Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B3011
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONJUNTOS DE EDIFÍCIOS
EDIFÍCIOS INTEGRADOS POR BLOCOS
TÍTULO CONSTITUTIVO
FRACÇÃO AUTÓNOMA
PARTES COMUNS
CONDOMÍNIO
ADMINISTRAÇÃO AUTÓNOMA
PERSONALIDADE JURÍDICA
RESPONSABILIDADE CIVIL
Nº do Documento: SJ200810160030117
Data do Acordão: 10/16/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1. O condomínio, entidade não personificada, não tem autonomia patrimonial, pelo que não pode ser responsabilizado por factos geradores de danos a algum condómino ou a terceiros que hajam sido praticados por algum dos seus órgãos
2. A lei contempla actualmente dois regimes de propriedade horizontal, um relativo ao conjunto de edifícios previsto no artigo 1438º-A do Código Civil, e o outro concernente a edifícios não integrados em conjuntos, ou ditos fraccionados, mas só no primeiro deve o título constitutivo especificar os edifícios integrantes do conjunto e as fracções autónomas de cada um deles.
3. O artigo 1438º-A do Código Civil reporta-se a situações consubstanciadas em conjuntos imobiliários afectados a determinados fins, cuja realização dependa da existência de partes comuns relativas a cada um deles, como é o caso dos locais de estacionamento e das piscinas.
4. Nas situações de propriedade horizontal de edifícios integrados por blocos, em que algum destes é servido por partes comuns que lhe são exclusivamente inerentes, podem os condóminos aprovar a administração autónoma relativa a tais blocos, sem prejuízo da coordenação com a administração geral nos pontos em que ela deva existir.
5. A referida solução não depende da especificação no título constitutivo da propriedade horizontal dos elementos relativos a cada um dos blocos, designadamente as fracções em que se decompõem e as partes comuns que lhe estão afectas.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I
AA e C....-C... e G...., Ldª intentaram, no dia 1 de Março de 2001, contra BB, a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação na realização das obras necessárias à eliminação definitiva das infiltrações de água verificadas em identificada fracção autónoma, no prazo máximo de 15 dias, no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos causados na estrutura, paredes e tecto da referida fracção, a liquidar em execução de sentença, e, à segunda autora, no pagamento de uma indemnizaçao pelos prejuízos causados nos equipamentos, revestimentos e demais bens do seu estabelecimento, também a liquidar em execução de sentença, e de uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, em montante não inferior a 2 000 000$ pelos prejuízos causados na imagem comercial desta e pelos incómodos resultantes da situação, e no pagamento a ambos, metade a cada um, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso na conclusão das obras, de quantia não inferior a 50 000$.
Alegaram ser o autor o proprietário da fracção precial, exercer a autora nela, sob cedência gratuita, a prestação de serviços de contabilidade e gestão, bem como a realização de obras, em Abril de 2000, no prédio urbano em que a fracção se integra, mandadas executar pelo réu, a infiltração de água nela por virtude daquelas obras, a não reparação da anomalia, o dano no equipamento informático e no revestimento de madeira, a afectacção negativa da imagem e a impossibilidade de realizarem aquelas obras por deverem ocorrer no interior do prédio.
O réu, em contestação, invocou a sua ilegitimidade, por não ter feito obras nas escadas do prédio indicado, mas que, como administrador, as fez no prédio em que a fracção predial em causa se integra, em cumprimento da deliberação da assembeleia de condóminos, negou os outros factos e pediu a condenação dos autores a indemnizá-lo por por litigância de má fé.
Na réplica, os autores afirmaram a legitimidade ad causam do réu, com fundamento em não haver condomínio válido em relação à parte do prédio de que o réu se diz administrador, e irem chamar a intervir as pessoas que o incumbiram de realizar as obras.
Relegada no despacho saneador para final o conhecimento da questão da legitimidade ad causam do réu, seleccionada a factualidade assente e controvertida, já começada a audiência de julgamento, foi admitida a intervenção principal provocada de M... Â... T..., J... G... da C..., N... S..., M.... C... da R... C... P..., J... F... M..., J... P... N..., M... T... M... S..., L... C..., J... L... dos S... e A... de J... R... .

