Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S1045
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
ACORDO
LIBERDADE CONTRATUAL
RETRIBUIÇÃO
CATEGORIA PROFISSIONAL
Nº do Documento: SJ200710240010454
Data do Acordão: 10/24/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - A suspensão do contrato de trabalho consubstancia uma situação caracterizada pela permanência do vínculo laboral com a paralisação ou cessação temporária do dever de trabalhar e, nalgumas modalidades, do dever de retribuir
II - Durante o período de suspensão, nas palavras da lei, “cessam os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que pressuponham a efectiva prestação do trabalho” – artigos 65.º, n.º 3, e 73.º, n.º 1, da LCT , entretanto revogados, e 16.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 397/91, de 27 de Outubro – ou, noutra formulação, “mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes na medida em que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho” – artigos 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 398/83, de 2 de Novembro, e 331.º do Código do Trabalho.
III - A lei não impõe restrições, de forma ou de conteúdo, à celebração de um acordo de suspensão do contrato de trabalho, o que significa que as partes são livres de, por mútuo consentimento, no interesse de ambas, paralisarem total e temporariamente, os efeitos principais do contrato: o dever de trabalhar e, correspectivamente, o dever de retribuir.
IV - A prestação mensal fixada num acordo de suspensão do contrato de trabalho, livremente celebrado, não tem natureza retributiva, pelo que não beneficiando o seu valor da protecção legal conferida à retribuição, não tem que ser alterado em consequência de sentença judicial, proferida na vigência da suspensão, que condenou o empregador a reclassificar o trabalhador.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. "AA" intentou, em 23 de Junho de 2004, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, contra “Empresa-A, S.A.”, acção pedindo a condenação da Ré a reconhecer-lhe o direito à retribuição de 100% do vencimento mensal ilíquido, a partir de Julho de 1999, no montante de Esc.: 226.847$00 (remuneração base e diuturnidades), valor a ser actualizado anualmente nos termos da cláusula 4.ª do acordo celebrado em 30 de Junho 1999, estando vencido o valor de Esc.: 2.062.060$00 até Junho de 2004, sem as actualizações que deverão ser liquidadas em execução de sentença, e a pagar-lhe juros de mora à taxa legal desde a citação.

Alegou, no essencial, que:

Em 30 de Junho de 1999, celebrou com a Ré – sucessora da “Telefones de Lisboa e Porto”, ao serviço da qual fora admitida em 1 de Junho de 1966 – um acordo de suspensão de contrato de trabalho com efeitos a partir de 1 de Julho de 1999, nos termos do qual a Ré se obrigou a pagar-lhe uma prestação mensal de Esc.: 197.416$00, correspondente a 100% do seu vencimento mensal ilíquido (remuneração base e diuturnidades);
Por sentença judicial, transitada em julgado, a Ré foi condenada, entre o mais, a qualificar a Autora, a partir de 31 de Outubro de 1991, como Técnica Operadora de Telecomunicações I (TOT I) e a respeitar a sua evolução profissional decorrente de tal qualificação, sendo que, à data da entrada em vigor do acordo de suspensão do contrato de trabalho, a Autora teria de se encontrar posicionada no nível 2 de TOT II, a que correspondia o vencimento de 199.700$00, tendo direito a 6 diuturnidades no valor de Esc.: 4.744$00 cada uma, num total de Esc.: 28.464$00;
A circunstância de a Autora ter subscrito o acordo de suspensão do contrato de trabalho não afasta a obrigatoriedade de a Ré pagar a retribuição mínima a que ela teria direito como TOT I nível 2, ou seja, de Esc.: 226.874$00, com as actualizações anuais sucessivas a partir de 1 de Julho de 1999, nos termos da cláusula 4.ª desse acordo, sendo que a Ré aplicou nos acordos de suspensão celebrados, a todos os trabalhadores, genericamente, durante a suspensão, o último vencimento mensal.
2. Na contestação, a Ré pugnou pela absolvição da instância, alegando que a Autora formulou um pedido genérico inadmissível, ou pela absolvição do pedido, dizendo, no essencial, que:
– Ao assinar o acordo, outorgado por iniciativa da Autora, esta quis remir todos os créditos de que eventualmente fosse titular, não podendo o montante da prestação fixada, como contrapartida pela suspensão do contrato de trabalho, ser revisto porque a Autora o aceitou no uso da sua liberdade contratual, tendo sido estipulado, na cláusula 12.ª, que o mesmo é irrevogável e que qualquer alteração ao mesmo só produz efeitos caso revista a forma escrita e seja subscrita por ambas as partes;
– A Ré tem vindo a proceder às actualizações previstas nesse acordo, sendo a prestação de € 1.162,67 em Janeiro de 2004.
3. Respondeu a Autora, dizendo que o pedido formulado não é genérico, o acordo foi também da iniciativa e no interesse da Ré e que, com a assinatura do acordo de suspensão, não renunciou a quaisquer direitos emergentes da relação laboral existente.
4. Na 1.ª instância, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a Ré do pedido.

