Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | VASQUES DINIS | ||
Descritores: | SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO ACORDO LIBERDADE CONTRATUAL RETRIBUIÇÃO CATEGORIA PROFISSIONAL | ||
Nº do Documento: | SJ200710240010454 | ||
Data do Acordão: | 10/24/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Sumário : | I - A suspensão do contrato de trabalho consubstancia uma situação caracterizada pela permanência do vínculo laboral com a paralisação ou cessação temporária do dever de trabalhar e, nalgumas modalidades, do dever de retribuir II - Durante o período de suspensão, nas palavras da lei, “cessam os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que pressuponham a efectiva prestação do trabalho” – artigos 65.º, n.º 3, e 73.º, n.º 1, da LCT , entretanto revogados, e 16.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 397/91, de 27 de Outubro – ou, noutra formulação, “mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes na medida em que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho” – artigos 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 398/83, de 2 de Novembro, e 331.º do Código do Trabalho. III - A lei não impõe restrições, de forma ou de conteúdo, à celebração de um acordo de suspensão do contrato de trabalho, o que significa que as partes são livres de, por mútuo consentimento, no interesse de ambas, paralisarem total e temporariamente, os efeitos principais do contrato: o dever de trabalhar e, correspectivamente, o dever de retribuir. IV - A prestação mensal fixada num acordo de suspensão do contrato de trabalho, livremente celebrado, não tem natureza retributiva, pelo que não beneficiando o seu valor da protecção legal conferida à retribuição, não tem que ser alterado em consequência de sentença judicial, proferida na vigência da suspensão, que condenou o empregador a reclassificar o trabalhador. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. "AA" intentou, em 23 de Junho de 2004, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, contra “Empresa-A, S.A.”, acção pedindo a condenação da Ré a reconhecer-lhe o direito à retribuição de 100% do vencimento mensal ilíquido, a partir de Julho de 1999, no montante de Esc.: 226.847$00 (remuneração base e diuturnidades), valor a ser actualizado anualmente nos termos da cláusula 4.ª do acordo celebrado em 30 de Junho 1999, estando vencido o valor de Esc.: 2.062.060$00 até Junho de 2004, sem as actualizações que deverão ser liquidadas em execução de sentença, e a pagar-lhe juros de mora à taxa legal desde a citação. Alegou, no essencial, que: – Em 30 de Junho de 1999, celebrou com a Ré – sucessora da “Telefones de Lisboa e Porto”, ao serviço da qual fora admitida em 1 de Junho de 1966 – um acordo de suspensão de contrato de trabalho com efeitos a partir de 1 de Julho de 1999, nos termos do qual a Ré se obrigou a pagar-lhe uma prestação mensal de Esc.: 197.416$00, correspondente a 100% do seu vencimento mensal ilíquido (remuneração base e diuturnidades); A Ré apelou da sentença, sem sucesso, pois o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão da 1.ª instância. Para pedir a revogação do acórdão da Relação, a Ré interpôs este recurso de revista, terminando a alegação com as conclusões assim redigidas: 1. Os princípios subjacentes ao acordo de suspensão do contrato de trabalho celebrado entre a A e a R. estão mais próximos do regime legal da pré-reforma (Dec. Lei 261/91 de 25/7) do que do regime da licença sem vencimento. Respondeu a Ré para sustentar a confirmação do julgado. Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer que suscitou resposta da Autora para dizer que mantinha o entendimento expresso na alegação do recurso. Corridos os vistos, cumpre decidir. II 1. As instâncias declararam, nos termos que, a seguir, se transcrevem, provados os seguintes factos, que aqui se aceitam, por não terem sido questionados pelas partes, nem ocorrer nenhuma das situações que permitam exercer censura sobre a respectiva decisão: a) a qualificar a A como técnica operadora de telecomunicações I a partir de 31/10/91; b) a respeitar a evolução profissional da A decorrente de tal qualificação; c) a pagar à A as diferenças salariais para as remunerações mínimas previstas nos AE para a categoria de TOT I a partir de 31/10/91, tendo em consideração a evolução salarial prevista nos necessários AE a liquidar em execução de sentença; d) a pagar juros de mora. 7 - A categoria de TOT I tem dois níveis salariais, o nível 1 e o nível 2, sendo o acesso a este último automático ao fim de cinco anos; As instâncias responderam negativamente, na consideração de que, tratando-se de uma suspensão do contrato livremente acordada entre as partes, a prestação não tem natureza retributiva, pelo que o seu valor não beneficia da protecção legal conferida à retribuição e, assim, não tem que ser alterada, enquanto durar a suspensão, em virtude do reconhecimento à Autora de uma diferente classificação profissional decorrente da referida sentença. Observou-se no acórdão recorrido que o acordo em causa está mais próximo do regime de licença sem retribuição, estabelecido no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, do que do regime de suspensão unilateral do contrato por iniciativa do empregador, consignado nos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 398/83, de 2 de Novembro. A Autora discorda, dizendo, em súmula, que os princípios subjacentes ao acordo de suspensão estão mais próximos do regime legal de pré-reforma, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 261/91, de 25 de Julho, do que do regime de licença sem vencimento, daí que a prestação auferida na vigência do acordo tem a natureza de retribuição, não podendo, por isso, ser inferior ao mínimo convencional correspondente à categoria profissional reconhecida na sentença. 