Na contestação, invocaram os três primeiros a sua ilegitimidade ad causam, referindo a primeira não ser proprietária de nenhuma fracção do prédio em causa, e os demais que as obras de conservação das escadas do prédio foram decididas por todos os condóminos, e impugnaram os factos alegados na petição inicial.
Os autores, na resposta, pronunciaram-se no sentido da inverificação da excepção, sendo que a aludida arguição foi julgada improcedente por decisão proferida no dia 9 de Maio de 2006.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 27 de Julho de 2007, por via da qual foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade ad causam invocada pelo réu, que, tal como os intervenientes, foram absolvidos do pedido.
Apelaram os autores, impugnando também a decisão da matéria de facto proferida no tribunal da 1ª instância, e a Relação, por acórdão proferido no dia 31 de Março de 2008, negou-lhes provimento ao recurso.

Interpuseram os apelantes recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- os fundamentos em que se fundou a Relação, face aos factos provados, não conduzem à decisão recorrida;
- a existência de mais de um condomínio com administração própria na mesma propriedade horizontal pressupõe que o título constitutivo especifique concretamente cada zona ou edífico, fracções autónomas que o compõem e respectivas partes comuns, o que se não verifica no caso;
- como no título constitutivo da propriedade horizontal não está individualizada a existência de quaisquer blocos nem concretamente identificadas partes comuns que só a esses blocos pertencem, bem como as fracções autónomas que os compõem, não é admissível o afastamento da regra da unidade e administração do condomínio;
- a referida situação não é prevista no artigo 1438º-A do Código Civil, porque se não trata de um conjunto de edifícios funcionalmente ligados entre si, mas de um único edifício habitacional e centro comercial, conforme consta do título constitutivo da propriedade horizontal;
- perante um único edifício, ainda que composto por parte habitacional e comercial, trata-se de um único condomínio, nos termos do artigo 1430º, nº 1, do Código Civil;
- o alegado condomínio do edifício Pérola do Mar é juridicamente inexistente, sem personalidade judiciária, o que implica a sua insusceptíbilidade de ser responsabilizado como tal por quaisquer danos ou ser parte em acção judicial;
- o responsável pelos danos causados aos recorrentes é o réu, porque mandou realizar as obras que os causaram, pelo que deve ser revogado o acórdão e condenado o recorrido no pedido que contra ele formularam.

Respondeu o recorrido, em síntese de conclusão:
- a única escritura da propriedade horizontal, celebrada há mais de vinte e cinco anos, cujo conjunto arquitectónico integra vários prédios, comporta a existência de diversos condomínios;
- o artigo 1421º do Código Civil define as partes comuns de cada edifício e é sobre estas que a lei determina a existência de um condomínio;
- intentada a acção contra o recorrido, arguida por este a sua ilegitimidade, resolvida definitivamente a questão no processo com anuência dos recorrentes, há caso julgado entre as partes;
- não podem os recorrentes vir em recurso arguir novamente a questão, apelando para a exclusiva responsabilidade do recorrido, sob pena de ofensa do caso julgado;
- os recorrentes litigam contra a verdade, pelo que devem ser condenados no pagamento em indemnização por litigância de má fé.

