Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
111/09.7TBMRA.E1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MOREIRA ALVES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DIREITOS DE PERSONALIDADE
AMBIENTE
DIREITO DE PROPRIEDADE
ACTO ADMINISTRATIVO
COMPETÊNCIA MATERIAL
ILICITUDE
Data do Acordão: 09/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I - A Convenção Europeia da Paisagem, recebida no direito interno nacional pelo Decreto n.º 4/2005, não cria para os particulares em geral um direito subjectivo à paisagem, não albergando, por isso, normas destinadas a proteger directamente esse particular interesse, mas estabelece critérios genéricos que as autoridades públicas dos Estados signatários devem adoptar nas suas políticas locais e regionais, designada e principalmente nas políticas de ordenamento do território.
II - A protecção de uma paisagem equilibrada e harmoniosa é prosseguida pela lei enquanto componente ambiental, como resulta do art. 66.º da CRP e da Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 11/87, de 07-04).
III - A CRP consagra o ambiente, não apenas como um direito fundamental do cidadão, mas também como tarefa fundamental do Estado (art. 9.º, als. d) e e)), ou seja, encara o ambiente simultaneamente numa dimensão objectiva e subjectiva, pelo que pode concluir-se que existe um direito subjectivo ao ambiente, no âmbito do qual está contemplada a preservação da paisagem.
IV - O direito à paisagem, considerado como mero componente do direito ao ambiente, não faz parte do estatuto real do direito de propriedade (não se integra na liberdade de usar, fruir ou dispor que caracteriza este direito), sendo um direito que pertence a todos os cidadãos, independentemente de serem ou não proprietários de determinado terreno, pelo que consiste num direito de personalidade e não num direito real.
V - A efectivação do direito ao ambiente passa necessariamente pela ponderação de inúmeras vertentes que podem conflituar entre si e que, por isso, têm de ser hierarquizadas segundo juízos de razoabilidade, dado que, no plano do direito ao ambiente, a valorização ou conservação da paisagem não é o único valor a pesar, visto que muitos outros interferem com ele, como, por exemplo, o equilíbrio ecológico, o aproveitamento dos recursos naturais ou o desenvolvimento sócio-económico.
VI - A análise ponderada de todas essas vertentes implicaria a sindicância de actos administrativos, para o que este tribunal comum não tem competência material.
VII - Não constitui facto ilícito a conduta da ré que, com a instalação de uma central fotovoltaica em prédios contíguos ao pertencente ao autor, lhe retirou a vista da paisagem que antes usufruía, passando a sua propriedade a estar cercada de painéis solares, se se submeteu ao competente procedimento administrativo (o qual não foi posto em causa pelos meios processuais adequados), que licenciou a central nos termos legais e regulamentares, passando a instalação da central a ser um direito da ré.


Decisão Texto Integral:

No Tribunal Judicial da Comarca de Moura,

AA

intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra

... – ... S... S.A.

Alegando, resumidamente, em fundamento:

- O A. é proprietário de diversos  prédios rústicos que no seu conjunto formam o designado Monte da A...,  com a área total de 45.3962 ha, situado na freguesia da Amareleja-Moura;

- Tais propriedades, de acordo com o Plano Director Municipal, estão integradas na R.E.N. e na R.A.N.;

- Em Novembro de 2007, uma propriedade vizinha, designada por Tapada do Garcia, foi objecto de um Plano de Pormenor, que alterou o Plano Director Municipal numa área de 114 ha, passando a dita Tapada a destinar-se à instalação de uma Central Fotovoltaica, da qual a Ré é detentora da licença de instalação.

