Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
73/14.9T8BRG.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: SEGURO AUTOMÓVEL
ANULABILIDADE
DECLARAÇÃO INEXACTA
DECLARAÇÃO INEXATA
OPONIBILIDADE
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
TERCEIRO
LEI ESPECIAL
SEGURO OBRIGATÓRIO
TUTELA
LESADO
SUB-ROGAÇÃO
Data do Acordão: 11/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DOS SEGUROS - CONTRATO DE SEGURO / SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL / FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL / SUB-ROGAÇÃO NOS DIREITOS DO LESADO.
Doutrina:
- Moitinho de Almeida, Contrato de Seguros – Estudos, 2009, 29.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 635.º, N.º5.
D.L. N.º 291/2007, DE 21-08: - ARTIGOS 22.º, 50.º, N.º1, 54.º, N.º1.
D.L. N.º 72/08, DE 16-04, QUE APROVOU O REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO: - ARTIGO 147.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 05/03/2015, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - O DL n.º 291/2007, de 21-08, tem como finalidade o incremento da tutela e proteção dos lesados, o que se manifesta na restrita oponibilidade a estes de vicissitudes emergentes do contrato de seguro automóvel (art. 22.º), entre as quais não se conta a anulabilidade do mesmo fundada em declarações inexatas prestadas pelo segurado.

II - O DL n.º 291/2007, de 21-08, deve ser tido como uma lei especial face ao Regime Jurídico do Contrato de Seguro, pelo que, sendo o preceito referido em I incompatível com o disposto no art. 147.º deste último diploma e tendo em conta a jurisprudência do TJUE sobre o seguro automóvel, é de considerar que esta previsão não tem aplicação no domínio dos seguros obrigatórios de responsabilidade civil.

III - Encontrando-se o FGA sub-rogado na posição do lesado, a adoção, relativamente àquela entidade, de entendimento contrário ao exposto em I seria inconciliável com o fenómeno da sucessão ou transmissão de uma relação jurídica que permanece objetivamente idêntica.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Em 2014, na Comarca de Braga – Braga – Instância Central – 1ª secção Cível – J1- o Fundo de Garantia Automóvel, integrado no Instituto de Seguros de Portugal, intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra AA - Companhia de Seguros, SA e, a título subsidiário, contra BB.


Pediu

 que estes fossem condenados, a primeira a título principal e o segundo a título subsidiário, a reembolsarem-no, por via da sub-rogação legal nos direitos dos lesados, dos montantes pagos em consequência de um acidente de viação ocorrido por culpa exclusiva do último, que totalizam € 46.863,67, acrescidos de juros de mora, vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, importando os vencidos na quantia de €3.738,82.


Contestando

o réu aceitou a descrição do sinistro apresentada pelo autor e a ré AA impugnou-a, invocando também a invalidade do contrato de seguro celebrado relativamente ao veículo alegadamente causador do sinistro, que considera oponível aos lesados e ao Fundo de Garantia Automóvel, este por via da sub-rogação nos direitos daqueles, desiderato que o BB, por sua vez, repudia.


Proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os termas da prova, foi realizada audiência de discussão e julgamento.


Em 2015.06.04, foi proferida sentença na qual se decidiu julgar parcialmente procedente a ação, em consequência do que se condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 46.863,67, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, agravada de 25%, desde 20 de Maio de 2014 até efetivo e integral pagamento.



A ré apelou, sem êxito, pois a Relação de Guimarães, por acórdão de 2016.04.07, confirmou a decisão recorrida, embora com diferente fundamentação, como adiante se explicitará.


Novamente inconformada, a ré deduziu a presente revista, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

O recorrido contra alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Cumpre decidir.


As questões


Tendo em conta que

- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;

- nos recursos se apreciam questões e não razões;

- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido

a única questão proposta para resolução consiste em saber se a anulabilidade do contrato de seguro em causa pode ser oposta pela ré ao autor.