II
É a seguinte a factualidade considerada assente no acórdão recorrido, inserida por ordem lógica e cronológica:
1. O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o nº ....., constituído em propriedade horizontal, encontra-se implantado e a confrontar com a Avenida ....., do Norte, com A... R... e outros, do Sul, com o Largo...., do Nascente, e com a Sociedade de C... C... G..., Lda, do Poente, sendo composto, de acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal do imóvel, por um edifício habitacional e centro comercial, composto de cave, sub-nível, rés-do-chão e 13 andares, integrando no seu conjunto 164 fracções autónomas.
2. O condomínio invocado pelo réu refere-se a parte do referido prédio que tem entrada pelo nº ... da Avenida .... – é apenas uma pequena parte, cerca de 20 das fracções autónomas e partes comuns que compõem e constituem a totalidade da propriedade horizontal do prédio, tal qual resulta do título constitutivo da mesma.
3. O autor, AA, é proprietário de uma fracção autónoma designada pela letra ..., correspondente a uma loja com o nº ..., no sub-nível, do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Avenida ..... e Largo ...., nesta cidade, inscrito na matriz sob o nº .... .
4. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de contabilidade e gestão, exercendo a sua actividade na sobredita fracção, cedida gratuitamente pelo autor, tem no seu quadro de pessoal permanente mais de dez empregados, prestando serviços de contabilidade e similares a mais de quatrocentos clientes.
5. A autora, em Outubro e Novembro de 1999, endereçou uma carta à Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, queixando-se das infiltrações de água provindas de canalizações públicas defeituosas e/ou mal limpas, alegando que os prejuízos em materiais ascendiam a 681 935$.
6. Actuando na qualidade de administrador do prédio denominado Edifício Pérola do Mar, blocos nascente (entrada nº 53) e poente (entrada nº ...), na Avenida ...., no qual a fracção C está integrada, o réu mandou efectuar, em Abril/Maio de 2000, obras nas escadas desse prédio, incluindo as da entrada com o nº 83, em cumprimento do deliberado em assembleia pelos condóminos do referido prédio, obras essas que também abrangeram a entrada com o nº 53.
7. O autor teve conhecimento que os condóminos do referido prédio tinham tomado a deliberação referida sob 6.
8. No decurso das obras, a autora começou a detectar a existência de infiltrações de água no tecto e na parede norte da referida loja, deu conhecimento do facto ao réu, mas, apesar dos pedidos dos autores no sentido de ser eliminado o foco causador do derramento da água, nada foi feito para evitar a sua continuação.
9. Os autores solicitaram a intervenção da Câmara Municipal na resolução do problema, e, após vistoria realizada por técnicos daquela, foram informados que tais infiltrações eram originadas por rupturas na canalização da parte do prédio em questão e, portanto, não tinha qualquer responsabilidade ou sequer competência para nelas realizar reparações.
10. As paredes e os tectos da fracção foram afectadas com o derramento de água proveniente das referidas canalizações, o que originou o aparecimento de zonas de humidade e de acumulação de água no interior das paredes e no tecto, com a consequente queda de água sobre parte da fracção autónoma em questão.
11. A situação supra descrita causou prejuízos à autora, designadamente no seu equipamento informático e electrónico e no revestimento a madeira das suas instalações.


III
A questão essencial decidenda é a de saber se o recorrido deve ou não ser responsabilizado no confronto dos recorrentes pelo ressarcimento dos prejuízos que invocaram.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação dos recorrentes e do recorrido, a resposta à referida questão presspõe a análise da seguinte problemática:
- regime adjectivo aplicável ao recurso;
- delimitação negativa do objecto do recurso;
- estrutura básica do regime propriedade horizontal no caso relevante;
- natureza do condomínio e competência dos seus órgãos de administração;
- tem ou não o condomínio invocado pelo recorrido existência jurídica?
- estrutura da responsabilidade civil invocada pelos recorrentes a título de causa de pedir;
- é ou não o recorrido sujeito da obrigação de indemnizar os recorrentes nos termos por eles pretendidos?
- ocorrem ou não os pressupostos da referida situação de responsabilidade civil?
- devem os recorrentes ser condenados por litigância de má no recurso?

Vejamos, de per se, cada uma das referidas subquestões.

1.
Comecemos por uma breve referência ao regime adjectivo aplicável ao recurso no âmbito da sucessão de leis no tempo.
Como a acção foi intentada no dia 1 de Março de 2001, ao recurso em causa ainda não é aplicável o regime decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (artigos 11º, nº 1, e 12º, nº 1).
É-lhe aplicável o regime dos recursos anterior ao que foi implentado pelo referido Decreto-Lei (artigos 11º, nº 1, e 12º, nº 1).

