Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
64/19.3T8MTR.G1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: BALDIOS
TITULARIDADE
RESIDÊNCIA
EXPLORAÇÃO AGRÍCOLA
REQUISITOS
ASSEMBLEIA DE COMPARTES
DIREITO REAL
Data do Acordão: 04/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
No regime dos Baldios, tendo em consideração o conceito de comparte e os elementos alternativos que podem estar reunidos para o reconhecimento da sua qualidade, não há dúvidas de que o A. preenche vários deles – desde a sua ligação histórica-familiar, à sua situação actual, ainda que não seja residente permanente da freguesia ou da Localidade, mas que a lei não erige em elemento fundamental.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. Relatório

1. AA e BB vieram intentar acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra COMUNIDADE LOCAL DOS BALDIOS ..., representada pelo Conselho Diretivo, pedindo que a Ré reconheça aos Autores a qualidade e atribuição de compartes daquela Localidade.

2. Regularmente citada, veio a Ré apresentar contestação.

3. Os Autores foram convidados pelo Tribunal a apresentar uma nova petição inicial, face às insuficiências apontadas, tendo apresentado articulado aperfeiçoado em 24-10-2019.

Para tanto, em síntese, invocaram como causa de pedir o seguinte:

i) os AA. têm terrenos na localidade da ..., sendo o A. oriundo daquele local onde herdou de seu pai e adquiriu o quinhão hereditário dos seus irmãos;

ii) terrenos estes que os AA. destinam a exploração agrícola;

iii) existem fortes ligações sociais e de origem à comunidade local da ...;

iv) os antepassados do A. marido eram daquela localidade e tinham lá os seus bens e haveres que se transmitiram de geração em geração, cultivando os terrenos rústicos os seus produtos que colhiam para seu sustento, colocando o gado nos pastos e baldios de ...;

v) assim como o fazem agora os AA., convivendo com as pessoas daquela localidade, onde têm amigos, vão a festividades que ali ocorrem, ajudando na limpeza dos matos, regos de água, e onde têm uma exploração agrícola e pastoril em ...;

vi) os AA. são detentores da marca de exploração pecuária ...;

vii) apesar do pedido dos AA., a Ré indeferiu o pedido de reconhecimento da qualidade de compartes do Baldio ...;

viii) não restando, senão aos AA. recorrer a esta via judicial para que lhes seja reconhecida a qualidade de compartes também da localidade de ..., freguesia ....


4. A Ré, notificada da petição aperfeiçoada, veio apresentar contestação em 24- 10-2019, com os fundamentos aí vertidos, pugnando pela improcedência da acção, não reconhecendo aos Autores a qualidade de compartes, por considerar não se verificarem os pressupostos para o efeito.


5. A demanda prosseguiu os seus trâmites, tendo sido proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.


6. Realizou-se o julgamento na sequência do qual foi proferida sentença que julgou a acção nos seguintes termos:

“a) Julgar a ação interposta pelos Autores parcialmente procedente e, em consequência, reconhecer ao Autor BB o direito à atribuição da qualidade de comparte da Comunidade Local dos Baldios ..., condenando-se a Ré a reconhecer essa qualidade;

b) Absolver a dos demais pedidos contra si deduzidos pelos Autores;

c) Condenar as partes no pagamento das custas da ação, na proporção do respetivo decaimento.”.


7. Inconformada veio a R. recorrer para o Tribunal da Relação, que elencou como questões a decidir:

- Verificar se os factos constantes dos pontos 11, 14, 15, 16, 17, 18, 18, 20, 21 e 22 poderiam ser considerados pelo Tribunal apesar de não terem sido alegados.

- Caso se conclua pela afirmativa relativamente ao ponto anterior, verificar se a prova desses factos resultou da instrução da causa;

- Verificar se o Tribunal podia sindicar a decisão da Assembleia de Compartes respeitante ao indeferimento do pedido do A. de ser considerado comparte da Comunidade Local dos Baldios ...;

- Caso a resposta à questão anterior seja positiva, analisar se o Réu pode ter a qualidade de comparte da mencionada Comunidade.


8. O Tribunal da Relação conheceu do recurso e decidiu: “julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida”.


9. O A. BB não se conformou com o acórdão, apresentando recurso de revista onde formula as seguintes conclusões (transcrição):

A) O presente recurso de revista vem interposto do Acórdão proferido nos autos à margem referenciados o qual, vem interposto do Acórdão proferido nos autos à margem referenciados o qual revogou a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.

B) Esta decisão recorrida constitui um gravíssimo atropelo da Justiça e das regras processuais adjetivas e substantivas com a qual o Recorrente não se pode conformar, e não conforma, constituindo os Colendos Conselheiros o derradeiro esteio e vivo impedimento da flagrante violação do Direito e do bom senso que o Acórdão recorrido opera, regras estas que inclusivamente precedem os princípios e regras merecedoras de tutela jurídica violadas e identificadas nos autos e nas presentes Alegações de recurso.

C) O aqui recorrente intentou a presente Ação com base no facto de o pedido que fez à Comunidade Local dos Baldios ... de lhe ser atribuída a qualidade de comparte, ter sido negado, sem qualquer fundamento, pela Assembleia de Compartes, e em subsequência de lhe ter sido negada tal qualidade de comparte pela Assembleia de Compartes de ... que intentou a uma Ação Declarativa de Condenação contra a Comunidade Local dos Baldios ....

D) Ação essa que foi julgada procedente pelo Tribunal de 1.ª Instância que lhe reconheceu o direito à atribuição da qualidade de comparte da Comunidade Local dos Baldios ..., condenando-se a Ré a reconhecer essa qualidade; de tal decisão foi pela Ré interposto Recurso de Apelação para o Tribunal da Relação ... o qual proferiu o Acórdão revogatório de tal sentença. Não havendo, assim, dupla conforme, artigo 671.º n.º 2 do CPC. Pelo que o presente Recurso deve ser julgado totalmente admissível.

E) Afigura-se incompreensível e impossível de acolher de forma Sã e Justa no complexo normativo-judicial português que, atenta a prova efetuada e produzida em sede quer de Articulados quer na audiência de discussão e julgamento bem como da sentença de 1-ª instância, a decisão do Tribunal da Relação só poderia ser no sentido de confirmar esta última.

F) O Tribunal de 1.ª instância formou a sua convicção tendo não só em consideração a posição assumida pelas partes nos articulados que resultou da apreciação crítica e conjugada, à luz das regras da experiência comum, dos depoimentos das testemunhas inquiridas, das declarações das partes prestadas em audiência de julgamento, e dos documentos carreados para os autos. Teve-se igualmente por presente as regras de distribuição do ónus da prova.

G) Também atentou à evolução do conceito de comparte à luz da sucessão dos regimes legais incidentes sobre os baldios, e sobre os motivos para uma maior abertura do legislador à atribuição da qualidade de comparte, relacionados com a profunda modificação da relação da sociedade com os baldios, com novas formas de utilização, sendo propósito do legislador ajustar o regime legal dos baldios às novas formas de exploração que atualmente incidem sobre aquele tipo de bens comunitários.

H) No próprio Acórdão de que se recorre e atenta tal evolução da Lei aplicável ao Baldios, que foi e vem sendo ampliada a possibilidade de alguém ser comparte de determinada comunidade, a fim de evitar a desertificação dos meios rurais promovendo a sua dinamização, mas, contraditoriamente o Tribunal da Relação proferiu decisão que restringiu (contrária à Lei que agora vigora) inopinada e incompreensivelmente essa possibilidade,

I) A interpretação que o Acórdão recorrido faz do artigo 7.º da presente lei do que Regula os Baldios lei 75/17 de Agosto, é a todos os títulos inaceitável. tal interpretação não tem em consideração que como diz Larenz “compreender” uma norma jurídica requer o desvendar da valoração nela imposta e o seu alcance. A sua aplicação requer o valorar do caso a julgar em conformidade com ela ou, dito de outro modo, acolher de modo adequado a valoração contida na norma ao julgar o caso concreto (José Lamego, Hermenêutica e Jurisprudência, pág. 66).

J) No caso sub judice, o Acórdão recorrido olvidou completamente tudo isso, fazendo uma leitura dos factos e/ou das normas aplicadas distorcida, desfasada e insensível à realidade humana, social, económica e política que julga ou que enquadra e circunstancia o litígio em causa, acabando por chegar a uma inusitada e injustificada solução revogatória da bem elaborada sentença da 1.ª instância, que julgou procedente o pedido formulado pelo aqui Recorrente no sentido de lhe ser reconhecido o legítimo direito da atribuição da qualidade de comparte da Comunidade Local dos Baldios ... e de condenar a Ré a reconhecer essa qualidade.

K) Esquecendo o Acórdão recorrido que a partir do caso o interprete procede em buscar as regras e tornar a ele num procedimento circular “o chamado círculo interpretativo” de direção bipolar, que finaliza quando se compõe de modo satisfatório as exigências do caso e as pretensões das regras jurídicas (Gustavo Zagrebelsky, El derecho dúctil, ley, direitos, justiça, pág. 133) Acentuando quanto ao elemento histórico, e no que ao caso concreto importa considerar, os precedentes normativos.

L) E estes precedentes apontam, em suma, e sem dúvida, no sentido de que a atual Lei dos Baldios 75/2017 17 de Agosto alargou o conceito de compartes, que no seu artigo 2.º define como «Comparte», a pessoa singular à qual é atribuída essa qualidade por força do disposto no artigo 7.º - cf. alínea b).

M) Por sua vez, define por «Universo de compartes» o conjunto de pessoas singulares, devidamente recenseadas como compartes relativamente a determinado imóvel ou imóveis comunitários, também designado nesta lei comunidade local.

N) Preceitua o artigo 7.º o seguinte: - Compartes são os titulares dos baldios- O universo dos compartes é integrado por cidadãos com residência na área onde se situam os correspondentes imóveis, no respeito pelos usos e costumes reconhecidos pelas comunidades locais, podendo também ser atribuída pela assembleia de compartes essa qualidade a cidadão não residente. Aos compartes é assegurada igualdade no exercício dos seus direitos, nomeadamente nas matérias de fruição dos baldios e de exercício dos direitos de gestão, devendo estas respeitar os usos e costumes locais, que, de forma sustentada, devem permitir o aproveitamento dos recursos, de acordo com as deliberações tomadas em assembleia de compartes.

O) Ficando provado que o aqui Recorrente é efetivamente detentor de áreas agrícolas e florestais, localizadas na ..., desenvolvendo nessas áreas atividade agrícola, florestal e pastoril há vários anos, que é proprietário de terrenos localizados na ..., e explora os mesmos, nomeadamente para a agricultura e pastorícia, tendo estes terrenos sido herdados do seu pai e dos avós paternos, estes oriundos da ... e integrados na comunidade local, apurou-se e provou-se a existência de raízes do Recorrente à ..., tendo este ligações familiares à localidade, por via dos seus avós paternos e do seu pai que eram oriundos da ....

P) Concluiu-se em sede de 1.ª Instância que o Recorrente não é um desconhecido e estranho à localidade da ..., pois apresenta ligações à comunidade, devido aos terrenos que lá explora e às suas origens, apresentando assim uma forma de investimento na comunidade, que deve ser relevada e considerada para o caso em apreço. Sendo entendimento correto do Tribunal de 1.ª instância o reconhecer ao Recorrente a qualidade de comparte da Comunidade Local dos Baldios ....

Q) Pelo que se mostra a todos os níveis anómalo, que o Tribunal da Relação ..., apesar da prova efetuada e produzida em sede de 1.ª Instância, e da evolução da Lei dos Baldios, não tenha concedido ao aqui Recorrente a qualidade de comparte, revogando, inopinadamente, a modelar sentença do Tribunal de 1.ª instância.

R) Esta inusitada decisão do Tribunal da Relação, atendendo ao sentido comum e à mais elementar Justiça encontrará certamente uma qualquer lógica, mas não nos factos e no exercício judicatório são e escorreito, que se busca restabelecido pela Mão dos Colendos Conselheiros.

S) Desenvolvendo então o eixo da discordância e principal objeto do presente recurso, no rigor da prova nos autos e no necessário rigor dos conceitos e dos princípios juridicamente sãos, tal significaria considerar-se que, apesar de se ter dado como provados que: Os pais do Recorrente eram oriundos de ..., onde sempre viveram, tendo emigrado para a ... apenas por uns anos onde o Recorrente nasceu, mas tendo regressado a Portugal, a ..., onde tinham as suas origens e os prédios rústico e urbano, onde o Recorrente foi criado até aos dias de hoje;

i. O Recorrente tem terrenos na freguesia ..., freguesia esta composta por várias localidades, uma delas ..., destina tais terrenos à exploração agrícola; é proprietário e possui áreas agrícolas na ....

ii. Desenvolve nessas áreas atividade agrícola e pastoril.

iii. “Os antepassados do Recorrente eram da localidade de ..., nomeadamente o pai e os avós paternos, e tinham lá os seus bens e haveres que se transmitiram de geração em geração, cultivando os terrenos rústicos, colhendo os seus produtos para seu sustento, e colocando o gado nos pastos da ....

iv. O Recorrente tem uma exploração agrícola e pastoril em ... (no que concerne à questão de exploração agrícola esta não é definida apenas pelas instalações onde se encontramos animais, mas também pelos terrenos onde estes pastam, sendo o conceito de exploração agrícola integrado e preenchido pelas instalações onde estão guardados os animais conjuntamente com os terrenos onde pastam os animais).

v. O Recorrente coloca gado a pastar em ..., limpa o mato em terrenos que tem localizados em ....

vi. O Recorrente tem terrenos na ..., que explora há vários anos, inclusive o pai dele nasceu na ..., mas casou para a aldeia de ... e para lá foi viver;

vii. O recorrente herdou prédios rústicos pertencentes aos avós paternos.

