Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
42/18.0YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: JOSÉ RAÍNHO
Descritores: JUIZ
CLASSIFICAÇÃO DE SERVIÇO
RECLAMAÇÃO
INSPECTOR JUDICIAL
INSPETOR JUDICIAL
INVALIDADE
QUESTÃO PREJUDICIAL
PROCESSO DISCIPLINAR
SUSPENSÃO
RELATÓRIO DE INSPECÇÃO
RELATÓRIO DE INSPEÇÃO
MEIOS DE PROVA
INDEFERIMENTO
DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ERRO GROSSEIRO
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA JUSTIÇA
PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
RECURSO CONTENCIOSO
DELIBERAÇÃO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
Data do Acordão: 02/20/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE CONTENCIOSO
Decisão: IMPROCEDENTE. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO – SUJEITOS / ÓRGÃOS ADMINISTRATIVOS / DELEGAÇÃO DE PODERES E DA SUBSTITUIÇÃO – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO / MARCHA DO PROCEDIMENTO / DECISÃO E OUTRAS CAUSAS DE EXTINÇÃO – ACTIVIDADE ADMINISTRATIVA / ACTO ADMINISTRATIVO / VALIDADE DO ACTO ADMINISTRATIVO / REVOGAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO.
Doutrina:
- Fernanda Oliveira e José Eduardo Figueiredo Dias, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 4ª ed., p. 140 e 141;
- Luiz Cabral de Moncada, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2ª ed., p. 96;
- Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, 4ª ed., p. 317;
- Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 15ª ed., p. 151 e 168.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGOS 38.º, N.º 1, 115.º, N.º 1, 116.º, N.ºS 2 E 3, 125.º E 148.º.
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 10.º, N.º 1, 37.º, N.º 2, 113.º, N.º 2, 136.º E 149.º, ALÍNEA A).
REGULAMENTO DOS SERVIÇOS DE INSPEÇÃO (RSI), APROVADO PELA DELIBERAÇÃO N.º 1777/2016, IN DR, 2ª SÉRIE DE 17-11-2016:- ARTIGOS 17.º, N.ºS 3, 8 E 9 E 18.º, N.º 1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 32.º, N.º 10 E 217.º.
LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ): - ARTIGOS 153.º E 155.º, ALÍNEA A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 09-07-2014, PROCESSO N.º 54/13.0YFLSB;
- DE 09-07-2014, PROCESSO N.º 57/13.4YFLSB;
- DE 27-01-2016, PROCESSO N.º 102/15.9YFLSB;
- DE 23-02-2016, PROCESSO N.º 36/14.4YFLSB;
- DE 23-02-2016, PROCESSO N.º 103/15.7YFLSB;
- DE 31-03-2016, PROCESSO N.º 14/14.3YFLSB;
- DE 27-04-2016, PROCESSO N.º 79/15.0YFLSB;
- DE 27-04-2016, PROCESSO N.º 99/15.5YFLSB;
- DE 27-04-2016, PROCESSO N.º 118/15.5YFLSB;
- DE 25-05-2016, PROCESSO N.º 55/14.0YFLSB;
- DE 26-06-2016, PROCESSO Nº 134/15.YFLSB.S1, TODOS IN SASTJ, WWW.STJ.PT.
Sumário :

I - Tendo em conta que o CSM se pronunciou sobre a reclamação dirigida contra o despacho do inspector judicial que decidiu não haver fundamento para que se requisitassem certos elementos informativos, rejeitando-a, improcede a pretendida invalidade da deliberação recorrida deduzida com o fundamento no não conhecimento dessa reclamação.
II - Não se configurando qualquer questão prejudicial impeditiva do seguimento do processo inspetivo, porquanto a decisão a tomar neste não estava dependente de decisão a tomar no processo de inquérito ou disciplinar e o processo inspetivo já continha a factualidade relevante, não decorre da rejeição implícita da suspenão do processo inspetivo, por parte do CSM, qualquer invalidade que afete a deliberação recorrida.
III - Não se mostrando necessárias ou de interesse as diligências de prova requeridas pelo recorrente, após notificação do relatório inspetivo, improcede a arguição de invalidade da deliberação recorrida fundada no indeferimento dessas diligências.
IV - O Tribunal tem o poder do controlo da juridicidade legalmente vinculada das atuações administrativas do CSM, mas não lhe cabe o conhecimento do mérito não vinculado (discricionário) dessas atuações.
V - Assim, considerando que o recorrente simplesmente discorda dos critérios e da deliberação do CSM na avaliação do mérito do seu desempenho funcional, e que o CSM, na sobredita avaliação, agiu com submissão à lei, não se descortinando erro manifesto, crasso ou grosseiro relativamente ao correspondente substrato factual ou que os critérios de avaliação utilizados se revelem ostensivamente desajustados, falece a arguida invalidade da deliberação impugnada por violação dos princípios da legalidade, proporcionalidade, justiça e razoabilidade.