A Ré apelou da sentença, sem sucesso, pois o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão da 1.ª instância.

Para pedir a revogação do acórdão da Relação, a Ré interpôs este recurso de revista, terminando a alegação com as conclusões assim redigidas:

1. Os princípios subjacentes ao acordo de suspensão do contrato de trabalho celebrado entre a A e a R. estão mais próximos do regime legal da pré-reforma (Dec. Lei 261/91 de 25/7) do que do regime da licença sem vencimento.
2. O único elemento do regime da pré-reforma que não é respeitado é o que se prende com a idade do trabalhador que não pode ser inferior a 55 anos. (V. art.º 3.º do citado Dec. Lei).
3. Considera a A. que não se encontra ao alcance das partes (entidade empregadora e trabalhador) estipularem fora do quadro do regime legal de pré-reforma acordos de idêntica natureza que possam fixar uma retribuição inferior à legal ou convencional.
4. Caso assim não fosse perderia o sentido a existência do regime legal de pré-reforma.
5. Pois em última análise a aceitar-se a tese perfilhada no douto Acórdão seria possível as partes acordarem numa prestação mensal até inferior aos 25% da última retribuição impostos pelo art.º 6.º do citado Dec. Lei 261/91.
6. Por outro lado, os fundamentos da licença sem retribuição são diferentes pois a mesma pressupõe sempre um interesse do trabalhador e uma justificação bem como o retomar a actividade.
7. Por conseguinte, a prestação que a A. aufere na vigência do acordo de suspensão do contrato de trabalho tem a natureza da retribuição, não podendo sofrer diminuição face ao mínimo convencional a que tem direito por força da decisão judicial no processo 140/00 do 3.º Juízo, 3.ª Secção do Tribunal do Trabalho de Lisboa.
8. Assim, julgando-se procedente a acção far-se-á JUSTIÇA

Respondeu a Ré para sustentar a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer que suscitou resposta da Autora para dizer que mantinha o entendimento expresso na alegação do recurso.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. As instâncias declararam, nos termos que, a seguir, se transcrevem, provados os seguintes factos, que aqui se aceitam, por não terem sido questionados pelas partes, nem ocorrer nenhuma das situações que permitam exercer censura sobre a respectiva decisão:
1 - AA foi admitida ao serviço dos Telefones de Lisboa e Porto, S.A, em 1 de Maio de 1966, trabalhando, desde então, sob as ordens, direcção e fiscalização desta empresa;
2 - Por força do disposto no DL 122/94 de 14/05 ocorreu a fusão dos TLP – Telefones de Lisboa e Porto, S.A conjuntamente com as empresas Telecom e TDP na Portugal Telecom, S.A.;
3 - Em resultado da reestruturação prevista no DL 219/00 de 09/09 foi constituída a Empresa-A, ora R., assumindo esta todo o conjunto de direitos e obrigações da Portugal Telecom, S.A.;
4 - Em 30 de Junho de 1999 a A celebrou com a R. um acordo de suspensão de contrato de trabalho com efeitos a partir de 1 de Julho de 1999;
5 - Por esse acordo a R. obrigou-se a pagar à A uma prestação mensal de 197.416$00 correspondente a 100% do seu vencimento mensal ilíquido (remuneração base e diuturnidades);
6 - Por sentença judicial proferida no processo n.º 140/00 do 3.º Juízo, 3.ª secção, do Tribunal do Trabalho de Lisboa, confirmada pelos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, e transitada em julgado, a R. foi condenada:

a) a qualificar a A como técnica operadora de telecomunicações I a partir de 31/10/91;

b) a respeitar a evolução profissional da A decorrente de tal qualificação;

c) a pagar à A as diferenças salariais para as remunerações mínimas previstas nos AE para a categoria de TOT I a partir de 31/10/91, tendo em consideração a evolução salarial prevista nos necessários AE a liquidar em execução de sentença;

d) a pagar juros de mora.

