Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
359/07.9TBOPR.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: LEI PROCESSUAL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
PROVA DOCUMENTAL
APRESENTAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA
PRAZO
PROCESSO PENDENTE
INSTRUÇÃO DO PROCESSO
ARTICULADOS
Data do Acordão: 06/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / PROVA POR DOCUMENTOS - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / APLICAÇÃO DAS LEIS NO TEMPO.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “ Jurisprudência crítica sobre o processo civil, in R.L.J., Ano 81.º, 202.
- Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio de Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1985, 49, 61, 64 e 65, 429 e 495-497.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 12.º, 297.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGOS 423.º, N.ºS 2 E 3, 591.º, N.º 1, ALÍNEA G), 593.º, N.º 2, ALÍNEA D), 596.º, N.º 1, 604.º, N.º 3, ALÍNEAS D) E E), 671.º, N.º 2, ALÍNEA A), COM REFERÊNCIA AO ARTIGO 629.º, N.º 2, ALÍNEA D).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 512.º, 523.º, N.º 2, 524.º, N,º 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º E 20.º, N.º 1, 4 E 5.
LEI N.º 41/2013, DE 26-06: - ARTIGOS 5.º, N.ºS 1, 3 E 4, 7.º, N.º1.
Sumário :
I. A natureza própria da relação processual como relação jurídica unitária, complexa, dinâmica, progressiva e faseada convoca a regra da aplicação imediata da nova lei processual às ações pendentes quanto aos atos posteriores à data da entrada em vigor desta lei, à luz do disposto no artigo 12.º do CC com as necessárias adaptações.

II. Essa regra foi expressamente assumida, para as ações declarativas, no n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 41/2013, de 26-06, ressalvado o disposto nos números seguintes.

III. Assim, no que respeita em especial às normas do direito probatório formal, a nova lei processual aplica-se às ações pendentes, mormente quanto às diligências probatórias a realizar após a entrada em vigor daquela.

IV. Outrossim, em matéria de prazos processuais, é de aplicar, em regra, a nova lei, designadamente nos termos disposto no artigo 297.º do CC.

V. Os atos de proposição de prova documental em momento posterior aos articulados, ao abrigo do disposto no atual artigo 423.º, n.º 2 e 3, correspondente aos anteriores artigos 523.º, n.º 2, e 524.º, n,º 2, do CPC não se traduzem em atos processuais da fase dos articulados, pelo que não lhes são aplicáveis as normas transitórias previstas no n.º 3 e 4 do artigo 5.º da Lei n.º 41/2013, de 26-06.

VI. Nessa conformidade, na presente ação, instaurada em 03/04/2007, tendo, inclusivamente, a designação da data do julgamento ocorrido já sob o império da Lei n.º 41/2013, de 26-06, é aplicável o preceituado no atual artigo 423.º, n.º 2 e 3, do CPC, nomeadamente quanto ao limite temporal ali previsto para apresentação tardia ou superveniente de prova documental.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. A sociedade AA, L.ª (A.), instaurou, em 03/04/ 2007, no então designado Tribunal Judicial de Oliveira do Bairro, ação de-clarativa, sob a forma de processo ordinária, contra a sociedade BB – Indústria de Sinalização, Ld.ª (R.), alegando, inicialmente e depois em sede de audiência preliminar, em resumo, que:

. A. e R. celebraram um acordo comercial, através do qual deveriam constituir uma sociedade de direito angolano, para que a R. aumentasse o seu mercado e a A. viesse a receber dividendos da nova sociedade;

. A sociedade a constituir teria o capital dividido em duas quotas, uma delas no valor de 800.000,00 kwanzas, da titularidade da A., que a poderia dividir em duas novas quotas, de valor igual, e ceder uma delas à R.;

. Como contrapartida dessa cedência, a R. deveria pagar à A. € 20.000,00 a título de prestação acessória e € 333.482,00 através do envio de equipamento para a sociedade comercial angolana, sendo que o gerente da R. era conhecedor de toda  a vida societária da empresa angolana;

. Porém, a R. incumpriu o acordado, não adquirindo, apesar de instada, 50% do valor da participação social detida pela A. na sociedade angolana, faltando ao contrato promessa assim celebrado, incorrendo em mora desde 16/09/2004, resultando do seu incumprimento a perda de interessa da A., pelo que ocorre uma situação de incumpruimento definitivo da promessa, permitindo à A. resolver o contrato;

. Desse incumprimento, que é culposo, resultaram para a A. diversos prejuízos, devendo a R. indemnizar aquela  em € 110.000,00, referentes à perda de valor quanto à quota não adquirida, traduzido nas mais-valias na venda da quota, e € 140.000,00 referentes aos lucros que o negócio iria gerar nos três anos imediatamente seguintes, face à expetativa de lucro existente), a que acrescem € 50.000,00, a título de danos de imagem e bom nome comercial.

Concluiu, pedindo seja declarado resolvido o contrato em causa e a R. condenada a pagar-lhe as seguintes quantias:

a) - € 250.000.00, a título de mais-valias que iria obter com a venda da quota e lucros que o negócio iria gerar;

b) - € 50.000,00, correspondentes ao ressarcimento dos danos causados na imagem e bom nome comercial da A..

2. A R. contestou, em 16/05/2007, a impugnar diversos factos alegados pela A., nomeadamente os danos invocados e os respetivos montantes, sustentando ainda que:

. Não obstante a existência do invocado contrato-promessa e de fornecimentos pela sua parte, cessaram os respetivos pagamentos, o que originou a rutura entre empresas, estando a correr termos uma ação judicial para cobrança de dívidas;

. Inexiste, por isso, o incumprimento imputado à R., nem sequer a título de mora;

. Não foi alegada a efetiva resolução de qualquer contrato, sendo que a transmissão de parte de participaçao social ficaria na livre disponibilidade da R., o que não sucedeu.

Concluiu pela improcedência da ação.

3. A A. apresentou réplica, em que reitera o petitório.

4. Findos os articulados, realizou-se audiência preliminar, em 17/03/2010, conforme ata de fls. 125-126, no decurso da qual foram convidadas ambas as partes a aperfeiçoar os respetivos articulados, o que fizeram, sendo, depois disso, proferido despacho saneador tabelar e selecionada a matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória, em 06/01/2011, ao que se seguiu a notificação nos termos e para os efeitos do então artigo 512.º do CPC.

5. A. e R. apresentaram os seus requerimentos probatórios, respetivamente em 22/01/2011 (fls. 316-319) e em 24/01/2011 (fls. 322-323, que foram admitidos conforme despachos de fls. 324 e 330.

6. Iniciou-se a audiência final, desdobrada por diversas sessões, a primeira delas em 08/01/2015, com produção de prova por depoimento de parte e declarações de parte, na sequência do que a A. requereu a junção de um documento (cfr. ata de fls. 485 e segs. e doc. de fls. 484), após o que foi designada data para continuação da audiência para o dia 21/01/2015.

