Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
686/05.0TBPNI.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ALVES VELHO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
DESCENDENTE
MENOR
LESADO
OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - APLICAÇÃO DAS LEIS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO - DIREITO DA FAMÍLIA / FILIAÇÃO / EFEITOS DA FILIAÇÃO / ALIMENTOS.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES SOCIAIS.
Doutrina:
- MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, 2º, 1994, 104.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 8.º, N.º3, 483.º, 495.º, N.º2, 496.º, N.º1, 562.º, 563.º, 564.º, N.º2, 566.º, N.º3, 1874.º, 1877.º, 1878.º, N.º1, 1879.º, 1880.º, 1882.º, 1885.º, 1901.º, N.º 1, 2003.º, 2009.º, N.º1, AL.C), 2013.º, N.º1, AL. B).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 68.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 25/11/1998, PROCESSO N.º 98B865, EM WWW.DGSI.PT
-DE 02/10/2007, PROCESSO N.º 2657/2007 E DE 13/01/2009, PROCESSO N.º 3747/2008
-DE 28/10/2010 E DE 05/11/2009, PROCESSOS N.º 272/06.7TBMTR.P1.S1 E N.º 381/2009.S1, RESPECTIVAMENTE
-DE 7/6/2011, PROCESSOS N.º 288/2002.L1.S1, N.º 3515/05.0TBLRA.E1.S1, E N.º 524/07.97CGMR.G1.S1, DE 24/3/2011, PROCESSO N.º 36/07.TBALB.C1.S1, DE 16/02/2012, PROCESSO N.º 1043/03.8TBMNC.P1.S1, TODOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT
-DE 17/4/2012 E 22/5/2012, PROCESSOS N.ºS 4797/07.9TVLSB.L2.S1 E 1059/03.4TBBCL.G1.S1
-DE 02/12/2013, PROCESSO N.º 386/2001.P1.S1
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DECLARAÇÃO DE VOTO NO AUJ N.º 5/97, DE 14/01/97, IN DR,I-A, DE 27/3/97, PG. 1364.
Sumário :
I - Os pais de uma menor, vítima de acidente de viação, gozam do direito a serem ressarcidos das despesas necessárias à adaptação da casa de habitação comum às condições de deficiência (tetraplegia) de que ficou a padecer a filha, em consequência do acidente.

II - Na determinação do rendimento a considerar para efeito de cálculo de indemnização por incapacidade permanente geral para o trabalho decorrente de acidente sofrido por menor ainda sem profissão, haverá que considerar essa incapacidade para uma qualquer profissão acessível ao lesado, tendo em conta, designadamente, as suas habilitações ou formação, nenhuma sendo de excluir, bem como um salário médio acessível, em termos de normalidade e dentro da previsibilidade.

III - Na atribuição de indemnização segundo juízos de equidade deverá atender-se, em qualquer caso, ao critério de valoração e montantes que as decisões judiciais vêm encontrando para casos análogos, paralelos ou equiparáveis, como postulado pela segurança jurídica e igualdade (proporcionalidade) de tratamento, só a este nível que colhendo efectiva justificação a intervenção do STJ, como tribunal de revista com competência reservada à apreciação de matéria ou questões de direito.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - AA e marido, BB, por si e em representação da filha menor de ambos, CC, intentaram acção declarativa, para efectivação de responsabilidade civil, contra “Companhia de Seguros DD, S.A.”, alegando que no dia 29 de Julho de 2004, pelas 2 horas, na Avenida …, em …, Peniche, ocorreu um acidente de viação, no qual foi interveniente o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, com a matrícula …SZ, seguro na Ré, conduzido por EE, o qual perdeu o controlo do veículo quando este descrevia uma curva apertada, o que provocou o seu despiste e consequente embate numa residência e num poste da EDP.

No momento do acidente, seguia no SZ a terceira Autora, CC, menor, de 16 anos, que sofreu graves lesões corporais, em consequência das quais ficou a padecer de uma incapacidade parcial permanente de 80%, o que a limitará, ou até mesmo impedirá, de exercer muitas actividades profissionais e a fará necessitar, para sempre, da assistência de uma terceira pessoa para a auxiliar em todas as tarefas do seu dia-a-dia, pelo que a capacidade futura de angariar meios de subsistência está definitivamente afectada.

Mais alegam que, uma vez que a A. CC passou a movimentar-se numa cadeira de rodas, torna-se necessária a realização de obras de adaptação da casa dos AA., de forma a possibilitar a sua circulação, por cujo custo (35.331,62€) a Ré deverá igualmente ser responsabilizada.

Reclamam ainda os AA. o pagamento de diversas despesas, entre as quais deslocações ao hospital.

 

Os Autores concluem pedindo seja a condenação da Ré a pagar:

 -  a) aos 1º e 2ª AA. a quantia de 37.460,42€, a título de danos patrimoniais;

 - b) à 3ª A., a quantia de 1 041 434€, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais [sendo 991.434,50€, a título de danos patrimoniais, e 50.000,00€, a título de danos não patrimoniais], acrescidas, ambas, do pagamento dos juros legais, vencidos e vincendos, bem como a suportar todas as despesas com o internamento hospitalar e intervenções cirúrgicas que a 3ª A. efectuou, ou que venha a efectuar, e que lhe sejam reclamadas.