- Em Janeiro de 2008, conforme aviso devidamente publicado, foi elaborado um Plano de Urbanização para a Central Fotovoltaica da Amareleja (que inclui a área afecta ao referido Plano de Pormenor), ampliando a área destinada à Central de energia solar para um total de 322,43ha;

- Na 1ª fase, após a aprovação do Plano de Pormenor para a dita Central Fotovoltaica, foram instalados, na área, 965 seguidores (painéis solares) e na 2ª fase, após a ampliação da área, mais 1.660 seguidores;

-Assim, os terrenos do A. (Monte da A...) ficaram “encravados” pela referida Central, já que estão circundados ou rodeados em grande parte da sua extensão pelos referidos painéis solares;

- O que privou o A. da paisagem que sempre usufruiu, até porque, nesses terrenos existe uma habitação;

- Por outro lado, o A. pretendia desenvolver um Projecto de Turismo Rural no referido Monte da A..., o que ficou prejudicado face à instalação da Central da Ré;

- Além de que o A. deixou de poder usufruir o seu Monte como sempre fizera durante largas dezenas de anos e deixou mesmo de poder contar com a presença assídua da filha, genro e netos, que se recusam a visitá-lo e em estar com ele nas instalações do Monte da A..., o que causa grande sofrimento e perturbação emocional, psíquica e mesmo física ao A., obrigando-o a acompanhamento médico;

- Assim, a conduta da Ré, ao instalar a dita Central, viola o direito à paisagem e, consequentemente viola o direito de propriedade do A., na medida em que o priva do direito de gozo dos seus terrenos, direitos que são constitucionalmente protegidos.


*

Pede, consequentemente, a condenação da Ré a pagar-lhe a indemnização de 600.000€ a título de danos patrimoniais e a indemnização de 150.000€ a título de danos não patrimoniais.

A Ré contestou


No âmbito do despacho saneador, proferiu-se, desde logo, decisão de mérito que julgou a acção improcedente.


Inconformado, recorreu o A. para a Relação, mas sem êxito, visto que foi julgada improcedente a apelação, e confirmada a sentença recorrida.

Apesar de se tratar de processo já sujeito às novas regras processuais introduzidas pelo D.L. 303/2007 e ocorrer dupla conforme, o A. interpôs recurso de revista excepcional ao abrigo do disposto no Art.º 721-A do C.P.C., que foi admitido pelo colectivo de juízes referido no nº3 do preceito citado.

Há, portanto, que conhecer do objecto da  revista.


Conclusões


A terminar as suas alegações, formulou o recorrente as seguintes conclusões:

Conclusões da Revista do Autor

*


I- O presente recurso de revista excepcional deve ser admitido nos termos do n° 1, do art° 721° - A do CPC, uma vez que se impõe a apreciação da questão da responsabilidade civil extracontratual (art° 483° do CC) em moldes que garantam uma melhor aplicação do direito,

II- E também, porque estão em causa interesses de particular relevância social.

III- O objecto do recurso é limitado, nos termos do acórdão recorrendo, à apreciação sobre "se foi ou não correcta a decisão do julgador a quo em considerar como não verificados os pressupostos relativos à responsabilidade civil extracontratual." Porém,

IV- O mesmo acórdão acaba por não analisar todos os referidos pressupostos (o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade).

V- O acórdão recorrendo reconhece que assiste um direito subjectivo que protege os interesses do Recorrente (sobretudo comprovando-se a existência de casa de habitação).

VI - Concluindo, porém, que, a existir responsabilidade civil, a mesma terá que ser assacada a entidades terceiras que não a Recorrida.

VII- A forma deficiente e contraditória como o Tribunal a quo apreciou apenas alguns dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, impõe a reapreciação desta questão por forma a garantir uma melhor aplicação do direito.

VIII- Os interesses em apreço nos presentes autos revestem natureza de particular relevância social,

IX - Uma vez que o que está em causa é a ofensa do direito de propriedade do Recorrente (o direito de usar e fruir a sua propriedade), direito esse que é um direito absoluto que goza de garantia constitucional.

X- Verificados os pressupostos enunciados sob as alíneas a) e b) do n° 1, do art° 721° - A do CPC, deve, pois, ser admitida a revista excepcional.

XI- O acórdão recorrendo, não faz, como devia, a apreciação de todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual,

XII - Não aprecia o facto que motiva a instauração da presente acção.