Os factos


São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:

 1 - No dia 30 de Outubro de 2011, pelas 20 horas, no cruzamento entre as Ruas Brito Limpo e António Gomes Ferreira, na freguesia de Barcelinhos, concelho de Barcelos, ocorreu um embate em que intervieram o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ...-...- PM, um BMW conduzido pelo Réu BB e a este pertencente, e o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ...-DO-..., conduzido por CC, seu dono, e onde seguia como passageira DD;

2 - Na concordância entre a Rua António Gomes Ferreira e a Rua Brito Limpo existia, para o trânsito que se processava naquela artéria, um sinal vertical de STOP;

3 - Momentos antes do sinistro, o PM circulava pela Rua António Gomes Ferreira no sentido nascente-poente, a uma velocidade não excedente a 40 Kms por hora;

4 - Por sua vez, o DO circulava pela Rua Brito Limpo no sentido Alvelos-Barcelos, a uma velocidade não excedente a 40 Kms por hora;

5 - Ao chegar à confluência da Rua António Gomes Ferreira com a Rua Brito Limpo, o Réu BB não parou junto do sinal de STOP ali existente, antes avançou em direção ao centro da intersecção, com o propósito de ingressar na Rua Brito Limpo em sentido inverso ao prosseguido pelo DO, cortando a trajetória deste;

6 - Dada a súbita invasão da sua hemi-faixa de rodagem, o condutor do DO nada pôde fazer para evitar embater com a parte da frente desse veículo na parte lateral esquerda do PM;

7 - Em consequência do embate, o DO sofreu danos cuja reparação foi considerada economicamente inviável, tendo o A. pago ao respectivo proprietário a quantia de €7.579,00, a título de indemnização por perda total;

8 - O A. pagou ainda ao Hospital de Braga e ao Hospital Santa Maria Maior de Barcelos a quantia global de €7.141,07, correspondente ao custo da assistência prestada aos sinistrados;

9 - Ainda em consequência do embate, o condutor do DO sofreu lesões de que resultaram sequelas que lhe determinaram uma incapacidade permanente parcial de 5 pontos, acrescida de 3 pontos a título de dano futuro, compatível com o desempenho da atividade profissional que então exercia, embora com esforços acrescidos;

10 - A consolidação médico-legal de tais lesões ocorreu em 3 de Setembro de 2012;

11 - No período que mediou entre o acidente e aquela data, o sinistrado esteve com incapacidade temporária geral total durante 10 dias, com incapacidade temporária geral parcial durante 30 dias e com incapacidade temporária profissional total durante 300 dias;

12 - Sentiu dores fixáveis no grau 5 numa escala de 7 graus de gravidade crescente e apresenta um dano estético fixável no grau 2 numa escala idêntica;

13 - Na altura trabalhava por conta de outrem como funileiro, auferindo um salário mensal de €529,69;

14 - Tinha 25 anos de idade;

15 - Por sua vez, a passageira do DO sofreu lesões de que resultaram sequelas que lhe determinaram uma incapacidade permanente parcial de 5 pontos, compatível com o desempenho da atividade profissional que então exercia, embora com esforços acrescidos;

16 - A consolidação médico-legal de tais lesões ocorreu em 17 de Dezembro de 2011;

17 - No período que mediou entre o acidente e aquela data, a sinistrada esteve com incapacidade temporária geral total durante 5 dias, com incapacidade temporária geral parcial durante 44 dias e com incapacidade temporária profissional total durante 49 dias;

18 - Sentiu dores fixáveis no grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente;

19 - Na altura exercia a profissão de comerciante, auferindo um rendimento mensal de €475,00;

20 - Tinha 24 anos de idade;

21 - O A. pagou-lhes as quantias de €32.741,70 e €6.750,00, respectivamente, a título de indemnização pelos danos corporais por ambos correspondentemente sofridos e pelos danos deles resultantes;

22 - O A. suportou ainda despesas com a instrução e liquidação do sinistro no montante global de €230,70;

