Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99/08.1GACDV-A
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: LEONOR FURTADO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
CÚMULO JURÍDICO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
Data do Acordão: 07/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - Perante decisões condenatórias em processo penal, o recurso extraordinário de revisão concretiza no plano infraconstitucional o direito fundamental dos cidadãos, injustamente condenados, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos, inscrito no art. 29.º, n.º 6, da CRP.
II - Não é admissível o recurso de revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada – art. 449.º, n.º 3, do CPP.
III - Na aplicação das als. c) e d), do n.º 1, do art. 449.º, do CPP, se o recorrente não indicar novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não existe fundamento para a revisão.
Decisão Texto Integral:


Recurso de Revisão

Processo: n.º 99/08.1GACDV-A

5ª Secção Criminal

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO
1. AA, (AA) foi condenado, por acórdão de 03/12/2015,  proferido Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo Central Criminal ...,  no Proc. NUIPC n.º 99/08.1GACDV, nos seguintes termos:

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Descrição gerada automaticamente

Efectivamente, em cúmulo jurídico das penas parcelares, foi condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na execução da pena de prisão, por igual período de tempo, condicionada a regime de prova, nos termos do disposto nos n.ºs 1, 2 e 5 do art.º 50.º e art.ºs 53.º e 54.º, todos do Código Penal.

Por Ac. do mesmo tribunal, proferido em 23/01/2017, e transitado em julgado em 23/2/2017, foi realizado o cúmulo jurídico daquela pena com as penas que o arguido sofrera, anteriormente em processos identificados no referido acórdão, de que resultou a aplicação de uma pena única de 12 (doze) anos de prisão.

2. Vem agora o arguido AA requerer a revisão dessa sentença condenatória em recurso extraordinário de revisão, mediante requerimento, apresentado no tribunal que proferiu a decisão a rever, em 28/01/2022, invocando os fundamentos previstos  nas als. c), e d), do n.º 1, do art.º 449.º, do Código de Processo Penal (CPP), condensando a respectiva motivação nas seguintes conclusões:

A) O arguido foi condenado a uma pena única de 12 anos de prisão

B) Na sentença para aplicação da pena única não foi ponderada a culpa do arguido que limita precisamente a pena a aplicar.

C) No máximo a ponderação sobre todas as penas que lhe seriam aplicáveis no somatório de todos os crimes pelos quais foi condenado teremos um máximo de 38 anos de prisão

D) Nesse critério e em pena única teremos uma pena de prisão de 9 anos e 6 meses.

E) O contexto em que se move a justiça em Portugal é muito negro para os arguidos e que resulta no Pais Europeu com a aplicação de penas de prisão mais elevadas de toda a europa

F) E em Portugal a penosidade do cumprimento é muito maior do que em outros países atendendo às condições dos estabelecimentos prisionais em Portugal.

G) As penas de prisão elevadas alimentam o próprio sistema que envolve as cadeias.

H) O arguido não poderia ter praticado os crimes que lhe foram imputados de falsificação junto das Conservatórias de Registo porque esses atos apenas poderiam ser praticados pelas financeiras S... e C....

I) O arguido não praticou a falsificação do cartão de identificação pela qual foi condenado porque o mesmo não contem o seu nome nem o seu n° de cartão de cidadão.

J) Portanto o arguido praticou efetivamente menos crimes do que aqueles pelos quais foi condenado.

K) O procedimento criminal foi iniciado fora do prazo legal.

L) Assim, a pena de prisão aplicada ao arguido deve ser revogada, substituindo-a por outra não superior a 9 anos e 6 meses”.


3. O Ministério Público respondeu, em síntese, que “(…) deverá negar-se provimento ao recurso, o qual se apresenta manifestamente improcedente, e rejeitar a revisão do acórdão proferido.”