A Ré contestou.

Arguiu a nulidade do contrato do seguro e, em qualquer caso, a exclusão da respectiva cobertura por a A. ser transportada no compartimento de carga do veículo, impugnando, por desconhecimento, a demais factualidade articulada pelos AA. 

 Concluiu pedindo a declaração de nulidade do contrato de seguro ou, se assim de não entender, a sua cobertura limitada e restringida nos termos do art. 7º-al. f) do DL 522/85, de 31/12, devendo a Ré ser absolvida do pedido.

         A requerimento da Ré, foi admitida a intervenção acessória da sociedade “FF, Lda.”, que não contestou.

A final foi proferida sentença que julgou improcedente a excepção peremptória invocada pela Ré, no sentido de que seja declarado nulo, à data de 29 de Julho de 2004, o contrato de seguro titulado pela apólice nº .., pelo qual foi para si transferida a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo automóvel com a matrícula -SZ; julgou improcedente a excepção peremptória consistente na exclusão da garantia do seguro identificado em 51, a que alude o art. 7°, nº 2, al. f), do Dec. Lei nº 522185, de 31.12, com a redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei nº 130/94, de 19.05, ou seja, dos danos sofridos pela 3ª Autora, decorrentes de lesões materiais por si sofridas em consequência do acidente a que se reportam os autos em virtude de, na data da sua ocorrência, viajar na parte traseira no veículo automóvel com a matrícula -SZ, no compartimento destinado ao transporte de carga, sem qualquer assento, cinto, ou dispositivo de segurança; absolveu a Ré da totalidade do pedido que contra si é formulado pela lª e pelo 2º Autores; condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de 425.000,00€ (quatrocentos e vinte e cinco mil euros), sendo 275.000,00€ (duzentos e setenta e cinco mil euros) a título de danos patrimoniais) e 150.000,00€ (cento e cinquenta mil euros), a título de danos não patrimoniais; condenou a Ré pagar à 3ª Autora juros de mora civis sobre a quantia referida em 5.4 contados desde a citação daquela, à taxa de 4% ou à que entretanto vier a vigorar, até efectivo e integral pagamento; condenou a Ré a pagar à 3ª Autora o montante correspondente às despesas futuras que esta venha efectuar com internamentos hospitalares e/ou intervenções cirúrgicas que venham a ser determinados pela sua evolução clínica e que se revelem necessárias para curar as lesões que sofreu em consequência do acidente.

         Apelaram ambas as Partes.

         O Tribunal da Relação negou provimento ao recurso da Seguradora, mas julgou parcialmente procedente o interposto pelos AA., elevando a “indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, resultantes das lesões sofridas no acidente, respectivamente, em 350.000,00€ e 200.000,00€.”

         Os Autores pedem ainda revista insistindo na pretensão de serem ressarcidos do valor do custo das obras destinadas à adaptação da casa à deficiência da A. CC e respectivos juros desde a data da citação (35.331,62€ e juros) e na alteração da indemnização atribuída a esta, a título de danos patrimoniais futuros, decorrentes da incapacidade, da necessidade de assistência de terceira pessoa e não patrimoniais para, respectivamente, 300.000,00€, 270.266,87€ e 250.000,00€.

         Para tanto, argumentam, no que se permitem designar “conclusões” da alegação – mas que, efectivamente, corresponde à repetição do texto da motivação do recurso, em termos tais que se pode dizer que há dois corpos de alegação ou duas partes de “conclusões -, em síntese útil, que:

  1. a) “tal como provado, todas as obras foram destinadas à adaptação da casa à deficiência da A. CC, a qual, sendo menor, não tinha dinheiro para as mandar efectuar, nem, sendo a casa dos pais, o poderia exigir;

  1. b) não se trata de ressarcir terceiros a título de danos reflexos ou indirectos, de danos não patrimoniais, mas sim de os indemnizar dos gastos que os mesmos tiveram com a assistência da sua filha;

  1. c) o n.º 2 do art. 495º refere que têm direito a indemnização aquelas pessoas que tenham contribuído para a assistência da vítima”.

2. Ponderando que à data do acidente a lesada tinha 16 anos, que ficou paraplégica com uma IPP geral de 70%, que poderia obter uma formação profissional média e, a partir dos 20 anos, até aos 67, um salário de 1.425,27€, em França, onde reside, a perda da capacidade de ganho deve valorar-se em trezentos mil euros.

3. Considerando que uma empregada doméstica, em França, aufere o mínimo de 900,00€/mês, as despesas que a A. terá de suportar com a assistência de terceira pessoa nas tarefas que ela mesma desempenharia, a indemnização, tendo em conta os referidos elementos de cálculo, deve ser fixada em 270.266,87€;

3. Considerando que a A. ficou tetraplégica, sem sensibilidade abaixo da zona da lesão vertebral com uma paraplegia flácida sensitivo-motriz e esfincteriana, fazendo infecções urinárias; ficou internada vários meses; foi submetida a intervenções cirúrgicas; padece de um quantum doloris de grau 6, numa escala de 7, e dano estético; padece de ausência de controlo de esfíncteres; ficou na dependência de cadeira de rodas, ajudas médicas fisiátricas e medicamentosas, bem como do apoio de terceira pessoa; e, necessita de fisioterapia e hidroterapia para não agravar o seu estado, deve ser-lha atribuída, em sede de danos não patrimoniais, a compensação de 250.00,00 euros.    