7. Entretanto, em 13/01/2015, a A. veio requerer a junção de 17 documentos (cfr. fls. 490 e segs.), invocando fazê-lo na sequência da prova produzida na anterior sessão de audiência de julgamento, oferecendo-os para prova de diversos factos da base instrutória que discriminou, alegando tratar-se de prova com importância para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa. Mas, após isso, veio requerer que fosse dada sem efeito a junção do documento n.º 1 daqueles 17 documentos, por já estar nos autos, e que fosse admitida a junção de um parecer (fls. 524 e segs.).

8. Por seu lado, a R. opôs-se à admissão dos sobreditos documentos, com fundamente em extemporaneidade e irrelevância para a decisão da causa, requerendo o seu desentranhamento.

9. Na sessão de julgamento de 21/01/2015, foi proferido despacho de concessão de prazo para ordenação de documentos e contraditório, não se procedendo a produção de prova, sendo designada nova sessão para 12/03/2015.

10. Todavia, em 10/03/2015, foi proferido despacho, a fls. 609-613, a admitir a junção do mencionado parecer, mas a rejeitar a junção dos demais documentos, determinando-se o seu desentranhamento e restituição à apresentante, ao abrigo do disposto no art.º 423.º do CPC, na redação dada pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, norma considerada aplicável em detrimento da sua precedente. 

11. Inconformado com tal segmento decisório de rejeição, a A. recorreu dele para o Tribunal da Relação do Porto, que, através do acórdão de fls. 780-795, datado de 13/10/2015, julgou procedente a apelação, revogando o despacho recorrido e admitindo a junção dos documentos rejeitados pela 1.ª instância. 

12. Desta feita, inconformada, a R. recorreu de revista, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - Quando o Novo CPC entrou em vigor a 01/09/2013, os presentes autos já se encontravam em fase de instrução, tanto assim é que o Mmº. Juiz do processo, não notificou as partes ao abrigo do disposto no art.º 5.º, n.º 4, da Lei n.º 41/2013, de 26-06, para virem alterar os requerimentos probatórios ou alterarem os que hajam apresentado;

2.ª - Nessa medida, o Novo CPC aplicou-se de imediato ao processo em análise;

3.ª - No decurso da sessão de audiência e julgamento de 8.01.2015, a Recorrida requereu a junção de um documento, defendendo a sua necessidade na sequência das declarações de parte do seu legal representante, e seguidamente, quatro dias antes da continuação da audiência designada para 21/01/2015, veio juntar 17 documentos, defendendo também a sua necessidade no seguimento das declarações de parte do seu legal representante;

4.ª - A junção de tais documentos é extemporânea, na medida que, no que à prova por documentos diz respeito, reza o artigo 423.º do NCPC aplicável "ex vi" art 5.º, n.º 1, das disposições preambulares do NCPC, que os documentos devem ser juntos com os respetivos articulados onde se alegam os factos correspondentes, não tendo sido juntos, a recorrente deveria ter procedido à sua junção até 20 dias antes da data da realização da audiência final iniciada em 08/01/2015, a menos que invocasse a superveniência de tais documentos, o que não ocorreu, pelo que ficou precludida a faculdade de o fazer;

5.ª - A recorrida não alegou nem demonstrou a impossibilidade de junção dos referidos documentos, até porque não existe, uma vez que três deles já se encontravam no processo. Por sua vez, não é alegado nem demonstrado porque é que os restantes documentos se tornaram necessários em virtude de ocorrência posterior. A prova documental junta, destinava-se a provar factos concretos da B.I. que foram alegados nos articulados.

6.ª - Refira-se que, os documentos juntos pela recorrida em audiência final, destinavam-se a fazer prova de matéria alegada no art.º 25.º da P.I. e nos artigos 72.º a 81.º da P.I. aperfeiçoada;

7.ª - Na verdade, as declarações de parte dos legais representantes da recorrente e recorrida nada de novo trouxeram ao processo, limitando-se a confirmar as posições das mesmas no seus articulados. Qualquer estudo económico a existir, teria que ser prévio à P.I. na medida em que a recorrente reclama valores certos que o seu representante legal confirmou;

8.ª - Pelo que, a junção de qualquer estudo económico por parte da recorrida não resulta que qualquer ocorrência posterior, mas outrossim do alegado por esta na P.I.

9.ª - Por outro lado, resulta do histórico do processo que, a recorrida é notificada em 14/02/2014 para a audiência final a realizar em 3/04/2014, e nos 20 dias anteriores não procede à junção de qualquer estudo económico;

10.ª - A audiência final não se realiza em 3/04/2014 ficando marcada para 3/06/2014, e a recorrida nos 20 dias antes da audiência final, não procede à junção de qualquer estudo económico;

11.ª - A audiência final não se realizou em 3/06/2014 e, em 18/11/2014, a recorrida é notificada para a audiência final a realizar em 8/01/2015; e nos 20 dias anteriores não procedeu à junção de qualquer estudo económico;

12.ª - Assim, não tendo a recorrida junto a documentação no momento oportuno, ficou precludida a possibilidade de o fazer.

13.ª - Acresce ainda que, e como bem refere o despacho revogado, a aplicabilidade imediata ao caso do artigo 423.º do novo CPC, não contrariou as expectativas probatórias da recorrente, porquanto mediou cerca de 1 ano e 4 meses desde a entrada em vigor do Novo CPC e o início da audiência final à ordem dos autos.

14.ª - O acórdão da Relação de Lisboa de 29.04.2014 proferido no processo n.º 2088/12.2TVLSB-A.L1-7, invocado pela recorrida e sufragado no acórdão recorrido, não é análogo ao caso concreto, posto que, na situação retratada no acórdão, os documentos juntos 4 dias antes da audiência final, destinavam-se a fazer "contraprova de determinados quesitos, pelo que nunca poderiam ser juntos com o seu articulado, mas sim em data posterior ao articulado da parte contrária;

15.ª - O acórdão de que se recorre contraria inquestionavelmente o Acórdão da Relação de Lisboa de 22.10.2014 proferido no processo n.º 681/13. 5TTLSL.L1-A, versando um e outro a mesma questão fundamental de Processo Civil, na redação da Lei n.º 41/2013, quando se iniciou o julgamento, e tendo a acção sido proposta antes da entrada em vigor de tal código, no que respeita à junção de documentos se deveriam ter continuado a ser aplicadas as regras do anterior código.

16.ª - Na medida em que o acórdão recorrido considera que aos processos iniciados antes da vigência do NCPC, e no que se refere à prova documental, é aplicável o regime previsto no CPC revogado, e o acórdão contraditório considera é aplicável o regime do NCPC, com respeito peias normas transitórias.

17.ª - O acórdão recorrido considera que é lícito a junção de documentos até ao termo da última das alegações sobre a matéria de facto, e o acórdão contraditório considera que os documentos se não forem juntos com o articulado respetivo, só podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final;

18.ª O acórdão recorrido faz letra morta do disposto no n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 41/2013, de 26-06, que aprovou o CPC, e o acórdão contraditório, respeita essa norma;

19.ª - O acórdão recorrido faz uma interpretação desacertada do disposto no n.º 4 do artigo 5.º da Lei n.º 41/2013, de 26-06, e o acórdão contraditório, respeita essa norma.