4. O processo foi remetido ao Supremo Tribunal de Justiça,  com a informação a que se refere o art.º 454.º, do CPP, no sentido de ser negada a revisão, por não se verificar o fundamento invocado, concluindo-se que “A discordância de o recorrente relativamente à medida da pena única fixada no acórdão cumulatório não se encontra incluída entre os fundamentos de recurso de revisão, o mesmo sucedendo com as circunstâncias pessoais do arguido, tais como “a sua avançada idade” e “os actuais problemas graves de saúde ao nível cardíaco com a recente intervenção cirúrgica de urgência que o coloca ainda mais em risco de vida. Pelo exposto, entende-se que deverá improceder o presente recurso de revisão.”

5. O Exmo. Procurador Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu parecer do seguinte teor:

“3. A exaustividade e pertinência de ambas as peças processuais dispensam-nos de maiores comentários.

Cremos, com efeito, que, in casu, se não verifica qualquer dos pressupostos dos quais depende a admissão de um recurso extraordinário desta natureza.

4. Recordemos, aliás, que o arguido se conformou com as decisões condenatórias que lhe impuseram as penas abrangidas pelo cúmulo jurídico e que culminaram numa pena única de 12 anos de prisão.

Recorde-se que a revisão, tal como se escreveu no acSTJ de 14/05/2008, “constitui um meio extraordinário de reapreciação de uma decisão transitada em julgado, e tem como fundamento principal a necessidade de se evitar uma sentença injusta, de reparar um erro judiciário, por forma a dar primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal.”

E “assenta num compromisso entre a salvaguarda do caso julgado, que é condição essencial da manutenção da paz jurídica, e as exigências da justiça. Trata-se de um recurso extraordinário, de um “remédio” a aplicar a situações em que seria chocante e intolerável, em nome da paz jurídica, manter uma decisão de tal forma injusta (aparentemente injusta) que essa própria paz jurídica ficaria posta em causa.” – cfr. ac STJ de 04-07-2007, Proc. n.º 2264/07 -3.ª secção

O recurso de revisão não se destina, pois, a colmatar estratégias de defesa que, no momento próprio, não obtiveram sucesso, por inabilidade ou desmazelo; em todo o caso, por culpa própria.

O arguido não pode, em suma, impugnar agora os fundamentos de uma decisão oportunamente transitada em julgado sem ter qualquer alicerce legal que o preveja; que é o que, na realidade, faz, como lapidarmente demonstrou o nosso Exmo. Colega na sua resposta, à qual se adere inteiramente.

Em suma, os fundamentos invocados pelo arguido não se enquadram na previsão legal nem, tão pouco, se afiguram suficientemente ponderosos para suscitar graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação; pelo que, em conformidade, nos parece dever ser negada a requerida revisão.”.

6. Notificado deste parecer, o ora recorrente nada disse.

7. Colhidos os “vistos”, cumpre decidir se estão verificados os requisitos para que a revisão de sentença seja concedida (juízo rescindente).


II. FUNDAMENTO
1. Perante  decisões condenatórias em processo penal – também, decisões absolutórias transitadas podem dar azo a pedido de revisão, mas só as condenatórias agora interessam – o recurso extraordinário de revisão concretiza no plano infraconstitucional o direito fundamental dos cidadãos, injustamente condenados, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos, inscrito no art.º 29.º, n.º6, da Constituição da República (CRP).

Trata-se de um meio processual em cuja configuração legal se reflecte, de modo particularmente intenso, a tensão entre o princípio da justiça e o da certeza e segurança do direito e o da intangibilidade do caso julgado, que destes últimos é instrumental. Estes princípios, também estruturantes do Estado de Direito, cedem perante novos factos, ou a verificação da existência de erros fundamentais de julgamento ou procedimento susceptíveis de pôr em causa a justiça da decisão.

O regime de admissibilidade da revisão da sentença transitada em julgado traduz o difícil ponto de equilíbrio, encontrado pelo legislador na margem da credencial constitucional –  “(…) nas condições que a lei prescrever” –, entre a imutabilidade da sentença transitada em julgado e a dúvida fundada e comunitariamente insuportável acerca da justiça da decisão penal ou do modo como foi atingida. Assim, reflectindo o carácter excepcional que qualquer alteração do caso julgado pressupõe, o art.º 449.º, do CPP, enuncia, de modo taxativo, as hipóteses em que pode ser concedida pelo Supremo Tribunal de Justiça a revisão da sentença penal transitada em julgado.