Decisão Texto Integral:

                                                           +

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (Secção do Contencioso):

I - RELATÓRIO

AA, juiz ..., notificado da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de 24 de abril de 2018, que lhe atribuiu a classificação de “medíocre” pela respetiva prestação funcional no período compreendido entre 17 de setembro de 2013 e 6 de setembro de 2017 (serviço prestado no Juízo de Família e Menores de ..., no Juízo de Família e Menores de ... e na Instância Local/Juízo Local de Competência Genérica de ...), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 168º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), aprovado pela Lei nº 21/85, de 30 de julho, apresentar junto deste Supremo Tribunal de Justiça o presente recurso contencioso.

Sustenta, em síntese (e como constante das conclusões com que encerra a respetiva petição de recurso), que:

(i) a deliberação impugnanda é nula ou anulável por não se ter pronunciado sobre a arguição de nulidade e inconstitucionalidade do despacho do inspetor judicial de indeferimento da produção de certas diligências de prova requeridas pelo Recorrente aquando da sua audição sobre o relatório da inspeção;

(ii) a deliberação impugnanda é anulável por ter decidido não suspender o processo inspetivo até à conclusão do processo de inquérito disciplinar que foi instaurado por faltas injustificadas;

(iii) a deliberação impugnanda é nula ou anulável por ter indeferido, por intempestividade e irrelevância, as diligências de prova requeridas pelo Recorrente na sua resposta sobre o relatório inspetivo;

(iv) a deliberação impugnada é inválida por ofender os princípios da legalidade, da justiça, da razoabilidade e da proporcionalidade, isto pelo facto de ser impeditiva do direito à defesa e contraditório e por ter atribuído uma notação indevida em face do real desempenho geral do Recorrente.

                                                           +

O CSM respondeu, concluindo pela improcedência do recurso.

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Foram produzidas alegações, onde Recorrente e CSM mantiveram os seus pontos de vista.

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O Ministério Público, pela pessoa do Exmo. Procurador-geral Adjunto, emitiu parecer, concluindo pela improcedência do recurso.

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Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- Há que conhecer das questões colocadas, e não das razões ou argumentos que a essas questões subjazam;

- O presente procedimento não visa criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

É questão a conhecer:

- Invalidade da deliberação impugnada com base nos concretos vícios invocados pelo Recorrente.

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

(i) Quanto à questão da invalidade da deliberação por não conhecimento da reclamação contra o despacho do inspetor judicial

Mostram os autos (fls. 215 e 216) que, notificado do relatório inspetivo, apresentou o Recorrente - sob a invocação do n.º 2 do art. 37.º do EMJ e do n.º 8 do art. 17.º do Regulamento dos Serviços de Inspeção (aprovado pela deliberação n.º 1777/2016 e publicado no DR, 2ª série de 17 de novembro de 2016) - resposta, onde requereu que se requisitassem certos elementos, quer aos tribunais onde prestou o serviço objeto da inspeção, quer ao próprio CSM (com referência ao processo de inquérito disciplinar instaurado por faltas).

Sobre tal pretensão exarou o inspetor judicial despacho (fls. 218 e seguintes), onde decidiu que não havia qualquer necessidade dos elementos a requisitar aos ditos tribunais, e que - aqui relativamente a documentos a solicitar ao inquérito disciplinar - não tinha conhecimento de que documentos se tratava, não sendo por isso possível aferir da sua necessidade.

O Recorrente apresentou então requerimento ao CSM (fls. 118 e seguintes), onde se insurgiu contra tal despacho, dizendo que as diligências de prova em causa eram essenciais para efeitos da avaliação inspetiva, e que por isso deviam ser levadas a efeito. Daqui que ao desatender a sua pretensão o despacho do inspetor judicial era nulo ou anulável e “inconstitucional” (sic).

A deliberação recorrida pronunciou-se sobre esta reclamação (fls. 130).

Entendeu, por um lado, que o requerimento inicialmente apresentado junto do inspetor judicial estava fora da oportunidade estabelecida no n.º 3 do art. 17.º do RSI, bem como entendeu que era ao Recorrente, e não aos serviços inspetivos, que cabia o ónus de apresentar os elementos pretendidos.

E, por outro lado, passando agora a apreciar diretamente o fundamento material da pretensão do Recorrente, entendeu que os elementos estatísticos juntos (anexos ao relatório da inspeção) eram já suficientes para a avaliação inspetiva, sendo totalmente irrelevantes os dados cuja obtenção se pedia (para além dos que já se mostravam documentados), como fossem os registos diários.