M) Resulta claro que o Recorrente é efetivamente detentor de áreas agrícolas e florestais, localizadas na ..., desenvolvendo nessas áreas atividade agrícola, florestal e pastoril, é proprietário de terrenos localizados na ..., onde explora os mesmos quer para a agricultura, quer para pastorícia e que tais terrenos foram herdados, do seu pai e avós paternos, pessoas oriundas da .... Ficando cabalmente demostrado que existem raízes do Recorrente à ..., com ligações efetivas à localidade por via dos seus familiares, que eram de lá, e que este por muitos anos lá conviveu.

L) Todos estes provados elementos constantes dos autos, tinham, necessariamente, de constar e de ser incorporados na fundamentação do Acórdão recorrido, o que, inexplicavelmente, não sucedeu, tendo nessa conformidade, e com esse fundamento, de ser elaborado o enquadramento jurídico de tais factos, o que também não aconteceu,

N) O Acórdão recorrido, decidiu, e muito mal, revogar a sentença da 1.º Instância com a seguinte afirmação final: “Parece-nos, pois, que a matéria de facto provada não é suficiente para conceber ao A. a qualidade de comparte, procedendo assim, o recurso.”

O) Tal afirmação revela a insegurança da convicção do Tribunal a quo, utilizando uma terminologia própria de um parecer e não a afirmação categórica de uma Sentença, isso é ilustrado pela circunstância de nesse próprio Acórdão recorrido, de salientar que atualmente a qualidade de comparte dos baldios poder ser concedida a pessoas que não residam em determinada comunidade, que pode ser concedida a quem tenha relevantes ligações a essa comunidade.

P) E evidente, a todas as luzes, que os supra referidos factos provados não permitem, de modo algum, a conclusão tirada no Acórdão recorrido de que o aqui Recorrente não tem relevante ligações em termos de lhe ser concedida a qualidade de comparte.

Q) O aqui Recorrente tem, em suma, não só essas ligações com a localidade de ..., como também aos terrenos, que lá explora, tendo as suas origens forte ligamento e investimento na comunidade, logo o Tribunal da Relação ao revogar a sentença de 1.ª instância num total arrepio a tudo o quanto foi dado como provado e à evolução histórica da Lei dos Baldios vigente lei 75/2017 de 17 de Agosto,

R) Olvidou que o aqui recorrente integra essa comunidade (integração esta in casu por via dos terrenos de que é proprietário e que explora, e com ligações familiares à localidade, das suas origens e das origens dos pai dele, que herdou do seu pai determinados imóveis e adquiriu quinhão hereditário dos seus irmãos, ficando ele com todos os prédios da herança do seu pai e dos demais herdeiros, demonstrando assim interesse em investir na comunidade local,

S) Não foi tomado em consideração tal evolução que teve, além do mais, a expressa e manifesta preocupação de contribuir para a atenuação da desertificação das serras e do espaço rural no interior do país e de um regresso às origens de exploração dos Baldios, como bem se salienta no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/01/2019, citado na sentença de 1.ª Instância.

T) E que, por tudo isso, se tem de concluir que, contrariamente ao decido pelo Acórdão recorrido, os factos dados como provados são mais do que suficientes para se atribuir a qualidade de comparte ao aqui Recorrente, como Vossas Excelências com toda certeza decidirão.

U) Estamos certos que na Superior Consciência dos Colendos Conselheiros não é apenas o aqui Recorrente que assiste com absoluta incredulidade e estóico inconformismo a um flagrante, inexplicável atropelo à Justiça e ao Direito perpetrado judicialmente e mantido através do sentido e fundamentação da decisão recorrida, a qual acompanha e acolhe uma autêntica atuação à margem dos elementares princípios de direito substantivo e adjetivo por parte da Recorrida, que sempre consciente da qualidade de comparte do aqui Recorrente vem, espuriamente ,em sede de alegações de recurso afirmar que o que verdadeiramente motiva o aqui Recorrente é a intenção de que, sendo comparte lhe possa ser atribuída área baldia para pastoreio, relevante para acrescentar às suas candidaturas ao pedido único e demais subsídios.

V) E que sendo ali comparte, em igualdade de circunstâncias teria de lhe ser atribuída área e nessa medida rateando-a com os demais verdadeiros, na tese da Recorrida, compartes, porque moradores, e assim, os prejudicando, que o Recorrente não faz parte da vida comunitária, e apenas pretende área de borla, para majorar os subsídios agrícolas que por essa via teria direito e que até constitui fraude à lei.

W) Toda esta tese da Recorrida, apesar de ir contra o que efetivamente é o verdadeiro conceito de comparte que tem como propósito único a pastagem de animais, entende-se, segundo a noção legal avançada pela Lei 75/2017, constituindo, “em regra, logradouro comum dos compartes, designadamente para efeitos de apascentação de gados, de recolha de lenhas e de matos, de culturas e de caça, de produção elétrica e de todas as suas outras atuais e futuras potencialidades económicas, nos termos da lei e dos usos e costumes locais.” É esse o conceito e a finalidade de Comparte, que o aqui Recorrente preenche e pretende, e não o propósito de obter, desse modo, subsídios agrícolas como a Recorrida quer fazer querer na sua tese.

X) Tudo isso ao arrepio dos factos documentalmente provados e depoimentos prestados nos presentes autos, numa tese que, para nossa absoluta estupefação, acaba por merecer provimento pelo Tribunal da Relação e com a qual é impossível concordar ou conformar-se qualquer pessoa de bem num Estado de Direito.

Y) Dúvidas não podem existir que a decisão ora colocada em crise não fez correta subsunção dos factos provados ao Direito aplicável, pois tais factos demonstram de forma clara e inequívoca que outra teria de ser a decisão a proferir, não podendo de forma alguma e à luz das mais elementares regras e princípios de Boa e Sã Justiça, ser mantida.

Z) Como os Colendos Juízes Conselheiros certamente melhor decidirão, facto é que os autos desconsideram em absoluto e de forma incompreensível que a Lei que agora Regula os Baldios, definiu que os compartes passaram a ser todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais independentemente da sua maior ou menor relação com as áreas comunitárias,

AA) Que tal Lei não exige que os compartes façam parte da vida comunitária, caso contrário, o que seria dos emigrantes que naquelas localidades detém áreas agrícolas e que ali têm residência fiscal e que também contribuem para o desenvolvimento económico daquela terra, que a presente Lei não negligência a existência de dinâmicas sociais de migração ou até económicas de criação de riqueza e de postos de trabalho,

BB) A definição de compartes deve ser o suficientemente aberta para permitir que um qualquer cidadão detentor de áreas agrícolas ou florestais ou que nelas desenvolva atividade agrícola, florestal ou pastoril, ou um cidadão que passe a residir na área do baldio, possa requer à assembleia de compartes o devido reconhecimento, que terá um prazo para se pronunciar sobre o pedido, e não uma definição totalmente estrita como a que consta do Acórdão recorrido.

CC) Um conceito alargado, um conceito lato de comparte, que hoje é totalmente aceite e subscrito pela doutrina e jurisprudência mais hodierna e não o conceito estrito constante do Acórdão recorrido e que já há muito, portanto, deixou de vigorar, com vista ajudar na tarefa de interpretação do conceito de comparte cumpre reiterar que ficou cabalmente demostrado e provado que o ora recorrente efetivamente é detentor de áreas agrícolas e florestais, localizadas na ..., que desenvolve, há vários anos, nessas áreas, atividade agrícola, florestal e pastoril,

DD) Que faz a limpeza dos seus terrenos, não porque a lei assim o obriga, mas sim para desenvolver a sua atividade agrícola e criação de animais. Também não se pode sonegar, atendendo à prova testemunhal produzida, mas também a toda a prova documental carreada para autos de que ele é proprietário de terrenos localizados na ..., e explora os mesmos, nomeadamente para a agricultura e pastorícia (terrenos que foram herdados, do seu pai e avós paternos, estes oriundos da ...),

EE) A crescendo que o Recorrente não é um desconhecido e estranho à localidade da ..., pois apresenta ligações à comunidade, devido aos terrenos que lá explora e às suas origens, apresentando assim uma forma de investimento na comunidade, que deve ser relevada.

FF) Tem residência fiscal na área onde se situam os correspondentes imóveis, com total respeito pelos usos e costumes reconhecidos pelas comunidades locais, e no que concerne à localização da sede da exploração do Recorrente que erroneamente consta do Acórdão Recorrido que se encontra noutra freguesia e consequentemente que o centro da atividade dele não se encontra em ..., mas em localidade distinta.

GG) A este propósito, cumpre salientar que no Acórdão Recorrido há uma falta de rigor no que respeita à residência e à localização da atividade agrícola do recorrente, não é exata a afirmação feita naquela decisão de que este vive e labora fora da comunidade em causa, dado que importada salientar e também esclarecer que está provado que ele reside tem a sua exploração e ..., que é uma localidade, um lugar, da freguesia ... próxima da ... que é também um lugar da mesma freguesia.

HH) Pelo que, não se pode, de modo algum aceitar a forçada conclusão tirada do Acórdão Recorrido no sentido de que o Recorrente não está fixado no lugar da comunidade e que não tem relações relevantes com ela. Aliás, mesmo que o não tivesse (o que não se concede) sempre em face da matéria de facto provada no respeitante ao modo e lugar onde o Recorrente desenvolve a sua atividade agrícola se teria de concluir que, no caso presente, está preenchido pelo Recorrente o conceito de comparte agora estabelecido pela vigente Lei dos Baldios 75/2017, de 17 de Agosto, no seu artigo 7.º nº 2.

II) E a este propósito impõe-se alegar com toda a pertinência que como refere o Professor Castanheira Neves in“ O atual problema metodológico da interpretação Jurídica, RLJ ano 117, pág.193 “ O legislador não usa palavras e exprime enunciados que terão, por ventura, um sentido linguístico gramatical comum apenas para comunicar ( digamos literalmente) em sentido comum, quer antes prescrever uma intenção jurídica através dessas palavras e desses enunciados ”há que ter como boa não a interpretação restrita que o Acórdão recorrido faz de comparte, massima interpretação amplada1.ª instância.

JJ) E é, assim, esta última a solução que melhor vai ao encontro do modo como o legislador pretende que seja compreendido e integrado o conceito de comparte. Solução justa- a da sentença da 1.ª Instância e não o Acórdão recorrido.

KK) E isto porque, neste último, manifestamente se olvida que o problema jurídico-normativo da interpretação é o de obter da Lei ou norma um critério prático normativo adequado de decisão de casos concretos.

LL) No caso sub judice, a única decisão justa é a proferida pelo julgador de 1ª Instância, o qual foi quem esteve em contacto direto com a prova produzida, atendendo também a toda a prova documental carreada para os autos, com o pulsar da comunidade de que o aqui Recorrente faz parte.

MM) E esse julgador afirma na sentença que proferiu que deve ser reconhecida ao Recorrente a qualidade de comparte da Comunidade Local dos Baldios ..., dado que, com efeito, não considera esse Tribunal justo e proporcional negar a qualidade de comparte do logradora comum de uma comunidade local a quem se dispôs a integrar essa comunidade por via dos terrenos de que é proprietário e que explora com ligações familiares à localidade, contribuir em maior ou menor medida para a atenuação da desertificação das serras e do espaço rural no interior do país.

NN) No caso presente, não resultou demostrado, de forma clara, segura e certa, que a atribuição dessa qualidade ao Recorrente afronta os usos e costumes da comunidade local.

OO) Tudo isto seria suficiente para pulverizar a tese sufragada no Acórdão recorrido, Colendos Conselheiros, e ser proferida uma decisão favorável à pretensão do aqui Recorrente, por aqui se demonstrando a verdade dos factos, tudo impondo um sentido e conclusão diametralmente oposta ao da decisão ora recorrida, e que, a bem da Justiça e da Verdade, deve ser corrigida pelos Colendos Conselheiros, o que desde já se requer.

PP) Sendo inegável que os factos dados como provados são mais do que suficientes e preenchem perentoriamente os requisitos estabelecidos na Lei 75/2017de 17de agosto, para lhe ser atribuída a qualidade de comparte da Comunidade Local dos Baldios ... ao Recorrente como V/Exas. como toda a certeza decidirão, fazendo, como sempre, a devida Justiça material.


Solicita que seja revogado o Acórdão Recorrido proferido pelo Tribunal da Relação ....


10. Foram apresentadas contra-alegações, onde se conclui:

a) assenta o presente recurso sobre dois pontos essenciais: Por um lado reclamando uma alteração à matéria de facto e por outro na discussão jurídica sobre o conceito de comparte de um baldio, aplicável ao caso concreto.

b) Sobre o primeiro dos pontos, resulta das suas conclusões constantes das al. o) a S) que pretende introduzir uma alteração à matéria de facto dada como assente, provada e não provada. Em essência, resulta da matéria de facto dada como provada que as ligações do recorrente tem à aldeia de ... (que se encontra descrita acima para onde se remete, consolidada do que resulta das duas decisões anteriores) se cingem ao facto de ter ali 6 propriedades rústicas que adquiriu por herança de seus pais, das quais se provou que o recorrente explora apenas uma que é o lameiro denominado ..., utilizando-o para apascentar algumas cabeças de gado e retirando ainda feno desse terreno.

c) Só por si este facto é diferente de ter ali qualquer exploração agrícola e mais diferente ainda é de poder considerar que detém as características necessárias para que possa considerar-se comparte.

d) Não são verdadeiras as afirmações feitas no ponto O) a S) das conclusões.