XIII- Não se pronuncia pela ilicitude de tal facto, não obstante reconhecer explicitamente a existência de um direito subjectivo do Recorrente,

XIV- Afirma que, a existir responsabilidade civil, a mesma terá que ser assacada às entidades públicas,

XV- Não aprecia, nem avalia, os danos alegados pelo Recorrente, nomeadamente tendo em conta a existência de casa de habitação no Monte da A... e bem assim que o número de seguidores em redor desta são 2625 e não 965,

XVI- Não estabelece qualquer nexo de causalidade entre o facto e o dano.

XVII - O acórdão recorrendo interpreta e aplica erradamente o art° 433º do CC.

XVIII - A decisão sobra a matéria de facto devia ter sido alterada pelo Tribunal a quo nos termos  das  conclusões do apelante,  uma vez que do  processo constavam os necessários elementos de prova,

XIX- Traduzindo-se tal omissão na violação da lei de processo, nomeadamente do disposto nos art°s. 490°, 2 e 712° do CPC.

XX- O Tribunal a quo também não se pronunciou sobre as questões suscitadas pelo apelante sob os pontos 15 a 18° das conclusões,

XXI- Questões essas que determinavam a nulidade da sentença de 1ª Instância,

   XXII- Como determinam a nulidade do acórdão recorrendo, conforme decorre do disposto sob a alínea d) do n° 1, do art° 668° do CPC.

XXIII- O acórdão recorrendo não dignifica nem prestigia a Justiça,

Pelo que deve o mesmo ser revogado in totum, ordenando-se a remessa dos autos ao Tribunal de 1a Instância para que ali tenha lugar a audiência de discussão e julgamento que permita a correcta apreciação dos factos e a melhor decisão de Direito.


*

Não foram oferecidas contra-alegações.

Os Factos


*

Encontra-se dada como assente a seguinte factualidade:

1-0 Autor é dono e legitimo proprietário dos prédios rústicos sitos na freguesia da Amareleja, em Moura, descritos na Conservatória do Registo Predial de Moura, sob os n. 22469, 26140, 28042 e 28335 e inscritos na matriz da mesma freguesia sob os n. 21,9,53,52, todos da secção 11, melhor designados por Monte da A...,

2- A área dos prédios descritos em 1) perfaz o total de 45,3962 hectares;

3- De acordo com o Plano Director Municipal de Moura, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n. 15/96, de 23 de Fevereiro, os referidos terrenos estão classificados como áreas agro-pastoril, espaços agrícolas, encontrando-se inseridos na REN (reserva ecológica nacional) e RAN (reserva agrícola nacional);

4- Em Novembro de 2007, a parte da área correspondente ao prédio rústico n. 1, secção 11, designada Tapada do G..., sito na freguesia da Amareleja, foi objecto de um plano de pormenor publicado do DR 2.a Série, n. 226, regulamento n. 317-A/2007, o qual alterou o PDM de Moura numa área de 114 a, destinada à Instalação da Central Fotovoltaica, de que cuja licença de instalação é detentora a Ré,

5- De acordo com o PDM de Moura, a classificação do uso destas solos não previa, entre as actividades permitidas para a zona, a instalação de uma central foto voltaica, por estar classificada como área agro-silva-pastoril, espaços agrícolas, áreas florestais, inserida na reserva agrícola nacional (RAM), em reserva ecológica nacional (REN), em área do montado de azinho e sobro, no domínio público hídrico e no perímetro florestal da Amareleja;

6- Desde a data referida em 2), os Pais dos M. viveram na casa de habitação aí construída e cultivaram, plantaram, exploraram, melhoraram e auferiram os frutos do terreno objecto do contrato promessa celebrado entre as partes;

7- Em 7 de Janeiro de 2008, na sequência do desenvolvimento da área abrangida pela referida central foto voltaica, foi publicado o aviso n.º 477/2008, com a elaboração de um plano de urbanização para a Central Foto voltaica da Amareleja, incluindo a área afecta ao Plano de pormenor (114 a) ampliando assim a área destinada à central de energia solar, para um total de 322,43 a, mediante a inclusão dos seguintes prédios rústicos: artigo 54.°, secção 11 (adjacente a sudoeste) designado por Monte do Aeródromo, numa área de 52 há e artigos 1,6 e 7 da secção 11 da Amareleja, abrangendo cerca de 15773 a;

8- Após aprovação do plano de pormenor para a central fotovoltaica, no terreno afecto à central, “Tapada da G..." foram colocados 965 seguidores, nos terrenos adjacentes ao prédio do Autor;

9- A estrutura que suporta cada um dos painéis tem 13,05m de comprimento por 10,80m de largura.