20.ª - Pelo que, parece mais ajustada e avisada a posição tomada no acórdão contraditório, que não desconsidera as normas em vigor, aplicando corretamente as normas processuais.

21.ª - É que ao contrário do referido no acórdão recorrido, não se trata de optar por um regime mais ou menos permissivo, mas outrossim de aplicar a lei em vigor.

22.ª - A interpretação que o acórdão recorrido faz da lei, é claramente discricionária, servindo os interesses da recorrida, pois não compete ao tribunal suprir oficiosamente a inépcia ou a negligência de uma das partes.

23.ª - Os procedimentos processuais devem ser conhecidos e escrupulosamente cumpridos pelas partes - que para tal constituem nos autos, obrigatoriamente, mandatários judiciais devidamente credenciados – não competindo ao Tribunal a obrigação de suprir as insuficiências técnicas das partes.

24.ª - Esta postura do Tribunal viola o princípio da igualdade das partes.

25.ª - No caso vertente, a recorrida alegou os factos na sua P.I e juntou a prova que entendeu para prova dos mesmos. Ao longo do processo foi sempre juntando prova documental para prova daquilo que na sua perspetiva lhe competia provar.

26.ª - Sendo que não alegou a impossibilidade de apresentação dos referidos documentos até à data em que o fez, nem que aqueles documentos se tornaram necessários em virtude de ocorrências posteriores, designadamente das declarações proferidas pelos legais representantes das partes, que se limitaram a confirmar a versão dos seus articulados.

27.ª - Deste modo, a recorrida ao não juntar no momento processualmente certo os documentos, que na sua perspetiva são importantes para o apuramento da verdade material, agiu com negligência.

28.ª - Ora, não compete ao tribunal, suprir a negligência das partes, violando a lei, é que compete ao juiz respeitar os critérios probatórios impostos por lei para que os direitos das partes sejam garantidos e respeitados.

29.ª - E no caso em apreço, o tribunal ao aceitar a junção extemporânea dos documentos apresentados pela recorrida, repita-se, documentos esses que deveriam ter sido juntos há 7 anos atrás, está a prejudicar a recorrente e a beneficiar a recorrida, o que não se pode aceitar.

30.ª - Admitindo-se uma outra solução, que não a defendida pela 1.ª Instância, seria pôr em causa os princípios da boa fé, razoabilidade e segurança do tráfico jurídico,

31.ª - Violando-se o disposto no artigo 5.º, n.º 1, do preâmbulo do NCPC e os artigos 423.º e 4.º do CPC.

13. A A./Recorrida contra-alegou, a pugnar pela confirmação do julgado, rematando com o seguinte quadro conclusivo:

1.ª - Não merece censura o acórdão recorrido.

2.ª- O processo dos autos estava pendente à data da entrada em vigor do NCPC instituído pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, com os requerimentos probatórios já apresentados na vigência do anterior CPC.

3.ª - A A. requereu a junção aos autos de documentos no seguimento do teor do depoimento de parte da R.; do teor das declarações de parte da A e das respostas de ambas as partes às instâncias das respectivas mandatárias.

4.ª - O artigo 423.º do Novo CPC é norma reguladora dos atos processuais da fase dos articulados.

5.ª - A Pátio Legis do artigo 5.º, n.º 3 e 4, do Decreto preambular foi não prejudicar as expetativas probatórias das partes.

6.ª - E isso ressalta à evidência com a previsão vertida no artigo 5.º. n.º 4, do Decreto preambular para adaptação do processado ao regime do novo CPC.

7.ª - O artigo 5.º, n.º 3, do decreto preambular é bastante claro quando refere “As normas reguladoras dos atos processuais da fase dos articulados não são aplicáveis às ações pendentes na data de entrada em vigor do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.”

8.ª- O legislador não quis dizer: "Caso a fase de articulados ainda não tenha, sido ultrapassada", “As normas reguladoras dos atos processuais da fase dos articulados não são aplicáveis às ações pendentes na data de entrada em vigor do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.”

9.ª - A Recorrente incorre e pretende induzir este STJ neste vício de raciocínio.

10.ª - Também não se trata, como defende a Recorrente de já ter decorrido o prazo de um ano de adaptação às novas regras processuais;

11.ª - Trata-se de garantir a efetivação das legítimas expetativas probatórias das partes;

12.ª - O Tribunal da 1.ª instância não procedeu à notificação aludida no 5.º, n.º 4, do decreto preambular ao NCPC, pelo que a possível adequação do processo ao regime do NCPC, não foi feita nos autos.

13.ª - A favor da decisão sufragada vai, além do acórdão recorrido, o qual não teve votos de vencido, o Ac. Relação de Lisboa, de 29.04.2014, processo n.º 2088/12.2TVLSB-A.L1-7, www.dgsi.pt, nos termos do qual: “Em processo entrado em tribunal em data anterior à entrada em vigor do novo C. P. Civil, atento o propósito expresso pelo legislador na norma transitória constante do art.º 5.º, n.º 4, da Lei n.º 41/2013 em não prejudicar a expetativa probatória das partes, é aplicável o regime legal de junção de documentos previsto no art.º 523.º, n.º 2, do CPC, e não o regime previsto no art.º 423.º, n.º 2, do CPC, na redação da Lei n.º 41/2013.”

14.ª - A não aplicação aos autos da disciplina prevista no anterior CPC, no seu artigo 523.º, ofende flagrantemente o princípio da segurança jurídica e proteção da confiança, ínsitos no art.º 2.º da Constituição da República Portuguesa.

15.ª - Ao autos é aplicável o disposto no art.º 523.º, n.º 2, do CPC, ex vi do art.º 5.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013;

16.ª - Devem, pois, os documentos cuja junção foi requerida, serem admitidos e acórdão recorrido ser mantido in totum.

17.ª - Acresce que, caso assim não se entenda, o Tribunal “a quo” deveria ter lançado mão dos seus poderes persecutórios da descoberta da verdade, maxime o princípio do inquisitório.

18.ª - O conhecimento pelo Tribunal dos documentos em apreço é essencial para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa.

19.ª - Não existe prova documental nos autos atinente aos danos que urge indemnizar consubstanciados em lucros cessantes cujo pagamento a A. reivindica da R.;

20.ª - Deve ser admitida uma qualquer junção documental desde que a mesma repute útil para o apuramento da verdade.

21.ª- O princípio do inquisitório desaconselha a que se rejeitem novos elementos probatórios, capazes de contribuir para atingir essa verdade, por razões de mera disciplina processual.

22.ª - Devem pois ser admitidos nos autos os dezassete documentos em apreço.


        Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II - Delimitação do objeto do recurso e admissibilidade deste


Antes de mais, importa reter que, tratando-se de ação proposta em 2007, na qual as decisões impugnadas foram proferidas em 10/03/2015 (na 1.ª instância) e em 13/10/2015 (na Relação), é aplicável o regime recursal do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, nos termos do art.º 7.º, n.º 1, desta Lei.

Como é sabido, no que aqui releva, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do CPC.

Dentro desses parâmetros, o objeto do presente recurso incide apenas sobre a questão da admissibilidade da prova documental apresentada pela A. através do requerimento de 13/01/2015, entre a 1.ª e a 2.ª sessões da audiência final, prova essa que foi objeto de rejeição pela 1.ª instância, através do despacho de 10/03/2015, mas de admissão pelo acórdão recorrido. Mais precisamente, tal questão consiste em saber qual a lei processual aplicável ao caso: se o disposto no n.º 2 do artigo 523.º do CPC, na redação anterior à Reforma introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26-06; se o preceituado no n.º 2 do art.º 423.º do CPC, na redação dada por esta Lei, tendo em atenção as normas transitórias especiais constantes do respetivo artigo 5.º, n.º 1 a 4.   

Estamos, pois, perante um acórdão da Relação que apreciou uma decisão interlocutória que recaiu unicamente sobre a relação processual (em sede de admissão de prova), cujo recurso de revista se funda especialmente na contradição entre dois acórdãos das Relações – o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento proferido pela Secção Social da Relação de Lisboa, datado de 22/10/2014 e transitado em julgado a 17/11/2014 (fls. 851), no processo n.º 681/13.13.5TTLSL. L1-A, conforme cópia junta a fls. 851-868.

Ora, conforme o disposto no artigo art.º 671.º, n.º 2, alínea a), com referência ao artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, porque do acórdão recorrido não caberia revista nos termos gerais por motivo estranho à alçada e sendo o valor da ação (€ 300.000,00) superior à alçada da Relação, o presente recurso é suscetível de se configurar com a hipótese prevista na citada alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º

Com efeito, ambos os acórdãos em confronto se ocuparam da questão da admissibilidade de prova documental no decurso da audiência final, em ações instauradas antes da entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, de 26-06.

Assim, na ação em que foi proferido o acórdão-fundamento, instaurada em 20/02/2013, colocava-se a questão de saber se, apesar de já estar em vigor o CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, quando se iniciou o julgamento e tendo a ação sido proposta antes da entrada em vigor desta Lei, seriam ainda aplicáveis as regras da versão anterior desse Código relativas à junção de documentos.

Nesse acórdão, foi adotado entendimento de que à ali pretendida junção de documentos se aplicava já a norma do n.º 2 do artigo 423.º do CPC, na sua nova redação, por força do disposto no artigo 5.º, n.º 1, não obstante o respetivo n.º 4, da Lei n.º 41/2013, pelo que foi julgado improcedente o recurso do despacho que indeferiu aquela junção na mesma base. 

Contrariamente, o acórdão recorrido, em circunstâncias, no essencial, idênticas, considerou, em termos sumários, que:

«Quanto às ações entradas em juízo anteriormente ao início de vigência do CCPCiv, vista a intenção do legislador da norma transitória constante do art.º 5.º, n.º 4, da Lei n.º 41/2013, de 26-06, de não prejudicar as expectativas probatórias das partes, anteriormente formadas (à luz de um regime mais favorável então vigente), é aplicável o regime legal de junção de documentos previstos no art.º 523.º, n.º 2, do CPCiv revogado, e não o regime legal, mais restritivo quanto à amplitude do direito de junção de prova documental, previsto no art.º 423.º, n.º 2, da nova lei processual.»

     Foi nessa conformidade que o acórdão recorrido admitiu a junção de prova documental pretendida pela A. ora Recorrida.

     Encontramo-nos, claramente, ante duas decisões das Relações diametralmente opostas no tratamento da mesma questão fundamental de direito sobre duas situações factuais idênticas e no âmbito do mesmo quadro normativo,

Consequentemente, tem-se por verificado o invocado fundamento especial de recorribilidade da presente revista, nos já citados termos do artigo 671.º, n.º 2, alínea a), com referência ao 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC.



III – Fundamentação


1. Contornos gerais da questão solvenda


Convém aqui recordar que a questão solvenda se reconduz a saber se à admissão da prova documental apresentada pela A. através do requerimento de fls. de 490 e seguintes, de 13/01/2015, entre a 1.ª sessão e a 2.ª sessão da audiência final, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 423.º na atual redação do CPC ou o preceituado no n.º 2 do artigo 523.º do mesmo Código na versão anterior às alterações introduzidas pela Lei 41/2013, ou se porventura se deverá lançar mão do disposto no n.º 4 do artigo 5.º desta Lei.


2. Do contexto processual relevante


Antes de mais, importa reter o seguinte:

2.1. A presente ação foi instaurada em 03/04/2007 e à data da entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, em 1 de setembro, de 2013, encontrava-se já na fase da instrução, mais precisamente a aguardar o cumprimento de uma carta rogatória para inquirição de testemunhas expedida para a República de Angola (fls. 432.452), a qual só foi devolvida em 2/12/2013 (fls. 430);

2.2. Só depois dessa devolução é que foi designada data para a audiência final, como se alcança de fls. 464[1], não se tendo, no entanto, iniciado o julgamento na data marcada para 03/04/2014, por não haver sala de audiência disponível, marcando-se então nova data para 03/06/2014, conforme ata de fls. 472, mas que foi novamente adiado sine die para depois da entrada em vigor do novo mapa judiciário, conforme despacho de fls. 474, de 02/06/2014;

2.3. Subsequentemente, em 16/06/2014, a A. requereu a fls. 476, a tomada de declarações de parte sobre matéria da base istrutória, o que foi admitido pelo despacho de fls. 478, datado de 01/07/2014, ao abrigo do artigo 466.º, n.º 1, do CPC na redação dada pela Lei n.º 41/2013;

2.4. Em 17/11/2014, através do despacho de fls. 480, foi designado o dia 08/01/2015 para a realização da audiência final, tendo assim ocorrido a 1.ª sessão do julgamento naquela data com a tomada de depoimentos de parte, na sequência do que o Exm.º mandatário da A., atentas as declarações do legal representante da mesma A. e o depoimento do legal representante da R. sobre os mesmos factos, requereu a junção de um estudo de mercado (doc. de fls. 484), em relação ao qual o Exm.º mandatário da R. declarou não prescindir do prazo para exercer o contraditório sobre tal documento, o que lhe foi deferido, designando-se o dia 21/01/2015 para a continuação da audiência, nomeamente com a acareação entre os legais representantes das partes, conforme a ata de fls. 485-487;

2.5. Entretanto, a A. através dos requerimentos de fls. 490-494, de 13/01/2015, e de fls. 512, de 16/01/2015, requereu a junção aos autos de 17 documentos (fls, 495-509 e 513-521) para prova de factos constantes de base instrutória, alegando que essa junção era feita no seguimento das anteriores declarações prestadas por CC e DD, na sessão de julgamento de 08/01/2015, e que tais  documentos eram importantes para a descoberta da verdade, pedindo para não ser condenada em multa pela junção tardia;

2.6. Em sede de resposta à junção requerida, a R. opôs-se à mesma, sustentando, em síntese, que, face ao disposto no atual artigo 423.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, aplicável por força do art.º 5.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, tal junção era extemporânea por não ter sido requerida até 20 dias antes do início da audiência iniciada em 08/01/2015, não tendo a A. demonstrado que aquela junção se tornara necessária em virtude de ocorrência posterior.