7 - A categoria de TOT I tem dois níveis salariais, o nível 1 e o nível 2, sendo o acesso a este último automático ao fim de cinco anos;
8 - À data da entrada em vigor do acordo de suspensão do contrato de trabalho, ao nível 2 de TOT I correspondia o vencimento de 199.700$00;
9 - Bem como 6 diuturnidades no valor de 4.744$00 cada uma, o que perfaz o total de 28.464$00;
10 - A R. celebrou acordos de suspensão com outros trabalhadores aplicando, em geral, a todos durante a suspensão o último vencimento mensal;
11 - Na cláusula 2.ª do acordo celebrado entre A e R. as partes estipularam o seguinte: “Durante o período em que se mantiver a suspensão, a 1.ª outorgante pagará ao 2.º outorgante uma prestação mensal de Esc. 197.416$00 correspondente a 100% do seu vencimento mensal ilíquido (remuneração base e diuturnidades)”;
12 - Na cláusula 4.ª desse acordo as partes consignaram: “O montante da prestação será actualizado anualmente, simultaneamente com a actualização dos salários dos trabalhadores do activo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos”;
13 - Estipulou-se na cláusula 12.ª que: “Este acordo é irrevogável e qualquer alteração ao mesmo só produzirá efeitos caso revista a forma escrita e seja subscrita por ambas as partes”;
14 - Tal acordo foi outorgado a pedido da A, tendo a mesma aceite a prestação mensal que iria auferir a partir dessa data, como contrapartida pela suspensão do contrato de trabalho;
15 - Em Julho de 1999 a R. actualizou a prestação para 204.450$00, um ano depois para 205.250$00 e, em Janeiro de 2001, para 214.504$00;
16 - Um ano depois, a R. actualizou a prestação para € 1.105,25, em Janeiro de 2003 para € 1.133,21 e, em Janeiro de 2004, para € 1.162,67.
2. Face ao teor das conclusões da alegação da recorrente, a questão fundamental a resolver é a de saber se a prestação mensal fixada no acordo de suspensão do contrato de trabalho deve ser alterada em consequência da decisão judicial proferida no processo n.º 140/00 do 3.º Juízo, 3.ª Secção do Tribunal do Trabalho de Lisboa, que condenou a Ré a reclassificar a Autora na categoria de TOT I.

As instâncias responderam negativamente, na consideração de que, tratando-se de uma suspensão do contrato livremente acordada entre as partes, a prestação não tem natureza retributiva, pelo que o seu valor não beneficia da protecção legal conferida à retribuição e, assim, não tem que ser alterada, enquanto durar a suspensão, em virtude do reconhecimento à Autora de uma diferente classificação profissional decorrente da referida sentença.

Observou-se no acórdão recorrido que o acordo em causa está mais próximo do regime de licença sem retribuição, estabelecido no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, do que do regime de suspensão unilateral do contrato por iniciativa do empregador, consignado nos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 398/83, de 2 de Novembro.

A Autora discorda, dizendo, em súmula, que os princípios subjacentes ao acordo de suspensão estão mais próximos do regime legal de pré-reforma, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 261/91, de 25 de Julho, do que do regime de licença sem vencimento, daí que a prestação auferida na vigência do acordo tem a natureza de retribuição, não podendo, por isso, ser inferior ao mínimo convencional correspondente à categoria profissional reconhecida na sentença.

3. Um dos princípios fundamentais que regem o direito das obrigações é o da liberdade contratual ou da autonomia da vontade, consagrado no artigo 405.º do Código Civil, segundo o qual as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos na lei ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver, reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais contratos, total ou parcialmente regulados na lei.

Como corolário desse princípio, os contratos podem ser modificados ou extintos por mútuo consentimento dos contraentes, nos termos do artigo 406.º, n.º 1, do Código Civil.

A suspensão total ou parcial da execução pontual de um contrato por acordo das partes não está subtraída ao princípio da liberdade contratual.

A liberdade contratual sofre, no entanto, restrições, pois que, nos termos do n.º 1 do citado artigo 405.º, só pode ser actuada dentro dos limites da lei, o que significa que a vontade das partes cede perante disposição legal imperativa que não consinta, seja por razões de ordem formal, seja por razões de ordem substancial, a obtenção dos efeitos jurídicos pretendidos pelos contraentes.

O ordenamento jurídico-laboral contempla, desde há muito, fortes limitações à projecção da autonomia da vontade das partes, designadamente no que diz respeito ao desenvolvimento da relação jurídica emergente do contrato, ou seja, à execução das prestações a ele inerentes.

A inexecução contratual temporária e, de algum modo, duradoura, como efeito de determinados factos jurídicos integra a figura da suspensão do contrato de trabalho.

A suspensão do contrato de trabalho consubstancia uma situação caracterizada pela permanência do vínculo laboral com a paralisação ou cessação temporária do dever de trabalhar e, nalgumas modalidades, do dever de retribuir (1).