23 - No dia 2 de Maio de 2011, EE, que era então companheira do Réu BB, vivendo ambos em união de facto, celebrou com a Ré “AA – Companhia de Seguros, S.A.” um contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 75…, mediante o qual transferiu para esta a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo automóvel com a matrícula ...-...- PM;

24 - Na proposta de seguro, a EE declarou falsamente ser a proprietária e condutora habitual do PM;

25 - Muito embora não dispusesse de habilitação legal para conduzir, indicou, como se fosse a respectiva titular, o número da carta de condução de que é titular o Réu BB;

26 - Este era, de facto, o proprietário do PM, por tê-lo adquirido a FF, e o seu condutor habitual;

27 - O Réu BB pediu à EE para celebrar o contrato de seguro em seu nome em virtude dele ter problemas com as autoridades;

28 - Antes de assinar a proposta de seguro, a EE declarou ter sido “informada pelo Segurador do dever de lhe comunicar com exatidão todas as circunstâncias (…)” que conhecesse e razoavelmente devesse “ter por significativas para a apreciação do risco, bem como das consequências do incumprimento de tal dever”;

29 - No dia 29 de Outubro de 2011 o PM foi apreendido ao Réu BB, motivo pelo qual o agente da autoridade que, no dia imediato, foi chamado a tomar conta do sinistro a que se reportam os autos, levantou um auto de notícia contra aquele pela prática de um crime de desobediência;

30 - A Ré “AA – Companhia de Seguros, S.A.” não fez cessar, por qualquer meio, o contrato de seguro acima identificado em data anterior à do sinistro e recebeu o prémio correspondente;

31 – O último pagamento efetuado pelo Fundo de Garantia Automóvel aos lesados ocorreu em 20 de Maio de 2014.


Os factos, o direito e o recurso


Na sentença proferida na 1ª instância a ação foi julgada parcialmente procedente por que se entendeu não se ter demonstrado a falta de interesse da tomadora do seguro, geradora da nulidade do contrato, na medida em que esta, embora não fosse proprietária do veículo seguro “(…) era companheira do proprietário e, nessa medida, tinha, obviamente, interesse em que este dispusesse de um seguro de responsabilidade civil emergente da circulação de tal veículo, no qual, por certo, foi transportada em multiplica ocasiões como passageira”


E entendeu-se também que, embora no contrato de seguro automóvel, invocado pelo autor Fundo de Garantia Automóvel como causa do reembolso das quantias que havia pago ao sinistrado no acidente em causa nos presentes autos, a tomadora tivesse emitido declarações inexatas ou reticentes, essas declarações só poderiam gerar a anulabilidade do contrato se fosse “suscetível de aumentar o risco do seguro”, sendo que tal não foi demonstrado, porque nem sequer alegado pela ré.


No acórdão recorrido foi confirmada a decisão da 1ª instância e a ação também foi julgada parcialmente procedente, mas divergindo-se da fundamentação daquela decisão, entendeu-se, quanto à nulidade proveniente de falta de interesse, que “para o legislador qualquer pessoa diferente daquelas sobre as quais recaia a obrigação de efetuar o seguro pode celebra-lo, caso em que a obrigação fica suprida”.


E quanto às declarações inexatas, também divergindo da fundamentação da 1ª instância quanto à questão, entendeu-se que a existência dessas declarações importavam, só por si, a anulabilidade do contrato, “irrelevando, por isso, se as declarações inexatas ou reticentes importaram ou não qualquer prejuízo para o segurador”, pelo que se considerou que o contrato de seguro em causa enfermava do vício do vício anulabilidade, face às evidentes falsas declarações da tomadora.