Em suma, como este Supremo Tribunal disse no acórdão de 20/01/2021, Proc. 374/11.8FAMD-B.S1, em www.dgsi.pt, de entre muitos de uma jurisprudência constante, “(…) o recurso de revisão, dada a sua natureza excepcional, ditada pelos princípios da segurança jurídica, da lealdade processual e do caso julgado, não é um sucedâneo das instâncias de recurso ordinário. Só circunstâncias substantivas e imperiosas devem permitir a quebra do caso julgado, de modo que o recurso extraordinário de revisão se não transforme em uma “apelação disfarçada”.”.
2. No caso, vêm invocados os fundamentos de revisão previstos no art.º 449.º, n.º 1, als. c) e d), do CPP, ou seja, se: i) os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; ii) se se descobrirem novos factos que, de per si ou conciliados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

3. Como se frisa quer na Informação prestada pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo Central Criminal ..., quer na resposta do Ministério Público junto da 1ª instância, quer no parecer do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, o arguido AA conformou-se com as decisões que ora pretende discutir, alegando que não se verificam exigências especiais de prevenção geral ou especial para que lhe tenha sido aplicada a pena única de 12 anos de prisão, e que por isso a pena única não deveria ultrapassar os 9 anos e 6 meses de prisão, não tendo sido ponderada a sua culpa, que lhe foram imputados vários crimes que efetivamente não praticou e que o procedimento criminal foi iniciado fora do prazo legal.

5. Todavia, desde já se adianta que a improcedência do pedido de revisão, no caso sub judice se impõe.

Com efeito, apesar de invocar como fundamento para o recurso de revisão as als. c) e d), do n.º 1, do art.º 449.º, do CPP, a verdade é que não alegou nenhum facto que suportasse quer a ocorrência de dados inconciliáveis com os provados noutra sentença, quer a existência de factos novos ou meios de prova que, do ponto de vista processual suscitem graves dúvidas relativamente à decisão que transitou em julgado. Por outro lado, não elenca factos novos nem meios de prova como suporte do juízo a formular sobre a injustiça da sua condenação.

Na aplicação das alíneas c) e d), do n.º 1, do art.º 449.º, do CPP, se o recorrente não indicar novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não existe fundamento para a revisão, nos termos do disposto naquele preceito legal.

E nenhum outro facto ou circunstância foi alegado que possa preenchê-lo.

Para admissibilidade de recurso extraordinário de revisão ao abrigo das alíneas c) e d), do n.º 1, do art.º 449.º, do CPP não basta que se alegue, sem sustentação ou demonstração, que no fundamento da condenação “não foi ponderada a culpa do arguido”, nem afirmar que o arguido “não poderia ter praticado os crimes que lhe foram imputados” ou que “procedimento criminal foi iniciado fora do prazo legal", sendo necessário que tal resulte da descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com outros que foram  apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justeza da condenação. Note-se que estando em causa crimes de falsificação e de burla qualificada o procedimento criminal iniciou-se atempadamente, não dependendo de apresentação de queixa.

Com efeito, não se trata de corrigir a medida da pena que concretamente foi aplicada, mas de se proceder a um novo julgamento com base nos factos novos ou meios de prova apresentados, não sendo admissível o recurso de revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada –  art.º 449.º, n.º 3, do CPP.

A revisão extraordinária de sentença transitada, só pode ser concedida quando se verifique uma séria probabilidade de ter existido injustiça da condenação. Não é o caso do presente recurso.

6. Tanto basta para que, nos termos do art.º 456.º, do CPP, seja negada a revisão de sentença requerida por não se verificar os fundamentos previstos nas alíneas c) e d), do n.º 1, do art.º 449.º, do mesmo Código.


III. DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes da 5.ª Secção, do Supremo Tribunal de Justiça, em:
a. Negar a revisão;
b. Condenar a Recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC – artigos 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.

Lisboa, 14 de Julho de 2022 (processado e revisto pelo relator)

Leonor Furtado (Relator)

Helena Moniz (Adjunta)

Eduardo Loureiro (Presidente)