Durante o período de suspensão, nas palavras da lei, “cessam os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que pressuponham a efectiva prestação do trabalho” – cfr. artigos 65.º, n.º 3, e 73.º, n.º 1, da LCT (2), entretanto revogados, e 16.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro (abreviadamente LFFF), (3) na redacção do Decreto-Lei n.º 397/91, de 27 de Outubro – ou, noutra formulação, “mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes na medida em que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho” – cfr. artigos, 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 398/83, de 2 de Novembro (4), e 331.º do Código do Trabalho.

Os diplomas a que sucedeu o Código do Trabalho, acima referidos, aludiam à suspensão do contrato com fundamento em licença sem retribuição – por acordo das partes ou no exercício de direito do trabalhador (5) –, e na impossibilidade temporária total da prestação do trabalho, por impedimento respeitante ao trabalhador e por motivo respeitante à entidade empregadora – independentemente do qualquer acordo (6).

Nenhum desses diplomas impunha restrições, de forma ou de conteúdo, à celebração de um acordo de suspensão do contrato de trabalho, o que significa que as partes eram livres de, por mútuo consentimento, no interesse de ambas, paralisarem total e temporariamente, os efeitos principais do contrato: o dever de trabalhar e, correspectivamente, o dever de retribuir.

Mesmo o acordo sobre a licença sem vencimento não estava sujeito a qualquer restrição.

Uma outra modalidade de suspensão do contrato de trabalho veio a ser regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 261/91, de 25 de Julho, que estabeleceu o regime jurídico aplicável às situações de pré-reforma, contemplando, apenas, trabalhadores abrangidos pelo regime geral de segurança social, cujo âmbito material compreendesse a protecção nas eventualidades de invalidez, velhice e morte (artigo 2.º, n.os 1 e 2), com idade igual ou superior a 55 anos (artigo 3.º), desde que houvesse acordo das partes, reduzido a escrito (artigo 4.º, n.os 1 e 2).

Este regime, permitindo a suspensão da prestação do trabalho, conferia ao trabalhador o direito a receber do empregador uma prestação pecuniária mensal não inferior a 25% da última retribuição auferida, nem superior ao montante dessa retribuição (artigos 3.º e 6.º, n.º 1), até à extinção da situação de pré-reforma.

A prestação estabelecida por acordo goza de todas as garantias e privilégios reconhecidos à retribuição (artigo 6.º, n.º 3).

O Código do Trabalho cura da matéria relativa à suspensão do contrato inserindo as respectivas normas (artigos 330.º a 362.º) numa única secção.

No n.º 1 do seu artigo 330.º prevê como fundamento da suspensão, entre outros, o acordo das partes e na alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo, a celebração, entre trabalhador e empregador, de um acordo de pré-reforma, distinguindo, claramente, as duas causas de suspensão.

No mais, manteve, no essencial, o regime antecedente, quer no que respeita à licença sem vencimento decorrente de acordo das partes, quer no atinente à pré-reforma.

O mesmo diploma não contém qualquer regulamentação doutros casos de suspensão do contrato por acordo das partes, do que pode inferir-se a plena aplicação aos mesmos do princípio da liberdade contratual, como sucedia na vigência dos diplomas que veio substituir.

3. No caso que nos ocupa, o acordo de suspensão foi, livremente, celebrado, por iniciativa da Autora, estipulando-se, a prestação mensal no valor de Esc.: 197.416$00, correspondente ao seu vencimento mensal ilíquido.

Lê-se no intróito do documento firmado pelas partes que o acordo “se regerá pelo disposto nas cláusulas seguintes e, logo que o trabalhador preencha as condições de pré-reforma estabelecidas no Decreto-Lei n.º 261/91, de 25 de Julho, ou noutro diploma que venha a alterar, modificar ou substituir o referido regime, também pelo mesmo diploma”, do que se intui que não se verificavam os pressupostos para eficazmente ser celebrado acordo de pré-reforma, não sendo, pois, aplicável o respectivo regime.

Não estando em causa qualquer vício na formação da vontade negocial ou na declaração dessa vontade, os direitos que assistem à Autora são os que ficaram consignados no acordo – no que agora interessa, o direito a receber, como contrapartida da suspensão do contrato, de uma prestação mensal quantificada por referência ao seu último vencimento ilíquido, anualmente actualizável.

4. Pretende a Autora que a prestação em causa tem natureza retributiva, daí que, na sua perspectiva, não podia ser estipulada em valor inferior ao mínimo convencionalmente estabelecido para a correcta categoria profissional em que ela devia estar classificada.

Segundo os princípios gerais consignados, tanto no artigo 82.º da LCT como no artigo 249.º do Código do Trabalho, só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, incluindo a remuneração de base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, presumindo-se, até prova contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.