  

         A Recorrida apresentou resposta defendendo a manutenção do julgado quanto aos montantes indemnizatórios.

         2. - As questões cuja reapreciação vem proposta consistem novamente em saber:

         - se os Autores pais da sinistrada gozam do direito a serem ressarcidos das despesas com a adaptação da casa de habitação comum às condições de deficiência de que ficou a padecer a filha;

         - se o montante indemnizatório atribuído à vítima do acidente a título de danos patrimoniais, nas vertentes de perda de capacidade de ganho e de necessidade de assistência de terceira pessoa, peca por defeito; e,

         - se é também exígua a compensação arbitrada pelos danos não patrimoniais.

 

3. - Ao conhecimento do objecto do recurso interessam apenas, de entre o acervo factual disponível, os elementos de facto que seguem:

1 - No dia …/0…/20…, pelas 2 horas, na EN 578, ocorreu um embate automóvel, no qual foi interveniente a viatura matrícula -SZ;

2 – A viatura referida era conduzida por EE;

3 – Ao descrever uma curva para a esquerda, a viatura despistou-se para a direita e embateu numa residência e num poste da EDP;

21 – Quando ocorreu o despiste, a porta traseira abriu-se e os dois passageiros do compartimento de carga, um deles a A. CC, foram projectados para a faixa de rodagem;

28 - Logo após o embate e após estabilização do estado clínico, a autora foi ventilada e transferida para os cuidados intensivos do Hospital de Santa Maria - (18°);

29 - À entrada no referido estabelecimento hospitalar a autora encontrava-se em estado de choque - (19°);

30 - E o hemotórax foi drenado por cirurgia cardiotoráxica com extracção de 1.150ml de líquido, mantendo a drenagem até 9 de Agosto - (20°);

31 - No plano ortopédico, a fractura do antebraço direito da autora foi engessada - (21°);

32 - A autora apresentava fractura da 11ª costela esquerda - (22°);

33 - (...) e apresentava fractura em flexão/compressão do corpo vertebral D7 e fractura/luxação D10/D11, com lesões medulares, descrita como seccionamento completo, mas, possivelmente, com preservação de algumas fibras dos cordões posteriores - (23°);

34 - O diagnóstico apresentado das lesões da autora consistia ainda em hemotórax com pneumotórax - (24°);

35 - (…) e traumatismo abdominal - (25°);

36 - (…) e paraplegia flácida D10 - (26°);

37 - (…) e incontinência - (27°);

38 - A autora CC foi operada em 1 de Agosto de 2004 para redução das vértebras fracturadas e artrodese posterior com USS (titânio), com implante a partir do ilíaco direito - (28°);

39 - No plano neurológico, a autora CC manteve a paraplegia flácida, com níveis sensitivos D10-D11, com ausência de reflexos osteotendinosos rotulares e aquilianos - (29°);

40 - A autora teve necessidade de sonda vesical - (30°);

41 - ( ... ) e sofreu obstipação persistente e evacuação dependente de clisteres - (31°);

42 - Durante o internamento, a autora teve intercorrências infecciosas urinárias desde 5 de Agosto - (32°);

43 - Em …/0…/20…, a autora foi transferida para o Hospital Raymond Poincaré, em França – (33º);

44 - E neste último hospital esteve internada até 17 de Dezembro de 2004 - (34°);

45 - A autora CC manteve o antebraço direito engessado durante um mês - (35°);

46 - (...) e manteve paraplegia flácida D10 Asia A - (36°);

47 - A autora CC foi submetida a reeducação com fisioterapia, musculação dos membros superiores, aprendizagem de transferências e marcha em pendular com deambulador e duas órteses cruro-pediosos - (37°);

48 - No plano ortopédico, foi diagnosticado à autora CC Índice de Risser a 4 - (38°);

49 - No plano cutâneo, a autora CC sofre de bursite devido ao material de osteossíntese na parte média saliente, necessitando de vigilância - (39°);

50 - No plano esfincteriano, a autora CC foi submetida a aprendizagem das auto-sondagens 5 vezes por dia e esvaziamento diário com o dedo pelo própria - (40°);

51 - No plano nutricional, a perda de peso da autora CC até aos 44 quilos necessitou de acompanhamento dietético - (41°);

52 - (...) e os vómitos pós prandiais são eliminados com TOGD um síndroma da pinça mesentérica - (42°);

53 - No plano psicológico, a autora CC foi sujeita a tratamento com ZOLF e acompanhamento regular pela psicóloga - (43°);