O recorrente não tem qualquer ligação a ... para além do facto de ter herdado ali algumas propriedades que eram dos avôs paternos e que foram herdadas primeiro pelo pai e depois pelo recorrente e das quais apenas pastoreia uma, uma vez por ano e também uma vez por ano ali corta feno. As demais estão a monte. É isto que resulta dos factos provados, nada mais que isto. Tudo o resto são invenções do recorrente, numa tentativa de procurar capciosamente distorcer o que resultou provado e as alterações que pretende e constam sobretudo da al. S) das conclusões, não poderão ser levadas em conta por violação do disposto no art. 674º nº 1 do CPC

e) Com o argumento peregrino de que pretende combater a desertificação do mundo rural. Dito por alguém que nasceu na ..., vive em ..., trabalha no ... onde é agente da ... há muitos anos e portanto a sua ligação, inclusivamente à aldeia de ... de onde são originários os pais, é ela própria residual.

f) Inclusivamente se diz que este douto Tribunal quando ouvir a prova testemunhal, se aperceberá que se é facto que o recorrente é em ... que tem uma exploração agrícola de vacas, resulta com cristalina evidência que é o tio CC que trabalha em exclusivo na mesma, que diariamente toma conta das vacas pois o recorrente, por razões práticas, por ali irá de vez em quando, fazer turismo rural e eventualmente aproveitar para receber dessa exploração os dividendos e os subsídios agrícolas.

g) Em resumo é isto e só nisto que assenta a ligação do recorrente à localidade de ... e é com base nisto que este pretende ver-lhe reconhecida a qualidade de comparte. Em igualdade de circunstâncias com os demais vizinhos que secularmente tomam conta da terra, que ali investem a sua vida. O ter lá 5 terrenos agrícolas, dos quais apenas um é pastoreado e uma corte alagada cujo estado de ruína é bem visível nas fotografias juntas aos autos, não é nem pode ser argumento bastante para alavancar uma reivindicação de um estatuto que muito lesaria os vizinhos comunais verdadeiros de ....

h) Tudo o que demais alega, são invenções não relevantes, nomeadamente

i) O segundo ponto em que se alicerça o presente recurso, assenta na questão de se saber quem é comparte de um baldio e se o recorrente o pode ser do Baldio ....

j) Conforme resulta dos factos provados e também reforçada no douto texto recursivo, a única e exclusiva ligação do recorrente a ..., assenta no facto de o recorrente ser proprietário/possuidor de 6 prédios rústicos agrícolas, dos quais 4 estão a monte, 1 é uma corte em ruínas e um deles é pastoreado uma vez por ano e também uma vez por ano cortam feno.

k) Já em sentido inverso provou-se, que o recorrente nunca participou na limpeza anual das levadas de água e sistema de rega comunitário de rega nem no moinho do povo ou caminhos agrícolas comunitários, nunca participou ou contribuiu para qualquer festividade da aldeia, não vive, nem nunca viveu na aldeia de ..., pois nasceu na ..., vive em ... onde tem residência fiscal (depoimento de parte do recorrente min. 1 a 10) e trabalha no  ... diariamente, e tem sim em ..., uma aldeia a 6km de ..., uma casa onde vai de vez em quando. Que é nesta aldeia que tem um conjunto de animais bovinos e onde tem o centro da sua vida agrícola, sendo certo que quem toma conta dos mesmos é um tio, Nunca participou na tradição da subida da vezeira.

l) Também se provou que o recorrente nunca participou em qualquer reunião do baldio, ou discussão informal de qualquer assunto ou preocupação comunitária, nunca pastoreou os montes ou sequer por ali foi vistos, nunca recolheu lenha no baldio, nem matos, nem qualquer outra utilidade. Bem visto que nem teria sentido dado que ali não vive nem nunca viveu e o seu histórico de vida também permite concluir que nunca o fez em ..., nem em ..., porquanto a sua vida, o centro da sua vida é em ... e no ... que é onde diariamente vive e trabalha.

m) O recorrente nunca utilizou nem nunca reivindicou qualquer tipo de direito de uso dos bens comunitários, sejam eles caminhos, matos, lenhas, extracção de inertes, pastoreio, passagens, etc. Nunca exerceu por si ou por terceiros quaisquer destes actos, nem nunca fez saber que os detinham ou que os pretendia, ainda que os não usasse. Todos estes elementos resultam dos factos não provados.

n) Se é facto que a qualidade de comparte de origem (prevista no nº 1 do art. 7 da L. de baldios na sua versão actual), é afastada porque o recorrente não é morador em ... também é afastada porque foi o próprio recorrente que lançou mão do previsto no nº 5 da L. cit.. Note-se que esta norma resultou da última revisão da Lei dos Baldios, e que vem permitir a aquisição da qualidade de compartes a outras pessoas que cumpram certos critérios, nomeadamente que ali detenham uma exploração agrícola.

o) Ora, perece ao recorrido que, face à matéria de facto assente e nomeadamente às alterações à mesma que resultaram da decisão em recurso, é cristalino afirmar que o recorrente não tem em ... qualquer exploração ou actividade agrícola. O recorrente tem, como já se disse várias vezes nesta localidade, 5 prédios agrícolas e uma corte em ruinas e dos 5 terrenos, 4 estão a monte, incultos e apenas um é pastoreado uma vez por ano.

p) Claro que importa saber o que é uma actividade agrícola, não sendo suficiente para este critério ter ali propriedades nomeadamente lameiros ou touças de mato. Implicam ter ali o centro de uma exploração, o que não é o caso pois como assumido pelo próprio recorrente a sua exploração agrícola é em ..., noutra aldeia. Nestas situações é permitido sob solicitação do interessado, a Assembleia de Compartes admitir que este não comparte de origem possa ser atribuída a qualidade de comparte, mas este direito configura-se na lei como um direito potestativo, i. é, político, de decisão que cabe exclusivamente à Assembleia de Compartes. A sua sindicabilidade pelo Tribunal, é restrita a nosso ver ao controlo de ilegalidades, por exemplo, a apreciação de quóruns ou confirmar juridicamente alguns dos requisitos previsto no nº 5.

q) O que o Tribunal não pode, é substuír-se à decisão soberana da Assembleia de Compartes nesta matéria e neste ponto concreto há divergência com o Venerando Tribunal a quo. Ora a Assembleia foi rotunda, no sentido de rejeitar tal pretensão por unanimidade. Ou seja, nem sequer no espírito de qualquer compartes se colocou qualquer forma de dúvida sobre a verificação de algum critério que pudesse deixar ao Tribunal nalguma dúvida (nesse sentido João Gralheiro no seu comentário ao art. 7º da N. Lei dos Baldios).

r) Dito de outro modo, o Tribunal não pode substituir-se aos poderes de decisão atribuídos por lei à Assembleia de Compartes baseados em critérios de oportunidade, que lhe são restritos a si Assembleia de Compartes, não se encontrando em causa, porque nem sequer foi alegado, a violação de qualquer norma jurídica.

s) Isto de resto consolida a própria história dos baldios e da sua utilidade e aproveitamento em favor dos povoadores de uma localidade ou povoação, como complemento do seu sustento, facto que não é apagado pelas novas utilizações dos baldios, pois que essas utilizações até podem ser novas, o que não põem em causa é saber-se o que é baldio e quem são os seus possuidores ou consortes.

Ser comparte, não é só um conjunto de direitos, é também um conjunto de deveres. Quem superioriza os direitos e despreza os deveres, não é merecedor de que lhe atribuam essa qualidade. Ora, face a toda a matéria dada como provada e sobretudo a não provada, cristalino é afirmar que ao recorrente, interessam-lhe muito os direitos, mas pouco os deveres.

t) E a participação na vida comunitária pode ser feita de várias formas, não só como comparte, conforme refere João Gralheiro no seu comentário ao art. 7º da N. Lei dos Baldios, mas também na qualidade de “convidados” e os “presentes em reunião sem direito a voto”. E são estes conceitos que o recorrente confunde pois o que alegando basicamente ser proprietário de terrenos em ..., mais se aproxima desta segunda figura.

u) E sempre com o devido respeito, nisto reside o grande erro do recorrente, quando afirma que a lei veio alargar o conceito de comparte. O que provavelmente pretendia explicar é que a lei veio permitir considerar com mais amplitude comparte de um baldio, quem não é comparte de origem. É que o conceito de comparte de origem, em boa verdade não foi objecto de alterações profundas. Mais o foi na versão anterior da Lei de Baldios quando se confundiu o conceito de morador com o de eleitor, numa formulação anacrónica e que lançou dúvidas tremendas na comunidade jurídica.

v) O que a lei e a nosso ver bem, veio fazer foi reconhecer que a realidade dos baldios hoje é uma realidade mais heterogénica e por isso, parte de uma base que é o comparte de origem, mas depois permite a sua ampliação a outro tipo de pessoas físicas, mas que têm que ter especiais ligações à comunidade. Essa ligação não é de terras. Esta ligação é de almas. O sentimento de pertencer de ser dali, de nos reconhecerem como tal. E o ser comparte implica adquirir a qualidade do direito de propriedade comunitária.

w) E continuando no reconhecimento dessa heterogeneidade, veio ainda a lei permitir a interacção de terceiros que não sendo compartes, pretendam manter com esta uma interacção e nisto é que residiu a inovação legal, com a criação e aprofundamento de outras figuras, como a qualidade de convidados, e representantes sem direito a voto, aqui se legalizando uma série de interacções necessárias que o baldio tem hoje que ter com terceiras entidades com interesses no baldio sem que sejam compartes. Neste aresto é comum hoje, na zona de ..., ..., ..., ..., nas localidades onde se instalaram explorações eólicas, as empresas que ali detêm esse tipo de infraestruturas serem convidadas a participar na vida comunitária quando se discutem matérias que as implicam ou eles próprios pretendem envolver-se na vida comunitária. Sem que sejam ou possam vir a ser compartes. E, no entanto, ali têm hoje propriedades (como as subestações onde adquiriram o próprio solo), objectos valiosíssimos (como as turbinas), ali exercem uma actividade muito importante. É neste limiar que está o recorrente. Alguém que tem ali um interesse, propriedades, mas que, não reunindo condições para ser comparte, pode participar na vida comunitárias de outras formas. Como convidado.

x) E repare-se que isso já aconteceu em 2016. O recorrente, esteve presente numa reunião da Assembleia de Compartes (constando da acta nº 3 da Assembleia de Compartes de ...), e ali esteve como convidado com vista a prestar um serviço externo, isto é, foi convidada uma associação da qual ele é ..., que se dedica à instrução de procedimentos com vista à implementação de perímetros pecuários e nessa qualidade foi contratado para prestar ao recorrido esse serviço e que a final não veio a ser implementado. E ali participou como convidado.

y) Mas claro, que esse acto, denota também pela negativa que o próprio recorrente não se considerava ele próprio como comparte ao participar nessa qualidade.

z) Cabe elucidar este colendo Tribunal a razão, o fim pela qual estamos nesta acção. E essa explicação foi dada pela testemunha do Recorrente DD (Min. 1 a 18), ... da Associação de Agricultores que explicou que a importância do baldio para os agricultores prende-se por um lado com o pastoreio e por outro com os subsídios agrícolas. O RPB (Regime de Pagamento Básico), tem por base a área e daqui a importância de acrescentar área baldia quando não se tem própria. Explicou que quando o recorrente fez a última candidatura tinha que ter 40 hectáres ou próprios ou baldios. Nisto é que resido o verdadeiro interesse desta acção.

aa) A intenção do recorrente é que, sendo comparte e logo proprietário comunitário, lhes possa ser atribuída área baldia, relevante para acrescentar às suas candidaturas ao Pedidos Únicos e demais subsídios agrícolas e majorá-los. Sendo ali compartes, em igualdade de circunstâncias teria de lhe ser atribuída área e nessa medida rateando-a com os demais verdadeiros compartes, porque moradores, assim os prejudicando.

ab) O recorrente não pretende nem nunca pretendeu fazer parte da vida comunitária, adquirindo os respectivos direitos mas também os deveres. O que busca é adquirir área baldia de forma gratuita, para majorar os subsídios agrícolas a que por essa via teria direito. Este facto foi apreendido perfeitamente pelos Tribunal de primeira e de segunda instância. Por trás desta pretensão do recorrente, não estão nem usos nem costumes, mas só e apenas a necessidade de área baldia para, fraudulentamente, majorar subsídios agrícolas, ofendendo o previsto nos arts. 1º, 2º, 3º e 7 da L. dos Baldios.

A qualidade de comparte, apesar de poder ser concedida a pessoas que não residem em determinada comunidade, só pode ser concedida a quem tem relevantes ligações a essa ela, sob pena de se desvirtuar a lei, com os inerentes prejuízos para quem já é comparte.


10. O recurso do A. foi admitido pelo tribunal recorrido como revista, com subida imediatamente, nos próprios autos e efeito devolutivo (Referência: ...40).

Colhidos os vistos legais, impõe-se analisar e decidir.

II. Fundamentação

11. De facto

A) Factos provados

Nas instâncias foram considerados provados os seguintes factos (a negrito os alterados pelo tribunal recorrido):

1. Os Autores têm residência em Rua ..., ... e Rua …, ..., localidade da freguesia ....

2. A freguesia ... é composta por várias localidades, entre as quais ... e ....

3. A localidade de ... fica próxima da localidade de ..., ambas da freguesia ....

4. Os Autores são casados entre si desde 15 de agosto de 2009 em regime de bens de adquiridos, embora já namorassem há uns anos.

5. O Autor nasceu na ..., em .../.../1977.

6. Os pais do Autor eram oriundos de ..., onde sempre viveram, tendo emigrado para a ... apenas por uns anos onde o Autor nasceu, mas tendo regressado a Portugal, a ..., onde tinham as suas origens e os prédios rústicos e urbano, onde o Autor foi criado até aos dias de hoje.

7. A Autora nasceu em .../.../1980, na freguesia ..., freguesia limítrofe e confinante com ..., tendo desde criança e os seus pais ido residir para ....