2.
Continuemos com a delimitação negativa do objecto do recurso.
A delimitação objectiva e subjectiva do recurso decorre das conclusões de alegação formuladas pelos recorrentes (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil).
A Relação decidiu o recurso de apelação no sentido de que, tendo o recorrido actuado como administrador do condomínio, não podia proceder a pretensão dos apelantes, uma vez não dever ser pessoalmente responsável pelas pelas decisões da assembleia, mas sim o condomínio.
Os recorrentes provocaram a intervenção de algumas das pessoas que o recorrido indicara como sendo condóminos das partes comuns do referido bloco predial em representação de quem contratara as obras de reparação em causa.
As instâncias justificaram a exclusão de responsabilização de qualqeur condómino no confronto dos recorrentes, e estes, no recurso de revista, não formularam conclusão que a tal se reportasse, limitando-se à impugnação do acórdão da Relação por virtude de não haver responsabilizado o recorrido nos termos por eles pretendidos.
Isso significa que se conclua no sentido de que o recurso em causa não pode versar sobre a problemática da responsabilização ou não de alguma das pessoas que foram admititidas a intervir na acção.

3.
Prossigamos com uma breve referência à estrutura básica do regime da propriedade horizontal.
A propriedade horizontal, figura típica do direito das coisas, traduz-se na situação em que que as fracções independentes de um edifício, como estrutura unitária, pertencem a proprietários diversos, exclusivos em relação a tais fracções e comproprietários das respectivas partes comuns, em quadro de incindibildiade desses direitos (artigos 1414º e 1420º do Código Civil).
Mas só podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública, ou seja, as primeiras, não envolvidas de autonomia estrutural, adquirem autonomia funcional por via da afectação instrumenal da partes comuns que lhe são inerentes (artigo 1415º do Código Civil).
São obrigatoriamente partes comuns o solo, os alicerces, as colunas, os pilares, as paredes mestras e todas as outras partes que constituem a estrutura do prédio, o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualqeur fracção, as entradas, os vestíbulos, as escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos, as instalações gerais de água, electricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes (artigo 1421º, nº 1, do Código Civil).
E presumem-se como tal os pátios e jardins anexos ao edífio, os ascensores, as dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro, as garagens e outros lugares de estacionamento e, em geral, em regra, as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos (artigo 1421º, nºs 2 e 3, do Código Civil).
Assim, no direito de propriedade horizontal confluem poderes ou faculdades diferentes, consoante incidam sobre as fracções autónomas pertencentes a cada um dos condóminos, ou sobre as partes comuns, legalmente referenciados ao direito de propriedade singular quanto à primeiras e à compropriedade no que concerne às últimas, não obstante o seu conjunto constituir um direito incindível (artigos 1305º e 1405º, nº 1, do Código Civil).
Antes da alteração do regime da propriedade horizantal por via do Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1995, ao direito direito de propriedade horizontal derivado do título constitutivo relativo à unidade de edifício correspondia unidade de regime.
Todavia, aquele diploma inseriu o artigo 1438º-A, segundo o qual, o regime da propriedade horizontal pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou de algumas unidades ou fracções que os compõem.
Conforme resulta do exórdio do mencionado diploma, o escopo desta alteração visou a integração no regime da propriedade horizontal do conjunto de edifícios em quadro de interdependência das fracções ou edifícios e da sua dependência funcional das partes comuns, estas por envolverem as essenciais característas do condomínio.
Trata-se de situações consubstanciadas em conjuntos imobiliários afectados a determinados fins, cuja realização depende da existência de partes comuns a cada um deles, como é o caso, por exemplo, das garagens ou de outros locais de estacionamento e das piscinas.
Temos, assim, uma dualidade de regimes da propriedade horizontal, um relativo ao conjunto de edifícios com as referidas características, e o outro concernente a edifícios não integrados em conjuntos, ou seja, os ditos fraccionados.
No primeiro caso, deve o respectivo título constitutivo especificar os edifícios integrantes do conjunto, em termos de expressão das fracções autónomas componentes de cada um deles.
No segundo, não impõe a lei, nem o impõe a natureza das coisas, por exemplo quando o edifício é composto por blocos, que o título constitutivo inclua a mencionada especificação.