54 - Em Janeiro de 2005, a autora CC é hospitalizada na Fundação SEF (Clinique Médicale et Pédagogique Edouard R/St), "Service Ergothérapie", para prosseguir a reeducação e a escolarização – (44º)

55 - (...) e nesta clínica a autora CC é independente nas actividades quotidianas, movimentando-se sozinha na cama e cadeira de rodas - (45°);

56 - (…) e tem uma cama medicalizada - (46°);

57 - (…) e tem uma cadeira de rodas de duche igual à dela para ir à casa-de-banho (a transferência no WC faz-se frontalmente) - (47°);

58 - A autora CC efectua sozinha a aplicação das sondas a horas regulares na cama ou na cadeira de rodas - (48°);

59 - A autora CC veste-se e faz a sua higiene de forma autónoma, estando a sua residência a ser adaptada - (49°);

60 - A autora CC reside com os seus pais e com a irmã mais velha - (50°);

 61 - A habitação é dividida por duas partes - (51°);

62 - A primeira é constituída pela cozinha e sala e representa a casa da porteira, que é compropriedade dos condóminos - (52°);

63- ( ... ) e a segunda, propriedade dos 1º e 2ª autores, é composta por três quartos - (53°);

64 - A rua onde fica situado o prédio em que a autora CC habita, tem um passeio estreito e dois degraus antes da entrada - (54°);

65 - ( ... ) e é neste momento inacessível a cadeira de rodas, sendo necessária a intervenção da Câmara Municipal - (55°);

66 - Para aceder ao hall de entrada do prédio é necessário subir um degrau - (56º);

 67- ( ... ) e a porta é em ferro, pesada, abrindo para o interior - (57°);

68 - É possível circular no hall com a cadeira de rodas - (58°);

69 - Uma vez no hall, é necessário ultrapassar uma segunda porta que abre para o exterior e ultrapassar dois degraus, antes de entrar em casa - (59°);

70 - A acessibilidade exterior da habitação é difícil de realizar, sendo necessário para tal a competente autorização da Câmara Municipal e de todos os condóminos - (60°);

71 - A porta de entrada da habitação tem 80 cm e as outras portas abertas têm 68 cm permitindo a passagem da cadeira de rodas com dificuldade - (60°-A);

72 - É impossível a passagem da cadeira de rodas para a casa de banho actual - (61°);

73 - A casa de banho é inacessível mesmo fazendo obras - (62°);

74 - À entrada do quarto da autora CC existe um degrau - (65°);

76 - A autora CC dorme no quarto da irmã, numa cama de hospital - (66°);

77 - A autora CC necessita de uma cama com colchão anti-escaras e com uma altura que permita a transferência para a cadeira de rodas - (67°);

78 - Na cozinha, mostra-se necessário o alargamento da porta para 80 cm para permitir a circulação com cadeira de rodas - (68°);

79 - (...) e mostra-se necessário alargar as portas, para 80 cm de largura, para a cadeira de rodas passar sem dificuldade - (70°);

80 - Quanto à casa de banho a única possibilidade consiste em fazer a mesma no actual quarto dos pais da autora CC - (71°);

81 - Os autores não podem mudar de casa sem que a autora, mãe da autora CC, fique sem o emprego de porteira - (72°);

82 - A autora CC, devido ao seu estado de saúde, não pode frequentar o ano escolar de 2004-2005 – (74º);  

83 - «Em consequência do acidente a escolaridade da autora CC está em curso no 2º ano de um BTS (Certificado Técnico Superior) de comunicação; ela tem um trabalho administrativo.

Ela não está inapta para qualquer actividade profissional, está inapta para actividades na posição de pé, de movimentação de cargas e de deslocação.

Dentro das suas capacidades de exercício profissional, na área da comunicação num posto de trabalho administrativo, manter-se-á uma fadigabilidade e uma dificuldade à posição sentada prolongada, com dificuldades de deslocação» 3 - (77°);

84 - A autora CC ficou afectada com uma IPP de 70% - (78°);

85 - A autora CC necessita e necessitará de assistência de terceira pessoa - (79°);

86 - (...) e uma empregada doméstica em França aufere no mínimo 900,00 euros/mês - (80°);

87 - A capacidade futura da autora CC de angariar meios de subsistência ficará limitada - (81°);

88 - (...) e terá dificuldade em obter uma colocação profissional - (82°);

89 - Os custos com a adaptação da habitação dos autores, com ampliação de portas, demolição de paredes, levantamento de paredes, construção de rampa, fornecimento de parquet flutuante, pinturas, alterações eléctricas, fazer casa-de-banho, importam, para os 1º e 2ª autores, o montante de 35.331,62 euros - (83°);

90 - Tais obras destinam-se à adaptação da casa à deficiência da autora CC - (84-A);

93 - A autora CC está impossibilitada de andar - (92°);

94 - A autora CC sofreu dores no nível 6 de uma escala de 0 a 7 - (93°);

 95 - ( ... ) e sofreu um longo período de internamento - (94°);

96 - A autora CC ficou privada do convívio com os seus familiares e amigos durante os períodos de internamento - (95°);

97 - O controlo das necessidades fisiológicas da autora CC é efectuado de forma externa - (96°);

