Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
441/11.8JDLSB.P1-C.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: SÉNIO ALVES
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
TRÂNSITO EM JULGADO
TEMPESTIVIDADE
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 12/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Não admitindo o acórdão do tribunal da Relação recurso para o STJ, o mesmo transita logo que decorrido o prazo para arguir nulidades (art. 379.º do CPP) ou requerer a correcção da decisão (art. 380º do CPP) ou para interpor recurso para o tribunal Constitucional (art. 75.º, n.º 1 da Lei 28/82, de 15/11).

II - Arguida a nulidade do acórdão, o mesmo transita decorridos 10 dias sobre a notificação da decisão que conheceu de tal nulidade.

III - Ainda que seja interposto recurso para o STJ, não admitido, tal facto não impede o trânsito em julgado daquele acórdão, naquela data.

Decisão Texto Integral:

Acordam, neste Supremo Tribunal de Justiça:



     I.

  1. AA, com os demais sinais dos autos, foi julgado e condenado, pela prática de um crime de detenção/venda de dispositivos ilícitos, p.p. pelo artº 104º, nºs 1, als. a) e b) e 3 da Lei 5/2004, na pena de 200 dias de multa, à razão diária de 8 euros, no montante de 1.600 euros.

  2. Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação do ... que, por acórdão proferido em 10 de Julho de 2019, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida. Tal acórdão foi, conforme consta da certidão junta aos autos, notificado por via electrónica ao Ministério Público em 12.07.2019 e em 10.07.2019, pela mesma via, aos restantes sujeitos processuais.

   3. O arguido arguiu a nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia. E o Tribunal da Relação do ..., por acórdão proferido em 25 de Setembro de 2019, indeferiu a arguida nulidade. Tal acórdão foi, conforme consta da certidão junta aos autos, notificado por via electrónica ao Ministério Público em 26.09.2019 e em 27.09.2019, pela mesma via, aos restantes sujeitos processuais.

  4. Em 1 de Outubro de 2019, o arguido interpôs recurso do acórdão da ... para o Supremo Tribunal de Justiça. Tal recurso não foi admitido. E da decisão de não admissão reclamou o ora recorrente, tendo a Exmª Vice-Presidente do STJ, por decisão proferida em 4 de Dezembro de 2019, decidido que “o acórdão da Relação não admite, assim, recurso ordinário”. Contudo, considerando que o reclamante havia invocado o estatuído no artº 446º do CPP e partindo, por isso, do pressuposto que o recurso foi apresentado ao abrigo dessa disposição legal, a Exmª Vice-Presidente do STJ determinou que o recurso seguisse os termos estatuídos nos artºs 437º e segs.

  5. Distribuído o recurso no Supremo Tribunal de Justiça, foi proferido acórdão em 29 de Outubro de 2020, rejeitando-o por inadmissibilidade, desde logo porque interposto antes de transitado em julgado o acórdão recorrido.

  6. O recorrente interpôs recurso dessa decisão para o Tribunal Constitucional que, em decisão sumária proferida em 15 de Dezembro de 2020, entendeu não tomar conhecimento do recurso; o recorrente reclamou para a conferência que, em 27 de Maio de 2021, deliberou indeferir a reclamação, confirmando a decisão reclamada. Este acórdão, como consta da certidão junta aos autos, foi “notificado ao Magistrado do Ministério Público por termo nos autos em 28.05.2020 e por via postal registada, expedidas em 28.05.2020, aos restantes sujeitos processuais”.

   7. Em 12 de Julho de 2021 foi apresentado o requerimento de interposição do presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, no qual o recorrente formula as seguintes conclusões (transcritas):

«1 – O arguido/recorrente tem o firme entendimento que o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação d ..., proferiu decisão que se encontra em oposição com o Acórdão do STJ, proferida no domínio da mesma legislação, qual seja o douto Acórdão de 26/06/2019 no Proc. nº174/17.1PXLSB.L1.S1 antes transitado em julgado, consultável em www.dgsi.pt.

2 - Sendo certo que, o Acórdão recorrido está em contradição com o supra citado Acórdão do STJ (Acórdão fundamento), já transitado em julgado, tal como proferido no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

3 - No dizer de Simas Santos e Leal Henriques, «dá-se a oposição sobre o mesmo ponto de direito quando a mesma questão foi resolvida em sentidos diferentes, isto é, quando à mesma disposição legal foram dadas interpretações ou aplicações opostas».

4 – O arguido está em prazo para, atendendo ao supra exposto e invocado, interpor o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência.

5 - Não existe Acórdão de uniformização de jurisprudência sobre a referida questão e supra melhor explicitada e delimitada.