2.7. Por sua vez, a A. contrapôs que a admissibilidade desses documentos deveria ser aferida em conformidade com o artigo 523.º, n.º 2, do CPC, na sua redação enterior à Lei n.º 41/2013, ex vi do n.º 3 do artigo 5.º desta lei de modo a não prejudicar a sua expetativa probatória, sustentando ainda que não fora notificada, como devia, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do citado art.º 5.º

2.8. Ocupando-se da questão da admissão daqueles documentos, o tribunal da 1.ª instância proferiu o despacho de fls. 609-613, datado de 10/03/2015, no que aqui releva, com o seguinte teor:

«A questão a que urge responder, primeiramente, prende-se com a circunstância de saber se aos presentes autos é aplicável o regime previsto no art. 423°, do Novo CPC, ou então, o art. 523°, n°2, do CPC Anterior.

No caso de se decidir pela aplicabilidade do disposto no art. 423°, do Novo CPC, então, coloca-se a questão consistente em saber se a junção dos documentos, sob análise, peca por extemporânea ou não.

No caso de se decidir pela sua tempestividade, questiona-se a sua relevância para a boa decisão da causa.

Apreciando-se, então, a primeira questão, importa, desde já, dizer que não há dúvidas que quando o Novo CPC entrou em vigor a 1 de Setembro de 2013, os presentes autos já há muito que estavam em fase de instrução.

E mais importante, importa assinalar que os presentes autos, já na vigência do Novo CPC, vieram a ser alvo de sucessivos agendamentos de audiências finais, culminando o seu início (audiência final) rio pretérito dia 8 de Janeiro de 2015 (ou seja, cerca de 1 ano e 4 meses após o início da vigência do Novo CPC).

Dúvidas não há, então - e ao invés do sustentado pela Autora - que o dispositivo contido no citado art. 5°, n.° 3, das disposições preambulares do Novo CPC não é susceptível de ser aplicável ao caso sob análise, a saber: oportunidade de junção de documentos, mas sim o disposto no citado art. 5.°, n.° 1.

Serve para dizer, então - e na linha do sustentado pela Autora - ao caso presente, é aplicável o disposto no art. 423.°, do Novo CPC (e não o art. 523.°, n.° 2, do CPC anterior), e nem se diga que a sua aplicabilidade imediata ao caso, sob análise, contraria as expectativas probatórias da Autora, porquanto mediou cerca de 1 ano e quatro meses desde a entrada em vigor do Novo CPC e o início da audiência final à ordem dos presentes autos.


*


Decidida a questão supra nos termos expostos atrás, temos que não há dúvidas que a Autora incumpriu o prazo de até 20 dias antes do início da audiência final para requerer a junção dos docs., sob análise, com excepção quanto ao parecer junto como doc. n.° 17.

Face ao, ora, explanado, a   dúvida subsistente conecta-se com a circunstancia de saber se tais documentos são susceptíveis de se reputarem de supervenientes nos termos previstos rio n.° 3, do citado art. 423.°, do Novo CPC.

A este respeito, a única justificação que a Autora deu para que o Tribunal admitisse a sua junção, com dispensa de condenação em multa, baseou-se nas declarações prestadas pelo Legal Representante da Autora, em audiência final.

Não podia, porém, a Autora perder de vista, enquanto Legal Representante da Autora, que tais documentos já se encontravam na posse desta quando a presente acção foi intentada, e nessa medida, tais documentos deveriam ter sido apresentados com os articulados (articulado inicial ou articulado aperfeiçoado) de molde a evitar a junção tardia, e consequente, condenação em multa, ao abrigo do CPC Anterior.

Porém, com a entrada em vigor do Novo CPC, e como se viu atrás, sobretudo, tendo em conta o lapso temporal decorrido sobre a entrada em vigor do Novo CPC e a data agendada para a realização da audiência final, cujo início ocorreu no princípio deste ano, só no caso dos documentos serem supervenientes nos termos do disposto no n° 3, do citado art. 423°, poderia a Autora juntar tais documentos.

Donde se concluí que tais documentos cuja junção se requer, com excepção quanto ao parecer junto como doc. n.° 17, já iniciada a audiência final peca por extemporânea, com as consequências legais daí decorrentes.


*


Relativamente ao parecer numerado como doc. n.° 17, cuja junção requer, e sem discutir a eficácia probatória do mesmo, impõe-se dizer que os pareceres de técnicos podem ser juntos, nos tribunais da 1.ª instância, em qualquer estado do processo, de acordo com o disposto no art. 426.°, do CPC.

Nada obstando, então, a que a Autora possa vir, agora, juntá-lo aos autos, independentemente da sua maior ou menor eficácia probatória.

Pelo exposto, decido:

i) Admitir o parecer numerado como doc. n.° 17;

ii) Rejeitar a junção dos demais documentos aí aludidos, e consequentemente, determinar o seu desentranhamento, e restituição à apresentante, após o trânsito em julgado, do presente despacho.

iii) Custas a suportar pela Autora, cuja tributação se fixa em 2UC.»


2.9. Por sua vez, no acórdão recorrido, considerou o seguinte:

   «O art.º 5.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26-06, estabelece:

   “As normas reguladoras dos atos processuais da fase dos articulados não são aplicáveis às ações pendentes na data de entrada em vigor do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei”.

   Como bem formulado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/04/2014, a questão a colocar “é a de saber se a junção de documentos se deve considerar uma norma reguladora dos atos processuais da fase dos articulados, sendo-lhe aplicável o disposto no art.º 523.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 5.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013”, ou se, diversamente, “a mesma deve ser considerada de outra natureza, aplicando-se-lhe o art.º 423.º, n.º 2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 5.º, n.º 1, da mesma”.

   É que, como também esclarece o mesmo Acórdão da Relação de Lisboa, o art.º 423.º, n.º 2, do NCPCiv., dispondo que, se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado, veio introduzir “uma alteração relativamente ao regime de junção de documentos, antes constante do art.º 523.º, n.º 2, limitando essa junção até 20 dias antes da audiência, quando antes o permitia até ao encerramento da discussão”.

   E acrescenta, com pertinência, o mesmo douto aresto:

   «Tendo esta ação entrado em tribunal em data anterior à entrada em vigor do novo C PCivil, portanto numa data em que os documentos deviam ser juntos com os articulados (art.º 523.º, n.º 1), podendo sê-lo também até ao encerramento da discussão (art.º 523.º, n.º 2), esse regime foi substituído por um outro em que se mantém a primeira regra (art.º 423.º, n.º 1), mas se restringe a segunda (art.º 423.º, n.º 2).