 98 - A autora CC não tem sensibilidade abaixo da zona da lesão vertebral com uma paraplegia flácida sensitivo-motriz e esfincteriana - (97°);

99 - ( ... ) e está impossibilitada de ter qualquer prazer no ato sexual - (98°);

100 - Uma eventual gravidez da autora CC será de risco elevado, sendo necessárias precauções particulares de vigilância e necessitará de uma vigilância em meio hiper-especializado – 99º);

101 - ( ... ) e com poucas hipóteses de chegar ao fim por haver risco acrescido de infecções das vias urinárias, de edemas das pernas, de hiperretlectividade, de obstipação, de doença tromboembólica e de parto prematuro - (100°);

102 - ( ... ) e caso chegue ao fim implica sempre a necessidade de uma cesariana - (101º).

         4. - Mérito do recurso.

         4. 1. - Indemnização relativa aos custos com a adaptação da casa dos Autores.

         Os Autores reclamaram o pagamento do custo das obras de adaptação da sua casa de habitação – descritas no ponto 89 da matéria de facto - com vista permitir as necessárias condições de habitabilidade da sua filha CC, cuja deficiência lhe impõe o uso de cadeira de rodas, após o abandono da Clínica onde esteve internada, indemnização que as Instâncias lhes negaram com fundamento em não encontrar enquadramento ou não estar abrangida pelo disposto no n.º 2 do art. 495º C. Civil.

         Coloca-se, assim, o problema de saber se os pais da vítima de acidente de viação, imputável a terceiro, podem reclamar deste o reembolso de despesas efectuadas para proporcionar àquela condições de habitabilidade na casa de residência comum.

         Os Autores alegaram, e o elenco factual provado demonstra-o, que, por causa da deficiência e condições de mobilidade da filha, o regresso dela a casa tornava necessário, em alternativa, a mudança da habitação ou obras de adaptação da actual, sendo esta a solução de menores custos, tendo eles, pais, que os suportar.

         Parece não poder ser posto em causa que, se em vez de se apresentarem os pais a pedir a indemnização, fosse a filha a fazê-lo directamente, como pessoa directa e imediatamente atingida pela lesão do direito, não se suscitaria qualquer dúvida na respectiva atribuição, verificados que se mostrariam, também directamente, os requisitos da responsabilidade civil e correspondente obrigação de indemnizar, previstos nos arts. 483º, 562º e 563º C.Civil.

         Deste modo, as despesas cuja reposição está em causa representam uma desvantagem patrimonial ou dano indemnizável,

        

         No caso, estamos, porém, perante danos reflexamente sofridos pelos pais da vítima directa, embora se nos afigure não se estar perante os denominados danos indirectos.

         Acontece, apesar disso, que os peticionantes não são uns quaisquer terceiros, mas, justamente, porque pais da vítima, que era menor e sem meios de subsistência próprios, obrigados legalmente, no âmbito das responsabilidades parentais, de natureza irrenunciável, a prestar-lhe assistência e alimentos, obrigação que, como se sabe, engloba a de habitação, enquanto o alimentando deles precise, em especial em caso de diminuição física ou mental, e quem os presta possa continuar a prestá-los – arts. 1874º, 1877º, 1878º-1, 1879º, 1880º, 1882º, 1885º, 1901º-1, 2003º, 2009º-1-c)  e 2013º-1-b), todos do C. Civil    

         No mesmo sentido vai a Lei Fundamental, pois que o art. 68º-1 da CRP, ao prever o direito à protecção dos pais na “realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos", consagra um direito absoluto que sai directamente violado por acções ou omissões de outrem de que resultem danos pessoais para o filho (cfr., neste sentido, o ac. STJ, de 25-11-1998- Proc. n.º 98B865).   

        

         Nesta perspectiva, a nosso ver, as lesões provocadas na vítima e as sequelas delas decorrentes atingiram também, lesando-os directamente, os Autores pais, enquanto sujeitos da obrigação de proporcionar habitação funcional e de prestar assistência à filha menor e incapaz de prover às despesas necessárias, assim resultando violado o “direito de outrem”, integrador do conceito de lesado, a que se refere o citado art. 483º C. Civil.

         Na verdade, por causa do acidente e suas consequências, os Autores vêem-se (directa e imediatamente) obrigados a realizar uma despesa que, não fora ele, lhes não seria imposta, assim saindo prejudicados pelo evento danoso, cujo ressarcimento ou reembolso lhes deve assistir, como titulares de um direito próprio.

         Configurar-se-á, deste modo, um dano próprio dos Recorrentes na medida em que tiveram, eles mesmos, directamente, em cumprimento de uma obrigação legal, de suportar despesas inerentes à reparação da lesão relativamente à qual a vítima não dispunha de possibilidades de, por si, obviar, substituindo-se à obrigação do lesante.

 

         Acresce que não se compreenderia, repugnando ao senso comum nem justifica, à luz dos princípios da responsabilidade civil acolhidos nas normas citadas, que o causador culposo do facto gerador da responsabilidade não responda pela totalidade dos danos resultantes do evento danoso.    

