Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1767/08.3TTLSB.L1S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
SANÇÃO DISCIPLINAR
SANÇÃO ABUSIVA
Data do Acordão: 01/16/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL.
DIREITO DO TRABALHO - DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES - INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / PODER DISCIPLINAR.
Doutrina: - Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações individuais de Trabalho, Coimbra, 2007, p. 898.
- Maria do Rosário Palma Ramalho, «Sobre os Limites do Poder Disciplinar Laboral», I Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Memórias, Coordenação António Moreira, Livraria Almedina, Coimbra 1998, p. 192.
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, p. 712.
- Mário Pinto/ Pedro Furtado Martins/António Nunes de Carvalho, Comentário às Leis do Trabalho, Volume I, Lex, Lisboa, 1994, p. 146.
- Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1997, p. 756.
- Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 15.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, p. 283, nota (2).
- Pedro de Sousa Macedo, Poder Disciplinar Laboral, Almedina, Coimbra, 1990.
- Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, p. 682.
- Pedro Sousa Macedo, Poder Disciplinar Patronal, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, pp. 55-56.
- Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990, pp. 159 a 161.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 350.º, N.º2, 483.º, 496.º.
CÓDIGO DE TRABALHO (CT) /2003: - ARTIGOS 122.º, N.º1, ALÍNEAS A) E D), 367.º, 374.º, 375.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 24-04-1996, BMJ, N.º 456, P. 276;
-DE 13-12-2000, PROC. N.º 00S2449;
-DE 03-03-2004, PROC. N.º 03S2731;
-DE 31-10-2012, PROC. N.º 598/09.8TTALM.L1.S1.
Sumário :
I - Os comportamentos do trabalhador (faltar a uma reunião sem apresentar justificação, colocar obstáculos à marcação de reuniões, recusar colaboração com o novo director e violação do dever de urbanidade para com este), ainda que praticados com culpa leve e beneficiando de circunstâncias atenuantes, constituem infracções disciplinares que prejudicam os interesses da organização e perturbam o equilíbrio e a harmonia colectiva desta.

II - A reacção disciplinar da empresa, apesar de ter culminado com a aplicação de uma sanção excessiva, não se pode considerar persecutória do trabalhador, nos moldes exigidos pelo conceito de sanção abusiva e com os efeitos previstos no art. 375.º, n.º 3 do CT.

Decisão Texto Integral:  
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                                                                         

I - Relatório

1. 1. AA intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum contra BB - Serviços e Gestão, S.A. pedindo que:

1) Seja anulada a sanção disciplinar de suspensão por 50 dias, com perda de retribuição, que lhe foi aplicada pela Ré;

2) Seja a Ré condenada a pagar ao A. as quantias que abaixo se discriminam:

a) € 10.636,00, a título de quantia indevidamente descontada, acrescida de juros legais desde a data da respectiva retenção até efectivo e integral pagamento;

b) € 106.360,00, a título de indemnização face ao carácter abusivo da sanção aplicada, acrescida de juros legais;

c) € 5.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros legais.

Em fundamento da sua pretensão, alegou, em síntese: que foi admitido, em 5 de Fevereiro de 2005, com a categoria profissional de Chefe de Serviço de Sistemas e Suporte a Utilizadores; que a actividade de Chefe de Serviço desenvolvida pelo Autor estava hierárquica e directamente subordinada a um Director de Sistemas de Informação; que, no decurso da relação laboral, após a saída do referido Director de Sistemas de Informação, em Dezembro de 2003, o Autor começou a exercer as funções que até então aquele exercia e que decorrem da atribuição de poderes inerentes à categoria profissional de Director, o que fez ao longo de cerca de 4 anos, criando no Autor a expectativa de reconhecimento dessa categoria; que foi informado, em Novembro de 2007, de que ia ser contratada outra pessoa para o cargo de Director, tendo o Autor manifestado ao Administrador da Ré as suas legítimas expectativas a esse cargo; que na sequência de tal contratação, os advogados do Autor enviaram uma carta à Ré, reclamando a referida categoria de Director e as diferenças salariais retroactivas a Janeiro de 2004, carta que o Autor entregou em mão ao Administrador da Ré, em 23 de Janeiro de 2008; que na sequência dessa carta, em 25 de Janeiro de 2008, ao Autor foi instaurado processo disciplinar com suspensão preventiva; que só foi notificado da nota de culpa, em 27 de Fevereiro de 2008, para além do prazo previsto no art. 417.º, n.º 2 do CT, pelo que a Ré violou o dever de ocupação efectiva; que veio a ser-lhe aplicada sanção disciplinar de suspensão da prestação de trabalho com perda de retribuição e antiguidade, pelo período de 50 dias úteis e que tal sanção é abusiva por ser clara decorrência da invocação das suas legítimas expectativas de lhe ser formalmente reconhecida a categoria profissional de Director de Sistemas de Informação, e demais direitos e regalias daí decorrentes.

Com base no exposto, o Autor reclama a retribuição devida pelo período de suspensão, bem como a indemnização devida pela aplicação de sanção disciplinar abusiva e indemnização por danos morais que alega ter sofrido.

Antes ainda de ordenada a citação da Ré, o Autor veio a fls. 133 e ss. aditar novo pedido, porquanto a Ré lhe descontou a quantia de € 598,48 na retribuição de Março de 2008, relativa a despesas de telefone durante o período em que esteve preventivamente suspenso, o que não aceita, porquanto a utilização, pelo Autor, de um telemóvel propriedade da Ré, tanto para fins profissionais como para fins pessoais, faz parte integrante da sua remuneração e, além disso, não lhe pagou os três primeiros dias de Abril, sendo-lhe devida a quantia de € 638,16, tendo em conta que só começou a cumprir a sanção em  4 de Abril de 2008, peticionando estes valores, bem como juros de mora desde a data da sua retenção ou vencimento.

Realizada a audiência de partes, a Ré apresentou contestação, defendendo, em suma, que o Autor quis fazer crer que o procedimento disciplinar, bem como a respectiva sanção, foram motivados pela reivindicação de uma categoria profissional, cujas funções aliás nunca exerceu (estando a questão da categoria profissional a ser discutida numa outra acção com o n.º 1085/08.7TTLSB). Contudo, alega a Ré que a razão de tal procedimento disciplinar foi a contestação aberta e desproporcionada à contratação do novo Director e a recusa de colaboração com ele, bem como o facto de o Autor ter tentado aceder a informação confidencial relativa a salários e exibido a folha de vencimento do ex-Director, sem para tal estar autorizado, para além de ter comparecido alcoolizado ao serviço, tendo violado os deveres de obediência, de respeito, urbanidade e probidade, de lealdade e de realizar o trabalho com zelo e diligência, o que fez de forma dolosa, sendo a sanção disciplinar adequada.

O Autor respondeu à contestação nos termos de fls. 229 e ss., sustentando a improcedência da excepção e impugnando um documento junto.

Admitida a cumulação de pedidos de fls. 133 (fls. 242), foi fixado o valor da acção em € 121.996,00 (fls. 245) e dispensada a fixação de matéria de facto assente, bem como a organização de base instrutória e proferido despacho saneador (fls. 248­­‑249).

A fls. 252 e ss. veio, ainda, o Autor formular um novo pedido de pagamento de ajudas de custo de Abril e Junho de 2009, que contabiliza em € 1.500,00, acrescidas de juros, pedido que a Ré contestou a fls. 270-271, por entender não serem devidas ajudas de custo ao Autor.

