Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
65/16.3T8STR.E1.S1
Nº Convencional: 6ª. SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PESSOA SINGULAR
PESSOA COLECTIVA
PESSOA COLETIVA
ACTIVIDADE COMERCIAL
ATIVIDADE COMERCIAL
INTERPRETAÇÃO DA LEI
APLICAÇÃO DO DIREITO
REGIME APLICÁVEL
Data do Acordão: 10/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 14.º, N.º1, 17.º-A E SEGUINTES, 251.º E SEGUINTES.
*
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA PROPOSTA DE LEI 39/XII, DE 30.12.2011, QUE ESTEVE NA ORIGEM DA LEI N.º 16/2012 QUE ALTEROU O CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE) E CRIOU O PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO (PER).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 10/12/2015, PROCESSO N.º 1430/15.9T8STR, DE 05/04/2016, PROCESSO N.º 979/15.8T8STR.E1.S1, DE 12/04/2016, PROCESSO N.º 531/15.8T8STR.E1.S1 E DE 21/06/2016, PROCESSO N.º 3377/15.0T8STR.E1.S1, TODOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Constitui jurisprudência reiterada do STJ o entendimento de que o processo especial de revitalização não é aplicável a trabalhadores subordinados.

II - O velho brocardo “onde a lei não distingue, não podemos distinguir” não deve, modernamente, ser tomado à letra e não é impedimento para uma interpretação teleológica da lei, impondo apenas um ónus de fundamentação quando o intérprete pretende introduzir diferenciações que não resultam directamente da letra da lei.

III - Tal fundamentação resulta do escopo que o legislador atribuiu ao processo especial de revitalização e que transparece nos próprios trabalhos preparatórios, qual seja, o de reorientar o CIRE para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial.

IV - Este escopo não é coerente com a aplicação do processo especial de revitalização a trabalhadores por conta de outrem. Uma vez que a declaração de insolvência dos trabalhadores subordinados não faz cessar os seus contratos de trabalho, “não se entende em que poderia consistir a sua revitalização económica, a não ser num perdão parcial das respectivas dívidas” (Ac. do STJ de 12-04-2016), numa recuperação, em suma, não da sua actividade, mas da sua capacidade de endividamento.

V - Seria pouco coerente uma lei que, sendo tão exigente em matéria de exoneração do passivo restante do devedor insolvente, permitisse com a amplitude que o processo especial de revitalização proporciona, o referido perdão parcial de dívidas, sempre sem estar em causa evitar o desaparecimento de um agente económico e o concomitante empobrecimento do tecido empresarial.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6.ª Secção)

Processo n.º 65/16.3T8STR.E1.S1

Relatório

AA e BB, casados, instauraram processo especial de revitalização, de acordo com o disposto nos artigos 17.º-A e seguintes do CIRE. Resulta desse requerimento que os Requerentes são, ambos, trabalhadores subordinados.

Por despacho de 17/02/2016 foi indeferido liminarmente o pedido de PER dos requerentes com fundamento em que tal processo não se destina a pessoas singulares.

Os Requerentes recorreram tendo o Tribunal da Relação de Évora decidido a seu favor, primeiro em despacho singular e depois em conferência e tendo julgado procedente o recurso e revogado a decisão recorrida, “que deverá ser substituída por outra com vista ao prosseguimento dos autos, se outra causa a tal não obstar”.

A Digna Magistrada do Ministério Público, na sua qualidade de parte acessória no processo, veio, nos termos do disposto nos artigos 3.º n.º 1, alínea f) e l) e 5.º, números 4 e 6 da Lei n.º 47/86, veio interpor recurso de revista. Para o efeito invoca contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça em 10/12/2015, no Processo n.º 1430/15.9T8STR, pedindo a revogação do Acórdão recorrido e a sua substituição por outro, que mantenha a decisão proferida em 1.ª instância, que não admitiu liminarmente o processo especial de revitalização.

Fundamentação

De Facto

Os Requerentes são trabalhadores por conta de outrem, mais precisamente, o Requerente marido exerce funções de trabalhador de limpezas na empresa CC e a Requerente esposa exerce as funções de operadora de curtumes na empresa DD S.A.