4.
Vejamos agora a natureza jurídica do condomínio e da competência dos seus órgãos de administração.
As despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento dos servicos de interesse comum são pagas pelos condóminos na proporção do valor das suas fracções, e o administrador deve exigir-lhes a respetiva quota parte que tiver sido aprovada (artigos 1424º, nº 1, e 1436º, alínea e), do Código Civil).
Daqui decorre não ter o condomínio autonomia patrimonial, antes constituindo o resultado das mencionadas contribuições dos condóminos, meio instrumental necessário à administração das partes comuns do edifício.
Assim, apesar de dispor de órgãos, a que abaixo nos referiremos, o condomínio não é uma entidade personificada, além do mais, porque não dispõe de património, ou seja, não tem autonomia patrimonial.
Em consequência, não pode o condomínio em sí ser responsabilizado por factos positivos ou negativos de algum dos seus órgãos geradores de danos a algum condómino ou a terceiros.
A tal conclusão não obsta a circunstância de o condomínio resultante da propriedade horizontal ter personalidade judiciária relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador, a que se reporta o artigo 6º, proémio, e alínea e), do Código de Processo Civil.
Com efeito, o referido normativo visa a conformação com a norma de capacidade judiciária do condomínio, a que se reporta o artigo 1437º do Código Civil, enquanto concretiza um dos casos de representação de entidades que carecem de personalidade jurídica, em paralelismo com o que se prescreve no artigo 22º do Código de Processo Civil.
O artigo 1437º do Código Civil não tem a ver com a questão da legitimidade ad causam do administrador, a qual, aliás, nem se pode colocar, visto que, enquanto órgão do condomínio, age em sua representação.
Na realidade, o que decorre do artigo 1437º do Código Civil é a atribuição ao administrador de poderes para agir em juízo em nome do conjunto dos condóminos, porque o condomínio é a parte, em relação a quem se pode suscitar, como é natural, a questão da legitimidade ad causam, no confronto do disposto nos artigos 26º, 27º e 28º do Código de Processo Civil.
Os órgaos administrativos do condomínio, ou seja, das partes comuns do edificio ou dos edifícios, são a assembeia dos condóminos e o administrador, e cada condómino tem naquela assembleia tantos votos quantas as unidades inteiras que couberem na percentagem ou na permilagem do valor total do prédio ( artigo 1430º do Código Civil).
A assembleia é, pois , o órgão colegial, integrado por todos os condóminos, cujos poderes deliberativos apenas concernem à administração das partes comuns do edifício – ou dos edifícios – o que se traduz na decisão de aprovação ou rejeição de tudo quanto diz respeito à referida administração.
O administrador é, por seu turno, o órgão executivo da administração do condomínio, entre cujas funções se contam a realização dos actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns e executar as deliberações da assembleia de condóminos (artigo 1436º, proémio, e alíneas f) e h)).
Cabe-lhe, pois, desempenhar as funcões a que se reporta o mencionado artigo, além das que lhe sejam delegadas pela assembleia de condóminos ou que resultem especificamente da lei.
A lei confere-lhe legitimidade, por um lado para agir em juízo contra qualquer dos condóminos ou terceiros, não só no âmbito da execução das suas funções, como também se autorizado para o efeito pela assembleia dos condóminos, e, por outro, para ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício ou dos edificíos (artigo 1437º, nºs 1 e 2, do Código Civil).
Em qualquer caso, porém, tratando-se de questões relativas à propriedade ou à posse dos bens comuns, o adminstrador só pode demandar ou ser demandado se autorizado pela assembleia dos condóminos (artigo 1437º, nº 3, do Código Civil).