Foi admitido tal novo pedido por despacho proferido a fls. 334.

Realizado o julgamento (fls. 383 e ss.), veio a ser proferida decisão sobre a matéria de facto em litígio (fls. 392 e ss.), a qual não foi objecto de reclamação e foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:

«Face ao exposto julgo a ação parcialmente procedente, por provada, e consequentemente:

a. Declaro anuladas, por falta de prova dos factos que as fundamentam, as seguintes sanções aplicadas por BB - SERVIÇOS E GESTÃO, S.A. ao seu trabalhador AA:

i. pela violação do dever de lealdade para com a sua entidade patronal - 22 dias úteis;

ii. pela falta de interesse pelo cumprimento, com o zelo e a diligência devidos, das obrigações inerentes às suas funções - 8 dias úteis.

b. Condeno a R. a pagar ao A. a quantia € 6.285 (seis mil duzentos e oitenta e cinco euros), relativa à restituição da retribuição dos 30 dias úteis de suspensão anulados.

c. Condeno a R. a pagar ao A. a quantia de € 628,50 (seiscentos e vinte e oito euros e cinquenta cêntimos), relativa à retribuição de 1 a 3 de Abril de 2008;

d. Condeno a R. a pagar ao A. a quantia de € 1.500 (mil e quinhentos euros) a título de ajudas de custo relativas aos meses de abril e junho de 2009;

e. Condeno a R. a devolver ao A. a quantia de €598,48 (quinhentos e noventa e oito euros e quarenta e oito cêntimos) relativos a despesas efetuadas pelo A. com telefone durante o período em que esteve preventivamente suspenso.

f. Todas as mencionadas quantias vencem juros civis à taxa legal desde a data em que deviam ter sido pagas, data do seu vencimento, até pagamento integral e efetivo.

g. Absolvo a R. dos demais pedidos formulados pelo A.»

O Autor, inconformado, interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, que decidiu o seguinte:

«Em face do exposto, julga-se o presente recurso parcialmente procedente e, por força da anulação global a que se procede da sanção disciplinar de 50 dias de suspensão da prestação de trabalho com perda de retribuição, revoga-se a sentença recorrida na parte em que absolveu a R. BB-Serviços e Gestão, S.A. dos demais pedidos formulados na petição inicial e condena-se a mesma, ainda:
4.1. A pagar ao recorrente a quantia € 4.190,00 (quatro mil sento e noventa euros), relativa à restituição da retribuição dos 20 dias úteis de suspensão da prestação de trabalho, acrescida de juros de  mora à taxa legal desde a data do seu vencimento até integral pagamento;
4.2. A pagar ao recorrente a quantia de € 1.000,00 (mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento; no mais se absolvendo do peticionado.»
1.2. Inconformado, o Autor recorreu para este Supremo Tribunal, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

«I. O Tribunal da Relação de Lisboa entendeu, e bem, anular a sanção disciplinar unitária de suspensão da prestação de trabalho com perda de retribuição e de antiguidade, pelo período de 50 dias úteis, aplicada pela Recorrida ao Recorrente, condenando-a no pagamento das retribuições correspondentes e outras quantias peticionadas, tudo acrescido de juros moratórios,

II. Uma vez considerando tal sanção disciplinar de suspensão por 50 dias úteis um gravame absolutamente injustificado/ excessiva/ desproporcional, tanto pela falta de prova de comportamentos que a sustentem como pelo facto de as circunstâncias temporais e exteriores mitigarem a culpa do trabalhador e aconselharem um menor rigor punitivo.

III. Porém, apesar de considerar preenchido o elemento objectivo, previsto no n.º 2 do artigo 374.º do CT de 2003, que faz operar a presunção de abusividade daquela sanção disciplinar aplicada pela Recorrida ao Recorrente, decidiu o Tribunal recorrido que tal presunção deveria ter-se por afastada pelo facto de se terem apurado nestes autos condutas do recorrente que alegadamente consubstanciam infracções disciplinares susceptíveis de fundamentar a instauração de um procedimento disciplinar e a aplicação no mesmo de uma sanção, não havendo, por essa via, lugar ao pagamento da indemnização prevista no nº 3 do artigo 375.° do citado Diploma.

Ora,

IV. Atendendo-se aos comportamentos descritos nos pontos 50. a 55. da factualidade provada, jamais dos mesmos, por si, pode concluir-se pela prática pelo Recorrente de qualquer infracção disciplinar, porquanto,

V. Embora a lei não dê directamente uma definição de infracção disciplinar, ela está indissociavelmente ligada à ideia de comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador de algum dos seus deveres contratuais ou legais, acrescendo que para haver infracção disciplinar, tem de resultar provado qualquer circunstancialismo que permita entender e concluir, sem mais, que ao trabalhador era exigível, outro comportamento.

VI. E que, em concreto, o comportamento adoptado pelo trabalhador se demonstra contrário ou desfavorável à manutenção da ordem e disciplina na entidade patronal ou tem impacto atendível na imagem do empregador e/ou no normal desempenho de funções do trabalhador, em termos que seja censurável adoptá-lo.

VII. Atendendo a toda a factualidade assente, não pode concluir-se pela adopção de qualquer comportamento doloso (directamente orientado pelo trabalhador para violar os seus deveres laborais e perturbar a organização e disciplina do trabalho e/ou causar danos na imagem da sua entidade patronal e/ou qualquer prejuízo na relação desta com terceiros), mas antes pela existência de um clima de "litígio", angústia, desmerecimento, revolta do trabalhador por não lhe ter sido reconhecia a categoria profissional que estava convicto ser a sua (a de Director), e inerentes direitos e regalias, com a entrada de um outro Director de Sistemas de Informação, sendo que os comportamentos adoptados pelo mesmo, se algo mais reflectem é que se dirigiram à defesa dos direitos que entendia assistirem-lhe.

VIII. Ademais, tais comportamentos, por si, não constituem infracção disciplinar, são minudências em que a entidade empregadora pega e trata à sua medida numa clara atitude persecutória...senão atente-se a sequência lógica e cronológica dos acontecimentos: o trabalhador reclama direitos num dia e no dia seguinte já não tem acesso à rede informática (principal instrumento de trabalho) e é-lhe instaurado um procedimento disciplinar pela Recorrida.

IX. Ao invés, o que se verifica nestes autos, e outra coisa não pode concluir-se, analisando no seu todo a factualidade assente, é uma atitude claramente persecutória/ retaliatória/ contra os ditames da boa-fé, por parte da Recorrida na instauração do procedimento disciplinar e na aplicação da sanção ao Recorrente.

X. Para além da sequência lógica e cronológica dos factos, atente-se o facto de, apesar de muito puxar, a entidade empregadora não conseguiu provar os factos mais graves e que determinaram a maior medida da pena...assim como não conseguiu deixar poeira suficiente no ar a entender-se que ela própria provocou muitos dos comportamentos adoptados pelo trabalhador, espicaçando-o numa fase em que o mesmo tinha acabado de chegar à empresa em virtude de esgotamento medicamente comprovado (motivado por toda a situação profissional que vivia).