3. Um dos princípios fundamentais que regem o direito das obrigações é o da liberdade contratual ou da autonomia da vontade, consagrado no artigo 405.º do Código Civil, segundo o qual as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos na lei ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver, reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais contratos, total ou parcialmente regulados na lei. Como corolário desse princípio, os contratos podem ser modificados ou extintos por mútuo consentimento dos contraentes, nos termos do artigo 406.º, n.º 1, do Código Civil. A suspensão total ou parcial da execução pontual de um contrato por acordo das partes não está subtraída ao princípio da liberdade contratual. A liberdade contratual sofre, no entanto, restrições, pois que, nos termos do n.º 1 do citado artigo 405.º, só pode ser actuada dentro dos limites da lei, o que significa que a vontade das partes cede perante disposição legal imperativa que não consinta, seja por razões de ordem formal, seja por razões de ordem substancial, a obtenção dos efeitos jurídicos pretendidos pelos contraentes. O ordenamento jurídico-laboral contempla, desde há muito, fortes limitações à projecção da autonomia da vontade das partes, designadamente no que diz respeito ao desenvolvimento da relação jurídica emergente do contrato, ou seja, à execução das prestações a ele inerentes. A inexecução contratual temporária e, de algum modo, duradoura, como efeito de determinados factos jurídicos integra a figura da suspensão do contrato de trabalho. A suspensão do contrato de trabalho consubstancia uma situação caracterizada pela permanência do vínculo laboral com a paralisação ou cessação temporária do dever de trabalhar e, nalgumas modalidades, do dever de retribuir (1). Durante o período de suspensão, nas palavras da lei, “cessam os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que pressuponham a efectiva prestação do trabalho” – cfr. artigos 65.º, n.º 3, e 73.º, n.º 1, da LCT (2), entretanto revogados, e 16.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro (abreviadamente LFFF), (3) na redacção do Decreto-Lei n.º 397/91, de 27 de Outubro – ou, noutra formulação, “mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes na medida em que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho” – cfr. artigos, 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 398/83, de 2 de Novembro (4), e 331.º do Código do Trabalho. Os diplomas a que sucedeu o Código do Trabalho, acima referidos, aludiam à suspensão do contrato com fundamento em licença sem retribuição – por acordo das partes ou no exercício de direito do trabalhador (5) –, e na impossibilidade temporária total da prestação do trabalho, por impedimento respeitante ao trabalhador e por motivo respeitante à entidade empregadora – independentemente do qualquer acordo (6). Nenhum desses diplomas impunha restrições, de forma ou de conteúdo, à celebração de um acordo de suspensão do contrato de trabalho, o que significa que as partes eram livres de, por mútuo consentimento, no interesse de ambas, paralisarem total e temporariamente, os efeitos principais do contrato: o dever de trabalhar e, correspectivamente, o dever de retribuir. Mesmo o acordo sobre a licença sem vencimento não estava sujeito a qualquer restrição. Uma outra modalidade de suspensão do contrato de trabalho veio a ser regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 261/91, de 25 de Julho, que estabeleceu o regime jurídico aplicável às situações de pré-reforma, contemplando, apenas, trabalhadores abrangidos pelo regime geral de segurança social, cujo âmbito material compreendesse a protecção nas eventualidades de invalidez, velhice e morte (artigo 2.º, n.os 1 e 2), com idade igual ou superior a 55 anos (artigo 3.º), desde que houvesse acordo das partes, reduzido a escrito (artigo 4.º, n.os 1 e 2). Este regime, permitindo a suspensão da prestação do trabalho, conferia ao trabalhador o direito a receber do empregador uma prestação pecuniária mensal não inferior a 25% da última retribuição auferida, nem superior ao montante dessa retribuição (artigos 3.º e 6.º, n.º 1), até à extinção da situação de pré-reforma. A prestação estabelecida por acordo goza de todas as garantias e privilégios reconhecidos à retribuição (artigo 6.º, n.º 3). O Código do Trabalho cura da matéria relativa à suspensão do contrato inserindo as respectivas normas (artigos 330.º a 362.º) numa única secção. No n.º 1 do seu artigo 330.