8. O Autor tem terrenos na freguesia ..., freguesia esta composta por várias localidades, uma delas ....

9. O Autor herdou do seu pai determinados imóveis e adquiriu o quinhão hereditário dos seus irmãos, ficando ele com todos os prédios da herança do seu pai e dos demais herdeiros, prédios rústicos estes localizados na freguesia ..., a saber:

a) Cultura arvense de sequeiro com 04 oliveiras em ..., inscrito na matriz da freguesia ... sob o artigo ...20..., a confrontar do Norte e Nascente com caminho, Sul com EE, Poente com a estrada, com a área de 0,283200.

b) Mato na ..., inscrito na matriz da freguesia ... sob o artigo ...73, com a área de 0,045200, a confrontar do Poente com estrada, Norte com FF, Sul GG, Nascente com HH.

c) ½ do lameiro e pastagem na ..., inscrito na matriz da freguesia ... sob o artigo ...66º, com a área de 0,250000, a confrontar do Norte e Nascente com caminho, Sul com II, Poente com JJ, prédio este que se localiza na ...;

d) Tulhão, Eira e Corte, inscrito na matriz da freguesia ... sob o artigo ...57, com a área de 0,033500, a confrontar do Norte com KK, Sul com Percurso Pedestre, Nascente com Rua e LL, Poente com rego de água, prédio este que se localiza na ...;

e) Corte no ..., inscrito na matriz da freguesia ... sob o artigo ...54, com a área de 0,002000, a confrontar do Norte e Nascente com caminho público, Sul e Poente com MM, prédio este que se localiza na ...;

f) Cultura arvense de sequeiro, Lameiro e pastagem na ... e ..., inscrito na matriz sob o artigo ...82.º, com a área de 1,000000 a confrontar do Norte, Sul e Nascente com NN, Poente com caminho, prédio este que se localiza na ...;

g) Lameiro, Pastagem e Mato em ..., inscrito na matriz sob o artigo ...13.º, com a área de 3,449300, a confrontar do Norte com OO, Sul, Nascente e Poente com caminho público, prédio este que se localiza na ...;

h) ½. Mato e 3 Carvalhos, na ..., inscrito sob o artigo ...83.º, com a área de 2,329500, a confrontar do Sul e Poente com baldio, Nascente estrada Municipal, Norte com Terrenos baldios, prédio este que se localiza na ....

10. Os prédios identificados nas alíneas c) a h), localizados na ..., encontram-se registados a favor do Autor BB, tendo como causa de aquisição registada: “Sucessão hereditária e partilha”.

11. O Autor explora um dos prédios que tem em ..., denominado ... utilizando-o para apascentar algumas cabeças de gado e retirando ainda feno desse terreno.

12. Os Autores solicitaram à Ré a atribuição da qualidade de compartes, tendo submetido à apreciação dos mesmos requerimentos escritos a fundamentar as suas pretensões, acompanhados de meios de prova.

13. O Autor é proprietário e possui áreas agrícolas na ....

14. O Autor desenvolve nessas áreas atividade agrícola e pastoril. (eliminado)

15. Os antepassados do Autor eram da localidade de ..., nomeadamente o pai e os avós paternos, e tinham lá os seus bens e haveres que se transmitiram de geração em geração, cultivando os terrenos rústicos, colhendo os seus produtos para seu sustento, e colocando o gado nos pastos da ....

16. O Autor tem uma exploração agrícola e pastoril em .... (eliminado)

17. O Autor coloca gado a pastar em .... (eliminado)

18. O Autor limpa o mato de, pelo menos, duas parcelas de terreno que possui

em ....

19. O Autor tem terrenos na ..., que explora. (eliminado)

20. Apesar do pedido dos Autores para serem reconhecidos como compartes da Comunidade Local dos Baldios ..., a Ré indeferiu esse pedido.

21. O pai do Autor BB nasceu na ..., mas casou para a aldeia de ... e para lá foi viver.

22. O Autor BB herdou prédios rústicos pertencentes aos avós paternos.

23. Os Autores também têm residência em ....

B) Factos Não Provados

A. Os Autores residem na localidade da ....

B. O Autor é natural da ....

C. A Autora tem terrenos na freguesia ....

D. A Autora AA é proprietária dos prédios melhor identificados em 9).

E. A Autora destina os prédios elencados em 9) à exploração agrícola.

F. A Autora é detentora de áreas agrícolas em ....

G. A Autora é proprietária de áreas agrícolas em ....

H. A Autora é usufrutuária de áreas agrícolas em ....

I. A Autora é superficiária de áreas agrícolas em ....

J. A Autora é arrendatária de áreas agrícolas em ....

K. A Autora é possuidora de áreas agrícolas em ....

L. A Autora detém a administração de áreas agrícolas em ....

M.A Autora desenvolve nessas áreas, na ..., atividade agrícola e pastoril.

N. Os Autores são detentores de áreas agrícolas no Baldio ....

O. Os Autores desenvolvem nas áreas do Baldio ... atividade agrícola e pastoril.

P. Os antepassados do Autor colocavam o gado nos baldios de ....

Q. Os Autores cultivam nos terrenos rústicos os produtos que colhem para o seu sustento.

R. Os Autores colocam o gado nos baldios de ....

S. A Autora coloca gado a pastar na ....

T. Os Autores convivem com as pessoas da localidade da ..., onde têm amigos.

U. Os Autores vão às festividades que ocorrem na ....

V. Os Autores ajudam na limpeza dos matos e dos regos de água comunitários.

W. A Autora tem uma exploração agrícola e pastoril em ....

X. A Autora tem terrenos que explora na ....

 Y. Os Autores têm baldios na ... que exploram.

Z. Os Autores são detentores da marca de exploração pecuária ....

AA. Os Autores nasceram na localidade da ....

BB. Os Autores habitam na localidade da ....

CC. Os Autores nasceram na freguesia ....

CC. Os Autores nasceram na freguesia ....

DD. É conhecida da Ré a verdadeira razão pela qual os AA. pretendem ver-lhes reconhecida a qualidade de comparte deste baldio.

EE. O que verdadeiramente motiva os AA. é a intenção de que, sendo compartes, lhes possa ser atribuída área baldia para pastoreio, relevante para acrescentar às suas candidaturas ao Pedidos Únicos e demais subsídios agrícolas.

FF. Sendo ali compartes, em igualdade de circunstâncias teria de lhes ser atribuída área e nessa medida rateando-a com os demais verdadeiros compartes, porque moradores, assim os prejudicando.

GG. Portanto os AA. não pretendem fazer parte da vida comunitária, adquirindo os respetivos direitos, mas também os deveres. O que os AA. querem é área de forma gratuita, para majorar os subsídios agrícolas que por essa via teriam direito.


De Direito

12. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

A questão suscitada no recurso é a seguinte: saber se o A. reúne as condições exigidas pela vigente Lei dos Baldios n.º 75/2017, de 17 de Agosto, no seu artigo 7.º nº 2 para ser considerado comparte.


13. No tribunal recorrido, a título de enquadramento sobre os baldios, foi dito:

“Os baldios surgiram da necessidade social de os agricultores com menos recursos económicos utilizarem espaços desocupados e/ou abandonados das respetivas freguesias, nomeadamente, para apascentação de gado e para apanha de mato ou de lenha.

Jaime Gralheiro [1] refere que “os Baldios são bens comunitários afetos à satisfação das necessidades primárias dos habitantes de uma circunscrição administrativa ou parte dela, e cuja propriedade pertence à “comunidade” formada pelos utentes de tais terrenos que os receberam de seus antepassados para, usando-os de acordo com assuas necessidades e apetências, os transmitirem intactos aos seus vindouros.”

Na Lei 75/2017 de 17 de agosto (regime aplicável aos baldios e aos demais meios de produção comunitários), que é aplicável ao presente caso, a definição de baldio é-nos dada pela al. a) do art. 2º que diz que “Baldios” são os terrenos com as suas partes e equipamentos integrantes, possuídos e geridos por comunidades locais, nomeadamente os que se encontrem nas condições aí definidas, nomeadamente, os terrenos considerados baldios e como tais possuídos e geridos por comunidade local.

No nº 1 do art. 3º do mesmo diploma esclarece-se que os baldios constituem, em regra, logradouro dos compartes, designadamente para efeitos de apascentação de gados, de recolha de lenhas e de matos, de culturas e de caça, de produção elétrica e de todas as suas outras atuais e futuras potencialidades económicas, nos termos da lei e dos usos e costumes locais.

No al. b) do nº 2 desse Dec. Lei, refere-se que “comparte” é a pessoa singular à qual é atribuída essa qualidade por força do disposto no art. 7º. Neste preceito esclarece-se, na parte com interesse para o caso em apreço que Compartes são os titulares dos baldios (nº 1) O universo dos compartes é integrado por cidadãos com residência na área onde se situam os correspondentes imóveis, no respeito pelos usos e costumes reconhecidos pelas comunidades locais, podendo também ser atribuída pela assembleia de compartes essa qualidade a cidadão não residente (nº 2). Pode a assembleia de compartes atribuir a qualidade de comparte a outras pessoas singulares, detentoras a qualquer título de áreas agrícolas ou florestais e que nelas desenvolvam atividade agrícola, florestal ou pastoril, ou tendo em consideração as suas ligações sociais e de origem à comunidade local, os usos e costumes locais (nº 5). Para efeitos do número anterior, qualquer cidadão pode requerer ao conselho diretivo a sua inclusão na proposta de relação de compartes a apresentar à assembleia de compartes indicando os factos concretos em que fundamenta a sua pretensão, com apresentação de meios de prova, incluindo, se entender necessário, testemunhas (nº 6). O conselho diretivo deve apreciar a prova produzida e decidir no prazo de 60 dias após a produção da prova (nº 7). Se a decisão for desfavorável, o conselho diretivo submete obrigatoriamente a sua decisão à assembleia de compartes, que delibera sobre a proposta de relação de compartes ou a sua atualização, confirmando-a ou alterando-a (nº 8) Se a pretensão do cidadão requerida nos termos do n.º 6 for negada ou o pedido não for decidido no prazo de 90 dias, este pode pedir ao tribunal competente o reconhecimento do direito pretendido (nº 9).”

E quanto à qualidade de comparte:

“Da qualidade de comparte:

Na vigência da Lei 69/93, de 4 de setembro, apenas podiam ter a qualidade de compartes os cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais onde se situam os respetivos terrenos baldios ou que aí desenvolvam uma atividade agroflorestal ou silvo pastoril ou os menores emancipados que sejam residentes nas comunidades locais onde se situam os respetivos terrenos baldios. (nºs 3 e 4 do art. 1º)

Esta Lei estabelecia assim uma conexão entre a qualidade de morador em determinada localidade e a qualidade de comparte dessa respetiva comunidade. A Lei 75/17, de 17/8, veio alargar a possibilidade de ter o estatuto de comparte de determinada comunidade a pessoas singulares detentoras de áreas agrícolas ou florestais e que nelas desenvolvam atividade agrícola, florestal ou pastoril, ou tendo em consideração as suas ligações sociais e de origem à comunidade local, os usos e costumes locais.

Conforme refere João Carlos Gralheiro[2] em razão da alteração introduzida neste novo diploma legal relativamente ao reconhecimento da qualidade de comparte “se deve interpretar a mesma no sentido de se considerar que nela foi reposto o pressuposto da “atividade no local”, exigido pelo art. 4º do Dec. Lei 39/76. E isto porque na sua nova versão expressamente se reconhece a possibilidade de ser considerado como comparte quem em tal comunidade desenvolva uma atividade agroflorestal ou silvo pastoril, ainda que aí não seja residente.

No Acórdão do STJ de 24/10/2019  explica-se que “a realidade histórica consistente no aproveitamento, ao longo de séculos, pelas comunidades locais dos terrenos baldios para complementar a subsistência dos seus membros – colhida essencialmente duma agricultura rudimentar, com a obtenção das utilidades por aqueles propiciadas, mediante a apicultura e, sobretudo, a pastorícia e a extração de frutos e materiais, como lenhas, madeiras e matos para “acamar” os animais e estrumar as terras – alterou-se profundamente nas últimas décadas, com a desertificação das serras e do espaço rural, com o desaparecimento generalizado da agricultura rudimentar tradicionalmente complementada com a exploração dos baldios e o decorrente abandono destes e dos espaços florestais.

Entretanto, como já se observou no acórdão da Formação prevista no art. 672º do CPC, desde há algum tempo, vimos assistindo ao fenómeno de um certo “regresso às origens” disseminado por alguns pontos do país – como da factualidade assente resulta ser o caso –, que tem movido pessoas oriundas dos meios urbanos e suburbanos a alterar radicalmente o seu modo de vida e a fixar-se permanentemente nesses locais e outros a procurar aí apenas refúgios de férias e fins-de-semana – como tem sucedido com profissionais liberais, quadros dos serviços ou elementos da pequena e média burguesia –, todos, atraídos pelo bucolismo e pela qualidade de vida de que lá podem usufruir. (…)

A profunda evolução sofrida pela realidade socioeconómica dos baldios terá levado o legislador a consagrar na lei actualmente vigente a possibilidade de a assembleia de compartes atribuir a qualidade de titular do baldio (comparte) até a um cidadão não residente no local, deixando ao critério da assembleia a definição dos requisitos para tanto impostos, pois não explicita qualquer exigência quanto à natureza e ao grau da sua ligação ao correspondente logradouro comum.”.

Efetivamente, resulta da exposição de motivos da Lei nº 75/2017, nomeadamente, o seguinte:

“Os baldios desde sempre tiveram uma determinante dimensão social, constituindo-se como um importante sustento para as economias familiares de milhares pequenos agricultores, fundamentalmente, no centro e norte do país e de que deles têm usado e fruído ao longo do tempo.

(…)

Com a Lei n.º 72/2014, de 2 de setembro, os compartes passaram a ser todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais independentemente da sua maior ou menor relação com as áreas comunitárias, bem como foram excluídos do processo, sempre complexo é certo, de recenseamento de compartes. Com aquelas alterações, os dados nacionais do recenseamento eleitoral, no fundo, passaram a ser a base de registo dos compartes de determinado baldio em detrimento de um caderno de recenseamento específico, cuja validação e aprovação deve caber aos seus pares em assembleia de compartes e, posteriormente, tornado público. Não negligenciando a existência de dinâmicas sociais de migração ou até económicas de criação de riqueza e de postos de trabalho, a definição de compartes deve ser o suficientemente aberta para permitir que um qualquer cidadão detentor de áreas agrícolas ou florestais ou que nelas desenvolva atividade agrícola, florestal ou pastoril, ou um cidadão que passe a residir na área do baldio, possa requer à assembleia de compartes o devido reconhecimento, que terá um prazo para se pronunciar sobre o pedido.”