    

         Resta acrescentar, fazendo agora incidir a atenção sobre a posição das Instâncias, mas continuando a divergir da posição aí adoptada, que também poderá entender-se que o reembolso em questão encontra fundamento no art. 495º-2 C. Civil, “interpretado extensivamente, uma vez que abrange em primeira linha, a assistência prestada voluntariamente, mas pode abranger a assistência prestada por imposição da lei” (cfr. declaração de voto no AUJ n.º 5/97, de 14/01/97, in DR,I-A, de 27/3/97, pg. 1364).

         Convergentemente, também não seria de afastar a cobertura do direito invocado pelos AA. na  figura da sub-rogação legal – art. 592º C. Civil -, dada a indiscutibilidade do  seu interesse “directo” na realização da despesa inerente ao cumprimento de uma obrigação que lhes era imposta por lei, isto é, da circunstância de os AA. se encontrarem numa posição subjectiva – de obrigação de assegurara habitação e assistência – dependente da realização das despesas (cfr. MENEZES CORDEIRO, “Direito das Obrigações”, 2º, 1994, 104).

         Conclui-se, portanto, que os Autores-recorrentes AA e BB gozam do direito de serem ressarcidos das despesas com a adaptação da casa para habitação da A. CC, no demonstrado montante de 35.331,62€ e peticionados juros moratórios.

         4. 2. – Indemnização por danos patrimoniais.

         4. 2. 1. - Tanto a sentença da 1ª Instância como o acórdão da Relação fixaram o montante da indemnização por danos patrimoniais devidos à Autora CC numa verba única, abrangendo quer o dano futuro correspondente à privação de capacidade de ganho quer o dano, também futuro, decorrente das despesas a suportar com a assistência de uma terceira pessoa. Assim, e nessa perspectiva unitária, a sentença atribuíra a quantia de 275.000 euros, que a 2ª Instância elevou para 350.000,00€.

         A A., na petição inicial, propusera as verbas de 421.061,00€ e de 569.473,00€, respectivamente, para ressarcimento da sua própria incapacidade e para pagamento a uma empregada doméstica ao longo da vida e reclama, agora, a tais títulos, também respectivamente, 300.000 e 270.266,87 euros.

         No acórdão impugnado, depois de se ter considerado, como era já pacífico, que a incapacidade de que ficou afectada a A. constitui um dano futuro a indemnizar segundo critérios de equidade, aludiu-se à ponderação de factores como a idade da Lesada e a esperança de vida, as suas habilitações académicas, a necessidade de assistência de terceira pessoa, o grau incapacidade e de autonomia e a dificuldade em encontrar emprego compatível com as suas capacidades e os padrões jurisprudenciais, sendo elementos desconhecidos o grau remuneratório a que poderá ascender, a evolução de preços e outros factores que influenciam a remuneração, avaliou-se o dano global nos ditos 350.000 euros.

         Como resulta do critério legal, acolhido pelo art. 566º-2 e 3 C. Civil, a indemnização em dinheiro, a atribuir sempre que seja impossível a reconstituição natural, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem os danos; se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.

         Consagram-se, pois, a denominada teoria da diferença e a equidade como critérios de compensação de danos futuros.

          4. 2. 2. - Quanto à incapacidade, está em causa a perda de réditos futuros pela privação da respectiva fonte. Por isso, há-de necessariamente fazer-se apelo a elementos e critérios de probabilidade, a projectar em termos da normalidade da vida.

         Como critérios de determinação do valor dos danos correspondentes à perda de ganho tem-se lançado mão de vários métodos e tabelas matemáticos e financeiros que a jurisprudência, depois de uma fase de progressiva aceitação, embora sempre sem perder de vista que elas não representam mais que métodos de cálculo, vem acentuando que, apesar da sua reconhecida utilidade, assumem natureza meramente indicativa em vista da justa e equilibrada, e tanto quanto possível uniforme, aplicação dos princípios legalmente acolhidos, mas não dispensam a intervenção do prudente arbítrio do julgador com recurso à equidade, o que, de resto, deve suceder com qualquer outro critério abstracto que, decerto por isso, o legislador não adoptou (arts. 564.º-2 e 566.º-3 C. Civ.).

         As decisões das Instâncias - e a própria posição adiantada pelos Recorrentes – não divergem quanto à ponderação desses elementos, na linha de orientação que vem sendo jurisprudencialmente adoptada.      

         No caso, está em causa a indemnização devida a uma menor de dezasseis anos à data do acidente, que vai ficar para o resto da vida com sequelas tão graves que atingem o nível da tetraplegia a que corresponde uma incapacidade permanente geral de 70%.

         Como já se afirmou noutras decisões desta Conferência (cfr. v.g., acs. de 02/10/07-proc. 2657/07 e de 13/01/09-proc. 3747/08), há que reconhecer, em casos como estes, a dificuldade de encontrar um montante indemnizatório que previsivelmente corresponda adequadamente à compensação dos efeitos das sequelas.

         Na verdade, não há qualquer profissão a considerar nem é determinável, face aos elementos disponíveis, a repercutibilidade das lesões no exercício das tarefas laborais e de utilização do corpo em geral.