º prevê como fundamento da suspensão, entre outros, o acordo das partes e na alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo, a celebração, entre trabalhador e empregador, de um acordo de pré-reforma, distinguindo, claramente, as duas causas de suspensão. No mais, manteve, no essencial, o regime antecedente, quer no que respeita à licença sem vencimento decorrente de acordo das partes, quer no atinente à pré-reforma. O mesmo diploma não contém qualquer regulamentação doutros casos de suspensão do contrato por acordo das partes, do que pode inferir-se a plena aplicação aos mesmos do princípio da liberdade contratual, como sucedia na vigência dos diplomas que veio substituir. 3. No caso que nos ocupa, o acordo de suspensão foi, livremente, celebrado, por iniciativa da Autora, estipulando-se, a prestação mensal no valor de Esc.: 197.416$00, correspondente ao seu vencimento mensal ilíquido. Lê-se no intróito do documento firmado pelas partes que o acordo “se regerá pelo disposto nas cláusulas seguintes e, logo que o trabalhador preencha as condições de pré-reforma estabelecidas no Decreto-Lei n.º 261/91, de 25 de Julho, ou noutro diploma que venha a alterar, modificar ou substituir o referido regime, também pelo mesmo diploma”, do que se intui que não se verificavam os pressupostos para eficazmente ser celebrado acordo de pré-reforma, não sendo, pois, aplicável o respectivo regime. Não estando em causa qualquer vício na formação da vontade negocial ou na declaração dessa vontade, os direitos que assistem à Autora são os que ficaram consignados no acordo – no que agora interessa, o direito a receber, como contrapartida da suspensão do contrato, de uma prestação mensal quantificada por referência ao seu último vencimento ilíquido, anualmente actualizável. 4. Pretende a Autora que a prestação em causa tem natureza retributiva, daí que, na sua perspectiva, não podia ser estipulada em valor inferior ao mínimo convencionalmente estabelecido para a correcta categoria profissional em que ela devia estar classificada. Segundo os princípios gerais consignados, tanto no artigo 82.º da LCT como no artigo 249.º do Código do Trabalho, só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, incluindo a remuneração de base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, presumindo-se, até prova contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador. Como se escreveu no Acórdão deste Supremo de 13 de Janeiro de 1993 (7), “a retribuição surge como contraprestação da entidade patronal face ao trabalho, embora [...] tenda a ser mais a contrapartida da disponibilidade do trabalhador relativamente ao empregador do que do trabalho efectivo. Daí que a atribuição de natureza retributiva a determinada prestação do empregador dependa da existência de alguma correspectividade entre ela e a situação de disponibilidade do trabalhador, ou seja que tal prestação não tenha causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho”. Em regra, ocorrendo uma situação de indisponibilidade do trabalhador para realizar a sua prestação, cessa o direito à retribuição. Nada impedindo a estipulação, no acordo de suspensão, de uma prestação regular e periódica a favor do trabalhador, essa prestação – convencionada ao abrigo do princípio da liberdade contratual, consignado no artigo 405.º do Código Civil – não assume a natureza de retribuição, precisamente porque não é contrapartida da disponibilidade do trabalhador (8) . Mesmo no caso de pré-reforma, o valor da prestação pecuniária, estabelecido com larga margem de liberdade, não tem substancialmente natureza retributiva, por não corresponder a uma contrapartida da disponibilidade do trabalhador, daí que o legislador haja sentido a necessidade de lhe reconhecer, depois de fixado o respectivo montante, protecção semelhante à conferida à retribuição (9). Disto decorre que se o valor da prestação de pré-reforma fixado no acordo, em função de uma incorrecta classificação profissional, for superior a 25% do vencimento correspondente à categoria profissional em que o trabalhador deveria correctamente estar classificado, não há lugar a rectificação do montante da prestação, por não se mostrar violado o n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 261/91, a não ser que o texto do acordo, interpretado e/ou integrado de harmonia com o disposto nos artigos 236.º (10) e 239.º (11) do Código Civil, revele, com o mínimo de segurança, que a vontade real das partes se referia ao vencimento da classificação profissional correcta (12). Ora, se assim é em caso de acordo de pré-reforma, em que a lei estabelece restrições à projecção da autonomia da vontade, por maioria de razão, em caso de mero acordo de suspensão – modalidade livremente escolhida pelas partes –, isento de qualquer restrição, não pode ser convocado o princípio da irredutibilidade da retribuição para efeito de fazer repercutir na prestação acordada a sentença que veio a reclassificar a Autora numa categoria a que corresponde vencimento superior àquele que, no momento do acordo, as partes aceitaram como referência. Improcede, por conseguinte, a pretensão da Autora. III Em face do exposto, decide-se negar a revista. Custas a cargo da Autora. Lisboa, 24 de Outubro de 2007 Vasques Dinis (Relator) ------------------------------------------------------------ (1) Cfr. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 485; e António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1997, p. 765. (2) Designação abreviada do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969. |