É assim necessário analisar se a circunstância de o A. ser proprietário, no todo ou em parte, das parcelas de terreno situadas em ... e identificadas no ponto 9 dos factos provados e ainda do facto de explorar uma delas através da apascentação de parte do gado que possui e recolha do feno dessa mesma parcela, são bastantes para lhe conferir a qualidade de comparte daquela Comunidade.

Em face da génese da criação dos baldios, acima referida e apesar de se ter ampliado a possibilidade de alguém ser comparte de determinada comunidade a fim de evitar a desertificação dos meios rurais, promovendo a sua dinamização, parece-nos que a concessão de tal estatuto não se basta com a mera apascentação de algumas cabeças de gado numa parcela de terreno e com a obtenção de feno da mesma, sendo certo que a sede da exploração do A. se encontra noutra freguesia. Ou seja, o centro da atividade do A. não se encontra em ..., mas sim em localidade distinta.

Na verdade, entendemos que a qualidade de comparte, apesar de atualmente poder ser concedida a pessoas que não residem em determinada comunidade, só pode ser concedida a quem tem relevantes ligações a essa comunidade, sob pena de se banalizar a atribuição do mencionado estatuto, com os inerentes prejuízos para quem é já comparte, pois, os compartes, entre outras coisas, dividem os recursos existentes nos respetivos baldios e a respetiva área disponível é distribuída pelos utilizadores para concessão de alguns subsídios. Assim, naturalmente, quanto mais compartes, menos recursos cabem a cada um deles.

Parece-nos, pois, que a matéria de facto provada não é suficiente para conceder ao A. a qualidade de comparte, procedendo assim, o recurso.”

13.1. Dizem os recorrentes que lhes deve ser reconhecida a qualidade de comparte, por reunirem todos os requisitos impostos por lei e que foram provados nestes autos.

13.2. Na sentença a qualidade de compartes havia sido reconhecida aos AA. com a seguinte motivação:

“Verifica-se assim que o Autor BB é efetivamente detentor de áreas agrícolas e florestais, localizadas na ..., desenvolvendo nessas áreas atividade agrícola, florestal e pastoril. Com efeito, o Autor é proprietário de terrenos localizados na ..., e explora os mesmos, nomeadamente para a agricultura e pastorícia. Estes terrenos foram herdados, do seu pai e avós paternos, estes oriundos da ....

Também se apurou a existência de raízes do Autor à ..., tendo estas ligações familiares à localidade, por via dos seus avós paternos e do seu pai que eram oriundos da ....

Ou seja, por aqui se conclui que o Autor não é um completo desconhecido e estranho à localidade da ..., pois apresenta ligações à comunidade, devido aos terrenos que lá explora e às suas origens, apresentando assim uma forma de investimento na comunidade, que deve ser relevada.

Entende, assim, o Tribunal que deve ser reconhecida ao Autor BB a qualidade de comparte da Comunidade Local dos Baldios ....

Com efeito, não considera o Tribunal justo e proporcional negar a qualidade de “comparte” do logradouro comum de uma “comunidade local”, a quem - ainda que não permanentemente - se dispôs a integrar essa comunidade (integração esta in casu por via dos terrenos de que é proprietário e que explora, e com ligações familiares à localidade) e, assim, a contribuir, em maior ou menor medida, para a atenuação da desertificação das serras e do espaço rural no interior do país. Não se olvide ainda que o Autor herdou do seu pai determinados imóveis e adquiriu o quinhão hereditário dos seus irmãos, ficando ele com todos os prédios da herança do seu pai e dos demais herdeiros, demonstrando assim interesse em investir na comunidade local.

In casu, não resultou demonstrado – de forma clara, segura e certa – que a atribuição dessa qualidade ao Autor afronta os usos e costumes da comunidade local. Ainda que possam existir eventualmente alguns objetivos económicos na atribuição da qualidade de comparte – que não ficaram apurados -, tal não é suficiente para considerar existir fraude à lei.

Conforme salientou o acórdão do Tribunal Constitucional, acima citado:

«Conforme se viu já resultar do enquadramento constante da exposição de motivos que acompanhou o Projeto de Lei n.º 528/XII/3.ª, tanto a alteração geral do regime jurídico dos baldios, resultante da Lei n.º 74/2012, como, em particular, a reconfiguração do conceito de comparte dali resultante, são, no essencial justificadas através da invocação de um conjunto de fundamentos relacionados com a «profunda modificação da relação da sociedade com o território», em especial com a constatação de que os terrenos baldios deixaram, «na generalidade das situações, (…) de ser aproveitados e geridos de modo a produzir os benefícios idealizados», tendo-se convertido em objeto de um tipo de «exploração» propiciador de «um crescente aumento de receitas», designadamente com vista à «instalação de (…) equipamentos electroprodutores, nomeadamente para a produção de energia eólica e hídrica».

De acordo ainda com a orientação estratégica subjacente às alterações constantes da Lei n.º 72/2014, tal fenómeno tornou necessária a adoção de novas soluções, suscetíveis de assegurar a criação de «uma dinâmica na gestão dos espaços comunitários», habilitando «as entidades gestoras dos baldios a aproveitar de forma mais eficaz os mecanismos financeiros colocados à disposição de quem neles investe».

Procedendo diretamente daquilo que se considera ser a nova forma de utilização dos baldios, centrada na sua exploração, e garantia da viabilidade do investimento na gestão, as razões invocadas para justificar a reforma levada a cabo pela Lei n.º 72/2014 e, em particular, a reconfiguração do conceito de comparte ali contemplada, são reconhecidamente próximas daquelas que, na doutrina, servem para considerar hoje “bastante questionável” o caráter fechado tradicionalmente assumido pelas comunidades locais.

Tido por compreensível «enquanto os terrenos cívicos tiveram por função basicamente a subsistência dos respetivos condóminos ou compartes, proporcionando a cada um o aproveitamento dos bens necessários ou auxiliares da economia doméstica ou da atividade agrícola (concretizados na recolha de lenhas e matos, na apascentação de gados, no aproveitamento de águas destinadas a irrigação dos terrenos, etc.)», o confinamento do universo dos compartes a um núcleo restrito de membros da comunidade de residentes tornou-se, segundo se sustenta, inadequado «face a bens coletivos objeto de uma exploração de caráter empresarial e planificada, traduzida numa atividade de produção para troca, por via de regra monetária (concretizada, por exemplo, na exploração florestal, na exploração de pedreiras, na exploração de árvores de fruta, na criação de rebanhos, etc.)» (cfr. Casalta Nabais, op. cit., p. 248).

Parecendo, assim, plenamente imputável ao propósito de ajustar o regime legal dos baldios às novas formas de exploração que atualmente incidem sobre aquele tipo de bens comunitários, o alargamento do universo de compartes a todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes na comunidade local em que aqueles bens se situem ou que aí exerçam determinada atividade, na medida em que se contém dentro dos limites resultantes da correspondência, desde sempre admitida, entre as comunidades de condóminos e o substrato pessoal dos entes territoriais respetivos – as freguesias –, assegura ainda à coletividade-referência uma dimensão compatível com o arquétipo de comunidade.». [negrito nosso].

Relativamente à fraude à lei, escreve António Menezes Cordeiro, que «A fraude à lei é uma forma de ilicitude que envolve, por si, a nulidade do negócio. A sua particularidade residirá no facto de as partes terem tentado, através de artifícios mais ou menos assumidos, conferir ao negócio uma feição inóqua.» - cf. ob. cit., pág. 580.

Na formulação clássica traduzida por Castro Mendes: age contra a lei aquele que fez aquilo que a lei proíbe; agem em fraude à lei aquele que evita o comando dela, respeitando as palavras da lei. - Citado por António Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 575.

Tendo por presente a factualidade provada e não provada, improcede in casu a invocada fraude à lei, não estando verificados os pressupostos para esse efeito.

Quanto à Autora AA

Já relativamente à Autora AA não se apurou nenhum dos requisitos elencados no artigo 7.º, supra citado.

Por um lado, não se provaram ligações sociais e de origem à comunidade local da .... Não se provou que a Autora seja de lá natural, e também não se apurou que os seus ascendentes fossem de lá. O casamento com o Autor não é claramente suficiente para assegurar essa ligação, pois por si só é uma ligação ténue. Isto é diferente no caso do Autor, em que os seus avós paternos eram da ..., assim como o seu pai, e em que estes antepassados trabalharam terrenos na ..., desenvolvendo aí atividades agrícolas e de pastorícia; existindo assim uma ligação do Autor à ..., não se tratando de um mero estranho de que do nada surge na comunidade.

Não se provaram especiais ligações sociais e de origem à comunidade local, por parte da Autora.

Não se apuraram particulares usos e costumes locais da comunidade da ... que justifiquem a atribuição da qualidade de comparte à Autora.

Por fim, não se provou que a Autora seja detentora de áreas agrícolas ou florestais que nelas desenvolva atividade agrícola, florestal ou pastoril.

Não se provou que a Autora é proprietária, usufrutuária, superficiária, arrendatária, possuidora ou detém a administração de áreas agrícolas ou florestais. Deste modo, a Autora não pode ser considerada detentora de áreas agrícolas ou florestais. Mesmo que assim não fosse, e mesmo que ela fosse considerada detentora, a verdade é que falta o outro requisito: desenvolver nessas áreas uma atividade agrícola, florestal ou pastoril. Ora, não se provou, nos termos já explicados, o desenvolvimento pela Autora dessas atividades.

Com efeito, com todo o respeito por opinião em contrário, entende-se que não seria justo, equitativo, nem proporcional, o Tribunal atribuir a qualidade de comparte a alguém que, além de não se ter apurado ter uma ligação social e de origem à comunidade, também não se apurou que efetivamente desenvolve atividades agrícolas, florestais ou pastoris na localidade. Mesmo que formalmente a Autora detivesse em seu nome algum terreno localizado na ..., exige-se ainda o desenvolvimento por parte da Autora de determinadas atividades, isto por forma precisamente a demonstrar alguma ligação ou integração na comunidade local.

E isto tendo também em consideração que a pretensão da Autora foi rejeitada pela Assembleia de Compartes da Comunidade Local ..., não pretendendo assim os compartes dessa comunidade que à Autora seja reconhecida essa qualidade.

Diferente seria se a Assembleia de Compartes decidisse atribuir essa qualidade, entendendo – por motivos que só a si dizem respeito – que efetivamente justificava-se in casu a atribuição dessa qualidade à Autora.

Todavia, a Comunidade negou essa pretensão e o Tribunal, no caso em apreço, não dispõe de elementos para contrariar essa decisão, pois efetivamente a Autora – a quem o ónus competia - não demonstrou o preenchimento dos requisitos previstos no citado artigo 7.º.

Não se apurou nenhuma especial ligação à comunidade, nem nenhuma integração na comunidade por parte da Autora.

Por conseguinte, não se reconhece à Autora AA a qualidade de comparte da Comunidade Local dos Baldios …

13.3. Do confronto entre a sentença e o acórdão recorrido decorrem as seguintes ilações:

- entre a 1ª instância a o acórdão recorrido os factos essenciais da causa não se alteraram, não obstante ter ocorrido uma alteração da matéria de facto por via da impugnação, e que se veio a traduzir em eliminação dos pontos 14, 17 e 18, não porque os mesmos não estivessem correctos mas por se entender que já constavam de outros pontos da matéria provada;

- foi alterada ainda a redacção dos pontos 11 e 18, passando estes a conter os seguintes factos:

11. O Autor explora um dos prédios que tem em ..., denominado ... utilizando-o para apascentar algumas cabeças de gado e retirando ainda feno desse terreno.

18. O Autor limpa o mato de, pelo menos, duas parcelas de terreno que possui em ....

- As modificações foram assim justificadas:

“há que reformular alguns dos pontos referidos, de acordo com o que resultou da prova produzida, pois da mesma resultou que o A. apenas explora um dos terrenos que tem na localidade de .... O facto de limpar o mato de pelo menos dois dos restantes não faz concluir que os A. os explora, pois nada se sabe do que faz com o mato que corta, sendo certo que a obrigatoriedade de efetuar a limpeza de terrenos rústicos resulta da lei.

Quanto a matéria do ponto 16, a mesma não resultou da prova produzida, pois nenhuma das testemunhas ouvidas e nem sequer os AA. disseram que o A. tinha uma exploração agrícola e pastoril em ..., mas sim em .... Este ponto será assim, eliminado.

Os pontos 14 e 17 serão eliminados pois, a sua reformulação de acordo com a prova produzida limitar-se-ia a reproduzir no todo ou em parte o que constará do ponto 11. O ponto 19 será também eliminado pois a primeira parte do mesmo é uma conclusão que se retira da matéria do ponto 9 e a segunda parte deste ponto teria que ser reformulada de acordo com o que acima se expôs sobre a prova produzida, sendo que após a reformulação, passaria a ser uma duplicação do que constará do ponto 11.”


14. Antes de procurarmos resolver a questão suscitada no recurso, importa tecer algumas considerações sobre o regime dos baldios, aludindo à jurisprudência, doutrina e à lei.


14.1. No Ac. do STJ de 24/10/2019, Revista nº 850/13.8TBLSA.C1.S2, no qual a relatora figurava como segunda adjunta, alguma coisa já se disse sobre o conceito de comparte.

No sumário consta:

III. Decorre da natureza do direito de baldio que a qualidade de “comparte” não se herda, nem se transmite, antes radica na condição de morador que tem direito ao uso e fruição do baldio, segundo os usos e costumes aceites pela generalidade das pessoas.

