acordo com o sentido da discussão prévia e da avaliação efectuada por cada dos membros do Conselho dos elementos curriculares dos militares constantes das listas enviadas ao Conselho».
                      Segundo preceitua o n.º 3 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.
                      Por sua vez, estabelecem os números 1 e 2 do artigo 153º do Código de Procedimento Administrativo (correspondendo aos n.ºs 1 e 2 do artigo 125º do Código de Procedimento Administrativo pré-vigente), que a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respectivo acto, e que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
                      Ora a transcrita fundamentação apresentada pelo Conselho Superior da Magistratura nada nos diz sobre a razão pela qual aquele órgão constitucional nomeou o Coronel Tirocinado na reserva AA e o Capitão de Mar-e-Guerra na reserva BB para a ... Secção Criminal da Instância Central dos Tribunais das Comarcas de ... e do ..., respectivamente, em detrimento dos outros militares propostos, e em especial dos militares recorrentes, enquanto possuidores de licenciatura em Direito, o que é por demais evidente.
                      Dizer que a votação foi precedida, como dispõe o artigo 31º, nº 3 do CPA, de uma discussão geral sobre a natureza das funções dos juízes militares, tendo sempre em consideração as finalidades e os valores que justificam a intervenção de juízes militares no julgamento de crimes estritamente militares, e que tendo sido este o sentido da discussão prévia à deliberação, o resultado da votação exprime a agregação dos votos individuais, de acordo com o sentido da discussão prévia e da avaliação efectuada por cada dos membros do Conselho dos elementos curriculares dos militares constantes das listas enviadas ao Conselho, equivale a nada dizer, a nada esclarecer sobre a motivação do respectivo acto, concretamente sobre a nomeação dos oficiais AA e BB em detrimento dos demais oficiais propostos, maxime dos oficiais recorrentes.
                      É pois patente a falta de fundamentação da deliberação impugnada.
                      Oliveira Mendes