Ora, como se vê, o CSM pronunciou-se efetivamente sobre a reclamação dirigida contra o despacho do inspetor judicial. Apenas acontece que não se pronunciou no sentido pretendido pelo Recorrente, mas sim no sentido de rejeitar a reclamação. Não se entende assim como possa estar o Recorrente a significar o contrário, aí onde afirma que a sua impugnação do despacho do inspetor judicial não foi apreciada.

Improcede pois, na medida em que tem por base o fundamento em destaque, a arguição de invalidade da deliberação recorrida.

(ii) Quanto à questão da invalidade da deliberação por não suspensão do processo inspetivo

Mostram igualmente os autos (fls. 206 a 208 e 215) que, notificado do relatório da inspeção, o Recorrente pretendeu que o processo inspetivo deveria ser sustado até conclusão do processo de inquérito de natureza disciplinar (posteriormente convertido em processo disciplinar) que fora aberto para apuramento de alegadas faltas ao serviço. Disse, a propósito, que o relatório inspetivo havia valorado em desfavor do Recorrente certas faltas justificadas ao abrigo do n.º 1 do art. 10.º do EMJ, sendo que o processo de inquérito fora instaurado para averiguar faltas (não esclareceu exatamente quais) ao serviço. Mais pretendeu que se solicitasse ao processo de inquérito disciplinar toda a documentação e requerimentos apresentados.

O inspetor judicial pronunciou-se negativamente sobre tal pretensão, observando a propósito que o relatório inspetivo continha já a factualidade necessária para a correspondente deliberação avaliativa do mérito, muito embora pudesse haver alguma conveniência em que a decisão do processo avaliativo e do processo disciplinar fossem tomadas simultaneamente (fls. 218).

A deliberação recorrida (fls. 128 e 129) indeferiu as pretensões aqui em causa, com o fundamento, e além do mais, de que os factos constantes do relatório permitiam desde logo a avaliação do mérito funcional do Recorrente, e que sempre o próprio Recorrente poderia ter obtido, nos termos do n.º 2 do art. 113.º do EMJ, os elementos do processo disciplinar que entendesse relevantes para o processo inspetivo.

Sustenta o Recorrente que a deliberação recorrida é inválida por não ter determinado a pretendida sustação do processo inspetivo.

Mas, a nosso ver, carece de razão.

É certo que, nos termos do n.º 1 do art. 18.º do RSI, o CSM pode sustar o processo inspetivo quando se encontre pendente processo disciplinar ou de inquérito por factos ocorridos no período sob inspeção e suscetível de ter influência na classificação a atribuir. Nesta base, cremos que, a despeito do que consta do n.º 2 do art. 113.º do EMJ, nada obstaria a que o CSM deferisse o pedido de junção dos pretendidos elementos do processo de inquérito (corrente também no CSM).

Porém, diferentemente do que parece supor o Recorrente (no requerimento onde suscitou a sustação do processo inspetivo qualifica o assunto como “questão prejudicial/prévia”), não estamos aqui perante qualquer questão prejudicial impeditiva do seguimento do processo inspetivo, pois que a decisão a tomar neste não estava dependente de decisão a tomar no processo de inquérito ou disciplinar (v. a propósito o art. 38º, nº 1 do CPA).

Na realidade, a questão é de conveniência e não de prejudicialidade.

Segundo o ajuizamento da entidade recorrida, o processo inspetivo continha já toda a factualidade interessante aos respetivos fins, o que é dizer, não havia necessidade de esperar pelos resultados do processo disciplinar, que assim não seriam suscetíveis de influenciar a avaliação inspetiva. Cremos que se ajuizou bem, pois que do ponto de vista estritamente jurídico a suspensão não se justificava. Efetivamente, havia já sido levada a efeito a normal instrução do processo inspetivo (que era autossuficiente, no sentido de que não estava dependente de qualquer resolução a tomar no processo de inquérito), e no termo dessa instrução concluiu-se (não importa aqui se bem se mal) pela ocorrência de certas faltas injustificadas ao serviço. Adquirido que fora já este convencimento, não vemos que se apresentasse como curial sustar o processo inspetivo com a finalidade de neste se fazer depois repercutir outro eventual juízo acerca da natureza justificada ou injustificada das faltas.

A questão é de coerência - que é desejável que exista, mas se não existir daí não resulta qualquer invalidade - entre decisões a tomar pela mesma entidade administrativa (embora proferidas em processos diferentes e com propósitos diferentes), e não de influência de uma decisão sobre a outra (note-se, inclusivamente, que no contexto disciplinar irrelevam - é como se não tivessem sido dadas - as faltas que correspondam a infrações prescritas, mas essas faltas não deixam de poder ser relevadas em sede de processo inspetivo). Por isso se compreende que o inspetor judicial tenha observado que podia haver alguma conveniência em que a decisão do processo avaliativo e do processo disciplinar fossem tomadas simultaneamente, mas esta sugestão acabou implicitamente rejeitada pela deliberação recorrida. Porém, e repetindo, daí não decorre qualquer invalidade que afete a deliberação recorrida.