         Resta, pois, a incapacidade do A. para a generalidade das profissões, a incapacidade genérica para utilizar o corpo enquanto prestador de trabalho e produtor de rendimento e a possibilidade da sua utilização em termos correspondentemente deficientes ou penosos.

         Esta incapacidade funcional, na medida em que a precede e consome, tem, em princípio, uma abrangência maior que a perda da capacidade de ganho e pode não coincidir com esta, tudo dependendo do tipo ou espécie de trabalho efectivamente exercido profissionalmente, concebendo-se até casos em que elevadas incapacidades funcionais não tenham repercussão em retribuição (o que não é raro em profissões de incidência intelectual) e outros em que uma pequena incapacidade funciona geral pode gerar uma incapacidade profissional enorme.

        

Por isso, à míngua de melhores elementos, haverá que considerar para uma qualquer profissão acessível à Autora, nenhuma sendo de excluir, as deficiências funcionais de que ficou a padecer tornam a sua capacidade de ganho diminuída de 70%.

         A Recorrente defende que, para efeitos de cálculo, deverá ser considerado o ingresso na vida activa aos 20 anos, auferindo o salário mínimo nacional garantido pelo Estado Francês, país onde vive e donde será nacional.

         É aceitável esse entendimento, embora se desconheça se, efectivamente, aquele salário mínimo está fixado em 1.425,67€, sendo que anteriormente a A. invocara um salário mínimo de 900,00€, este sim, provado, para as empregadas domésticas.

         De qualquer modo, sabe-se que a A. frequentava o 2º ano de um curso superior de comunicação. Assim, trata-se de um dado da experiência que, com esse grau de formação académica, um jovem, quando adulto, tende a obter uma remuneração capaz de assegurar o mínimo de dignidade, remuneração essa que deverá situar-se algo acima do salário mínimo de uma empregada doméstica, podendo admitir-se, em juízo de prognose, uma remuneração, em França, de quantia que, tendo por referência aos 900 euros de 2005, se aproxime dos ditos 1.400 euros.

         Como se escreveu nos últimos acórdãos citados, “não é nada que não se imponha em termos de normalidade e dentro do requisito previsibilidade; o salário mínimo, prevenindo um mínimo para a subsistência de quem trabalha, não é a regra nem corresponde às expectativas de quem, dotado de mediana capacidade e aptidão, está em condições de entrar no mundo do trabalho”.

         Será certamente superior o salário médio acessível a uma jovem saudável dotado de formação profissional média/superior, a partir dos 21 anos de idade, o qual, como é normal, tenderá a subir ao longo da vida.

         Consequentemente, tendo em conta o invocado critério e os demais parâmetros convocados no acórdão impugnado tem-se como justa e equitativa a este título de diminuição da capacidade de ganho quantia de 275 mil euros como indemnizatória dos danos sofridos pela Autora menor.

         4. 2. 3. - Relativamente à necessidade de acompanhamento de terceira pessoa para toda a vida, a Recorrente reclama a verba de 270.266,87€, resultado obtido a partir da mesma fórmula em que se baseou para pedir os 300.000,00€ a título de IPP, mas agora tendo por base um salário de 900,00€ mensais de uma empregada doméstica.

         Não se acompanha, neste capítulo, a pretensão formulada.

         A indemnização deve ser atribuída, mais uma vez, com recurso à equidade.

         Ora, embora não se encontre demonstrado que o acompanhamento necessário passe pela contratação de uma empregada doméstica a tempo integral, mesmo admitindo que esse acompanhamento se venha a fazer através de tal contratação também não se prova, nem se alegou, que, como será normal e razoável, uma tal empregada não disponha de tempo para executar muitas outras tarefas de natureza doméstica, para além das de assistência atinentes ou funcionalmente dirigidas à superação das limitações decorrentes da incapacidade da Autora, vantagem que não pode, em termos de  razoabilidade e previsibilidade, ser desconsiderada.

         Nesta conformidade, julga-se equitativo atribuir para compensação dessas futuras despesas a verba de 125.000,00euros.

         4. 2. 4. - Os danos patrimoniais resultam, em razão do exposto, valorados em 400.000,00 euros.

         4. 3. - Danos não patrimoniais.

         A finalizar, insiste a Recorrente na alteração da compensação pelos danos não patrimoniais, propondo a sua elevação de 200 para 250 mil euros.

         Em apoio da pretensão, convoca a gravidade das lesões e suas sequelas.

Indiscutível, pela sua gravidade, a indemnizabilidade dos danos (art. 496º-1 C. Civil).

Trata-se, como é sabido, de encontrar uma compensação de prejuízos de natureza infungível, em que, por isso, não é possível uma reintegração por equivalente, como acontece com a indemnização, mas tão só um almejo de compensação que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro, sem perder de vista a gravidade objectiva do dano.

O critério de fixação é o recurso à equidade, atendendo ao grau de culpa do responsável, situação económica do lesante e do lesado e, entre as circunstâncias do caso, à gravidade do dano a que a compensação deve ser proporcionada, lançando mão, tanto quanto possível, de um critério objectivo (arts. 496º e 494º cit.).