IV. Tal como a profunda evolução sofrida pela realidade socioeconómica dos baldios terá levado a consagrar na lei actualmente vigente (75/2017, de 17-08) a possibilidade de a assembleia de compartes atribuir a qualidade de titular do baldio (comparte) até a um cidadão não residente no local, sem a explicitação de qualquer exigência quanto à natureza e ao grau da sua ligação ao correspondente logradouro comum, também perante o teor do art. 1.º, n.º 3 da Lei 68/93 na redacção anterior à que lhe foi conferida pela Lei 72/2014, de 02-09) e o contexto dinâmico em que se inseriu, não se vislumbram, à luz do disposto no art. 9.º do CC, argumentos sólidos para considerar que a ratio prosseguida pelo legislador seria a de negar a qualidade de “comparte” do logradouro comum de uma “comunidade local”, a quem, ainda que não permanentemente, se dispôs a integrar essa comunidade e, assim, a contribuir, em maior ou menor medida, para a atenuação da desertificação das serras e do espaço rural no interior do país, a não ser que se evidencie que tal qualidade afronta os usos e costumes.


Neste processo o tribunal teve oportunidade de se debruçar sobre o conceito de comparte do baldio à luz da evolução legal do regime dos baldios e muito em especial com a alusão ao regime introduzido em 17-8-2017, pela Lei n.º 75/2017, o que fez nos seguintes termos:

“Defende a A/recorrente que os cidadãos que compõem a R, com excepção do que é natural da freguesia ... e dos dois que lá moram efectivamente, não são compartes, no conceito de “morador” ínsito no art. 1º/3 da Lei 68/93 de 4/9. Relembra-se que, neste processo, nem sequer constituiu o cerne da controvérsia a existência do direito de baldio sobre o terreno em disputa, sendo pacífica a caracterização deste como baldio, pois apenas se discutiu a respectiva titularidade, ou seja, quais as concretas povoações locais que, desde tempos antigos, os vinham aproveitando, em posse comunitária, para a extracção das respectivas utilidades naturais ou trabalhadas. A recorrente, para alcançar a declaração de que a constituição da R viola a lei e os costumes locais e obter, dessa sorte, o fracasso dos pedidos que esta formulou, pretende que o conceito de morador, ínsito no disposto no art. 1º/3 da Lei 68/93, de 4/9, seja densificado de modo a ser referenciado ao local onde o cidadão tem o seu centro de vida, o local onde tem a sua existência organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida, de modo a excluir quem, não sendo natural do lugar onde se situe o terreno baldio, ali apenas tenha casa destinada a períodos de vilegiatura, sem aí desenvolver actividades relacionadas com a necessidade de usar, fruir e gerir o terreno baldio, de que, por isso, não é comparte. É certo que, para além do que acima se expôs, também se apurou que o ..., um dos lugares que formaram a aludida “comunidade local”, está deserto, sem moradores, há já cerca de 20/30 anos e que no outro, ..., vivem hoje, como residentes, apenas 3 moradores – dois dos quais naturais de outro Concelho que não o de ... – e outras pessoas, que residindo em variados locais de Portugal – não na Freguesia ... –, foram, ao longo do tempo, adquirindo aos herdeiros dos anteriores moradores daquele local as casas e os terrenos que lhes pertenciam ([13]). Porém, todas as contingências reflectidas nesse enunciado não derrogam a inelutável constatação de que se mostra constituído o direito de baldio da comunidade local formada pelos moradores dos lugares de ... e ..., sem que dos autos se retire que, entretanto, teria sido extinto. Além disso, o reconhecimento desse direito não depende da maior ou menor dimensão da “fluida” comunidade local que é dele titular e o certo é que nos lugares de ... e ... continua a existir um “universo de compartes”, qualquer que seja o conteúdo que se ofereça a este conceito, uma vez que, de qualquer maneira, aquela comunidade sempre contempla, pelo menos, três moradores permanentes.

Por outro lado, todas as alusões recursivas concernentes à naturalidade ou origem dos moradores são inócuas: decorre como consequência natural da natureza do direito de baldio acima expendida que «a qualidade de “comparte” não se herda, nem se transmite por qualquer forma de direito», antes «radica em condições ligadas à pessoa», i. é, à condição de morador que tem direito ao uso e fruição do baldio, segundo os usos e costumes «aceites pela generalidade das pessoas» ([14])[3].

(…)

De todo o modo, a A também não teria logrado demonstrar que, segundo os usos e costumes, os mesmos não teriam direito ao uso e fruição do baldio, em conformidade com o disposto no art. 1º/3 da Lei 68/93 [na redacção vigente à data da constituição da R (anterior à que lhe foi conferida pela Lei 72/2014, de 2/09)] e que, por isso, não teriam tal qualidade.

Mas, a A também não teria feito tal demonstração em relação aos demais moradores que, no local, têm apenas uma habitação secundária, não podendo deixar de se ponderar esse ónus, uma vez que que o dito preceito, ao invés do que sucedia com o precedente art. 4º do DL 39/76, deixou de exigir o exercício pelos moradores de uma actividade no local para serem tidos por “compartes”, bastando-se a lei com referência a moradores que têm direito ao uso e fruição do baldio, segundo os usos e costumes ([15]).

E é quanto bastaria para julgar insubsistente o arrazoado recursivo. Ainda assim, sempre aditaremos umas breves notas. Como anteriormente dissemos, a realidade histórica consistente no aproveitamento, ao longo de séculos, pelas comunidades locais dos terrenos baldios para complementar a subsistência dos seus membros – colhida essencialmente duma agricultura rudimentar, com a obtenção das utilidades por aqueles propiciadas, mediante a apicultura e, sobretudo, a pastorícia e a extração de frutos e materiais, como lenhas, madeiras e matos para “acamar” os animais e estrumar as terras – alterou-se profundamente nas últimas décadas, com a desertificação das serras e do espaço rural, com o desaparecimento generalizado da agricultura rudimentar tradicionalmente complementada com a exploração dos baldios e o decorrente abandono destes e dos espaços florestais.

Entretanto, como já se observou no acórdão da Formação prevista no art. 672º do CPC, desde há algum tempo, vimos assistindo ao fenómeno de um certo “regresso às origens” disseminado por alguns pontos do país – como da factualidade assente resulta ser o caso –, que tem movido pessoas oriundas dos meios urbanos e suburbanos a alterar radicalmente o seu modo de vida e a fixar-se permanentemente nesses locais e outros a procurar aí apenas refúgios de férias e fins-de-semana – como tem sucedido com profissionais liberais, quadros dos serviços ou elementos da pequena e média burguesia –, todos, atraídos pelo bucolismo e pela qualidade de vida de que lá podem usufruir.

Concomitantemente, a exploração da energia EE, que alterou a fisionomia das serras e passou a propiciar consideráveis receitas, a par da obtida pelo corte de árvores, não alterou significativamente o estado de abandono de tais espaços mas fez emergir uma nova fonte de cobiça, como é a que, imediatamente, desencadeou este litígio.

A profunda evolução sofrida pela realidade socioeconómica dos baldios terá levado o legislador a consagrar na lei actualmente vigente a possibilidade de a assembleia de compartes atribuir a qualidade de titular do baldio (comparte) até a um cidadão não residente no local, deixando ao critério da assembleia a definição dos requisitos para tanto impostos, pois não explicita qualquer exigência quanto à natureza e ao grau da sua ligação ao correspondente logradouro comum.

Porém, mesmo perante o teor do mencionado art. 1º/3 da Lei 68/93 ([16]) e o contexto dinâmico em que se inseriu, não vislumbramos, à luz do disposto no art. 9º do CC, argumentos sólidos para considerar que a ratio prosseguida pelo legislador seria a de negar a qualidade de “comparte” do logradouro comum de uma “comunidade local”, a quem, ainda que não permanentemente, se dispôs a integrar essa comunidade e, assim, a contribuir, em maior ou menor medida, para a atenuação da desertificação das serras e do espaço rural no interior do país, a não ser que se evidencie, claramente, que tal qualidade afronta os usos e costumes. Seja como for, a recorrente não é titular de qualquer direito substancial conexo com a sua pretensão recursiva. Ainda que, porventura, se verificasse alguma irregularidade na constituição da R, daí apenas redundaria que os compartes do (constituído) baldio dos lugares ... e ... não se teriam organizado na respectiva assembleia e que, por essa razão, a administração do baldio não se poderia considerar como tendo-lhes sido “devolvida” pela Junta de Freguesia. E não que este Órgão autárquico e, muito menos, a ora A fossem titulares de um putativo direito relativo a ou provindo do logradouro comum da comunidade local dos moradores naqueles lugares.

Na verdade, a administração dos baldios compete, precariamente, às juntas de freguesia até que as comunidades locais se organizem para o exercício dos actos de representação, gestão e fiscalização relativos aos correspondentes baldios, «através de uma assembleia de compartes, um conselho directivo e uma comissão de fiscalização», e até que, uma vez, «constituída a respectiva assembleia de compartes, esta tome a iniciativa de promover que a devolução de facto se efective» (cf. arts. 3º e 6º do DL 39/76 e 11º e 34º da Lei n.º 68/93).”


14.2. Da exposição anterior decorre ter existido uma mudança significativa nos requisitos exigidos para se ser comparte de um baldio como resulta da afirmação “A profunda evolução sofrida pela realidade socioeconómica dos baldios terá levado o legislador a consagrar na lei actualmente vigente a possibilidade de a assembleia de compartes atribuir a qualidade de titular do baldio (comparte) até a um cidadão não residente no local, deixando ao critério da assembleia a definição dos requisitos para tanto impostos, pois não explicita qualquer exigência quanto à natureza e ao grau da sua ligação ao correspondente logradouro comum”, mudança essa que está espelhada na Lei n.º75/2017.

Tal regime resulta das seguintes disposições:


 Artigo 2.ºDefiniçõesPara efeitos da presente lei entende-se por:

            (…)

 b) «Comparte», pessoa singular à qual é atribuída essa qualidade por força do disposto no artigo 7.º[4];

 c) «Comunidade local», conjunto de compartes organizado nos termos da presente lei que possui e gere os baldios e outros meios de produção comunitários;

            (…)

 f) «Universo de compartes», o conjunto de pessoas singulares, devidamente recenseadas como compartes relativamente a determinado imóvel ou imóveis comunitários, também designado nesta lei comunidade local.


 Artigo 3.º Finalidades, uso e fruição dos baldios

1 - Os baldios constituem, em regra, logradouro comum dos compartes, designadamente para efeitos de apascentação de gados, de recolha de lenhas e de matos, de culturas e de caça, de produção elétrica e de todas as suas outras atuais e futuras potencialidades económicas, nos termos da lei e dos usos e costumes locais[5].

2 - Mediante deliberação da assembleia de compartes, os baldios podem ainda constituir logradouro comum dos compartes para fins culturais e sociais de interesse para os habitantes do núcleo ou núcleos populacionais da sua área de residência[6].

(…)


Artigo 7.º Compartes

1 - Compartes são os titulares dos baldios.

2 - O universo dos compartes é integrado por cidadãos com residência na área onde se situam os correspondentes imóveis, no respeito pelos usos e costumes reconhecidos pelas comunidades locais, podendo também ser atribuída pela assembleia de compartes essa qualidade a cidadão não residente[7].

3 - Aos compartes é assegurada igualdade no exercício dos seus direitos, nomeadamente nas matérias de fruição dos baldios e de exercício dos direitos de gestão, devendo estas respeitar os usos e costumes locais, que, de forma sustentada, devem permitir o aproveitamento dos recursos, de acordo com as deliberações tomadas em assembleia de compartes

.4 - Uma pessoa singular pode ser comparte em mais do que um baldio, desde que preencha os requisitos para o efeito.

5 - Pode a assembleia de compartes atribuir a qualidade de comparte a outras pessoas singulares, detentoras a qualquer título de áreas agrícolas ou florestais e que nelas desenvolvam atividade agrícola, florestal ou pastoril, ou tendo em consideração as suas ligações sociais e de origem à comunidade local, os usos e costumes locais[8].

6 - Para efeitos do número anterior, qualquer cidadão pode requerer ao conselho diretivo a sua inclusão na proposta de relação de compartes a apresentar à assembleia de compartes, indicando os factos concretos em que fundamenta a sua pretensão, com apresentação de meios de prova, incluindo, se entender necessário, testemunhas.

7 - O conselho diretivo deve apreciar a prova produzida e decidir no prazo de 60 dias após a produção da prova.

8 - Se a decisão for desfavorável, o conselho diretivo submete obrigatoriamente a sua decisão à assembleia de compartes, que delibera sobre a proposta de relação de compartes ou a sua atualização, confirmando-a ou alterando-a.

9 - Se a pretensão do cidadão requerida nos termos do n.º 6 for negada ou o pedido não for decidido no prazo de 90 dias, este pode pedir ao tribunal competente o reconhecimento do direito pretendido.

10 - Os compartes que integram cada comunidade local devem constar de caderno de recenseamento, aprovado e tornado público pela assembleia de compartes, nos termos da presente lei.


Artigo 9.º Inscrição em plataforma electrónica

1 - O Governo organiza uma plataforma eletrónica nacional de que consta a identificação de cada baldio com a designação se a tiver, as principais coordenadas geográficas, a área, a implantação cartográfica, as principais confrontações, a indicação do concelho, da freguesia ou freguesias em que se situar e do aglomerado ou aglomerados populacionais em que reside a maioria dos correspondentes compartes[9] e também os seus órgãos de gestão, a relação de compartes, o plano de utilização, o relatório de atividade e as contas anuais e também informação suficientemente identificadora de cada um dos baldios que foram submetidos ao regime florestal nos termos da Lei n.º 1971, de 15 de junho de 1938, que ainda não foram devolvidos ao uso, fruição e administração dos respetivos compartes nos termos do Decreto-Lei n.º 39/76, de 19 de janeiro, e legislação posterior.