Improcede assim, na medida em que se baseia no fundamento em destaque, a imputação de invalidade à deliberação recorrida.

(iii) Quanto à questão da invalidade da deliberação pelo indeferimento das diligências de prova requeridas pelo Recorrente

Como acima se referenciou, o Recorrente, notificado que foi do relatório inspetivo, requereu que se requisitassem certos elementos, quer aos tribunais onde prestou o serviço objeto da inspeção, quer ao próprio CSM (com referência ao processo de inquérito disciplinar instaurado por faltas ao serviço). Mais propriamente, requereu que se solicitassem os seguintes elementos:

- o registo por dias dos despachos e das diligências efetuadas e relação de todas as sentenças proferidas, bem como dos despachos em incidentes e apensos respeitantes aos processos por si tramitados nos Tribunais de Família e Menores de ... e ...;

- toda a documentação e requerimentos apresentados no processo de inquérito disciplinar, para efeito de esclarecimento sobre a natureza justificada das faltas;

- o número e respetiva identificação de processos atrasados e eventual dilação de agendamento, bem como certidão de um processo concreto (não indicou de peça ou peças), isto com referência ao serviço prestado no Tribunal de competência Genérica de ....

A deliberação recorrida indeferiu esta pretensão com fundamento em que, e por um lado, o requerimento inicialmente apresentado junto do inspetor judicial estava fora da oportunidade temporal estabelecida no n.º 3 do art. 17.º do RSI e que era ao Recorrente, e não aos serviços inspetivos, que cabia o ónus de apresentar os elementos visados; e, por outro lado, passando agora a apreciar diretamente a pretensão do Recorrente, por os elementos estatísticos juntos (anexos ao relatório) serem já suficientes para a avaliação inspetiva e por serem totalmente irrelevantes as diligências requeridas.

Sustenta o Recorrente que, desse modo, se lhe coartou o direito de defesa, citando a propósito, entre outros, o n.º 2 do art. 37.º do EMJ, o n.º 8 do art.º 17.º do RSI e o n.º 10 do art. 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Sobre isto diremos que não vemos que o n.º 10 do art. 32.º da CRP tenha pertinência ao caso, visto que nos movemos aqui no estrito âmbito de uma atividade inspetiva (avaliação do mérito funcional) e não no âmbito de qualquer atividade sancionatória (nomeadamente disciplinar). A notação atribuída em sede de inspeção de serviço, seja ela qual for (e mesmo que, como é o caso da notação de medíocre, implique a instauração subsequente de inquérito por inaptidão para o exercício da função), não representa em si mesma uma sanção, antes valendo simplesmente como expressão do mérito funcional do juiz.

Já, porém, tem o Recorrente razão ao significar a ilogicidade da deliberação recorrida aí onde esta invoca (para efeitos do juízo que emitiu sobre a intempestividade e o ónus probatório) o n.º 3 do art. 17.º do RSI, pois que, na verdade, o direito cuja aplicação estava mais indicada ao caso não era esse, mas sim o que decorre do n.º 8 do art. 17.º do RSI e do n.º 2 do art. 37.º do EMJ. Daqui que se afigure que o requerimento tendente às diligências em causa era tempestivo, do mesmo passo que, à luz destas últimas normas (e das normas dos art.s 115.º, n.º 1, 116.º, n.º 2 e 125.º do Código do Procedimento Administrativo, CPA) as diligências requeridas sempre poderiam (trata-se de um poder-dever) ser efetivadas pelos serviços de inspeção.

Mas já discordamos do Recorrente quando sustenta que a entidade recorrida havia de ter levado a efeito as diligências em causa.

Efetivamente, tais diligências só poderiam ter lugar se se apresentassem como necessárias ou de interesse, como, de resto, emerge do n.º 9 do art. 17.º do RSI e do n.º 3 do art. 116.º do CPA. Mas não era o caso.

Do que se tratava basicamente, isto no que respeita aos dados a solicitar ao Juízo Local de Competência Genérica de ..., era da aquisição de dados estatísticos já constantes do relatório inspetivo, designadamente dos quadros anexos ao mesmo. Não se vislumbra qual seria a sua necessidade e utilidade.