Fundamentação

Vistas as conclusões que, como é sabido, determinam o objecto do recurso , facilmente se verifica que a questão essencial suscitada se traduz em saber se, atenta a matéria de facto alegada, o A. tem ou não direito a ser indemnizado pela Ré nos termos pretendidos.

Ou seja, trata-se de averiguar se estão presentes os pressupostos relativos à responsabilidade extracontratual invocada pelo A. em fundamento do seu pedido indemnizatório, sendo certo que o A. fundamenta o seu pedido (o pretendido direito) na violação do seu direito de propriedade por parte da Ré, na medida em que com a instalação da Central Fotovoltaica em prédios contíguos ou vizinhos ao Monte da A..., lhe retirou a vista da paisagem que antes usufruía, uma vez que a sua propriedade se encontra cercada de painéis solares.

Mas, sendo este o cerne da questão, por outro lado, acusa o acórdão recorrido de nulidade por falta de pronúncia, visto que, reconhecendo-lhe, embora, um direito subjectivo à paisagem, afirma que a existir responsabilidade civil, a respectiva responsabilidade terá de ser assacada às entidades públicas que licenciaram a Central Fotovoltaica, sem apreciar o facto que motivou a instauração da acção, não se pronunciou sobre a ilicitude de tal facto, além de não ter avaliado ou apreciado os danos alegados pelo recorrente, nem o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Acresce que o acórdão recorrido não alterou a matéria de facto, como devia ter feito, em conformidade com as conclusões da apelação, uma vez que do processo constavam todos os necessários elementos de prova, o que tudo se traduz na violação dos Art.ºs 490 nº2 e 712 do C.P.C.

Tal falta de pronúncia determinaria a nulidade do acórdão nos termos da alínea d) do nº1 do Art.º 668 do C.P.C.

Cumpre, então, decidir.


Da nulidade invocada

Salvo melhor opinião, o acórdão recorrido não incorreu em qualquer nulidade.

Como é jurisprudência uniforme, só existe falta de pronúncia e, portanto, a nulidade prevista no Art.º 668º nº1 d) do C.P.C., quando a decisão sindicada silencie absolutamente a questão ou questões suscitadas, mas já tal não ocorre quando elas foram apreciadas, ainda que sumária ou mesmo deficientemente ou quando, não foram apreciadas, por terem sido tidas por prejudicadas pela solução encontrada para o litígio.

Ora, no caso concreto, o que decorre do acórdão sob censura, é que, aderindo à argumentação da sentença recorrida quanto à inexistência de responsabilidade civil que possa ser imputada concretamente à Ré, concluiu não ser possível responsabilizá-la por facto ilícito, daí a improcedência da apelação e a desnecessidade de se pronunciar sobre outras questões suscitadas no recurso, que, assim, ficaram prejudicadas.

É certo que o acórdão recorrido, afastando-se agora da sentença, tendo em conta a matéria de facto alegada pelo A., não excluiu, à partida, que tal factualidade não pudesse gerar responsabilidade civil.

Parece até aceitar que o A. seria detentor de um direito subjectivo à paisagem, sobretudo se se provasse que existe uma casa de habitação no Monte da A... (questão controvertida) o que, em princípio, poderia gerar obrigação de indemnizar.

Só que, a existir tal responsabilidade, na perspectiva do acórdão, ela teria de ser exigida às entidades públicas que promoveram o Plano de Pormenor e o subsequente Plano de Urbanização para a Central Fotovoltaica da Amareleja, instrumentos de gestão do território que alteraram o Plano Director Municipal, e nessa base, licenciaram a dita Central da Ré.