Para tanto, hão-de ser ponderadas circunstâncias como a natureza e grau das lesões, os sofrimentos por elas provocados e seu grau ou intensidade, o período por que perduraram, a dor dos familiares, sempre relacionada com o seu relacionamento afectivo, entre outras.

O quadro fáctico, para que se remete, evidencia, sem dúvida, uma situação de gravidade extrema.

No que respeita à fixação da indemnização segundo juízos de equidade, como sucede in casu, tem sido entendimento desta Conferência (cfr., vg. os acs. de 17/4/2012 e 22/5/2012 – procs. 4797/07.9TVLSB.L2.S1 e 1059/03.4TBBCL.G1.S1) dever atender-se, em qualquer caso, ao critério de valoração e montantes que as decisões judiciais vêm encontrando para casos análogos, paralelos ou equiparáveis, como postulado pela segurança jurídica e igualdade de tratamento.

 

É, de resto, a este nível que colhe efectiva justificação a intervenção do STJ, como Tribunal de revista, pois que como já se escreveu nos acórdãos de 28/10/2010 e de 05/11/2009 (proc. 272/06.7TBMTR.P1.S1 e 381-2009.S1), respectivamente, “quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar em função da ponderação das circunstâncias concretas do caso, - já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», - mas tão-somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação da individualidade do caso concreto «sub juditio»”, sendo que esse “juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos - deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade”.

Ora, à luz destas considerações, conducentes à aplicação, tão uniforme quanto possível, da orientação da jurisprudência, em casos semelhantes, rejeitando qualquer ideia de livre arbítrio, no respeito pelos princípios gerais do direito e da justiça, de resto impostos pelo disposto no n.º 3 do art. 8º do Código Civil, importa, então, ter presentes os valores que a jurisprudência, designadamente a deste Tribunal, vem considerando em casos aproximáveis, nomeadamente em seu confronto com o invocado pela Recorrente.

De notar que não se busca um cotejo entre casos idênticos, de verificação quase impossível, mas comparáveis tendo em conta a relativa proporcionalidade.

A verba que vem atribuída encontra-se bem mais próxima dos padrões utilizados noutras decisões deste Supremo, devidamente adaptadas - entre alguns dos mais recentes podem ver-se os acs. de 7/6/2011 (procs. 288/2002.L1.S1, 3515/05.0TBLRA.E1.S1 e 524/07.97CGMR.G1.S1), de 24/3/2011 (proc. 36/07.TBALB.C1.S1), de 16/02/2012 (proc. 1043/03.8TBMNC.P1.S1, todos disponíveis em dgsi.pt (IGFEJ)) e o desta Conferência de 02/12/2013 (proc. n.º 386/2001.P1.S1), estes dois últimos e o terceiro apresentando grande afinidade com a situação aqui ajuizada -, e, consequentemente, da vinculação devida aos princípios de igualdade e proporcionalidade.

Nesta conformidade, julga-se não concorrer fundamento que, determinando a intervenção do Tribunal de revista, sustente a reclamada elevação da compensação para os propostos 250.000,00 euros.

         4. 4. - Em síntese final e resposta às questões jurídicas relevantes colocadas, poderá concluir-se:

   - Os pais de uma menor, vítima de acidente de viação, gozam do direito a serem ressarcidos das despesas necessárias à adaptação da casa de habitação comum às condições de deficiência (tetraplegia) de que ficou a padecer a filha, em consequência do acidente;

   - Na determinação do rendimento a considerar para efeito de cálculo de indemnização por incapacidade permanente geral para o trabalho decorrente de acidente sofrido por menor ainda sem profissão, haverá que considerar essa incapacidade para uma qualquer profissão acessível ao lesado, tendo em conta, designadamente, as sua habilitações ou formação, nenhuma sendo de excluir, bem como um salário médio acessível em termos de normalidade e dentro da previsibilidade;

  - Na atribuição de indemnização segundo juízos de equidade deverá atender-se, em qualquer caso, ao critério de valoração e montantes que as decisões judiciais vêm encontrando para casos análogos, paralelos ou equiparáveis, como postulado pela segurança jurídica e igualdade (proporcionalidade) de tratamento, só a este nível que colhendo efectiva justificação a intervenção do STJ, como Tribunal de revista com competência reservada à apreciação de matéria ou questões de direito.

         5. - Decisão.

         Em conformidade com o exposto, acorda-se em:

         - conceder parcialmente a revista;

         - revogar e alterar, em parte, o acórdão recorrido e, nessa medida, condenar a Recorrida a pagar aos Autores BB e AA a quantia de 35.331,62 euros, com juros à taxa legal desde a data da citação, relativa a despesas com a adaptação da casa para habitação da Autora CC, e a esta a quantia de 400.000,00 euros (em substituição dos 350.000,00€ anteriormente atribuídos, a título de danos patrimoniais.

           

As custas, deste recurso e nas Instâncias, serão suportadas na proporção do vencimento.

                                      Lisboa, 9 Julho 2014

                                      Alves Velho (relator)

                                      Paulo Sá

                                      Garcia Calejo