XI. É, por demais, evidente que só com a mão da Recorrida é que o Recorrente conseguiu, depois de ter sempre sido premiado ao longo de anos pelo impacto positivo que o zelo e diligência com que exerceu as funções que lhe estavam cometidas teve na empresa da sua entidade patronal - isto, enquanto não reclamou os direitos que estava legitimamente convicto assistirem-lhe -, de repente, em apenas 9 dias, adoptar comportamentos pretensamente susceptíveis de configurarem a prática de 4 infracções disciplinares (tal como lhe são imputadas na decisão disciplinar); já para não referir o facto de a Recorrida ter tido necessidade de ir buscar factos ocorridos há mais de um ano para, de alguma forma, tentar a todo o custo legitimar a bondade da sua actuação.

XII. É evidente que o Recorrente, a partir do momento em que reclamou direitos, se transformou em persona non grata para a Recorrida, que reagiu com a aplicação desta sanção disciplinar. Sendo, também, claro e evidente que se o Recorrente não tivesse reclamado direitos, tal procedimento disciplinar jamais teria sido instaurado, tudo se mantendo como se nada se tivesse passado.

XIII. Temos, assim, forçosamente que concluir pela não elisão da presunção de abusividade da sanção disciplinar aplicada pela Recorrida ao Recorrente, devendo a mesma ser condenada a pagar a respectiva indemnização prevista no n.º 3 do artigo 375.º do Código do Trabalho.

Por outra via,

XIV. Ainda que o trabalhador tivesse adoptado algum comportamento susceptível de integrar o conceito de infracção disciplinar, para ilidir a presunção de abusividade da sanção disciplinar unitária de 50 dias úteis de suspensão efectivamente aplicada, necessário seria que a Recorrida tivesse provado os factos em que a mesma assentou, e que inexistissem circunstâncias exteriores a mitigarem a culpa do agente e a aconselharem menor rigor punitivo.

XV. Se bem que nem toda a desproporcionalidade da sanção disciplinar aplicada pode merecer o epíteto de sanção abusiva, nos termos do disposto no artigo 374.° e para os efeitos do artigo 375º, ambos do CT, o facto é que, para efeitos de elisão da presunção prevista no n.° 2 do artigo 374.°, a sanção disciplinar aplicada pelo trabalhador não pode ser clamorosamente excessiva.

XVI. A Recorrida não só não provou a prática pelo Recorrente de todos os factos que estiveram na base da aplicação ao Recorrente da sanção disciplinar unitária de 50 dias úteis com perda de retribuição e antiguidade, como não provou sequer os factos necessários para legitimar, pelo menos, a aplicação de metade da mesma, ou seja, de 25 dias de suspensão com perda de retribuição e antiguidade, mas, na hipótese mais favorável à Recorrida, tão-só de 20 dias úteis pela pretensa prática pelo Recorrente das infracções disciplinares consubstanciadas na violação dos deveres de obediência (8 dias úteis) e de urbanidade e probidade (12 dias úteis), não provando as "infracções mais graves" e que maior influencia na aplicação daquela sanção disciplinar.

XVII. A regra da proporcionalidade constante do artigo 367.° do CT manda, tanto na eleição da sanção aplicável como na sua graduação, atender ao grau de culpa do infractor (se agiu dolosamente, com negligência grave ou leve), ao valor ofendido e às demais circunstâncias atendíveis, de modo a evitar o risco de aplicar sanções desproporcionadas às infracções cometidas, tendo em atenção todo o quadro que envolveu a prática de cada uma delas (cf. Abílio Neto, Código Anotado, 3ª Edição, Maio de 2006, pág. 570).

XVIII.    Segundo o princípio da proibição do excesso ou da proporcionalidade ("a sanção deve ser proporcionada à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor) a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa que neste campo "constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal..., pag.230)

XIX. A gravidade da infracção deve ser avaliada tendo por base o grau de perturbação provocada no vínculo laboral, na organização e imagem empresariais; a afectação de interesses da empresa; a possibilidade de reincidência; os efeitos produzidos; etc. Estes são alguns dados ponderáveis, sendo que cada uma das situações deve ser analisada no concreto.

XX. Na avaliação da culpabilidade do infractor, para efeitos de determinação da sanção disciplinar proporcional, o empregador deverá ter em consideração se o trabalhador actuou com dolo ou negligência e, por outro lado, ponderar a existência de circunstâncias exteriores e a sua influência na determinação do agente, (cf. Paula e Hélder Quintas, Código do Trabalho Anotado e Comentado, 4ª Edição, 2004, pág. 741)

XXI. Note-se, ainda, que, a suspensão, enquanto sanção disciplinar, consiste no afastamento compulsivo-‑temporário do trabalhador da estrutura empresarial onde presta trabalho, com perda da retribuição e de antiguidade correspondente ao período em que está excluído (pois só assim serão atingidos os objectivos sancionatório-punitivos em causa).

XXII. A suspensão do trabalho nestes termos, para além de afectar o princípio da irredutibilidade da retribuição, prejudica, ainda, a valorização profissional do trabalhador, daí que o legislador tenha imposto um limite máximo.

XXIII.    Repare-se, é a segunda sanção disciplinar mais gravosa prevista pelo legislador, tendo os comportamentos, violadores de deveres, assumidos pelo trabalhador de ser muito graves (sendo a gravidade aferida pela perturbação causada por esses comportamentos no vínculo laboral).

XXIV.    E, a culpabilidade do infractor tem de ter na sua base uma actuação dolosa, sem que haja qualquer circunstância exterior que influencie a determinação do trabalhador.

XXV.      In casu, atentos os factos provados, a sanção de suspensão é completamente desadequada e desproporcional às infracções consideradas como provadas pelo Tribunal a quo.

XXVI.    Porquanto, sempre se dirá que o Recorrente, ao assumir tais comportamentos, fê-lo sob influência de circunstâncias que determinaram e regeram a sua conduta (a expectativa do reconhecimento da categoria profissional de Director, o não reconhecimento dessa categoria por parte da Recorrida, a frustração e revolta perante a contratação de outra pessoa para o cargo, o sentimento de desmerecimento, a baixa medicamente comprovada - cf. pontos 17,19, 20, 21 dos factos provados).

XXVII. Não podendo dizer-se que agiu de forma livre e deliberada, pretendendo com isso afrontar os seus deveres enquanto trabalhador, e conformando-se com esse resultado, mas antes na defesa dos seus direitos enquanto trabalhador - direitos esses que estava convicto assistirem-lhe.

XXVIII. Ademais, para lá do, a existir, diminuto grau de culpa, sempre serão de considerar como elementos atenuantes, o facto de o trabalhador não ter antecedentes disciplinares e ser um bom trabalhador, cumpridor e diligente, premiado por essa via pela sua entidade patronal.

DONDE,

XXIX.    Antes devendo ser conhecido do carácter abusivo da sanção disciplinar de 50 dias úteis suspensão da prestação de trabalho com perda de retribuição e antiguidade, por ser clamorosamente excessiva, e, consequentemente, ser a Recorrida condenada no pagamento ao Recorrente da indemnização prevista no artigo 375.°, n.° 3 do CT, no valor de € 106.360,00, atenta a não elisão da presunção de abusividade da sanção aplicada pela Recorrida.

Isto porque,

XXX.      Ressalta à saciedade destes autos que a sanção aplicada mais não constitui do que uma represália por o trabalhador ter reclamado direitos, resultando claro, também, que manifestamente excedidos foram os ditames da boa fé por parte da entidade empregadora e que esta sanção é clamorosamente desproporcional a qualquer eventual comportamento ilícito adoptado pelo trabalhador.»