De Direito

Verifica-se a contradição de Acórdãos entre o Acórdão recorrido e o invocado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em 10/12/2015, no Processo n.º 1430/15.9T8STR, em que foi Relator o Sr. Conselheiro PINTO DE ALMEIDA e em que o Relator do presente processo foi adjunto, havendo, pois, que admitir o presente recurso à luz do artigo 14.º n.º 1 do CIRE.

A única questão jurídica que se suscita no presente processo é a de saber se o PER se aplica a pessoas singulares que são trabalhadores por conta de outrem.

O Acórdão recorrido respondeu afirmativamente, invocando como fundamento que “onde a lei não distingue não deve ser o seu aplicador a fazer tal distinção, assumindo tarefa que cabia ao legislador”. Cita abundante doutrina nesse sentido, a posição do Governo Português no portal do IAPMEI e a letra, tanto da proposta de lei 39/XII, como dos preceitos legais em matéria de PER, designadamente o n.º 11 do artigo 17.º-D que seria “elucidativo quanto à possibilidade de pessoas singulares recorrerem ao procedimento” (f.120, n. 3).

Há já jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que o PER não é aplicável a trabalhadores subordinados. Assim, e além do já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/12/2015 (PINTO DE ALMEIDA), Processo n.º 1430/15.9T8STR, pronunciaram-se, no mesmo sentido, designadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/04/2016 (JOSÉ RAINHO), Processo n.º 979/15.8T8STR.E1.S1, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/04/2016 (SALRETA PEREIRA), Processo n.º 531/15.8T8STR.E1.S1 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/06/2016 (ANA PAULA BOULAROT), Processo n.º 3377/15.0T8STR.E1.S1[1].

Em todos eles procedeu-se a uma interpretação teleológica e restritiva dos preceitos legais. Com efeito, o velho brocardo “onde a lei não distingue, não podemos distinguir” não deve, modernamente, ser tomado à letra e não é impedimento para uma interpretação teleológica da lei, impondo apenas um ónus de fundamentação quando o intérprete pretende introduzir diferenciações que não resultam directamente da letra da lei.

Tal fundamentação, como todos os Acórdão já citados sublinham, resulta do escopo que o legislador atribuiu ao PER e que transparece nos próprios trabalhos preparatórios. Como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/04/2016 (SALRETA PEREIRA), a Exposição de Motivos da Proposta de Lei 39/XII de 30.12.2011 que esteve na origem da Lei 16/2012 que alterou o CIRE e criou o PER afirma que o principal objectivo prosseguido pela revisão da lei é o de reorientar o CIRE para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial. Trata-se de evitar o desaparecimento de agentes económicos, “visto que cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, gerando desemprego e extinguindo oportunidades comerciais”.

Ora este escopo não parece coerente com a aplicação do PER a trabalhadores por conta de outrem. Não se nega que o consumo seja uma atividade economicamente relevante, mas como a declaração de insolvência dos trabalhadores subordinados não faz cessar os seus contratos de trabalho “não se entende em que poderia consistir a sua revitalização económica, a não ser num perdão parcial das respectivas dívidas” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/04/2016), numa recuperação, em suma, não da sua atividade, mas da sua capacidade de endividamento. Acresce que seria bem pouco coerente uma lei que sendo tão exigente em matéria de exoneração do passivo restante do devedor insolvente, permitisse com a amplitude que o PER proporciona o referido perdão parcial das dívidas, isto, repete-se, sem estar em causa evitar o desaparecimento de um agente económico e o concomitante empobrecimento do tecido empresarial.

Além do mais, a lei prevê para as pessoas singulares o plano de pagamentos aos credores (artigos 251.º e seguintes do CIRE) em que as sentenças e a decisão de encerramento do processo “não são objecto de qualquer publicidade ou registo” (n.º 5 do artigo 259.º do CIRE), evitando-se, assim, o que alguns autores consideram ser o efeito “infamante” da insolvência ou o “estigma social”.

Decisão: Concedida a Revista, revogando-se o Acórdão recorrido e repristinando-se a decisão de indeferimento liminar do PER

Custas pelos Recorridos

Lisboa, 18 de Outubro de 2016

Júlio Gomes - Relator

José Rainho

Nuno Cameira

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