(…)


14.3. Para uma análise da evolução dos requisitos de comparte ao longo do período de vigência da lei dos baldios e suas alterações, é relevante verificar o modo como se definia o comparte.

No domínio da versão introduzida pela Lei 72/2014:

- consideravam-se compartes “todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais onde se situam os respetivos terrenos baldios ou que aí desenvolvem uma atividade agroflorestal ou silvo pastoril”.

A associação da qualidade de comparte à residência era clara e foi assumida na jurisprudência como determinante, como resulta do Acórdão do Tribunal Administrativo Norte, datado de 18-11-2016, relativo ao processo 00711/14.3BEVIS[10], com o seguinte sumário:

Quer por força do princípio da preservação da identidade das comunidades locais das autarquias agregadas, quer pela inequívoca redacção dada ao nº 3 do artigo 1º da Lei dos Baldios pela Lei nº 72/2014, só aos eleitores residentes nas próprias comunidades locais onde se situam os baldios ou que aí desenvolvam actividades agro-florestal ou silvo pastoril pode ser reconhecida a qualidade de comparte.


No domínio da versão introduzida pela Lei nº 68/93, de 4 de Setembro:

- para a atribuição da qualidade de comparte bastava o facto de as pessoas serem “moradores de uma ou mais freguesias ou partes delas que, segundo os usos e costumes, tinham direito ao uso e fruição do baldio”.


No domínio da versão da lei dos Baldios criada pelo Decreto-Lei n.º 39/76, de 19/1 dizia-se: “são compartes os moradores de uma ou mais freguesias ou parte delas que, segundo os usos e costumes, têm direito ao uso e fruição do baldio”


A mesma ideia de evolução da noção de comparte é assumida na jurisprudência – conforme aresto citado e outros do próprio tribunal Constitucional.

No aresto do Tribunal Administrativo Norte, datado de 18-11-2016, relativo ao processo 00711/14.3BEVIS alude-se inclusive à evolução do conceito de comparte – e ao problema de constitucionalidade suscitado pelo seu âmbito:

“Esta questão foi tratada no acórdão do Tribunal Constitucional nº 595/20153, processos n.ºs 251 e 337/2015, datado de 17.11.2015, e publicado no Diário da República, II Série, de 28.12.2015, onde se escreve:

“(…) Tendo por objectivo a “entrega dos terrenos baldios às comunidades” que deles haviam sido “desapossadas pelo Estado”, o DL nº 39/76, de 19/01, começou por definir os baldios como os “terrenos comunitariamente usados e fruídos por moradores de determinada freguesia ou freguesias, ou parte delas” (art. 1º) e os compartes dos terrenos baldios como os “moradores que exercessem a sua actividade no local e que, segundos os usos e costumes da comunidade tivessem direito à sua fruição”. A titularidade do uso e fruição dos baldios encontrava-se, assim,legalmente atribuída àqueles que cumulativamente satisfizessem os seguintes requisitos:

i) fossem moradores da freguesia ou freguesias em que se situasse o baldio;

ii) exercessem aí a sua actividade; e

iii) tivessem direito, segundo os usos e costumes locais, à fruição do baldio.

Ao regime estabelecido no DL nº 39/76 sucedeu a Lei nº 68/93, de 4 de Setembro, diploma que, conforme apontado na doutrina (cf. Jaime Gralheiro, Comentário à Nova Lei dos Baldios, Almedina, 2002, p. 11), procedeu à ampliação do conceito de comparte a todos “os moradores de uma ou mais freguesias ou parte delas que, segundo os usos e costumes, tivessem direito ao uso e fruição do baldio”.

(…)

Atentando na evolução do conceito de comparte à luz da sucessão dos regimes legais incidentes sobre os baldios, verifica-se que o mesmo foi sendo continuamente ampliado, resultando tal ampliação do progressivo decaimento de requisitos que começaram por ser cumulativamente exigidos para esse efeito.

Assim, dos três pressupostos primitivamente estabelecidos no DL nº 39/76 – i) ser-se morador da freguesia ou freguesias em que se situasse o baldio, ii) exercer-se aí determinada actividade e iii) ter-se direito, segundo os usos e costumes locais, à fruição do mesmo -, a Lei nº 68/93 manteve apenas o primeiro e o terceiro, retirando relevância, no âmbito da noção de comparte estabelecida no nº 3 do respetivo artigo 1º, ao elemento de conexão baseado no exercício de determinada actividade.

Com as alterações introduzidas pela Lei nº 72/2014, a opção de remeter para as normas de direito consuetudinário o recorte final do universo dos compartes, introduzida pelo DL nº 39/76 e mantida em vigor pela Lei nº 68/93, foi expressamente abandonada; em consequência da eliminação de mais este pressuposto, o conceito de comparte passou a estruturar-se sob o único elemento de conexão que sobejou – o elemento relativo à freguesia da área de residência ainda que sob diferente modelação.

Em resultado da nova redação conferida ao n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 68/93, à comunidade titular do domínio cívico sobre os baldios pertencem (…) todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais onde aqueles se situam, ou que aí desenvolvem uma atividade agroflorestal ou silvopastoril.

A Lei n.º 72/2014 repristinou, assim, o elemento de conexão relativo ao exercício de determinada atividade, que constara do regime originariamente estabelecido no Decreto-Lei n.º 39/76, embora com duas diferenças fundamentais:

i) trata-se, não de um pressuposto autónomo, mas de um requisito alternativo ao elemento de conexão baseado na residência; ii) as atividades cujo exercício é suscetível de relevar para esse efeito são apenas as de natureza agroflorestal e silvopastoril.

Para além da alteração do critério de determinação da qualidade de comparte e em estreita relação com esta, as modificações introduzidas pela Lei n.º 72/2014 no regime acolhido pela Lei n.º 68/93 determinaram ainda que: i) a qualidade de comparte tivesse passado a decorrer diretamente da lei, dispensando-se a intervenção do direito consuetudinário para o qual a primitiva versão remetia; e ii) o recenseamento eleitoral tivesse deixado de ter a função meramente supletiva que o regime anterior lhe assinalava – isto é, a função de substituir o recenseamento dos compartes sempre que este se revelasse persistentemente inexistente e essa inexistência não pudesse ser suprida através do recurso a regras consuetudinárias — para se converter no elemento central do critério legal de atribuição da qualidade de comparte.

(…)

Por força da reconfiguração da noção de comparte, resultante da nova redação conferida ao n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 68/93, a comunidade cívica passou a ter o mais aberto dos perfis em geral configuráveis de acordo com o direito consuetudinário – no sentido em que coincide agora com o conjunto de todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes na comunidade em que se situe o baldio – e, na medida em que o critério delimitador passou a decorrer diretamente da lei, perdeu a faculdade de se autorrestringir a um núcleo mais restrito de membros dentro daquele universo com recurso a normas de direito consuetudinário.

(…)

Apesar de, em resultado da criação de freguesias por agregação e/ou da alteração dos seus limites territoriais, a circunscrição correspondente à freguesia ser hoje mais ampla, o alargamento do universo de compartes a todos os residentes na comunidade aí inscritos levado a cabo pela Lei n.º 72/2014 continua a ter subjacente, até pelos critérios que foram seguidos na reorganização administrativa que conduziu àquela agregação – designadamente os da preservação da identidade histórica, cultural e social das comunidades locais e do equilíbrio e adequação demográfica das freguesias (cf. artigo 3.º, alíneas a) e f), da Lei n.º 22/2012) −, uma ideia suficientemente tangível de comunidade, não sendo de modo a pôr em causa, do ponto de vista substantivo, o caráter comunitário constitucionalmente associado à titularidade do domínio e da posse incidentes sobre aqueles meios de produção.

Em suma: a reconfiguração do conceito de comparte resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 72/2014, para além de encontrar fundamento num conjunto de razões hoje reconhecidas na doutrina, não só não compromete a distinção, constitucionalmente salvaguardada, entre o domínio cívico e o domínio público, como não amplia os limites da coletividade-referência ao ponto de comprometer a natureza comunitária daqueles meios de produção. É tanto mais assim quanto é certo que, nem a Constituição impõe, nem desta natureza diretamente deriva qualquer obrigação de atribuição àquela coletividade do poder de se autoconfinar, com recurso aos usos e costumes, a um núcleo mais restrito de elementos com base numa relação com os baldios costumeiramente diferenciável. “


14.4. Na versão actual a grande diferença face ao regime da Lei n.º 72/2014 reside na possibilidade de não se atender ao critério da residência, muitas vezes associado à inscrição na freguesia, nomeadamente para efeitos de recenseamento eleitoral, mas sem se dispensar alguma ligação efectiva com o baldio do qual se pretende ser membro – que pode ser fundado em uso ou costume ou ser relativo a ligações sociais e de origem à comunidade local (sendo que esta é definida pela lei como “conjunto de compartes organizado nos termos da presente lei que possui e gere os baldios e outros meios de produção comunitários”, pelo que não se relaciona com a ideia de localidade/freguesia).

Também na versão actual não se exclui que o baldio possa ser composto por compartes de mais do que uma freguesia (cf. Artigo 9.º, n.º 1), nem há uma noção clara de agregado populacional que possa estar associado a “vila”, “aldeia” ou “lugar”.

Mas isso não significa também que a ideia de ligação aos terrenos geridos pelo baldio não seja relevante, como diz Rui Pinto Duarte (“Comentário ao Acórdão do TRG de 23.11.2017 sobre um litígio relativo a baldios”, in CES – Cooperativismo e Economia Social, n.º 40, 2017-2018, p. 135-150) ao afirmar:

o que determina que um terreno seja baldio é ser possuído para os fins fixados na lei por um conjunto de pessoas singulares com residência na área onde o mesmo se situe (dependendo a admissão de não residentes de deliberação da comunidade), que exerçam essa posse e façam essa gestão segundo usos e costumes reconhecidos como comunitários. O mesmo é dizer que esses laços pessoas dos compartes – residência na área onde se situe o terreno e exercício da posse sobre o mesmo e da gestão dele nos termos referidos – são características essenciais dos baldios.

Para os propósitos que assinalei a este comentário, há a frisar que a pertença ao “universo compartes” não depende apenas de um ato de vontade – mas (tendencialmente) da residência e da participação na posse e gestão do terreno relevante segundo usos e costumes reconhecidos como comunitários


A mesma ideia é avançada na obra Curso de Direitos Reais, 4ª ed. Revista e aumentada, Principia, 2020, p. 353, que se apoia igualmente na posição de Menezes Cordeiro, apud Tratado de Direito Civil, III, Parte Geral – Coisas, p. 157 (na 3ª edição, consultada a pp. 130 e ss, maxime p. 151), ao reportar-se ao baldio como especialidade que não reside na coisa em si mas no “enigmático universo dos compartes”.

Nem mesmo a posição de João Carlos Gralheiro, Dos Baldios até à Lei 75/2017, de 17 de Agosto, 2ªed., Edições Esgotadas, 2018, p. 55 advoga uma solução diversa, ainda que o A. venha citado no acórdão recorrido como tendo uma posição que pode parecer diversa, já que defende que “ao clássico paradigma de baldio ainda em vigor nesta Lei [a nova], deverá corresponder o paradigma de comparte provindo das que a antecederam. Dito isto, e ao contrário do que parece defender JAIME GRALHEIRO na anotação que faz ao art.º 1/3 da versão original da Lei 68/93, entende-se que, em razão da alteração introduzida neste novo diploma legal àquela norma, se deve interpretar a mesma no sentido de se considerar que nela foi reposto o pressuposto da “atividade no local” exigido pelo art.º 4º do Dec. Lei 39/76. E isto porque na sua nova versão expressamente se reconhece a possibilidade de ser considerado comparte quem em tal comunidade desenvolva uma atividade agroflorestal ou silvopastoril, ainda que aí não seja residente.”


14.5. Na interpretação do conceito de compartes da lei vigente podemos também colher a ideia do legislador a partir da análise do projecto de lei que esteve na sua origem e onde se afirma[11]:

“Com a Lei n.º 72/2014, de 2 de setembro, os compartes passaram a ser todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais independentemente da sua maior ou menor relação com as áreas comunitárias, bem como foram excluídos do processo, sempre complexo é certo, de recenseamento de compartes. Com aquelas alterações, os dados nacionais do recenseamento eleitoral, no fundo, passaram a ser a base de registo dos compartes de determinado baldio em detrimento de um caderno de recenseamento específico, cuja validação e aprovação deve caber aos seus pares em assembleia de compartes e, posteriormente, tornado público.

Não negligenciando a existência de dinâmicas sociais de migração ou até económicas de criação de riqueza e de postos de trabalho, a definição de compartes deve ser o suficientemente aberta para permitir que um qualquer cidadão detentor de áreas agrícolas ou florestais ou que nelas desenvolva atividade agrícola, florestal ou pastoril, ou um cidadão que passe a residir na área do baldio, possa requer à assembleia de compartes o devido reconhecimento, que terá um prazo para se pronunciar sobre o pedido[12].”


14.6. Não desligado do processo de aplicação do direito – pela sua ligação estreita à realidade – deve dar-se ainda importância ao sentido de comparte tal como configurado pelas CCDRs, nomeadamente da CCDR Norte, que disponibiliza o seu parecer sobre o conceito de compartes no regime jurídico dos baldios – de 08-05-2018 - Parecer n.º INF_DSAJAL_LIR_4350/2018 – disponível em https://www.ccdr-n.pt/storage/app/media/files/ficheiros_ccdrn/administracaolocal/do_conceito_de_compartes_no_regime_juridico_dos_baldios.pdf:

Ora, do consignado nos artigos 7º, 21º e 28º, conjugados com a alínea c) do art.º 24º e a alínea b) do art.º 29º da Lei nº 75/2017, parece-nos decorrer o seguinte:

1 - Os compartes são os titulares dos baldios, sendo-lhes assegurada igualdade no exercício dos direitos, “nomeadamente nas matérias de fruição dos baldios e de exercício dos direitos de gestão, devendo estas respeitar os usos e costumes locais, que, de forma sustentada, devem permitir o aproveitamento dos recursos, de acordo com as deliberações tomadas em assembleia de compartes”.