Pretende, assim, o Autor, a revogação do acórdão recorrido, na parte objecto deste Recurso, e, consequentemente, que seja declarada como abusiva a sanção aplicada e condenada a Recorrida a pagar ao Recorrente a indemnização prevista no n.º 3 do artigo 375.º do CT, no valor de € 103.360,00, acrescida de juros.

            A Ré não contra-alegou.

            1.3. Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do disposto do art. 87.º, n.º 3 do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
 

Notificado este parecer às partes, respondeu o Recorrente, manifestando a sua discordância.

 II – Objecto do recurso

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do Recorrente, nos termos do disposto nos arts 684.º, n.º 3 e 685.º-A do CPC, na versão que lhes foi conferida pelo Decreto-lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, a questão que se coloca à apreciação deste Supremo Tribunal consiste em saber:
 – Se a sanção disciplinar aplicada ao Autor e anulada pelo acórdão recorrido tem um carácter abusivo, nos termos do art. 374.º, n.º 1, al. d), do CT de 2003, e se deve ser atribuída, ao Autor, a indemnização prevista no art. 375.º, n.º 3 do CT de 2003.

 

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

III - Fundamentação de facto

Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pelo acórdão recorrido nos seguintes termos:

«[...]

1. A R. é uma das empresas do Grupo BB, detida exclusivamente pela BB SGPS, SA, que resultou da alteração da forma jurídica da CC, Lda.

2. Da estrutura organizacional da R. faz parte uma Direcção de Sistemas de Informação que se desdobra em duas áreas: uma sob a designação de Desenvolvimento e Suporte Aplicacional e a outra sob a designação de Infraestrutura Técnica.

3. O A. foi admitido pela R. em 5/Fevereiro/1999, mediante contrato individual de trabalho, para exercer por conta e sob autoridade daquela as funções inerentes à categoria profissional de Chefe de Serviço de Sistemas e Suporte a Utilizadores.

4. Tendo o A. começado, a partir daquela data (5/Fevereiro/1999), a exercer as funções tendentes a «definir e assegurar a implementação da estratégia de Tecnologias de Informação do Grupo BB, em sintonia com a estratégia dos Sistemas de Informação», nomeadamente a gestão das equipas de trabalhadores da R. que prestavam assessoria aos sistemas de informação por ela (R.) comercializados e instalados.

5. E exercendo o cargo de Coordenador de Infraestrutura Técnica e Suporte a Utilizadores com as tarefas constantes de fls. 40 e 41, que se dão aqui por reproduzidas.

6. DD exercia o cargo de Coordenador de Suporte Aplicacional de Sistemas de Informação.

7. No exercício das suas funções, a actividade desenvolvida pelo A., bem como a de DD, estava hierárquica e directamente subordinada a um Director de Sistemas de Informação - até final de 2003, o Senhor Eng. EE.

8. O Director de Sistemas de Informação tinha os poderes e as tarefas constantes de fls. 44 a 46 que se dão aqui por reproduzidas.

9. O Director de Sistemas de Informação reportava ao Administrador Dr. FF.

10. Em 31/12/2003, o Eng. EE saiu da empresa.

11. A partir de Janeiro de 2004, o A. e DD passaram a reportar ao Administrador Dr. FF que passou a exercer as funções de director.

12. E na sequência da saída do Eng. EE, o A.:

o elaborava, controlava, geria e cumpria o orçamento da Infraestrutura Técnica e Suporte a Utilizadores, submetendo-o à apreciação do Dr. FF que o aprovava;

o negociou, em 2005, as questões técnicas e o preço de telecomunicações com a PT, cujo contrato de adjudicação foi assinado pelo Dr. FF;

o negociou, em finais de 2005, o fornecimento de telecomunicações com a GG (voz e dados) cujo contrato de adjudicação foi assinado pelo Dr. FF;

o renegociou, em 2005, com o fornecedor de impressoras OCE, sendo o contrato novo assinado pelo Eng. FF;

o negociou, em 2006, o contrato de outsourcing do sistema informático com a E..., vindo a ser ultimado quanto ao preço e assinado pelo Eng. FF.

13. Após a saída do anterior Director dos Sistemas de Informação, o A. passou a participar em reuniões com o Administrador FF;

14. Em 23/2/2007, o A. foi convocado para uma Reunião de Coordenação Geral a ter lugar no dia 26/02/07 pelas 10h, para intervir no assunto da informática da HH

15. DD procedeu à avaliação do desempenho de 2002, 2004, 2005 e 2007 de II; o A. avaliou JJ em 2007 dado que dentro da DSI exercia a função de técnica de helpdesk, com a categoria de Escriturário de 1ª, estando as suas funções mais ligadas à área da Infraestrutura Técnica.

16. O A. passou a ser avaliado pelo Dr. FF, que passou a figurar como seu único superior hierárquico, sendo que antes, o A. era avaliado pelo então Director de Sistemas de Informação, Eng. FF.

17. A R. jamais reconheceu ao A. a categoria profissional de Director de Sistemas de Informação.

18. Durante quatro anos o A. desempenhou com zelo e diligência as funções que desempenhava, tendo a R. atribuído um prémio ao A. face à contribuição individual e desempenho excepcional demonstrados, para além do normal exercício das suas funções, com impacto positivo nos resultados da empresa em 2005.

19. O A. criou uma expectativa de reconhecimento da categoria profissional de Director de Sistemas de Informação

20. Em Novembro de 2007, o A. foi informado que a R. iria proceder à contratação de um novo Director de Sistemas de Informação.

21. Na sequência do facto 20., o A. ficou indignado, revoltado, votado ao desmerecimento e ausentou-se do seu local de trabalho entre o dia 4 de Dezembro de 2007 e o dia 14 de Janeiro de 2008, em virtude de um esgotamento medicamente comprovado.

22. E, quando o A. regressou ao seu local de trabalho, deparou-se já com a presença do novo Director de Sistemas de Informação e com o agendamento de uma reunião na qual participou.

23. Nessa reunião, que decorreu no dia 15 de Janeiro de 2008, o A. demonstrou o desconforto perante a chegada de um novo Director de Sistemas de Informação, entretanto contratado, o Eng. KK.

24. O A. remeteu à R. no dia 22/1/2008, a carta constante de fls. 57 cujo teor se dá aqui por reproduzido.

25. Tal carta foi também entregue em mão pelo A., no dia seguinte (23 de Janeiro de 2008, quarta-feira), ao Administrador, Dr. FF, que a leu imediatamente.

26. No dia seguinte, 24 de Janeiro de 2008 (quinta-feira), logo que entrou ao serviço, o A. verificou que não tinha acesso à rede do sistema informático da R.

27. Face ao que, pensando existir qualquer anomalia, imediatamente contactou a E... (empresa responsável pela manutenção), que lhe respondeu que a Administração da R. a tinha instruído para lhe (ao A.) cortar o acesso à rede.

28. O sistema informático constitui o principal instrumento de trabalho do A.

29. Ainda assim, o A. permaneceu no seu local de trabalho, tão-só abrindo correspondência e organizando a sua secretária, até ao final desse dia (24 de Janeiro de 2008).

30. No dia seguinte, 25 de Janeiro de 2008, quando o A. regressou normalmente ao seu local de trabalho, foi-lhe entregue em mão pela Directora das Recursos Humanos da R., Dra. LL, uma carta na qual a R. comunicava ao A. a intenção de lhe instaurar um processo disciplinar tendente ao despedimento e concomitantemente a sua suspensão preventiva sem perda de retribuição, não devendo o A. apresentar-se ao trabalho até lhe ser comunicado o contrário.