No entanto considerou-se que essa anulabilidade não podia ser imposta a terceiros de boa-fé - como o autor – “porquanto, sendo a invalidade cominada no art. 25º da Lei do Contrato de Seguro, uma anulabilidade, o previsto no artigo 22º do Decreto Lei 291/07  “consagra um princípio de tipicidade dos meios de defesa oponíveis pelo segurador - obsta à sua oponibilidade aos lesados (e reflexamente ao Fundo de Garantia Automóvel), dado que no seu âmbito de previsão material somente admite que sejam opostas as anulabilidades previstas no DL nº 291/2007 (entre as quais não se conta a anulabilidade contemplada no mencionado art. 25º) e não as que, como tal, estejam estabelecidas na lei geral.”


A ré recorrente entende que “dada a afirmada invalidade do contrato de seguro aqui discutido por prestação de falsas declarações pela tomadora do mesmo é inegável a oponibilidade desse vício por parte da seguradora, ora recorrente nos presentes autos, ao Fundo de Garantia Automóvel à luz do artigo 147º da Lei do Contrato de Seguro”, na medida em que esta Lei revogou tacitamente o artigo 22º do Decreto-lei 291/2007, de 21.08, com a consequente aplicação imediata do nº2 daquele artigo 147º e mesmo que assim não fosse, ter-se-ia que entender que com aquele artigo 147º o legislador pretendeu “ultrapassar, no caso de inexatidões dolosas, as questões de inoponibilidade geradas anteriormente à Lei do Contrato de Seguro, mais concretamente o artigo 22º do Decreto-lei 291/2007, no sentido de esclarecer que a nulidade prevista neste artigo “devia ser vista como invalidade do contrato”.

Cremos, no entanto, que não tem razão.


Antes de mais, há que que dizer que, face ao disposto no nº5 do artigo 635º do Código de Processo Civil, tem que se ter como definitivamente julgado que o contrato de seguro em causa enferma do vicio da anulabilidade, face ao disposto nas disposições conjugadas dos artigo 24º e 25º da Lei do Contrato de Seguro e em resultado das falsas declarações prestadas pela EE.


A questão que se põe é, pois, apenas se essa anulabilidade é oponível ao autor Fundo de Garantia Automóvel.

Entendemos que não é oponível, tal como se entendeu no acórdão recorrido.

Vejamos porquê.


O Decreto-lei 291/2007, de 21.08, que entrou em vigor em 21 de Novembro do mesmo ano, aprovou o Regime do Sistema do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, transportando parcialmente para a ordem jurídica interna a Diretiva nº2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, tendo como vetor “o aumento da proteção dos lesados de acidentes de viação assegurada pelo sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel” – do preâmbulo desse diploma.


No termos do disposto no artigo 22º do citado diploma – disposição que, na sua essência, já constava do artigo 14º do Decreto-lei 522/85, de 31.12, que tal diploma revogou - “para além das exceções ou anulabilidades que sejam estabelecidas no presente Decreto-lei, a empresa de seguros apenas pode opor aos lesado a cessação do contrato nos termos do nº1 do artigo anterior, ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do acidente.


Ou seja e de acordo com este normativo, aos lesados apenas podem ser opostos pelas empresas se seguros

- as exclusões ou anulabilidade estabelecidas naquele Decreto Lei

- a cessação do contrato no caso de alienação do veículo

- a resolução ou a nulidade do contrato, desde que anteriores à data do acidente.


Tal regime restritivo da oponibilidade de exceções aos lesados é consequência manifesta da finalidade do citado diploma legal ou seja, a tutela e proteção dos lesados, restringindo e tipificando os casos em tinham que se confrontar com ausência ou incerteza de seguro por parte do responsável civil, por o mesmo ser inválido.


Posteriormente, em 2009.01.01, entrou em vigor o Decreto-lei 72/08, de 16.04, que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Seguro que, no seu artigo 147º e com o título “Meios de defesa”, dispõe o seguinte:

1 – O segurador apenas pode opor ao lesado os meios de defesa derivados do contrato de seguro ou de facto do tomador do seguro ou do segurado ocorrido anteriormente ao sinistro.