2 - O universo dos compartes é “integrado por cidadãos com residência na área onde se situam os correspondentes imóveis, no respeito pelos usos e costumes reconhecidos pelas comunidades locais”, embora a qualidade de comparte também possa ser atribuída pela assembleia de compartes a cidadão não residente.

3 - Uma pessoa singular pode ser comparte em mais do que um baldio, desde que preencha os requisitos para o efeito.

4 - A assembleia de compartes pode atribuir a qualidade de comparte a outras pessoas singulares:

a) “Detentoras a qualquer título de áreas agrícolas ou florestais e que nelas desenvolvam atividade agrícola, florestal ou pastoril; ou

b) Tendo em conta “as suas ligações sociais e de origem à comunidade local, os usos e costumes locais”.

5 – Para esse efeito, caso pretenda ser incluído na proposta de relação de compartes a apresentar à assembleia de compartes, qualquer cidadão pode apresentar um requerimento ao conselho diretivo, “indicando os factos concretos em que fundamenta a sua pretensão, com apresentação de meios de prova, incluindo, se entender necessário, testemunhas”.

Posteriormente:

- O conselho diretivo aprecia a prova produzida, devendo decidir no prazo de 60 dias após a produção da prova;

- Caso a decisão seja desfavorável, o conselho diretivo submete obrigatoriamente essa decisão à assembleia de compartes, que delibera sobre a proposta de relação de compartes ou a sua atualização, confirmando-a ou alterando-a.

- Se a pretensão do cidadão for negada ou o pedido não for decidido no prazo de 90 dias, este pode pedir ao tribunal competente o reconhecimento do direito pretendido.

6 - Os compartes que integram cada comunidade local devem constar de caderno de recenseamento, aprovado e tornado público pela assembleia de compartes.

(…)

Tendo em consideração o exposto, afigura-se-nos que o conceito de comparte deixou de estar associado ao recenseamento eleitoral e que os compartes que integram cada comunidade local devem constar de caderno de recenseamento, que todos os anos é aprovado e atualizado pela assembleia de compartes, nos termos acima referidos.”


15. Em resultado da análise realizada podemos concluir que, na actual lei dos baldios, a noção de comparte não exige a residência na área onde se situam os imóveis baldios como elemento decisivo do reconhecimento da qualidade, pois se permite a atribuição dessa qualidade a não residente.

Não sendo residente mas sendo detentor, a qualquer título, de áreas agrícolas ou florestais na zona onde se situa o baldio, pode ser reconhecida a qualidade ao sujeito que aí desenvolva atividade agrícola, florestal ou pastoril ou ainda a quem demonstre ter ligações sociais e de origem à comunidade local, segundo os usos e costumes locais, justificativo da ligação ao baldio.

A lei não define, no entanto, o que se entende por actividade agrícola, florestal ou pastoril, que pode estar assim associada ao exercício da agricultura, exploração da floresta ou pastoreio de base mais intensa e regular ou mais esporádica.


16. Apurado o conceito de comparte, vejamos agora a situação concreta do A., à luz dos factos provados para verificar se o mesmo deve ser reconhecido como comparte, como decidiu a primeira instância, ou se não lhe pode ser reconhecida essa qualidade, como decidiu o Tribunal da Relação.


16.1. Dos factos provados resulta, com relevo para a integração do conceito de comparte, o seguinte:

1. Os Autores têm residência em Rua ..., ... e Rua ..., ..., localidade da freguesia ....

2. A freguesia ... é composta por várias localidades, entre as quais ... e ....

3. A localidade de ... fica próxima da localidade de ..., ambas da freguesia ....

6. Os pais do Autor eram oriundos de ..., onde sempre viveram, tendo emigrado para a ... apenas por uns anos onde o Autor nasceu, mas tendo regressado a Portugal, a ..., onde tinham as suas origens e os prédios rústicos e urbano, onde o Autor foi criado até aos dias de hoje.

8. O Autor tem terrenos na freguesia ..., freguesia esta composta por várias localidades, uma delas ....

9. O Autor herdou do seu pai determinados imóveis e adquiriu o quinhão hereditário dos seus irmãos, ficando ele com todos os prédios da herança do seu pai e dos demais herdeiros, prédios rústicos estes localizados na freguesia ..., a saber:

a) Cultura arvense de sequeiro com 04 oliveiras em ..., inscrito na matriz da freguesia ... sob o artigo ...20..., a confrontar do Norte e Nascente com caminho, Sul com EE, Poente com a estrada, com a área de 0,283200.

b) Mato na ..., inscrito na matriz da freguesia ... sob o artigo ...73, com a área de 0,045200, a confrontar do Poente com estrada, Norte com FF, Sul GG, Nascente com HH.

c) ½ do lameiro e pastagem na ..., inscrito na matriz da freguesia ... sob o artigo ...66º, com a área de 0,250000, a confrontar do Norte e Nascente com caminho, Sul com II, Poente com JJ, prédio este que se localiza na ...;

d) Tulhão, Eira e Corte, inscrito na matriz da freguesia ... sob o artigo ...57, com a área de 0,033500, a confrontar do Norte com KK, Sul com Percurso Pedestre, Nascente com Rua e LL, Poente com rego de água, prédio este que se localiza na ...;

e) Corte no ..., inscrito na matriz da freguesia ... sob o artigo ...54, com a área de 0,002000, a confrontar do Norte e Nascente com caminho público, Sul e Poente com MM, prédio este que se localiza na ...;

f) Cultura arvense de sequeiro, Lameiro e pastagem na ... e ..., inscrito na matriz sob o artigo ...82.º, com a área de 1,000000 a confrontar do Norte, Sul e Nascente com NN, Poente com caminho, prédio este que se localiza na ...;

g) Lameiro, Pastagem e Mato em ..., inscrito na matriz sob o artigo ...13.º, com a área de 3,449300, a confrontar do Norte com OO, Sul, Nascente e Poente com caminho público, prédio este que se localiza na ...;

h) ½ Mato e 3 Carvalhos, na ..., inscrito sob o artigo ...83.º, com a área de 2,329500, a confrontar do Sul e Poente com baldio, Nascente estrada Municipal, Norte com Terrenos baldios, prédio este que se localiza na ....

10. Os prédios identificados nas alíneas c) a h), localizados na ..., encontram-se registados a favor do Autor BB, tendo como causa de aquisição registada: “Sucessão hereditária e partilha”.

11. O Autor explora um dos prédios que tem em ..., denominado ... utilizando-o para apascentar algumas cabeças de gado e retirando ainda feno desse terreno.

13. O Autor é proprietário e possui áreas agrícolas na ....

15. Os antepassados do Autor eram da localidade de ..., nomeadamente o pai e os avós paternos, e tinham lá os seus bens e haveres que se transmitiram de geração em geração, cultivando os terrenos rústicos, colhendo os seus produtos para seu sustento, e colocando o gado nos pastos da ....

18. O Autor limpa o mato de, pelo menos, duas parcelas de terreno que possui em ....

21. O pai do Autor BB nasceu na ..., mas casou para a aldeia de ... e para lá foi viver.

22. O Autor BB herdou prédios rústicos pertencentes aos avós paternos.

23. Os Autores também têm residência em ....

16.2. Dos factos não provados resultou, porém:

N. Os Autores são detentores de áreas agrícolas no Baldio ....

O. Os Autores desenvolvem nas áreas do Baldio ... atividade agrícola e pastoril.

P. Os antepassados do Autor colocavam o gado nos baldios de ....

Q. Os Autores cultivam nos terrenos rústicos os produtos que colhem para o seu sustento.

R. Os Autores colocam o gado nos baldios de ....

T. Os Autores convivem com as pessoas da localidade da ..., onde têm amigos.

U. Os Autores vão às festividades que ocorrem na ....

V. Os Autores ajudam na limpeza dos matos e dos regos de água comunitários.

DD. É conhecida da Ré a verdadeira razão pela qual os AA. pretendem ver-lhes reconhecida a qualidade de comparte deste baldio.

EE. O que verdadeiramente motiva os AA. é a intenção de que, sendo compartes, lhes possa ser atribuída área baldia para pastoreio, relevante para acrescentar às suas candidaturas ao Pedidos Únicos e demais subsídios agrícolas.

FF. Sendo ali compartes, em igualdade de circunstâncias teria de lhes ser atribuída área e nessa medida rateando-a com os demais verdadeiros compartes, porque moradores, assim os prejudicando.

GG. Portanto os AA. não pretendem fazer parte da vida comunitária, adquirindo os respetivos direitos, mas também os deveres. O que os AA. querem é área de forma gratuita, para majorar os subsídios agrícolas que por essa via teriam direito.


16.3. Da análise que se efectua dos factos provados – os que relevam para efeito do reconhecimento da qualidade de comparte – podemos concluir que o A. tem uma ligação efectiva à ...: tem aí dois terrenos, que limpa; os antepassados do Autor eram da localidade de ..., nomeadamente o pai e os avós paternos, e tinham lá os seus bens e haveres que se transmitiram de geração em geração, cultivando os terrenos rústicos, colhendo os seus produtos para seu sustento, e colocando o gado nos pastos da ...; O Autor BB herdou prédios rústicos pertencentes aos avós paternos; O Autor é proprietário e possui áreas agrícolas na ...; O Autor explora um dos prédios que tem em ..., denominado ... utilizando-o para apascentar algumas cabeças de gado e retirando ainda feno desse terreno; Os prédios identificados nas alíneas c) a h), localizados na ..., encontram-se registados a favor do Autor BB, tendo como causa de aquisição registada: “Sucessão hereditária e partilha”; A freguesia ... é composta por várias localidades, entre as quais ... e ...; A localidade de ... fica próxima da localidade de ..., ambas da freguesia ....

As localidades onde o A. detém terrenos e explora actividades agrícolas e pastoris são assim parte da mesma freguesia: ....

Vindo demonstrado, como explicitou a 1ª instância, que as actividades desenvolvidas (à luz dos factos provados revistos parece ser apenas em um dos terrenos – o denominado ... – utilizado para apascentar gado e retirar feno), os bens imóveis a essa associados e a história de vida – pessoal e familiar – estão associadas à mesma freguesia, sem que se demonstre que correspondem a localidades diversas não integrando uma mesma comunidade – demonstração não constante dos autos – só pode ser vista como falta de um impedimento à concessão da qualidade de comparte a invocar e provar pela R, sob pena de não lhe poder aproveitar essa defesa.

Tendo em consideração o conceito de comparte e os elementos alternativos que podem estar reunidos para o reconhecimento da sua qualidade, não há dúvidas de que o A. preenche vários deles – desde a sua ligação histórica-familiar, à sua situação actual, ainda que não seja residente permanente da freguesia ou da Localidade, mas que a lei não erige em elemento fundamental.

Também não se afigura ser decisivo o facto de não estar provado que o A. não exerce uma actividade de exploração agrícola, já que a lei não exige esse elemento como constitutivo da qualidade de comparte, podendo fazer-se uso de terrenos próprios existentes para outros fins – como pastorícia – actividade que está provada ser exercida num dos prédios do A. na ..., onde apascenta gado e colhe feno.

O facto de a Ré não ter demonstrado que a finalidade da aquisição da qualidade de comparte pelo A. se integrava numa finalidade ilícita ou prejudicial ao fim dos baldios que gere é outro elemento que nos conduz a dizer que a falta de prova deste elemento deve ser usada contra a parte que dele tiraria proveito, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova.

Também pouco significativos são os argumentos da recorrida quando diz que o A. não participa nos deveres resultantes da integração nos baldios, pois não se afigura que o devesse assumir quando não se lhes reconhece parte da organização, ou que não vai às festas ou que não tem amigos na ..., pois esses elementos são de cariz estritamente pessoal e subjectivo e, a não ser que a Ré tivesse demonstrado serem fundamentais de acordo com os usos e costumes, não se vê como possam ser revelantes.


17. Em face do exposto, deve dar-se razão ao A. no reconhecimento da sua qualidade de comparte, nos termos formulados pelo tribunal de 1ª instância e não se conhece do recurso da 2º A., por ocorrer dupla conforme, impeditiva da revista – não obstante os recorrentes se terem pronunciado sobre a problemática indicando que a dupla conformidade não ocorreria (estando assim dispensado o convite do art.º 655.º do CPC).

III. Decisão

Pelos fundamentos expostos, julga-se procedente a revista.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 21 de Abril de 2022

Fátima Gomes (relatora)

Oliveira Abreu

Nuno Pinto Oliveira

_______

[1] Comentário à Nova Lei dos Baldios, pág. 53.
[2] Dos Baldios até à Lei 75/2017, de 17 de agosto, 2ª ed. atualizada e ampliada, pág. 55.
[3] Sublinhados nossos.
[4] Negrito nosso.
[5] Negrito nosso.
[6] Negrito nosso.
[7] Negrito nosso.
[8] Negrito nosso.
[9] Negrito nosso.

[10] Disponível em

http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/84abbccbbc8e24e5802580900043ae31?OpenDocument.

Cf. ainda o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 595/2015.

[11] Exposição de motivos do Projeto de lei n.º 282/XIII/1ª, do Partido socialista e que deu origem à Lei nº 75/2017 – se encontra disponível em

https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c324679626d56304c334e706447567a4c31684a53556c4d5a5763765247396a6457316c626e527663306c7561574e7059585270646d45764e6d56695a444d774e6d55744d574d784d5330304d5451324c546c6c4d5459744d6d566a4d7a49794e7a466c4e7a49794c6d527659773d3d&fich=6ebd306e-1c11-4146-9e16-2ec32271e722.doc&Inline=true
[12] Negrito nosso.