E no respeitante aos dados a requisitar aos Tribunais de Família e Menores de ... e ..., a pretensão do Recorrente constituía um óbvio excesso, na medida em que, como aponta o inspetor judicial no seu despacho de indeferimento, estar-se-ia com a iniciativa visada a introduzir uma avaliação processo a processo, que se afasta de uma inspeção avaliativa mediante rastreio, deixando aos serviços inspetivos um ónus, que se lhe não impunha, de indagar todos os processos em causa, quando o inspecionado sabia perfeitamente quais os processos sobre que incidiu. Deste modo, também se afigura que eram desnecessários e irrelevantes tais dados.

No que se refere aos elementos a requisitar ao processo de inquérito disciplinar, importa dizer que o relatório inspetivo - que a deliberação recorrida sufragou inteiramente - não põe em causa que o Recorrente comunicou - sob invocação do n.º 1 do art. 10.º do EMJ - certas ausências ao serviço, ou que estas possam ter sido tidas por justificadas pelo presidente da comarca. O que sucede é que, como reconhece o Recorrente na sua resposta ao relatório da inspeção, neste foi dada uma interpretação à dita norma que não se coaduna com a interpretação que o Recorrente entende ser a devida. Portanto, a questão não é de necessidade ou utilidade da diligência em causa, mas sim de interpretação do alcance da referida norma.

Improcede assim, na medida em que se baseia no fundamento em destaque, a arguição de invalidade da deliberação recorrida.

(iv) Quanto à questão da invalidade da deliberação por violação dos princípios da legalidade, justiça, razoabilidade e proporcionalidade

Subjacente à imputação à deliberação recorrida da violação destes princípios está a ideia, transversal a toda a petição de recurso, que a deliberação não avaliou devidamente – seja em decorrência da não consideração dos meios de prova cuja requisição o Recorrente requerera, seja por não ter sustado o processo inspetivo por causa da pendência do processo de inquérito disciplinar, seja ainda por má valoração da qualidade do serviço realizado e das condições em que este se desenvolveu - o desempenho funcional do Recorrente, e que, em consequência, a notação atribuída (medíocre) não é justa e adequada a esse desempenho. Isto resulta muito claro de toda a petição do recurso e mostra-se sintetizado sobretudo nas conclusões AQ e AR com que se encerra a mesma petição. Portanto, o que está aqui em causa em larga medida é o mérito da deliberação.

Ultrapassadas que estão as questões do indeferimento das diligências requeridas e da não sustação do processo, importa observar, quanto ao mais, que a este Tribunal está defeso sindicar a justiça (a bondade) da deliberação.

O ato de classificação de serviço em causa (ato emanado do CSM, órgão do Estado integrado na Administração Judiciária, conforme art. 217.º da CRP, 136.º e 149.º, alínea a) do EMJ, e 153.º e 155.º, alínea a) da LOSJ) resolve-se para todos os efeitos num ato adotado no âmbito do exercício de poderes públicos de natureza jurídico-administrativa. Logo, trata-se de um ato formalmente administrativo (v. art. 148º do CPA).

Como já referenciado, nos termos do n.º 1 do art. 3.º do CPTA (ex vi do art. 192.º), no respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, compete a este Tribunal julgar do cumprimento pelo CSM das normas e princípios jurídicos que o vinculam, e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação. E nos termos do n.º 1 do art. 50.º do mesmo CPTA, a impugnação judicial dos atos administrativos tem por objeto (e para além da declaração de inexistência) a declaração de nulidade do ato ou a sua anulação (v. a propósito os art.s 161.º e 163.º do CPA). Donde, o Tribunal tem o poder de controlo da juridicidade legalmente vinculada das atuações administrativas do CSM, mas está excluído o conhecimento do mérito não vinculado (discricionário) dessas atuações (v., a propósito, Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 15ª ed., pp. 151 e 168; Fernanda Oliveira e José Eduardo Dias, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 4ª ed., pp. 140 e 141). Dá-se uma atuação não vinculada ou discricionária quando se está perante uma atividade administrativa levada a efeito no âmbito de poderes (poderes-deveres) cujo exercício passa pelo critério do órgão, que tem a faculdade legal de escolha do conteúdo do ato. Nessa parte existe uma reserva de Administração, um espaço de valoração próprio do exercício da função administrativa, uma zona da atividade administrativa de competências próprias e separadas funcionalmente do poder judicial, estando assim fora dos poderes de sindicabilidade do tribunal.