Tal  responsabilidade não podia ser imputada a Ré que observou a lei e os regulamentos que o Estado e a autarquia de Moura determinaram.

Sendo esta a perspectiva na qual o acórdão enquadrou a questão, é claro que, reconhecendo que nenhum acto ilícito podia ser imputado à Ré, não pode dizer-se que não apreciou o “facto” que fundamenta a acção e a sua ilicitude.

Na verdade, apreciou-o, tal como a sua licitude/ilicitude, embora por adesão mais ou menos remissiva para a sentença, como claramente explicitou, concluindo pela licitude da conduta da Ré e pela eventual ilicitude da aprovação do licenciamento da obra, o que só poderia imputar-se à autarquia de Moura.

Assim, depois de tal conclusão de direito, é evidente que não tinha de apreciar e valorar os danos alegados ou o nexo causal já que irrelevantes na economia da acção, face à solução adoptada, assim como era indiferente a alteração da matéria de facto, visto que a gerar responsabilidade, esta não seria imputável à Ré.

Concluímos, portanto, que nenhuma nulidade inquina o acórdão recorrido.


Quanto ao mérito

O que, de facto, aqui interessa averiguar, é se, perante toda a factualidade alegada pelo A. na petição inicial, é ou não possível imputar à Ré a violação do direito de propriedade do A., com as legais consequências, visto que é nessa sede (1ª parte do Art.º 483 do C.C.) que o A. coloca a questão suscitada na revista.

Se a resposta for positiva, então haveria que ordenar a ampliação da matéria de facto, em ordem à aplicação do direito nos termos do Art.º 729º nº 3 do C.P.C., designadamente no que concerne a saber se, na verdade, no Monte da A... existe uma casa de habitação, qual a altura dos painéis solares, o seu número exacto, etc.

Ao contrário, se se concluir, tal como fez o acórdão recorrido, que não pode imputar-se à Ré qualquer tipo de responsabilidade por facto ilícito, nenhum interesse tem a fixação da matéria de facto, dada a inexistência do direito a que o A. se arroga.

Vejamos então

Alega o A, como se viu, a violação do seu direito à paisagem, e por essa via, do seu direito de propriedade, visto que o 1º se integra no âmbito do 2º, limitando a sua liberdade de uso e fruição.

Socorre-se, na sua argumentação, da Convenção Europeia da Paisagem, recebida no direito interno nacional pelo Decreto nº4/2005.

A este respeito, em consonância com o que se diz  na sentença da 1ª instância, também nos parece que a referida convenção não cria para o A. ( para os particulares em geral) um direito subjectivo à paisagem, não albergando, por isso, normas destinadas a proteger directamente esse particular interesse.

De facto “Considerando que a paisagem desempenha importantes funções de interesse público nos campos cultural, ecológico, ambiental e social, e que constitui um recurso favorável à actividade económica, cuja protecção, gestão e ordenamento adequado podem contribuir para a criação de emprego” (cofr. Relatório do Decreto 4/2005), o que estabelece a referida convenção são critérios genéricos  que as autoridades públicas dos Estados signatários devem adoptar nas suas políticas locais e regionais, designada e principalmente, nas políticas de ordenamento do território.

O que está em causa é o interesse geral da colectividade na ordenação, requalificação ou  preservação da paisagem e não o interesse particular de um qualquer proprietário, que apenas indirectamente poderá sair beneficiado..

Não parece, assim, que o A. seja titular de um direito subjectivo à paisagem, pelo menos com a densificação que lhe atribuí.

Isto não significa que o acesso a uma paisagem equilibrada e harmoniosa não seja protegido por lei e que o A. não tenha direito a tal protecção.

Na verdade, tal protecção é prosseguida pela lei enquanto componente ambiental, como se vê do Art.º 66 da Constituição da R.P. e da Lei de Bases do Ambiente.