   Ora, precisamente, por se tratar de uma norma que restringe direitos processuais das partes, atento o propósito expresso pelo legislador na norma transitória constante do art.º 5.º, n.º 4, da Lei n.º 41/2013, em não prejudicar a expectativa probatória das partes, independentemente da sua qualificação, ou não, como norma relativa à fase dos articulados, deveria o requerimento em causa ter sido apreciado à luz do regime de junção de documentos em vigor à data de entrada do processo.
Com efeito, não consta dos autos que às partes tenha sido dada a possibilidade de exercerem o direito consagrado neste art.º 5.º, n.º 4, sendo que só nesse caso se admitiria a aplicação do novo e mais restritivo regime de junção de documentos.
Na apelação não está em causa a aplicação ou não aplicação de multa pela junção dos documentos. Os documentos em causa não poderão, pois, deixar de ser admitidos e sem multa, uma vez que, atenta a invocação da requerente de que se destinam a contraprova de determinados quesitos, nunca poderiam ser juntos com o seu articulado, mas sim em data posterior ao articulado da parte contrária, sendo-lhe aplicável o disposto no art.º 523.º, n.º 2, in fine, do CPCivil, na redação anterior à Lei n.º 41/2013.».

  Tudo para concluir assim: «Em processo entrado em tribunal em data anterior à entrada em vigor do novo C. P. Civil, atento o propósito expresso pelo legislador na norma transitória constante do art.º 5.º, n.º 4, da Lei n.º 41/2013 em não prejudicar a expectativa probatória das partes, é aplicável o regime legal de junção de documentos previsto no art.º 523.º, n.º 2, do C. P. Civil, e não o regime previsto no art.º 423.º, n.º 2, do C. P. Civil, na redação da Lei n.º 41/2013».

  Sufragamos este entendimento, mormente em casos, como o dos autos, em que o novo regime legal (do NCPCiv.) tenha entrado em vigor quando o processo se encontrava já na fase instrução ou julgamento e os requerimentos de prova haviam sido admitidos ainda no período de vigência do CPCiv. Revogado.

   Assim, e salvo o devido respeito pela decisão adotada, ocorreu erro na determinação do regime legal aplicável, pois que, como visto – na senda da citada jurisprudência da Relação de Lisboa –, o regime aplicável à junção de documentos em audiência de julgamento é, in casu, o do CPCiv. revogado, com o respetivo art.º 523.º, n.º 2, a permitir a junção até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, embora com a sanção da multa, caso não logre o requerente provar a impossibilidade de oferecimento com o respetivo articulado, e não a rejeição da prova por extemporânea.

  É patente que o requerimento de junção de prova documental em causa foi apresentado anteriormente ao encerramento da discussão em 1.ª instância – antes mesmo da inquirição das testemunhas arroladas –, pelo que não poderia ser rejeitado por extemporaneidade.

  Logo, tal rejeição, com esse fundamento, não pode ser mantida, havendo esta apelação de proceder, com revogação da decisão recorrida, caso se conclua, por outro lado, pela relevância probatória dos documentos apresentados.»


3. Apreciação  


No domínio do CPC, na versão em vigor antes do início de vigência da Lei n.º 41/2013, no que respeita ao momento de apresentação da prova documental, o então artigo 523.º preceituava que:

1 – Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.

2 – Se não forem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, mas a parte será condenada em multa, excepto se provar que os não pode oferecer com o articulado.

Por sua vez, o artigo 524.º, sob a epígrafe Apresentação em momento posterior, no que aqui releva, dispunha que:

2 – Os factos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo.

Sucede que a Lei n.º 41/2013, de 26-06, alterou em parte aqueles normativos que passaram a constar dos artigos 423.º e 425.º da atual versão do CPC.

      Assim, o artigo 423.º, sob a epígrafe Momento da apresentação, dispõe que:

1 – Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.

2 – Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.

3 – Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido tornada necessária em virtude de ocorrência posterior.

   Do cotejo entre a anterior e a atual versão dos referidos normativos do CPC extrai-se que se manteve a regra de base do ónus de apresentação da prova documental com os articulados em que as partes aleguem os factos que com aquele meio de prova se visa demonstrar.

     Já quanto a apresentação em momento posterior com a penalização de multa ou justificação bastante do retardamento, a nova lei veio antecipar o limite temporal dessa apresentação, mantendo, no entanto, a faculdade de oferecimento, depois desse limite, dos documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento ou se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

      Em suma, significa isto que, afora estas últimas situações, a apresentação de prova documental posterior aos articulados com penalização ou justificação bastante, que dantes podia ser feita até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, ou seja, até ao termo das então alegações de facto, passou a agora a ter como termo final o vigésimo dia anterior à data em que se realize a audiência final.

      Tal antecipação encontra-se justificada na “exposição de motivos” da Lei n.º 41/2013, nos seguintes termos:

«Em consonância com o princípio da inadiabilidade da audiência final, visando disciplinar a produção de prova documental, é estabelecido que os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realiza a audiência final, assim se assegurando o oportuno contraditório e obviando a intuitos exclusivamente dilatórios.»


 Importa ainda, a este propósito, referir que, nos termos do artigo 508.º-A, n.º 2, alínea b), do CPC na redação em vigor antes do início de vigência da Lei n.º 41/2013, a audiência preliminar destinava-se a, além do mais e complementarmente, “estando o processo em condições de prosseguir, designar, sempre que possível, a data para a realização da audiência final, tendo em conta a duração provável das diligências probatórias a realizar antes do julgamento”. Não tendo havido lugar àquela audiência, nos ter-mos do artigo 512.º as partes eram notificadas do despacho saneador e para, em 15 dias, apresentarem ou alterarem os requerimentos probatórios e, findo este prazo sem que tivesse havido reclamações contra a seleção da matéria de facto ou, havendo-as, decididas estas, o juiz designava logo dia para a audiência, ponderada a duração provável das diligências de instrução a realizar antes dela.

Agora, segundo o artigo 591.º, n.º 1, alínea g), do CPC na versão dada pela Lei n.º 41/2013, a audiência prévia destina-se também a:  

Programar, após audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respetivas datas. 

E, nos termos do artigo 593.º, n.º 2, alínea d), na mesma versão, quando não haja lugar a audiência prévia, compete ao juiz proferir despacho destinado “a programar os atos a realizar na audiência final, a estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respetivas datas.”           


 Coloca-se agora a questão se saber em que medida é que a nova disposição do n.º 2 do artigo 423.º do CPC é aplicável aos processos pendentes à data da entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, ocorrida em 1 de setembro de 2013, sabido que a presente ação fora instaurada em 3/04/2007.