31. O A. recebeu a Nota de Culpa em 27 de Fevereiro de 2008.

32. A Nota de Culpa imputa ao A. os factos constantes documento de fls. 64 e ss que se dá aqui por reproduzido.

33. O A. respondeu à Nota de Culpa pela carta de fls. 73 e ss. cujo teor se dá aqui por reproduzido.

34. A R. veio a aplicar ao A. a sanção disciplinar de suspensão da prestação de trabalho com perda de retribuição e antiguidade pelo período de 50 dias úteis por cada uma das infracções imputadas ao A.:

§ pela desobediência ilegítima às ordens dadas pelos seus superiores hierárquicos - 8 dias úteis;

§ por ter tratado a sua entidade patronal e superiores hierárquicos com falta de urbanidade e probidade - 12 dias úteis;

§ pela violação do dever de lealdade para com a sua entidade patronal - 22 dias úteis;

§ pela falta de interesse pelo cumprimento, com o zelo e a diligência devidos, das obrigações inerentes às suas funções - 8 dias úteis.

35. A sanção disciplinar começou a produzir os seus efeitos em 4 de Abril de 2008, estando o A. desde então, suspenso do trabalho com perda de retribuição, e cessou em 20 de Junho de 2008, devendo o A. apresentar-se ao trabalho no dia 23 de Junho de 2008.

36. De acordo com o ordenado pela R., o A. entregou o computador portátil o telemóvel e os cartões de acesso ao Edifício BB (local de trabalho do A.) propriedade da R., que por esta lhe foram atribuídos para o exercício das suas funções.

37. A última remuneração base mensal auferida pelo A. ascende a € 3.859,00.

38. O A. auferia subsídio de alimentação diário de €6,05, subsídio de isenção de horário de trabalho e quantia a título de ajudas de custo.

39. Ajudas de custo essas que foram pagas mensalmente ao A. pela R. independentemente de qualquer critério relacionado com despesas suportadas pelo trabalhador por conta da entidade empregadora.

40. A R. entregava ao A. antecipadamente, os mapas das ajudas de custo em branco, apenas preenchidos pelo valor final a receber no mês respetivo, a fim de ele assinar em sinal do recebimento dessas quantias.

41. Depois de assinados, o A. entregava esses mapas à R. e no final do mês respectivo recebia o valor indicado no mapa respectivo.

42. Em cada ano, desde o início da relação laboral com o A., a R. calculava o valor anual de ajudas de custo a auferir pelo A. e distribuía esse valor anual em 12 parcelas de valores aproximados, que ia pagando ao A., uma a uma, no final de cada mês, em simultâneo com as demais prestações retributivas, de molde a que, em cada mês, o A. recebesse um valor diferente.

43. A média das ajudas de custo auferidas pelo A., no ano de 2007, ascende a €750,00.

44. Após ter tido conhecimento do facto 34., o A. ficou angustiado e revoltado.

45. O salário que o A. aufere mensalmente é primordial para o A. prover às despesas mensais do seu agregado familiar, designadamente, vestuário, habitação, alimentação e outras, bem como dos seus três filhos.

46. Com a perda do salário mensal, o A. ficou privado de realizar certas atividades com os filhos.

47. O A. ficou revoltado por não ter sido nomeado director.

48. O A. não se apresentou ao trabalho no dia 26/2/2008.

49. O Eng. KK iniciou o seu trabalho na Ré no dia 2 de Janeiro de 2008.

50. O Autor, num e-mail de 4 de Janeiro de 2008, remetido ao responsável da E… (empresa que presta serviços informáticos à Ré) pela gestão de conta da Ré, Eng.º MM, e-mail enviado com conhecimento a outro trabalhador da E… e a vários administradores da Ré, ao referir-se ao novo Director de Sistemas de Informação usa a expressão “(…) pelos vistos fazer Power Point’s é que é importante”, dizendo ainda que “eu faço demasiado ruído e não sou Eng. nem ando todos os dias de gravata”.

51. No dia 15 de Janeiro de 2008, o Eng.º KK, novo Director de Sistemas de Informação da Ré, foi ter com o Autor, tendo-se apresentado e cumprimentado este, que lhe respondeu, com um tom agressivo e à frente dos outros colegas: “quem é você?”

52. No mesmo dia, na reunião referida no ponto 23., o Eng.º KK pediu ajuda a este e ao seu colega DD para começar a preparar o orçamento da Direcção de Sistemas de Informação, tendo o Autor, à frente de toda a equipa, dito que o orçamento era da exclusiva responsabilidade do Director, e que não o ia ajudar a fazer. E que só recebia ordens do Dr. FF.

53. O Eng.º KK pediu então ao Autor para este lhe explicar os contratos que a Ré tem na área de infraestruturas – área da qual o Autor é o coordenador -, tendo o Autor respondido que a gestão de contratos era da responsabilidade do Director de Sistemas de Informação, e que os mesmos estavam no arquivo e se precisasse de ajuda “peça à JJ” (secretária do Departamento de Sistemas de Informação).

54. No dia 23 de Janeiro de 2008, às 17 horas, o Autor tinha uma reunião marcada com o Administrador da Ré, Dr. FF, no gabinete deste, tendo faltado à mencionada reunião.

55. Convocado para uma reunião no dia 24 de Janeiro, às 17h30, o Autor respondeu ao Administrador, por e-mail de 24 de Janeiro de 2008, que a esta hora não estava disponível, pois depois da hora de expediente só estaria disponível para reuniões se avisado de véspera, devido aos seus compromissos pessoais.

56. No dia 11 de Janeiro de 2008, o Autor solicitou telefonicamente ao trabalhador com a função helpdesk da empresa E… que fosse impresso um recibo de ordenado do Eng. EE (antigo director de sistemas de informação da Ré) respeitante ao mês de Outubro de 2003 e que o mesmo lhe fosse enviado com urgência, tendo-lhe sido respondido ao Autor, pele referido helpdesk, que teria de ser pedida autorização à Ré para lhe ser dada essa informação.

57. A empresa E… presta à Ré serviços de informática (sistemas de informação), incluindo a gestão exclusiva das passwords críticas de gestão de sistemas, de carácter reservado, às quais nem o Autor nem os restantes colaboradores da Ré, com excepção da Directora de Recursos Humanos, têm acesso.

58. O Autor não tinha motivo justificativo para aceder às passwords e àquela informação e não lhe estava autorizado esse acesso.

59. A R. não pagou ao A. qualquer quantia a título de ajudas de custo nos meses de Abril e Junho de 2009.

Resulta ainda provado por acordo, por não ter sido impugnado (nos termos do art. 659.º n.º 3 do CPC):

60. A R. não pagou ao A. a retribuição de 1 a 3 de Abril de 2008.

61. A R., na retribuição do mês de Março de 2008, descontou €598,48 relativos a despesas efectuadas pelo A. com telefone durante o período em que esteve preventivamente suspenso (doc. de fls. 137).

[...]».

                                                                                                      

            IV – Fundamentação de direito

            Atendendo a que o procedimento disciplinar decorreu e a sanção disciplinar foi aplicada e cumprida na vigência do Código de Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, aplica-se o regime jurídico acolhido naquele Código, a que pertencem as disposições que, de ora em diante, viermos a citar sem indicação de origem.

Está em causa a classificação, como sanção abusiva, nos termos do art. 374.º do CT, para o efeito indemnizatório consagrado no n.º 3 do art. 375.º do CT, de uma sanção disciplinar – suspensão por 50 dias com perda de vencimento – anulada pelo acórdão recorrido.