Reconhecendo a Constituição o direito de todos os cidadãos a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado, determina que para assegurar o direito ao ambiente, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios, designadamente “Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e a valorização da paisagem” assim como “…classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico” (no mesmo sentido cof. a L.B.A. - Lei 11/87 de 7/4-).

Vê-se, assim, que a nossa Constituição consagra o ambiente não apenas como um direito fundamental do cidadão, mas também como tarefa fundamental do Estado (cof. Art.º 9 d) e e) ) ou seja, encara o ambiente simultaneamente numa dimensão objectiva e subjectiva.

Podemos, pois, concluir, que existe um direito subjectivo ao ambiente, no âmbito do qual está contemplada a preservação da paisagem, mas sem nunca esquecer que, como diz José Eduardo de Oliveira Figueiredo Dias (Boletim da Faculdade de Direito nº 29-37) “O reconhecimento da existência de um direito subjectivo ao ambiente não deve, fazer com que se perca o seu carácter de bem jurídico unitário de toda a comunidade; por outras palavras, a titularidade individual de um direito subjectivo ao ambiente não traz consigo a subversão do ambiente como um bem jurídico colectivo”.

Porém, seja como for, quer se considere o direito à paisagem com a densificação pretendida pelo A., quer como mero componente do direito ao ambiente (como nos parece ser o mais correcto), em qualquer caso, nenhum desses direitos faz parte do estatuto real do direito de propriedade (não se integra na liberdade de usar, fruir ou dispor, que caracteriza o direito de propriedade).

Basta pensar que o direito ao ambiente e, portanto, como se viu, à protecção da paisagem, é um direito que pertence a todos os cidadãos, independentemente de serem ou não proprietários de determinado terreno.

Estamos no âmbito de um direito de personalidade e não de um direito real.

Acresce, no caso concreto, que o Monte da A... pertencente ao A., encontra-se inserido na REN e na RAN, estando caracterizado, quase na totalidade, como área Agro-Silvo-Pastoril e como Espaço Agrícola.

Ora, tal caracterização não foi afectada pela instalação da Central Fotovoltaica da Ré, antes se mantém integralmente, razão pela qual o uso consentido pelo PDM de Moura permanece o mesmo.

Consequentemente não se vê que a instalação da Central tenha violado de alguma forma o direito de propriedade do A. e é a violação deste direito, e não de outro qualquer, que constitui o fundamento ou a causa de pedir da acção.

Mas será que foi violado o direito ao ambiente de que o A. é titular, na sua dimensão paisagística?

Ou melhor, poderá dizer-se que a paisagem do local foi ilicitamente postergada?

Que a instalação da Central Fotovoltaica da Amareleja teve impacto substancial na paisagem do local é um facto indesmentível, mas isso não significa que todo o procedimento administrativo que alterou o PDM de Moura em ordem a permitir tal instalação tenha sido ilegal e, por isso, gerador de responsabilidade civil extracontratual.

Há que ter em conta que a efectivação do direito ao ambiente passa necessariamente pela ponderação de inúmeras vertentes que podem conflituar entre si e que, por isso, têm de ser hierarquizadas segundo juízos de razoabilidade.

No plano do direito ao ambiente, a valorização ou a conservação da paisagem, não é o único valor a pesar, visto que muitos outros interferem com ele como por exemplo, o equilíbrio ecológico, o aproveitamento dos recursos naturais (designadamente o fomento de energias renováveis, como terá sido o caso dos autos), o desenvolvimento sócio-económico etc.

Seria da análise ponderada de todas essas vertentes que se teria de concluir pela ilicitude ou licitude da alteração do PDM e do consequente licenciamento da Central em questão.

Todavia, não é este o lugar próprio para desenvolver tal análise, até porque isso implicaria a sindicância de actos administrativos, para o que este Tribunal comum não tem competência material.

Na verdade, como resulta da Constituição e da Lei de Bases do Ambiente, a defesa e efectivação do direito ao ambiente desenvolve-se através da actividade da administração central e autárquica, designadamente, em situações como a dos autos, através de instrumentos de ordenamento do território, ou seja, através de Planos Municipais de Ordenamento do Território, Planos Directores Municipais, Planos de Urbanização, Planos de Pormenor, ou licenciamento de projectos em consonância com o estabelecido nos referidos Planos.