Como se escreveu no Acórdão deste Supremo de 13 de Janeiro de 1993 (7), “a retribuição surge como contraprestação da entidade patronal face ao trabalho, embora [...] tenda a ser mais a contrapartida da disponibilidade do trabalhador relativamente ao empregador do que do trabalho efectivo. Daí que a atribuição de natureza retributiva a determinada prestação do empregador dependa da existência de alguma correspectividade entre ela e a situação de disponibilidade do trabalhador, ou seja que tal prestação não tenha causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho”.

Em regra, ocorrendo uma situação de indisponibilidade do trabalhador para realizar a sua prestação, cessa o direito à retribuição.

Nada impedindo a estipulação, no acordo de suspensão, de uma prestação regular e periódica a favor do trabalhador, essa prestação – convencionada ao abrigo do princípio da liberdade contratual, consignado no artigo 405.º do Código Civil – não assume a natureza de retribuição, precisamente porque não é contrapartida da disponibilidade do trabalhador (8) .

Mesmo no caso de pré-reforma, o valor da prestação pecuniária, estabelecido com larga margem de liberdade, não tem substancialmente natureza retributiva, por não corresponder a uma contrapartida da disponibilidade do trabalhador, daí que o legislador haja sentido a necessidade de lhe reconhecer, depois de fixado o respectivo montante, protecção semelhante à conferida à retribuição (9).

Disto decorre que se o valor da prestação de pré-reforma fixado no acordo, em função de uma incorrecta classificação profissional, for superior a 25% do vencimento correspondente à categoria profissional em que o trabalhador deveria correctamente estar classificado, não há lugar a rectificação do montante da prestação, por não se mostrar violado o n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 261/91, a não ser que o texto do acordo, interpretado e/ou integrado de harmonia com o disposto nos artigos 236.º (10) e 239.º (11) do Código Civil, revele, com o mínimo de segurança, que a vontade real das partes se referia ao vencimento da classificação profissional correcta (12).

Ora, se assim é em caso de acordo de pré-reforma, em que a lei estabelece restrições à projecção da autonomia da vontade, por maioria de razão, em caso de mero acordo de suspensão – modalidade livremente escolhida pelas partes –, isento de qualquer restrição, não pode ser convocado o princípio da irredutibilidade da retribuição para efeito de fazer repercutir na prestação acordada a sentença que veio a reclassificar a Autora numa categoria a que corresponde vencimento superior àquele que, no momento do acordo, as partes aceitaram como referência.

Improcede, por conseguinte, a pretensão da Autora.

III

Em face do exposto, decide-se negar a revista.

Custas a cargo da Autora.

Lisboa, 24 de Outubro de 2007

Vasques Dinis (Relator)
Bravo Serra
Mário Pereira

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(1) Cfr. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 485; e António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1997, p. 765.

(2) Designação abreviada do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969.
(3) Diploma relativo ao regime jurídico de férias, feriados e faltas, vigente até 1 de Dezembro de 2003, data da entrada em vigor do Código do Trabalho.
(4) Diploma que estabeleceu o regime jurídico da suspensão do contrato de trabalho por motivos respeitantes ao trabalhador ou à entidade empregadora e da redução temporária dos períodos normais de trabalho, em vigor até ao início da vigência do Código do Trabalho.
(5) Artigos 65.º da LCT e 16.º da LFFF.
(6) Artigos 73.º e segs. da LCT e Decreto-Lei n.º 398/83, de 2 de Novembro.
(7) Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo I, 226
(8) Diversamente, no caso de a suspensão do contrato resultar de facto respeitante ao empregador, a lei, ao mesmo tempo que permite ao empregador suspender a prestação do trabalho, confere ao trabalhador o direito a auferir uma prestação mensal, à qual a própria lei atribui natureza retributiva, fixando, para o efeito, valores mínimos – artigos 5.º, n.º 1, 6.º e 10.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 398/83, e 335.º, 341.º, 342.º, n.º 1, alínea a) e 343.º do Código do Trabalho –, compreendendo-se que assim seja, porque a situação não é de indisponibilidade do trabalhador para executar a sua prestação – a disponibilidade mantém-se –, mas de impossibilidade de o empregador a receber.
(9) Artigos 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 261/91, de 25 de Julho, e 359.º, n.º 3, do Código do Trabalho.
(10) “1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”. “2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.
(11) “Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta”.
(12) Neste sentido, o Acórdão deste Supremo de 5 de Fevereiro de 2003 (Revista n.º 3746/02 - 4.ª Secção ), sumariado em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de Acórdãos.