5.
Atentemos, ora, na subquestão de saber se o condomínio invocado pelo recorrido tem ou não existência jurídica.
Na acção articularam os recorrentes terem as obras que lhes causaram prejuízo sido mandadas realizar pelo recorrido e, por isso, pediram a sua condenação a indemnizá-los.
O recorrido, a título de defesa, afirmou ter realizado as obras em representação do condomínio em que o recorrente também participa, e os recorrentes responderam, como se o primeiro se tivesse defendido por excepção peremptória, a inexistência jurídica de tal condomínio.
As instâncias decidiram a questão da existência ou não do aludido condomínio no sentido afirmativo, os recorrentes discordam da solução, que tem sido controvertida na doutrina e na jurisprudência, e, nas conclusões de alegação neste recurso, apenas invocam o seu direito de indemnização no confronto dele.
Esta questão tem sido suscitada na jurisprudência em situações em que é posta em causa a personalidade judiciária do condomínio na posição de autor, ou para obter a condenação no pagamento das despesas com as partes comuns do edifício, ou para o reconhecimento judicial dessa autonomia para efeitos de determinação do direito de praticar actos de admninstração.
Tem sido equacionada como sendo a questão de saber da legalidade da constituição de mais de um condomínio, com administração própria, para gerir as partes comuns que só servem uma zona do edifício, não obstante a constituição de uma só propriedade horizontal, e obtido decisões de sentido diverso (Acs. da Relação do Porto, de 24.2.2005, e de 9.2. 2006, CJ, Anos XXX, Tomo 1, pág. 196, e XXXI, Tomo 1, pág. 177).
A doutrina também não tem sido uniforme sobre a solução a dar a esta problemática.
Mas também há quem admita a referida solução para os edifícios divididos em zonas ou torres dispondo cada uma delas de partes comuns do edifício em que aquelas se integram, como sejam entradas próprias para cada uma dessas zonas, sob condição de no título de constituição da propriedade horizontal se especificarem essas zonas ou torres, suas fracções autónomas e partes comuns (RODRIGUES PARDAL e DIAS DA FONSECA, “Da Propriedade Horizontal no Código Civil e Legislação Complementar”, Coimbra, 1988, páginas 123 a 126)
Há quem admita a solução para a situação da propriedade horizontal relativa a conjuntos de edifícios de proximidade ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou de algumas unidades ou fracções que os compõem, ou seja, nas situações previstas no artigo 1438º-A do Código Civil (SANDRA PASSINHAS, “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, Coimbra, 2002, páginas 233 e 234 e 277 a 283; e ARAGÃO SEIA, “Propriedade Horizontal”, Coimbra, 2002, página 156).
Em complexas estruturas de propriedade horizontal, designadamente quando é muito extenso o número de fracções prediais envolvidas, como ocorre no caso vertente, pode configurar-se o interesse de todos os condóminos na sua fragmentação para efeitos de administração.
A lei não proíbe directamente essa fragmentação, e atribui à assembleia de condóminos ou ao administrador a aprovação do regulamento do condomínio no caso de haver mais de quatro condóminos, o que tem a ver com a disciplina do uso, da fruição e da conservação das partes comuns, ou seja, com a administração destas (artigo 1429º-A do Código Civil).
Acresce decorrer da lei, com consequências a nível da participação dos condóminos nas despesas gerais com a gestão das coisas comuns, que nem todas estas a todos interessam, nos seus vários aspectos (artigo 1424º, nºs 2 e 3, do Código Civil).
Dir-se-á que o princípio da unidade do direito da propriedade horizontal implica a unidade absoluta de condomínio e de órgãos de órgãos de administração em relação à generalidade dos edifícios de estrutura unitária, ou dos conjuntos de edifícios funcionalmente ligados por partes comuns, como é o caso da situação prevista no artigo 1438º-A do Código Civil.
Todavia, no caso de situações de propriedade horizontal de edifícios integrados por blocos, como ocorre no caso vertente, em que algum ou alguns deles é servido por partes comuns que lhe são exclusivamente inerentes, ou seja, que não sirvam funcionalmente outros blocos, não se vê proibição legal de que todos os condóminos aprovem a administração autónoma relativa a tais blocos, sem prejuízo, como é natural, da coordenação com a administração geral nos pontos em que ela deva existir.
Não se vislumbra da lei alguma norma no sentido de que a referida solução só possa ser admitida no caso de o titulo constitutivo da propriedade horizontal especificar os elementos relativos a cada um dos aludidos blocos prediais, designadamente as fracções em que se decompõem e as partes comuns que lhe estão afectas.
Tal não se justifica, porque as questões que se prendem com a regulamentação do uso, fruição e conservação de partes comuns não têm, em tais casos, de constar do título constitutivo da propriedade horizontal (artigo 1429º-A do Código Civil).
Consideremos o caso vertente, os seja, os factos disponíveis, que são escassos, certo que não nos revelam a data e a causa do início da situação de fragmentação em causa, face às referidas considerações de ordem jurídica.
Trata-se de um edifício constituído em propriedade horizontal, que, segundo o respectivo título constitutivo, é composto por um edifício habitacional e centro comercial, composto de cave, sub-nível, rés-do-chão e treze andares, integrando no seu conjunto cento e sessenta e quatro fracções autónomas.
Ocorre, ademais, uma admnistração autónoma das partes comuns relativas a cerca de vinte frações autónomas, ou seja, cerca de um oitavo das que integram todo o edifício que foi objecto de constituição da propriedade horizontal.
Mas trata-se de zona devidamente delimitada do edifício, em que os blocos a nascente e a poente têm entradas próprias, ou seja, de construções sobre um único espaço físico perfeitamente delimitado.
Ademais, é o caso de um bloco com funcionalidade própria, com fracções autónomas e partes comuns próprias, pelo que não há fundamento legal para que a globalidade dos condóminos não possa deliberar a constituição de autónomos órgãos de administração.
A conclusão é, por isso, no sentido da legalidade da estrutura de condomínio e de administração das partes comuns em causa, ou seja, de que a unidade do título constitutivo da propriedade horizontal não exclui o funcionamento de mais de um condomínio.
Consequentemente, não ocorre a situação de inexistência jurídica ou a invalidade do condomínio em represtatação do qual o recorrido realizou as obras nas partes comuns no edifício em causa, naturalmente com efeitos de caso julgado restritos a este processo - artigo 96º do Código de Processo Civil.