Daí, até, a ligação estreita desta matéria com o direito de urbanismo.

É, pois, o direito administrativo, quer substantivo, quer procedimental, que tutela, essencialmente, o direito ao ambiente.

Como refere o autor citado (ob. Cit. Pag.63) “A partir do momento em que na matéria do ambiente, passa  a estar em causa a defesa de interesses colectivos, a «política ambiental» desenvolvida no interior dos Estados teve de recorrer ao direito administrativo; não só porque a intervenção estatal se deve apoiar directamente neste direito, mas também devido à sua maior aptidão para regular questões de índole técnica – tudo levando a que o direito administrativo assumisse um papel decisivo na ordenação jurídica do ambiente.”

O regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial está regulado no D.L. 380/99 de 22/9 e o regime jurídico da avaliação de impacto ambiental no D.L. 197/2005, para só citar os diplomas mais importantes.

Aí se contêm normas de direito público reguladoras da actividade gestora do território, nomeadamente, o direito à informação dos visados pelos instrumentos ordenadores, o direito de participação na respectiva elaboração, garantindo-se a todos os interessados, em geral, os meios previstos no Código do Procedimento Administrativo, designadamente, o direito de acção popular, o direito de apresentação de queixa ao Provedor de Justiça ou ao M.º P.º. e, no âmbito dos planos municipais de ordenamento do território e dos planos especiais, é reconhecido aos particulares o direito de proceder à sua  inpugnação directa  (cof. Art.º 5, 6 e 7 do 1º diploma citado e Art.º 268º da Const. R.P.).

 É óbvio que os planos de ordenamento territorial estabelecem prioridades que muitas vezes conflituarão com interesses particulares.

Em tais situações, prevê a lei soluções de concertação ou composição de interesses mediante mecanismos de perequação ou de indemnização (Art.º 135 e 143).

No caso concreto, resulta dos autos que o PDM de Moura  não previu a instalação da Central Fotovoltaica em causa. Por isso a autarquia elaborou Plano de Pormenor, com base no qual autorizou a instalação da Central e posteriormente, organizou novo Plano de Urbanização para a Central da Amareleja, com vista à ampliação do empreendimento.

Alterou, assim, o primitivo PDM de modo a viabilizar a instalação da Central, que considerou como uma aposta no desenvolvimento económico-social e na criação de uma unidade de produção de energia renovável (cof. Doc. de fls. 54).

Ao que se depreende do processo, toda a tramitação destinada à alteração do PDM e consequente autorização para a instalação da Central seguiu as regras procedimentais previstas na lei.

Nomeadamente, ocorreu a necessária publicidade, tendo até o A., segundo alega, apresentado uma exposição à Câmara Municipal de Moura, onde contestou a aprovação do Plano de Urbanização para a Central, nos termos em que este excluía os terrenos, propriedade do A., mantendo-os afectos a área Agro-Silvo-Pastoril e reserva Agrícola Nacional (RAN) e reserva ecológica Nacional (REN) (ao que parece, sem êxito).

Todavia, se a oposição do A. ao Plano de Urbanização não foi considerada nesta fase procedimental, nem por isso ele ficou impedido de reagir perante a autoridade administrativa competente.

Na verdade, uma vez aprovados os Planos (quer o Plano de Pormenor, quer o subsequente Plano de Urbanização específico) pela Câmara Municipal, podia ainda o A. impugná-los directamente no contencioso administrativo, como se disse já.

Seria essa a via processual adequada para fazer valer os mecanismos compensatórios previstos na lei, ou, em última análise, podia accionar a entidade administrativa competente, exigindo-lhe indemnização pelos prejuízos que alega ter sofrido, caso aquela autoridade tivesse agido ilicitamente na aprovação dos referidos Planos.