Para enquadrar juridicamente o problema, analisaremos a questão dos limites do poder disciplinar e dos elementos constitutivos da sanção abusiva.

O poder disciplinar é um poder funcional[1], cujo exercício tem por finalidade a defesa dos interesses da empresa, ilícita e culposamente prejudicados pelo trabalhador, estando circunscrito às condutas deste, que contrariem as suas obrigações contratuais e legais, devendo a trabalhador ser visto como pessoa concreta, titular de direitos fundamentais à privacidade e à liberdade de opinião e de expressão. O poder disciplinar justifica-se nas necessidades organizativas da empresa e é susceptível de controlo judicial. 

A essência punitiva do poder disciplinar, humilhante e estigmatizante para o trabalhador, obriga o empregador a uma ponderação da infracção em termos semelhantes ao das sanções penais, uma vez que se trata de uma pena, em cujo processo de aplicação se verifica uma confusão entre a parte que se alega da posição de vítima e o juiz da infracção.

O empregador tem de ponderar, na aplicação de sanções, a gravidade da infracção e o grau de culpa do trabalhador, tendo em conta todas as circunstâncias atenuantes do caso concreto, valendo uma regra de proporcionalidade, nos termos do art. 367.º do CT de 2003. Esta regra exige a consideração da prática disciplinar da empresa face à generalidade dos trabalhadores e da política de direcção do pessoal, bem como dos antecedentes disciplinares do trabalhador considerado[2].

O poder disciplinar não pode ser entendido como um poder absoluto e arbitrário da empresa. Apesar de se reconduzir ao conceito técnico-jurídico de direito subjectivo, e de se admitir alguma margem de discricionariedade ao seu titular, está sujeito a limites no seu exercício decorrentes da boa fé e do abuso de direito (art. 334.º do CC), devendo esta margem de discricionariedade ser balizada em termos objectivos e assentar na ponderação do equilíbrio entre os interesses empresariais e aquele trabalhador considerado em si mesmo como indivíduo e como profissional[3]. Desde logo, o exercício do poder disciplinar só é lícito se estamos perante a prática de uma infracção disciplinar, traduzida na violação culposa dos deveres laborais do trabalhador. Assim, actua de forma abusiva o empregador que aplica uma sanção disciplinar a um trabalhador que exerce um direito próprio ou que desobedece a uma ordem ilegítima, ou reclama contra uma situação discriminatória.

Tendo em conta a desigualdade de poder entre empregador e trabalhador, e a susceptibilidade de utilização do poder disciplinar, por parte do empregador, para outros fins, por exemplo, retaliação ou perseguição de trabalhadores, e não para a punição do incumprimento culposo de deveres laborais ou para o restabelecimento do equilíbrio da organização, a lei classifica como abusiva a sanção nas situações previstas no art. 374.º do CT de 2003, que consagra presunções de abusividade, ilidíveis mediante prova do contrário (art. 350.º, n.º 2 do CC), recaindo o ónus da prova na empresa:

«1 - Considera-se abusiva a sanção disciplinar motivada pelo facto de o trabalhador:

a) Haver reclamado legitimamente contra as condições de trabalho;

b) Recusar-se a cumprir ordens a que não devesse obediência, nos termos da alínea d) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 121.º;

c) Exercer ou candidatar-se a funções em organismos de representação de trabalhadores;

d) Em geral, exercer, ter exercido, pretender exercer ou invocar os direitos e garantias que lhe assistem.»

             

2 - Presume-se abusivo o despedimento ou a aplicação de qualquer sanção sob a aparência de punição de outra falta, quando tenha lugar até seis meses após qualquer dos factos mencionados nas alíneas a), b) e d) do número anterior.»

No caso vertente, o Recorrente invocou a alínea d) do n.º 1 do art. 374.º do CT de 2003 – o exercício de direitos e garantias – como a causa da presunção de abusividade da sanção de suspensão por 50 dias com perda de vencimento – defendendo que esta presunção não foi ilidida pela empregadora, a qual teria incorrido, portanto, nas consequências indemnizatórias definidas no art. 375.º, n.º 3: «Tratando-se de sanção pecuniária ou suspensão, a indemnização não deve ser inferior a 10 vezes a importância daquela ou da retribuição perdida».

            No processo judicial de impugnação da sanção, intentado pelo trabalhador, o tribunal não pode substituir-se ao empregador, mas tão-só confirmar ou invalidar a sanção, mas não modificá-la. Tem sido esta a posição da doutrina juslaborista[4] e a orientação jurisprudencial seguida por este Supremo Tribunal, conforme se verifica no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Abril de 1996, relatado pelo Conselheiro Almeida Deveza, BMJ, n.º 456, p. 276 e no acórdão de 03-03-2004, Proc. n.º 03S2731, relatado pelo Conselheiro Vítor Mesquita, onde se afirma, respectivamente o seguinte:

 

“Se entender que a sanção imposta é excessiva ou desproporcionada, o tribunal limita-se a anulá-la, não podendo substituir-se ao empregador na determinação da medida da sanção.” (cf. acórdão de 24-04-1996)

“Se o trabalhador recorrer ao tribunal para impugnar a sanção que lhe foi cominada, a este cabe apenas revogar ou confirmar a sanção, não podendo substituir-se ao empregador na determinação da medida da sanção, pois que o exercício da acção disciplinar é uma prerrogativa da entidade patronal e depende designadamente de critérios valorativos de gestão que o juiz não está em condições de avaliar.” (acórdão de 03-03-2004).

            A lei portuguesa não define o conceito de sanção abusiva, mas distingue o exercício ilícito do poder disciplinar do seu exercício abusivo[5], reservando esta última classificação para as situações taxativamente descritas no art. 374.º do CT , através da técnica legislativa das presunções legais.

            O fundamento desta categoria legal de sanções reside no facto de o empregador utilizar o seu poder disciplinar para fins diferentes da punição de infracções laborais, visando prejudicar e perseguir o trabalhador, silenciá-lo ou ver-se livre dele, unicamente pelo facto de o considerar uma pessoa incómoda. Trata-se de manobras intimidativas da entidade empregadora para obstar ao livre exercício de direitos.

A alínea d) do n.º 1 do artigo 374.º do Código do Trabalho materializa um princípio que tem expressão, entre outros, na alínea a) do n.º 1 do artigo 122.º do mesmo código, que proíbe expressamente ao empregador «opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem como (…), aplicar-lhe outras sanções, ou tratá-lo desfavoravelmente por causa desse exercício».

A lei pretende que os trabalhadores tenham liberdade de reclamar direitos, sem receio de retaliações da empresa, condenando esta, quando aplica aos trabalhadores sanções abusivas, a uma indemnização particularmente gravosa, nos termos do art. 375.º do CT de 2003, e que, no caso da suspensão com perda de retribuição, não deve ser inferior a 10 vezes a importância da retribuição perdida (art. 375.º, n.º 3 do CT de 2003). Esta indemnização prossegue finalidades punitivas e preventivas, podendo ser cumulada com a indemnização por danos não patrimoniais (arts 483.º e 496.º do CC), e estando, por isso, reservada para situações de extrema gravidade que ultrapassam a natureza ilícita da sanção aplicada.

O conceito de sanção abusiva é composto por dois elementos: um elemento objectivo – uma das situações descritas no art. 374.º n.º 1 do CT de 2003 – e um elemento subjectivo – a intenção persecutória ou de retaliação.