Por isso tem-se entendido na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que no recurso contencioso das deliberações do CSM os poderes do Tribunal são limitados, não lhe competindo fazer administração ativa, substituindo-se à entidade recorrida (v., por exemplo, e para citar apenas alguns dos mais recentes, os acórdãos de 27 de janeiro de 2016, processo nº 102/15.9YFLSB; de 23 de fevereiro de 2016, processo nº 103/15.7YFLSB; de 23 de fevereiro de 2016, processo nº 36/14.4YFLSB; de 31 de março de 2016, processo nº 14/14.3YFLSB; de 27 de abril de 2016, processo nº 99/15.5YFLSB; de 27 de abril de 2016, processo nº 118/15.5YFLSB; 25 de maio de 2016, processo nº 55/14.0YFLSB; de 26 de junho de 2016, processo nº 134/15.YFLSB.S1, sumariados em www.stj/jurisprudência/sumários). Enfim, como se aponta nos acórdãos ainda deste Supremo de 27 de abril de 2016 (processo nº 79/15.0YFLSB), de 9 de julho de 2014 (processo nº 54/13.0YFLSB) e de 9 de julho de 2014 (processo nº 57/13.4YFLSB), sumariados no referido sítio, o recurso que visa impugnar o ato de classificação de serviço, sendo um recurso necessariamente de mera legalidade, não autoriza a sindicância do juízo valorativo contido no ato, a menos que o mesmo enferme de erro manifesto, crasso ou grosseiro relativamente ao seu substrato factual, ou se os critérios de avaliação forem ostensivamente desajustados ou violadores dos princípios da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade. Mais se tem aduzido na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que as valorações efetuadas pelo CSM inserem-se no plano da chamada “discricionariedade técnica”, conceito que implica uma margem de livre decisão, à partida judicialmente insindicáveis quando estejam em causa os critérios de mérito, conveniência e oportunidade.

Ora, como sobredito, no tópico em apreciação o que o Recorrente se propõe verdadeiramente contestar é a bondade do juízo valorativo que, na sequência da inspeção que teve lugar, foi tomado quanto ao seu desempenho funcional. Mas, como se vê, está fora dos poderes deste Tribunal sindicar a bondade (o mérito) dessa apreciação ou valoração, na certeza de que, repetimos, estamos perante atividade administrativa exercida no âmbito de poderes discricionários (e não vinculados) do CSM. Por essa mesma razão, também está vedado a este Tribunal valorar o conteúdo das certidões, emitidas pelos serviços de secretaria dos tribunais onde o Recorrente prestou a atividade inspecionada, e que fez entretanto juntar ao presente recurso (a última das quais no dia 14 de fevereiro de 2019).

O que vem de ser dito só seria diferente se acaso estivéssemos confrontados com uma deliberação que enfermasse de erro manifesto, crasso ou grosseiro relativamente ao seu substrato factual, ou se os critérios de avaliação usados se revelassem ostensivamente desajustados. Pois que, como nos dizem Fernanda Oliveira e José Eduardo Figueiredo Dias (ob. cit., p. 141), e transcreve-se, “os atos praticados ao abrigo de poderes discricionários podem ser anulados com base em erro de facto, se a Administração baseou a sua decisão em factos inexistentes ou falseados, ou em erro manifesto de apreciação, quando se torna evidente que a Administração avaliou ou qualificou mal a realidade (aqui está em causa um “juízo valorativo”), embora se tenha baseado em factos verdadeiros, correspondentes à realidade. Não compete aos tribunais substituírem-se à Administração na avaliação da situação, mas compete-lhes anular o ato quando verificarem que a avaliação feita pela Administração é manifestamente desacertada e inaceitável, quando o erro é ostensivo e notório, percetível a uma pessoa sem os conhecimentos da Administração”.

Mas não é este o caso. Nem o Recorrente faz sequer apelo a uma tal hipótese extrema de erro manifesto de apreciação, de erro ostensivo e notório, percetível a uma qualquer pessoa sem os conhecimentos da Administração.

Num outro plano, também só assim não seria se (como é doutrina reiterada: assim Freitas do Amaral, ob. cit., p. 346; Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, 4ª ed., p. 317; Francisco Ferreira de Almeida, ob. cit., p. 120) na deliberação recorrida tivessem sido infringidos os princípios que limitam ou condicionam a discricionariedade administrativa do CSM, designadamente os princípios elencados no n.º 2 do art. 266.º da Constituição da República Portuguesa e nos art.s 3.º e seguintes do CPA (e também considerados no art. 2.º do RSI).

E, na verdade, o Recorrente sustenta que foram infringidos os princípios da legalidade, justiça, razoabilidade e proporcionalidade.

Mas, segundo cremos, não tem razão.

Passando a seguir Francisco Ferreira de Almeida (ob. cit., p. 105 e seguintes) e Freitas do Amaral (ob. cit., p. 38 e seguintes), diremos que o princípio da legalidade significa basicamente que a Administração não pode agir livremente, antes terá que se pautar com obediência ou vinculadamente quer aos parâmetros legais (Constituição, lei ordinária, leis comunitárias, regulamentos, etc.) que estabeleçam o respetivo espaço de intervenção e decisão, quer aos princípios gerais de direito (art. 3.º, n.º 1 do CPA). Deste modo, o silêncio da lei equivale a uma proibição de agir, não sendo consentido à Administração (e diferentemente do que sucede com os particulares) intervir livremente à margem de qualquer prévio enquadramento legal habilitante ou legitimante (ou seja, não lhe é consentido fazer tudo aquilo que a lei não proíbe).