Não o tendo feito, terá de considerar-se regular todo o procedimento administrativo que culminou na autorização da Ré para instalar a Central em causa, visto que os actos administrativos gozam da presunção de legalidade.

Colocada a questão ao nível da responsabilidade extra-contratual por facto ilícito (seja na base da violação do seu direito de propriedade ou do direito ao ambiente, na sua versão paisagística) como o A. a coloca, parece-nos claro que, a existir tal responsabilidade, ela só poderá ser imputada aos órgãos  administrativos (no caso à autarquia) a quem compete exclusivamente o poder decisório de aprovação e execução dos Planos que se impõe aos particulares.

Notar-se-à, para evitar equívocos, que o que acabou de se expor nada tem a ver com a legitimidade para esta acção ou com a competência material deste Tribunal, pressupostos que se aferem em função do pedido e da causa de pedir.

Consequentemente, dada a conformação que o A. deu à acção, é manifesto que as partes são legítimas e o tribunal materialmente competente.

O que se pretendeu transmitir com as observações acima expostas, foi que o A. não tem o direito que se arroga perante a Ré.

Se o tem perante a Administração é questão que apenas se equacionou, em termos argumentativos, e que aqui não cabe analisar.

Mas, regressando à responsabilidade da Ré, que é a questão que importa dir-se-à que não pode ser imputado qualquer facto ilícito, visto que se se submeteu ao competente procedimento administrativo que licenciou a Central nos termos legais e regulamentares.

Assim, a partir do momento em que o licenciamento foi autorizado (e todo o procedimento administrativo em que o mesmo assentou, não foi posto em causa pelos meios processuais adequados), a instalação da Central passa a ser um direito da Ré.

Consequentemente, não constitui um acto ilícito, que, como ensina A. Varela, traduz a reprovação da conduta do agente no plano geral abstracto.

Por seu lado a culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente, o qual, perante as circunstâncias concretas do caso, podia e devia agir de outro modo.

Ora, nas circunstâncias concretas do caso, a instalação da Central Fotovoltaica em causa, não pode ser considerado como um acto objectivamente reprovável, muito menos culposo, já  que não se vê que fosse exigível à A. outro comportamento.

Foi legalmente autorizada pela Administração, na prossecução de uma política integrada do ambiente e o A. não impugnou, como se disse, o procedimento administrativo que conduziu a tal autorização.

Logo, sendo legal a autorização administrativa, é igualmente legal a implantação no terreno do empreendimento.

Aliás, como alega o A., não está em causa tal autorização e, por outro lado, também não se contesta a mais valia subjacente ao empreendimento sob o ponto de vista ambiental, já que, como o A. expressamente refere, não questiona o Direito ao Ambiente (Cof. Artigo 30 da p.i).

O que o A. põe em causa é a violação do seu direito de propriedade, que integraria, no seu âmbito, o direito à paisagem, pretendendo obter da Ré uma indemnização pecuniária em consequência de tal violação.

Já dissemos inicialmente que não foi violado o direito de propriedade do A., devendo antes a questão equacionar-se no âmbito do direito ao ambiente na sua vertente paisagística.

Mas, seja como for, o que se retira de tudo quanto se deixou dito é que a instalação da Central Fotovoltaica não pode ser tida como um acto ilícito e muito menos culposo, daí que não possa imputar-se à Ré responsabilidade civil extracontratual nos termos do Art.º 483 do C.C., como pretende o A.

A obrigação de indemnizar só existe, por regra, se o acto, sendo ilícito, for ainda culposo, e só se prescinde da culpa nos casos especificados na lei (nº2 do Art.º 483), isto é, quando se esteja no domínio da responsabilidade pelo risco ou por actos lícitos, situações estas que não se configuram no caso concreto, nem foram suscitadas.

Improcedem assim, todas as conclusões da revista.




Decisão

Termos em que acordam neste S.T.J. em negar revista, confirmando-se, assim, o decidido no acórdão recorrido.


Custas pelo recorrente.

Lisboa, 6 de Setembro de 2011


Moreira Alves (Relator)                                                             

Alves Velho

Paulo Sá