Ora, a aplicação no tempo da lei processual suscita algumas dificuldades derivadas da natureza específica da relação processual, na medida em que se trata de uma relação jurídica unitária e complexa: i) - autónoma, no que respeita ao seu objeto[2]; ii) - dinâmica no seu modo de ser evolutivo[3]; iii) - progressiva e faseada no seu devir, na medida em que as formas de processo se organizam por fases sucessivas (fases processuais), em que os trechos de sequência dos atos processuais são dirigidos à realização das funções intermédias programadas para melhor conseguir, por etapas, o fim da ação. Desse modo, a instância evolui de modo faseado por forma a atingir, progressivamente, objetivos intermédios colimados ao resultado final, que é a composição do litígio.

Cada fase processual é, pois, definida na base de dois factores: a sua função, traduzida nos fins típicos que a lei atribui a cada fase; a sua estrutura, consubstanciada na sequência (tramitação) dos atos típicos ou eventuais que integram cada fase, nos trâmites específicos destes atos (requisitos formais) e ainda na parametrização do âmbito das faculdades, ónus ou poderes que, respetivamente, as partes e o tribunal (incluindo a secretaria) através deles exercem[4]. As fases processuais constituem, pois, elementos de organização e de economia do iter processual, delineando as esferas estratégicas da atuação das partes e da intervenção do tribunal, de modo a garantir com segurança jurídica e equilíbrio uma obtenção equitativa do resultado final.

   Assim sendo, a aplicação da lei processual no tempo pode incidir em diversos domínios da relação processual, a saber: quanto aos pressupostos processuais; quanto a forma de processo e respetivas fases; quanto à forma, formalidades e tempo para a prática dos atos procesuais e aos seus efeitos. 

    Apesar de a doutrina geral admitir a regra da aplicabilidade imediata da nova lei processual, tal regra não fora expressamente consagrada nos Códigos do Processo Civil de 1876, de 1939 e de 1961, o que tem convocado, não com rara dificuldade, a aplicação com as necessárias adaptações do disposto no art.º 12.º do CC.

Já Alberto dos Reis escrevera[5] que:

  «A lei nova aplica-se imediatamente aos actos que houverem de praticar-se a partir do momento em que ela entra em vigor; quanto aos actos já praticados à sombra da lei antiga, subsiste o império desta lei.»    

    E segundo Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio de Nora[6]:

« A ideia, proclamada neste artigo [art.º 12.º do CC], de que a lei dispõe para o futuro significará, na área do direito processual, que a nova lei se aplica às acções futuras e também aos actos futuramente praticados nas acções pendentes.

A ideia, complementar desta, de que a nova lei não regula factos pretéritos(para não atingir efeitos já produzidos por este) traduzir-se-á, no âmbito do direito processual, em que a validade e regularidade dos actos processuais anteriores continuarão a aferir-se pela lei antiga, na vigência da qual foram praticados.

O respeito da validade e eficácia dos actos anteriores pode inclusivamente obrigar à aplicação da lei antiga mesmo a actos posteriores à entrada em vigor da nova lei, se tal for necessário para que os actos anteriormente realizados não percam a utilidade que tinham.

Assim, se a nova lei alterar a forma de processo aplicável às acções de determinado valor ou de certa natureza, as acções pendentes continuarão a seguir até final a forma prescrita na lei vigente à data da sua proposição, se a aplicação imediata da nova lei aos actos posteriores à sua entrada em vigor afectar a utilidade dos actos anteriormente realizados.»    

Porém, nas reformas mais recentes, nomeadamente a partir da Reforma Intercalar introduzida pelo Dec.-Lei n.º 242/85, de 09/07, e da Revisão introduzida pelos Dec.-Lei n.º 329-A/96, de 12-12, e n.º 180/96, de 25-09, têm sido editadas normas transitórias especiais.     

No que respeita em especial às normas do direito probatório formal, que se destinam a regular o modo como os diversos meios probatórios são produzidos em juízo, segundo os referidos Autores, “vale a regra da aplicação imediata das leis processuais”, valendo, pois, “a nova lei não só para as acções futuras, mas também para as acções pendentes, quanto a todas as diligências probatórias que importa realizar após a sua entrada em vigor”[7].

E em matéria de prazos processuais, apontam os mesmos Autores para a aplicação do disposto no artigo 297.º do CC, nomeadamente aplicando-se a lei nova que encurte um prazo perentório ou cominatório aos prazos em curso, mas contando-se para o efeito somente o período de tempo decorrido na vigência da nova lei[8]

Ora a Lei n.º 41/2013, de 26-06, que entrou em vigor a 1 de setembro de 2013, no seu artigo 5.º, estabeleceu, como regime transitório especial, no que aqui releva, o seguinte:

1 – Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, é imediatamente aplicável.

2 – As normas relativas à determinação da forma do processo declarativa só são aplicáveis às ações instauradas após a entrada em vigor do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.

3 – As normas reguladoras dos atos processuais da fase dos articulados não são aplicáveis às ações pendentes na data da entrada em vigor do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.

4 – Nas ações que, na data da entrada em vigor da presente lei, se encontrem na fase dos articulados, devem as partes, terminada esta fase, ser notificadas para, em 15 dias, apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os que hajam apresentado, seguindo-se os demais termos previstos no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.

    Perante este quadro normativo e regressando ao caso em apreço, não oferece dúvidas que, tratando-se aqui de uma ação declarativa instaurada em 03/04/ 2007 e que se encontrava já na fase de instrução, é-lhe aplicável imediatamente a lei nova a partir da data da sua entrada em vigor, ou seja, em 1 de setembro de 2013.

      Sucede que a disciplina processual que aqui está em causa respeita à admissibilidade de prova documental mormente quanto ao termo final para a sua apresentação pela parte nela interessada.

   Como é sabido, a atividade processual consistente nos procedimentos de proposição, admissão, produção e assunção da prova integra a chamda fase instrutória, cuja função se destina a carrear para os autos os meios de prova, a facultar o exercício do contraditório sobre a sua admissibilidade e força probatória, bem como a atuar no processo os meios probatórios assim admitidos[9]. Em termos sistemáticos, a fase de instrução inicia-se logo após a fixação dos factos controvertidos a submeter a julgamento ou, segundo a lei ora em vigor, após a enunciação dos temas da prova (art.º 596.º, n.º 1, do CPC) e termina com a conclusão da produção de prova em audiência final, imediatamente antes das alegações orais - art.º 604.º, n.º 3, alíneas d) e e), do CPC. Mas tal não significa que não possam ocorrer atos instru-tórios antes da instrução ou fora dessa fase. É o que acontece, nomeada-mente, com o oferecimento das provas nos próprios articulados ou mesmo em momento posterior ao encerramento da discussão da causa (art.º 425.º do CPC), ou então nos casos de produção antecipada de prova (art.º 419.º e 420.º do CPC).         

É nesta conformidade que se terá de aferir o alcance das disposições transitórias constantes dos n.º 3 e 4 do artigo 5.º da Lei n.º 41/2013.