O princípio da justiça – considerado doutrinariamente como tendo natureza compósita, como sendo princípio de princípios, densificável através de vários outros subprincípios (como o da igualdade, da proporcionalidade, da imparcialidade, da participação dos particulares ou da boa-fé) - isto sob pena de se estar perante um princípio demasiado vago, nada operacional e destituído de aplicação direta a casos concretos - significa que a Administração deve procurar alcançar o ideal da equidade do caso concreto, agindo de modo a que a cada qual se lhe dê o que lhe é devido. O princípio da justiça não se confunde com o vetor da legalidade estrita, antes o transcende, tendo bastante a ver com um certo número de ideais tais como a imposição da verdade material, a moral, a ética, a correção de procedimentos e a decência. O mesmo se diga do princípio da razoabilidade.

O princípio da proporcionalidade - que mais não representa que uma manifestação particular do princípio da justiça - significa que, até onde isso seja compatível com a prossecução do interesse público, a Administração deve procurar provocar a menor lesão que for possível aos interesses dos administrados (art. 7.º do CPA). Para isso terá que usar como critérios de decisão a adequação (a solução adotada deve ser a idónea ou apropriada à finalidade de interesse público tida em vista), a necessidade (proibição do excesso) e o equilíbrio (deve haver uma ponderação sobre os benefícios ou vantagens para o interesse público e os custos ou prejuízos impostos pela medida a adotar). Entretanto, cumpre observar que, como nos diz Luiz Cabral de Moncada (Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2ª ed., p. 96), embora a proporcionalidade seja um critério limitativo do exercício da discricionariedade administrativa e da liberdade de decisão que lhe está associada (ou seja, limita a oportunidade ou mérito das escolhas administrativas), fica longe de as poder eliminar. O princípio da proporcionalidade não possibilita um controlo judicial integral da liberdade administrativa. Aduz o referido autor que a proporcionalidade é “a par dos outros princípios gerais de direito, um critério legal de controlo da discricionariedade mas não a reduz a zero. A proporcionalidade não é o salvo-conduto para a abolição das fronteiras entre Tribunais e a Administração”. Daqui que só em casos irrefutáveis, pelo seu carácter manifestamente inadequado, o princípio da proporcionalidade deva ser feito valer contra o poder discricionário que possa assistir à Administração.

Isto posto:

Sustenta o Recorrente que a afirmada ofensa dos referidos princípios decorre da circunstância de lhe não ter sido concedido o direito à defesa (a uma defesa mais ampla, abrangente de aspetos factuais que, supostamente, não foram tidos em conta) e ao contraditório (por indeferimento das diligências probatórias requeridas), bem como decorre da circunstância de não ter sido avaliado convenientemente o substrato factual constante da deliberação. Do que tudo resultou, conclui, uma notação injusta relativamente ao seu desempenho funcional.

Ora, esta argumentação não é inserível ao campo da ofensa do princípio da legalidade, visto que o CSM, ao avaliar o desempenho funcional do Recorrente, agiu ao abrigo de parâmetros estabelecidos por lei, ou seja, agiu com submissão à lei, por isso que esta (arts. 149.º, n.º 1, alínea a) do EMJ e 155.º, alínea a) da Lei da Organização do Sistema Judiciário) lhe fixa, em sede de atribuições, avaliar o mérito funcional dos juízes. Se a avaliação do Recorrente foi ou não a justa e devida, isso será já assunto marginal ao princípio da legalidade.

A argumentação do recorrente também não representa qualquer violação do princípio da proporcionalidade.

Neste domínio importa referir (plano factual) que a deliberação impugnanda teve como verificado (demonstrado) que:

- o Recorrente faltou ao serviço, de forma que se considerou indevida, nos muitos dias que a deliberação indica;

- as faltas motivaram a não realização de audiências de julgamento e de diligências que estavam aprazadas;

- algumas dessas faltas não constavam do registo oficial de faltas, tendo sido constatadas e identificadas pelos serviços de inspeção;

- as faltas ao serviço tiveram consequências negativas para os destinatários dos serviços judiciários (público) e para os demais intervenientes no sistema (magistrados judiciais que tiveram que assumir a substituição, magistrados do Ministério Público, advogados e oficiais de justiça) e originaram custos pecuniários (novas despesas de correio) para o próprio Estado;

- havia um inusitado procedimento de alteração sucessiva de audiências de julgamento;

- houve justificações contraditórias (cruzadas) a propósito de adiamentos na prolação de sentenças: adiamento do proferimento de uma sentença num processo por causa de outro processo e vice-versa;

- houve uma produtividade irregular e insatisfatória, a despeito da carga processual ser perfeitamente sustentável.