6.
Vejamos agora os contornos da causa de pedir em que os recorrentes fundaram a acção.
Os factos afirmados pelos recorrentes nos articulados da acção - e que ficaram provados - não se referem ao incumprimento de alguma obrigação decorrente de contrato, de negócio jurídico unilateral ou da lei, pelo que a referida causa de pedir não se reporta a uma situação de responsabilidade civil contratual.
Importa, por isso, verificar se ela envolve uma situação de responsabilidade civil extracontratual, a qual deriva, em regra, de factos que importem a violação de direitos absolutos, como é o caso dos de personalidade ou de propriedade (artigos 70º, nº 1, e 1305º do Código Civil)
Como os recorrentes invocaram o dano patrimonial em elementos da sua fracção predial e o dano não patrimonial decorrente da afectação negativa da imagem comercial de C..., Ldª, a situação envolvente é de responsabilidade civil extracontratual, a que se reportam, essencialmente, os artigos 70º, nº 1, 483º, nº 1, 496º, nº 1, e 1305º, todos do Código Civil.
Resulta do nº 1 do referido artigo serem pressupostos da responsabilidade civil facto voluntário ilícito e culposo do agente, o dano ou prejuízo reparável e o nexo de causalidade adequada entre este e aquele.

7.
Atentemos agora sobre se o recorrido é ou não sujeito da obrigação de indemnizar os recorrentes nos termos por eles pretendidos, ou seja, no quadro da responsabilidade civil extracontratual.
Ora, o recorrido contratou a realização das referidas obras, às quais os recorrentes imputam a causa da infiltrações de agua na aludida fracção predial, para o condomínio, ou seja, em representaçao dele, o mesmo é dizer que as contratou para os condóminos.
Ele não foi, pois, o autor das referidas obras, mas todos os condóminos com direitos de compropriedade sobre as partes comuns do edifício em que aquelas obras foram realizadas.
A conclusão é, por isso, no sentido de que o recorrido, tendo em conta a causa de pedir e o pedido que os recorrentes formularam na acção, não pode ser responsabilizado pelos danos que delas tenham derivado para a esfera jurídica de qualquer deles.