Assim, as normas reguladoras dos atos processuais da fase dos articulados a que se refere o n.º 3 do indicado artigo 5.º alcançam os atos integrados naquela fase mesmo que se trate de atos instrutórios que tenham lugar nessa fase, como são os atos de proposição das provas destinadas a demonstrar os factos ali alegados.

Por sua vez, a norma do n.º 4 do mesmo normativo também se refere à fase dos articulados e tem em vista compaginar a aplicação da nova lei às ações pendentes, no que respeita à apresentação ou alteração dos requerimentos probatórios, com a respetiva disciplina na lei anterior, já que, diversamente desta, segundo aquela os meios de prova passaram a dever ser apresentados obrigatoriamente com os articulados, o que nem sequer releva no domínio da prova documental, cuja apresentação já era ali obrigatória.

No caso presente, a fases dos articulados e do saneamento e condensação ocorreram inteiramente no domínio da lei antiga, tendo-se também iniciado a própria fase de instrução sob o império desta, com o cumprimento do disposto no então art.º 512.º do CPC e até a realização de diligências probatórias antes da audiência, como foi no caso da inquirição de testemunhas por carta rogatória.

Assim, não oferece qualquer dúvida que a presente causa já não se encontrava na fase dos articulados à data do início de vigência da Lei n.º 41/2013, pelo que não se verifica a previsão do n.º 4 do artigo 5.º desta lei, não se exigindo, portanto, a notificação das partes ali prescrita.

Por outro lado, não se afigura que aqui estejam em causa atos de proposição da prova documental praticados na fase dos articulados para que tenha de se convocar a aplicação da norma do n.º 3 do mesmo artigo.  Diferentemente, o que aqui está em causa é a prática de atos de proposição de prova documental já no decurso da fase de instrução que, segundo a lei antiga poderiam ser praticados, com penalização de multa ou justificação bastante para a junção tardia, até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, nos termos do então artigo 523.º, n.º 2, do CPC, mas que nos termos do artigo 423.º, n.º 2, da nova lei passaram a só ser permitidos até 20 dias antes da realização da audiência final, salvo quando tal apresentação não tenha sido possivel até a este limite temporal ou se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior (n.º 3 do art.º 423.º do CPC).

Significa isto que a nova lei operou um encurtamento da apresentação da prova documental na fase de instrução, mais precisamente do momento do encerramento da audiência final para o vígésimo dia antes da realização desta audiência pelas razões acima apontadas.

Acontece que, quando a nova lei entrou em vigor, nem sequer tinha sido ainda designada data para a audiência final, tendo a 1.ª sessão do julgamento ocorrido em  08/01/2015.

Nessa conformidade, a atividade instrutória subsequente à entrada em vigor da nova lei passou a reger-se pela disciplina desta, por força do preceituado no n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 41/2013. E tanto assim é que foi nessa base que foi admitido o requerimento de tomada de declarações de parte requerida pela A. em 16/06/2014, conforme despacho de fls. 478, datado de 01/07/2014.

Assim sendo, ao ser designada a data para a audiência final, a A. não podia ignorar que a apresentação da prova documental superveniente ou em momento tardio, já em fase de instrução, se regia pelo regime da nova lei, sujeita, portanto, ao limite temporal do vigésimo dia antes da realização da audiência, salvo nas situações previstas no n.º 3 do artigo 423.º do CPC.

Nesse cenário, a A. dispunha de duas alternativas legais: a) – ou apresentar os documentos até àquele limite temporal, com penalização de multa ou justificação para a junção posterior aos articulados, nos termos do n.º 2 do artigo 423.º do novo CPC; b) – ou fazê-lo na data em que o fez, mas alegando e provando que tal apresentação não fora possível até àquele momento ou que só se tornara necessária em virtude de ocorrência posterior, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo.

  Todavia, a A. alegou que apresentava tais documentos na decorrência dos depoimentos de parte prestados na 1.ª sessão de julgamento, o que faz supor que teve por desnecessária essa apresentação em momento ante-rior, não se divisando, por isso, qual a utilidade de uma prévia advertência, por parte do tribunal, para o fazer, como sustenta. O que não se afigura lícito é que agora queira prevalecer-se da anterior norma do n.º 2 do artigo 523.º do CPC, que, como se disse, não se mostra aplicável ao caso.

Nem procede o argumento da frustração de uma ténue expetativa gerada na fase dos articulados. Com efeito, uma tão longíqua espectativa não poderá prevalecer sobre a aplicação imediata do regime da nova lei, em que se encontram perfeitamente asseguradas garantias suficientes para apresentação superveniente ou tardia da prova, em consonância com o princípio do Estado de direito democrático e das garantias do processo equitativo, constantes, respetivamente, dos artigos 2.º e 20.º, n.º 1, 4 e 5, da Constituição da República. De resto, não se divisa que a aplicação imediata da nova lei aos atos de proposição da prova em causa afete efeitos processuais já produzidos ao abrigo da lei anterior nem a utilidade dos atos anteriormente realizados.    


    Em conclusão, quanto à questão circunscrita desta revista que consiste na aplicação imediata da norma do atual artigo 423.º, n.º 2, do CPC ao caso dos autos, mostram-se procedentes as razões da Recorrente, face ao que não é de manter a decisão recorrida nem tão pouco se vislumbra que a mesma pudesse ser reformada com base na mera invocação do principio do inquisitório.


IV - Decisão


Pelo exposto, decide-se conceder a revista, revogando-se a decisão recorrida e, em sua substituição, repõe-se o decidido pela 1.ª instância de rejeição da prova documental em referência.

As custas do recurso ficam a cargo da Recorrida.


Lisboa, 23 de Junho de 2016

        

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo


Carlos Alberto Andrade Bettencourt de Faria


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[1] Segundo a ora Recorrente, resulta do histórico do processo que a A. foi notificada em 14/02/2014 para a realização da audiência final a realizar em 03/04/2014.
[2] O objeto da relação processual é decalcado na relação material controvertida, sendo o objeto da causa uma espécie de imagem virtual (pretensão judicial - pedido e causa de pedir) da concreticidade fáctico-jurídica subjacente ao litígio.
[3] Desenvolve-se numa sequência de atos (tramitação) prefigurada nos modelos legais das formas de processo e de procedimento, tramitação esta que pode ainda assim comportar modos de simplificação processual adequados às especificidades da causa, numa perspetiva de ajustamento, em concreto, do conteúdo da instância às exigências da pretensão formulada com vista a garantir a tutela jurisdicional efetiva
[4] As normas processuais, em sede da forma de processo, versam sobre a forma e formalidades específicas dos atos, bem como sobre a sequência e o tempo em que devem ser praticados, mas contemplam também o tipo de conteúdo que lhes é atribuído, ou seja, o âmbito das faculdades das partes e dos poderes do tribunal exercidos através deles.
[5] Jurisprudência crítica sobre o processo civil, in RLJ Ano 81.º, p. 202.
[6] In Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1985, p. 49
[7] Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1985, p. 61
[8] Ob. cit. pp. 64 e 65.
[9] Vide, a este propósito Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1985, pp. 429 e 495-497.