Por último, a deliberação teve também por verificado que o Recorrente já havia sido sancionado disciplinarmente (deliberação do Conselho Plenário de 3 de dezembro de 2013), por pretérita violação dos deveres de domicílio necessário, assiduidade, pontualidade, zelo e prossecução do interesse público, na pena de 20 dias de multa (suspensa na sua execução pelo período de um ano), referindo, a propósito, que apesar dos “avisos” (sic), o Recorrente manteve o mesmo paradigma funcional absentista.

Ora, perante este conjunto de incidências factuais não vemos que se possa falar na violação do princípio da proporcionalidade.

Por um lado porque os elementos disponíveis não induzem à conclusão necessária (mas apenas eventual) de que era possível defender o interesse público subjacente à inspeção (notação) do Recorrente mediante a adoção de uma solução que representasse menor gravame ou implicasse menor sacrifício para a posição jurídica (interesses) do mesmo Recorrente.

Por outro lado porque, como sobredito, a avaliação a que procedeu a entidade recorrida insere-se no âmbito de um espaço de valoração próprio do exercício da função administrativa, não podendo servir o princípio da proporcionalidade para levar o tribunal, fazendo valer o seu próprio critério, a abolir essa prerrogativa. Na realidade, e repetindo, só perante situações irrefutáveis, por revelarem escolhas manifestamente excessivas (inadequadas, desnecessárias, desequilibradas), é que o princípio da proporcionalidade pode ser invocado contra o poder discricionário que assiste à Administração. Não é, visivelmente, o caso.

Por último, também não resulta do enquadramento factual vertido na deliberação recorrida, e acima sintetizado, que tenham sido violados os princípios da justiça e da razoabilidade.

Como se apontou, o princípio da justiça terá que ser - pela sua vacuidade e dificuldade de operacionalização - densificado através de vários outros subprincípios, dos quais aqui apenas poderia ser (dentro do leque de princípios violados invocado pelo Recorrente) o da proporcionalidade. Ora, como acaba de ser exposto, não ocorre a violação deste princípio, e daqui que também não se poderá falar na violação do princípio da justiça.

Ainda assim dir-se-á, e repetindo, que a ideia de justiça que aqui nos interessa não se confunde com a ideia de legalidade estrita, antes a transcende. Na realidade, e como observado por Freitas do Amaral (ob. cit., p. 107), o princípio da justiça representa a última ratio da subordinação da Administração ao direito, ou seja, representa uma espécie de reserva ou último recurso de juridicidade (sobretudo com enfoque nas exigências inerentes à dignidade humana). Nesta medida, o princípio tem que ser visto como sendo de aplicação muito residual, só podendo ser invocado em situações extremas, ou seja, em situações em que todo o demais ordenamento jurídico não proporciona uma resposta satisfatória. E não já em situações, como é precisamente o caso, em que simplesmente se discorda dos critérios e da decisão da Administração.

O que acaba de ser dito vale, em grande parte, para o princípio da razoabilidade, cuja ofensa também é invocada pelo Recorrente. Acrescente-se apenas que, como resulta do art. 8.º, do CPA, não é toda a irrazoabilidade que releva, mas sim a irrazoabilidade manifesta (a que é evidente aos olhos do comum das pessoas, a que salta à vista, a que é gritante). A circunstância de se estar perante uma qualquer solução que, segundo a sensibilidade ou o juízo idiossincrático de cada um, possa acaso ser vista como não sendo a mais razoável, não implica qualquer ofensa ao princípio da razoabilidade. Sucede, porém, que a decisão impugnanda, concorde-se ou não com ela, nada contém que represente uma irrazoabilidade manifesta, gritante.

Improcede assim, na medida em que se baseia no fundamento em destaque, a imputação de invalidade da deliberação recorrida.

Do que fica exposto resulta que não há fundamento legal para declarar nula ou para anular a deliberação impugnada, não se mostrando que esta tenha violado as normas legais que o Recorrente cita.

O que implica a improcedência da presente ação impugnatória (recurso).

                                                           +

IV – DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso.

Regime de custas:

O Recorrente é condenado nas custas do recurso. Taxa de justiça: 6 Uc’s.

                                                           ++

Lisboa, 20 de fevereiro de 2019

José Rainho (relator) *
Alexandre Reis
Tomé Gomes
Raul Borges
Ferreira Pinto
Helena Moniz
Olindo Geraldes
Pinto Hespanhol (Presidente)