Será, em regra, muito difícil ao trabalhador fazer a prova do elemento subjectivo. Por isso, a lei presume o carácter abusivo da sanção sempre que, em termos temporais ou cronológicos, o procedimento disciplinar seja intentado após o trabalhador ter reclamado direitos, dispensando o trabalhador da prova do elemento subjectivo, ou seja, de que a empresa visa, não sancionar uma infracção disciplinar cometida pelo trabalhador, mas antes responder ao exercício, pelo trabalhador, dos seus direitos. Em resultado da presunção, inverte-se o ónus da prova do carácter abusivo da sanção aplicada, em benefício do trabalhador. Neste sentido, o empregador, para ilidir a presunção legal, terá de provar que a sanção disciplinar aplicada teria lugar mesmo que o trabalhador não tivesse reivindicado os seus interesses[6].

            No caso sub iudice, está em causa a situação descrita na al. d) do n.º 1 do art. 374.º: exercer, ter exercido, pretender exercer ou invocar direitos e garantias que lhe assistem. O Autor reclamou, através de uma carta dirigida à empresa, direitos relativos ao exercício de tarefas e responsabilidades próprias da categoria de Director, para a qual, contra as suas expectativas, tinha sido nomeada outra pessoa.

Para que esteja preenchido este requisito, não é necessário que os direitos reclamados pelo trabalhador sejam judicialmente exigíveis, conforme se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-12-2000, proc. n.º 00S2449, relatado pelo Conselheiro Mário Torres):

«A especial censurabilidade da conduta da entidade patronal, no caso das sanções abusivas, radica no abuso do direito que resulta da utilização do poder disciplinar para fins diversos dos visados pelo legislador quando outorgou esse poder à entidade patronal, como sucede quando esta o utiliza não para sancionar verdadeiras infracções disciplinares mas para fins de retaliação contra trabalhadores que ousaram reivindicar direitos que estavam convencidos que lhes assistiam, sendo indiferente que os direitos reclamados sejam, ou não juridicamente exigíveis.»  

Logo, independentemente de o Autor ter ou não razão ou de os direitos reclamados serem ou não judicialmente exigíveis, verifica-se o elemento objectivo do conceito de sanção abusiva, tal como indica a sequência cronológica dos factos provados n.ºs 25 e 30, pois a entrega da carta a reclamar direitos deu-se no dia 23 de Janeiro de 2008 e no dia 25 de Janeiro do mesmo ano foi instaurado contra o Autor um procedimento disciplinar, visando o despedimento, tendo sido, entretanto, no dia 24 de Janeiro de 2008, cortado, pela Administração da Ré, o acesso do Autor à rede informática da empresa, principal instrumento de trabalho do Autor, conforme factos n.ºs 26 e 27.

A existência do elemento objectivo do conceito de sanção abusiva permite presumir, por força da lei, o elemento subjectivo ou a intenção retaliadora da empresa, cabendo à empresa o ónus da prova de demonstrar, em Tribunal, a ausência desta intenção, ou seja, que o poder disciplinar foi aplicado dentro dos seus limites funcionais e que teria tido lugar mesmo que o trabalhador não tivesse reclamado os seus direitos.

As instâncias consideraram provadas e integradas no conceito de infracção disciplinar as seguintes condutas do trabalhador, descritas nos factos 50 a 55 da matéria de facto provada:

«50. O Autor, num e-mail de 4 de Janeiro de 2008, remetido ao responsável da E….(empresa que presta serviços informáticos à Ré) pela gestão de conta da Ré, Eng.º MM, e-mail enviado com conhecimento a outro trabalhador da E… e a vários administradores da Ré, ao referir-se ao novo Director de Sistemas de Informação usa a expressão “(…) pelos vistos fazer Power Point’s é que é importante”, dizendo ainda que “eu faço demasiado ruído e não sou Eng. nem ando todos os dias de gravata”.

51. No dia 15 de Janeiro de 2008, o Eng.º KK, novo Director de Sistemas de Informação da Ré, foi ter com o Autor, tendo-se apresentado e cumprimentado este, que lhe respondeu, com um tom agressivo e à frente dos outros colegas: “quem é você?”

52. No mesmo dia, na reunião referida no ponto 23., o Eng.º KK pediu ajuda a este e ao seu colega DD para começar a preparar o orçamento da Direcção de Sistemas de Informação, tendo o Autor, à frente de toda a equipa, dito que o orçamento era da exclusiva responsabilidade do Director, e que não o ia ajudar a fazer. E que só recebia ordens do Dr. FF.

53. O Eng.º KK pediu então ao Autor para este lhe explicar os contratos que a Ré tem na área de infraestruturas – área da qual o Autor é o coordenador -, tendo o Autor respondido que a gestão de contratos era da responsabilidade do Director de Sistemas de Informação, e que os mesmos estavam no arquivo e se precisasse de ajuda “peça à JJ” (secretária do Departamento de Sistemas de Informação).

54. No dia 23 de Janeiro de 2008, às 17 horas, o Autor tinha uma reunião marcada com o Administrador da Ré, Dr. FF, no gabinete deste, tendo faltado à mencionada reunião.

55. Convocado para uma reunião no dia 24 de Janeiro, às 17h30, o Autor respondeu ao Administrador, por e-mail de 24 de Janeiro de 2008, que a esta hora não estava disponível, pois depois da hora de expediente só estaria disponível para reuniões se avisado de véspera, devido aos seus compromissos pessoais.»

 

O Tribunal de 1.ª instância modificou a sanção disciplinar de 50 dias de suspensão com perda de vencimento aplicada pela empresa, para uma sanção mais reduzida, de 20 dias de suspensão com perda de vencimento, entendendo como não provados os factos que fundamentavam a sanção de 22 dias úteis pela violação do dever de lealdade para com a empresa e os que fundamentavam a sanção de suspensão por 8 dias úteis, pela falta de cumprimento, com o zelo e a diligência devidos, das obrigações inerentes às suas funções.

Entendeu, também, aquele Tribunal que não se verificou, no caso concreto, o elemento subjectivo do conceito de sanção abusiva, pois dos factos provados decorre que o Autor praticou infracções disciplinares, violando os deveres de respeito e de urbanidade para com os superiores hierárquicos (art. 122.º, n.º 1, al. a) do CT de 2003) e o dever de cumprir as ordens e instruções do empregador (art. 122.º, n.º 1, al d) do CT de 2003. A sentença do Tribunal de 1.ª instância considerou que a prova destas infracções disciplinares era suficiente para que ficasse ilidida a presunção de abusividade, consagrada no art. 374.º, n.º 1, al. d) do CT de 2003.

O Tribunal da Relação, no acórdão recorrido, entendeu que o controlo judicial das sanções disciplinares apenas abrange o poder de as anular ou de as confirmar, mas não a sua modificação. Em consequência, anulou globalmente a sanção de 50 dias de suspensão com perda de vencimento, considerada uma sanção disciplinar unitária e não um grupo de sanções parcelares, pois as sanções reportam-se ao comportamento prosseguido pelo trabalhador no mesmo condicionalismo laboral.  