8.
Vejamos, ora, se ocorrem ou não, no caso-espécie, os pressupostos da referida situação de responsabilidade civil.
Como a presunção decorrente do registo predial de titularidade por parte do recorrente AA do direito de propriedade sobre a fracção predial C do prédio não foi ilidida pelo recorrido, a conclusão é no sentido de que o primeiro é o titular desse direito (artigos 7º do Código do Registo Predial e 350º do Código Civil).
Resulta também dos factos provados exercer a recorrente a sua actividade de prestação de serviços de contabilidade e gestão na referida fracção predial sob acordo com AA, seu proprietário.
Os factos revelam que as paredes e os tectos da fracção foram afectadas com o derramento de água proveniente das referidas canalizações, e que tal originou o aparecimento de zonas de humidade e de acumulação de água no interior das paredes e do tecto.
Todavia, considerando a solução a que se chegou no ponto anterior, queda prejudicado conhecimento das questões relativas aos pertinentes pressupostos da responsabildiade civil extracontratual, ou seja, a existência do facto positivo ou negativo ilicito, da culpa, do dano e do nexo de causalidade entre o último e o primeiro (artigos 660º, nº 2, 713º, nº 2, e 726º do Código de Processo Civil).

9.
Atentemos, ora sobre se há ou não fundamento para a condenação dos recorrente por litigância de má fé no âmbito do recurso.
Distingue-se nesta matéria, isto é, no plano do ilícito meramente processual, entre a lide temerária e a lide dolosa. No primeiro caso, a parte incorre em culpa grave ou erro grosseiro e, no segundo, a parte sabia não ter razão para litigar e, não obstante, litigou.
Expressa a lei que, tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa entre duas e cem unidades de conta, ou seja, entre € 178 e € 8 900, e em indemnização à parte contrária se esta a pedir (artigos 102º, alínea a), do Código das Custas Judiciais e 456º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Diz-se litigante de má fé o que, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, que tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito julgado da decisão (artigo 456º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e d), do Código de Processo Civil).
Embora o proémio do nº 2 deste artigo não exclua a abrangência de qualquer das situações previstas nas suas alíneas, a da alínea d), pela sua estrutura, pressupõe necessariamente o dolo.
O objecto deste recurso é essencialmente de direito, certo que incide sobre a questão de a lei comportar ou não a unidade de título de propriedade horizontal e a pluralidade de condomínios.
Ora, em matéria de direito, como é o caso, a mera sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correcta interpretação da lei, não implica, em regra, por si só, a litigância de má fé por quem as sustenta.
Da alegação dos recorrentes na revista não resulta a temerária ou a dolosa litigância a que se reportam as alíneas a) e d) do nº 2 do artigo 456º Código de Processo Civil, respectivamente.
Não ocorrem, por isso, na espécie, os pressupostos de condenação do recorrente por litigância de má fé.

10.
Finalmente, a síntese da solução para o caso, decorrente dos factos provados e da lei.
É aplicável ao recurso, no âmbito da sucessão de leis no tempo, o regime adjectivo anterior ao implementado pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
O quadro de conclusões de alegação do recurso exclui a apreciação da responsabilidade das pessoas que foram admitidas a intervir na acção pelos danos invocados pelos recorrentes.
O princípio da unidade da constituição da propriedade horizontal não invalida a existência jurídica de situações de duplo condomínio com órgãos de administração próprios, desde que ocorra autonomia de blocos que integram o edifício incluindo as partes comuns que servem as respectivas fracçoes prediais, independentemente de as suas características constarem do concernente título constitutivo.
Tendo o recorrido contratado a realização das obras em representação dos condóminos respectivos, não pode ser reponsabilizado pelo dano por elas causado em alguma das fracções prediais do edifício.
Prejudicado fica, por isso, o conhecimento no recurso dos pressupostos da responsabilidade civi extracontratual invocada pelos recorrentes.
Da alegaçãos dos recorrentes, neste recurso, não resulta a temerária ou a dolosa litigância justificativa da sua condenação por litigância de má fé.

Improcede, assim, o recurso.
Vencidos, são os recorrentes responsáveis pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).


IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, e condenam-se os recorrentes no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 16 de Outubro de 2008

Salvador da Costa (Relator)
Ferreira de Sousa
Armindo Luís