2 – Para o efeito do número anterior, são nomeadamente oponíveis ao lesado, como meios de defesa do segurador, a invalidade do contrato, as condições contratuais e a cessação do contrato.


Ou seja e de acordo com este Regime, qualquer invalidade do contrato de seguro podia ser oposta ao lesado, incluindo, pois, qualquer anulabilidade.


A questão que agora se põe é, pois, a de se saber se este artigo 147º derrogou o disposto naquele artigo 22º do Decreto-lei 291/07, ou seja, se se aplica também aos contratos de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.


Se se entender que se aplica, então a anulabilidade poderá ser oposta ao lesado, uma vez, como se disse, a oponibilidade estabelecida naquele artigo pode ter como base qualquer invalidade.


Se se entender que não se aplica, aplicando-se então aquele artigo 22º do Decreto Lei 291/07, essa anulabilidade não pode ser oposta ao mesmo lesado, na medida em que neste Decreto Lei se prevê, para esse efeito, que apenas as anulabilidades nele estabelecidas podem ser consideradas, o que não é o caso da proveniente de declaração inexatas por parte da tomadora do seguro, em causa na questão que nos ocupa.


Nos termos do artigo 2º da referida Lei do Contrato de Seguro “as normas estabelecidas no presente regime aplicam-se aos contratos de seguro com regimes especiais constantes de outros diplomas, desde que não sejam incompatíveis com esses regimes”.


Um dos regimes especiais é seguramente o Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil, aprovado pelo Decreto-lei 291/2007, atrás referido.


Ora, a norma contida no artigo 147º daquela Lei do Contrato de Seguro, na medida em que permite ao segurador a oposição de qualquer anulabilidade aos lesados, é manifestamente incompatível com a norma do artigo 22º daquele Decreto-lei 291/07, que apenas permite essa oposição desde que a anulabilidade esteja estabelecida naquele Decreto-lei.


A preponderância da norma deste artigo 22º compreende-se à luz do que tem sido a jurisprudência da do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, conforme nos é dado conhecimento por Moitinho de Almeida “in” Contrato de Seguros – Estudos – 2009, a página 29, coincidindo com o entendimento que o artigo 147º não abrange os seguros obrigatários de responsabilidade civil, na medida em que se entende que “são inadmissíveis disposições legais ou contratuais que excluam em determinadas circunstâncias, a prestação do segurador”.


Concluímos, pois, que em matéria relacionada com seguros obrigatórios, não pode a seguradora opor ao lesado a anulabilidade do contrato derivada de declarações inexatas por parte do tomador do seguro.


Mas poderá, no caso de seguro obrigatório automóvel, opor esse vício ao Fundo de Garantia Automóvel, sub-rogado nos direitos do lesado?

Entendemos também que não.


Na verdade, trata-se aqui de uma sub-rogação, estabelecida nos termos das disposições conjugadas do nº1 do artigo 50º e do nº1 do artigo 54º, ambos do Decreto-lei 291/07, pelo que e conforme bem se escreveu no acórdão deste Supremo de 2015.03.05, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, “in” www.dgsi.pt,“traduzindo-se tal sub-rogação essencialmente numa transmissão do crédito do lesado para o Fundo de Garantia Automóvel, consequente ao cumprimento do dever de indemnizar por essa instituição, seria inconciliável com o fenómeno da sucesso ou transmissão numa relação jurídica que permanece objetivamente idêntica, uma modificação substancial no âmbito dos meios de defesa oponíveis ao sub-rogado pela seguradora demanda em via de regresso”.


Concluímos, pois, que a anulabilidade do contrato de seguro em causa, proveniente da emissão de declarações inexatas por parte da tomadora EE não pode ser oposta pela ré ao autor Fundo de Garantia Automóvel.

Daí não merecer censura o acórdão recorrido.


A decisão


Nesta conformidade, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 3 de Novembro de 2016


Oliveira Vasconcelos (Relator)

Fernando da Conceição Bento

João Trindade