O fundamento para a anulação da sanção foi a violação do princípio da proporcionalidade, pois, dado o contexto em que se encontrava o trabalhador, acabado de regressar de uma baixa médica por esgotamento medicamente comprovado (facto 21) e a expectativa de reconhecimento da categoria de Director (facto 19), a sanção foi considerada excessiva, em face do disposto no art. 367.º do CT. O passado de zelo e de diligência do trabalhador, reconhecido pela Ré, e com resultados positivos na empresa (facto provado n.º 18), também aconselhava, na perspectiva do acórdão recorrido, um menor rigor punitivo:

«Na verdade, a despeito de os comportamentos apurados serem de imputar ao recorrente a título de culpa e de o mesmo desempenhar um cargo de responsabilidade (Chefe de Serviços) o que dele exige uma maior compreensão do sentido e alcance, tanto dos deveres laborais a que se mostra adstrito, como do grau de desvalor das suas atitudes, cremos que mitigam relativamente a sua culpa, quer a circunscrição temporal dos comportamentos ilícitos, quer a circunstância de o recorrente estar a emergir de um esgotamento medicamente comprovado [facto 21], quer o facto de o A. ter criado a expectativa de reconhecimento da categoria de Director [facto 19]. Ainda que não se verificasse o exercício funcional justificativo deste reconhecimento categorial – como resulta dos factos descritos nos pontos 7. a 18., demonstrativos de que, no período em que o lugar de Director esteve vago, quem assumiu a posição deste foi o Administrador da R., a quem o A. passou a reportar –, o facto de o A. ter desenvolvido algumas funções relacionadas com a negociação de contratos, embora sempre com a  intervenção concreta daquele Administrador [facto 12.], torna compreensível que nele se gerasse alguma expectativa de que no futuro lhe poderia ser atribuída a categoria de Director. Além disso, também aconselhava um menor rigor punitivo o passado de zelo e diligência do recorrente, reconhecido pela R. e com resultados positivos na empresa [facto 18].»

Relativamente à questão do carácter abusivo da sanção, o acórdão recorrido entendeu que só estamos perante uma sanção abusiva, nas situações em que a sanção não é motivada pela prática de uma infracção disciplinar, mas, sim por comportamentos do trabalhador que se situam fora da alçada do poder disciplinar, esclarecendo que o facto de uma sanção ser ilícita ou ilegal não significa que seja abusiva. Neste sentido, se tem orientado este Supremo Tribunal, conforme acórdão de 31-10-2012, relatado pelo Conselheiro Leones Dantas (Proc. n.º 598/09.8TTALM.L1.S1):

«Não pode considerar-se abusiva, nos termos da alínea d) do n.º do artigo 374.º do Código do Trabalho de 2003, a sanção aplicada pela entidade empregadora a um seu trabalhador na sequência da prática de factos ilícitos integrativos de ilícito disciplinar por aquele».

No caso sub iudice, considerou o acórdão recorrido, que o Autor violou culposamente os seus deveres de obediência e de urbanidade, o que é bastante, de acordo com o Tribunal da Relação, para ilidir a presunção estabelecida no n.º 2 do art. 374.º do CT de 2003, ficando demonstrado que havia fundamento para a punição disciplinar e que não existia uma relação directa de causa/efeito entre o comportamento do trabalhador enquadrável na alínea d) do n.º 1 do art. 374.º e a sanção aplicada:

«Ora, apesar de termos considerado ser desproporcionada a sanção de 50 dias de suspensão com perda de retribuição aplicada na decisão disciplinar (vide 4.2.), a verdade é que se apuraram nos presentes autos condutas do recorrente que consubstanciam infracções disciplinares susceptíveis de fundamentar a instauração de um procedimento disciplinar e a aplicação no mesmo de uma sanção, embora de gravidade inferior à efectivamente aplicada. (…).

No caso sub judice, a ilicitude da conduta do trabalhador sobre que versou o procedimento, demonstrando haver fundamento para a punição disciplinar, afasta a ideia de que subjacente ao exercício do poder disciplinar se encontrava uma medida de retaliação do empregador face ao exercício de direitos por parte do trabalhador, que constitui a ratio legis do carácter abusivo da sanção, o que quebra a presunção prevista no n.º 2 do artigo 374.º.

Cabe lembrar que nem toda a ilicitude ou desproporcionalidade da sanção disciplinar aplicada pode merecer o epíteto de sanção abusiva com os efeitos do artigo 375.º do Código do Trabalho. A lei continua a distinguir o exercício simplesmente ilícito do poder disciplinar do seu exercício abusivo.»

Subscrevemos a decisão e o fundamento adoptado no acórdão recorrido, pelo seu equilíbrio na resolução do conflito.

Na verdade, a opção da empresa na maneira de lidar com a situação, não sendo a mais ajustada, não representa uma utilização do poder disciplinar fora das suas finalidades, pois o comportamento do trabalhador de recusa de colaboração com o novo director e de indisponibilidade para a marcação de reuniões afectou o equilíbrio da organização.

O carácter excessivo da sanção, nas circunstâncias do caso concreto, determina a natureza ilícita da sanção, mas da ilicitude desta não decorre necessariamente o seu carácter abusivo.

Os comportamentos do trabalhador (faltar a uma reunião sem apresentar justificação, colocar obstáculos à marcação de reuniões, recusar colaboração com o novo director e violação do dever de urbanidade para com este), ainda que praticados com culpa leve e beneficiando de circunstâncias atenuantes, constituem infracções disciplinares que prejudicam os interesses da organização e perturbam o equilíbrio e a harmonia colectiva desta. A reacção disciplinar da empresa, apesar de ter culminado com a aplicação de uma sanção excessiva, não se pode considerar persecutória do trabalhador, nos moldes exigidos pelo conceito de sanção abusiva e com os efeitos previstos no art. 375.º, n.º 3 do CT.

Entendemos, portanto, que ficou ilidida a presunção de sanção abusiva, consagrada no n.º 1, al. d) do art. 374.º do CT, e afastado o nexo de causalidade entre a reclamação de direitos e a instauração de procedimento disciplinar, inexistindo, assim, fundamento para a atribuição da indemnização prevista no art. 375.º, n.º 3 do CT.

Improcedem, por isso, todas as conclusões do recurso, sendo de manter a decisão recorrida.

IV - Decisão

 
Nestes termos e pelos fundamentos apontados, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.



Custas pelo recorrente.


Anexa-se o sumário do acórdão, nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.




Lisboa, 16 de Janeiro de 2013

Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pinto Hespanhol

Isabel São Marcos

     

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[1] Cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, p. 712; Pedro de Sousa Macedo, Poder Disciplinar Laboral, Almedina, Coimbra, 1990,
[2] Cf. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 15.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, p. 283, nota (2)
[3] Cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, «Sobre os Limites do Poder Disciplinar Laboral», I Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Memórias, Coordenação António Moreira, Livraria Almedina, Coimbra 1998, p. 192.
[4] Cf. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, p. 682; Pedro Sousa Macedo, Poder Disciplinar Patronal, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, pp. 55-56; Mário Pinto/ Pedro Furtado Martins/António Nunes de Carvalho, Comentário às Leis do Trabalho, Volume I, Lex, Lisboa, 1994, p. 146. Defendendo, em geral, a admissibilidade da redução judicial, vide Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990, pp. 159 a 161, sustentando que o tribunal pode exercer um controlo de fundo em relação a uma sanção disciplinar manifestamente excessiva, estando ao seu alcance determinar uma redução da mesma, com base no art. 812.º do CC, disposição que acolhe um princípio geral que extravasa do campo da cláusula penal.
[5] Cf. Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações individuais de Trabalho, Coimbra, 2007, p. 898.
[6] Cf. Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1997, p. 756.