Isto posto,

6 – Nas motivações e conclusões do Recurso interposto para o Tribunal “a quo” pelo arguido/recorrente da, aliás douta, sentença proferida pela 1.ª Instância, que o condenou pela prática do crime de detenção/venda de dispositivos ilícitos, foram invocados diferentes e distintos fundamentos respeitantes à impugnação da decisão ali proferida respeitante às questões de facto e questões de direito, para serem objecto de apreciação, conhecimento e jurisdição por aquele Tribunal da Relação.

7 - Para que, em razão da apreciação dos concretos pontos de facto impugnados pelo arguido/recorrente, pudesse ser, pelo tribunal de 2ª instância, avaliada a justeza das decisões proferidas no tribunal “a quo” sobre todas e cada uma delas, designadamente, com o objectivo de atendendo aos poderes atribuídos a esse tribunal – que conhece de facto e de direito - viesse a ser reapreciada, em efectivo e verdadeiro duplo grau de jurisdição a decisão respeitante à matéria de facto, por forma a que o tribunal de 2ª instância obtivesse e expressasse uma convicção própria sobre a prova produzida e em consequência, pudesse ser determinada a alteração da decisão respeitante à matéria de facto nos pontos concretamente indicados e identificados pelo arguido/recorrente.

8 - Ao longo das respectivas motivações e conclusões de recurso, o arguido identifica a prova e transcreve o depoimento das testemunhas, onde assenta a sua impugnação para fundamentar que tal prova não foi corretamente analisada ou enquadrada com a demais provas constantes nos autos e que pretendia ver reapreciada pelo Venerando Tribunal de Recurso.

9 - Analisando o douto Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo”, percebe-se que é realizada tão-só uma “leitura” e “transcrição” da douta sentença recorrida, não se fazendo, seguramente que por opção do tribunal “ad quem”, a imprescindível e obrigatória reapreciação dessa mesma prova produzida e devidamente identificada pelo arguido/recorrente naquele seu recurso.

10 - Omitindo, desse modo, o tribunal “a quo” o cumprimento do respectivo dever de apreciação e pronúncia, por forma a formar a sua própria convicção, no que mais directamente concerne com a impugnação da decisão respeitante à matéria de facto proferida pelo tribunal de primeira instância.

11 - Não existe, por opção própria e declarada do Tribunal da Relação, uma verdadeira análise e reapreciação da prova, pedida e reclamada pelo arguido/recorrente – designadamente, a que foi indicada nas motivações e conclusões do recurso, ou outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e para a decisão da causa – nos termos que é imposto pelo n.º 6 do artigo 412.º do CPP.

12 - Ora, em sentido diametralmente oposto a esta lamentável opção abraçada pelo Tribunal “a quo” recusando o cumprimento do estipulado na lei, fazendo um mau uso dos poderes de conhecimento da matéria de facto que a lei lhe impunha e violando normas imperativas que regulam e determinam a sua obrigação de ouvir a prova gravada, decorrente do depoimento das testemunhas e das declarações do arguido, ler e reapreciar a prova documental, que fundamenta o recurso relativo à matéria de facto e a partir de tudo isso formar uma convicção própria decorrente da análise crítica da prova produzida, identifica-se, entre muitos outros, o Acórdão fundamento deste STJ, proferido no proc. n.º 174/17.1PXLSB.L1S1 de 26/06/2019, in www.dgsi.pt

13 - Na verdade, após as alterações legislativas decorrentes da Lei n.º 59/98, e da Lei n.º 48/2007, ficou definitivamente fixada a obrigação do tribunal de 2ª instância de, quando verificados os pressupostos estipulados no art. 412º n.ºs 1, 3 e 4 do CPP, apreciar ou reapreciar a prova seja documental, seja testemunhal, produzida em audiência de julgamento por forma a formar a sua própria convicção acerca da prova produzida e dos pontos de facto especialmente impugnados.

14 - Ou seja, e no dizer de Acórdão do STJ: (…) “A relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações e das contra-alegações. Logo por aqui se vê que o legislador pretendeu que a Relação formule a sua própria convicção, seja ela coincidente ou não com a que prevaleceu na 1ª instância.”

15 - Constitui princípio geral do direito processual que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, como decorre do disposto no art. 379º nº 1 al. c) “ex vi” do art. 425º nº 4 do CPP.

16 - No caso presente, deveriam ter sido “reavaliadas” e reanalisadas da forma prevista na lei as provas concretamente indicadas relativamente aos concretos pontos de facto que o recorrente indicou como tendo sido incorrectamente julgados, avaliando-se se efectivamente essas provas impõem ou não uma decisão diversa daquela que foi proferida pela 1ª instância, sendo que, para a hipótese de se considerar a existência de alguma insuficiência nas indicações prescritas, sempre haveria que lançar mão do mecanismo corrector do n.º 3 do art. 417.º do CPP.

17 - O Acórdão recorrido não se debruçou, na forma e modo que a lei determina, sobre as questões suscitadas a propósito e sobre a impugnação da matéria de facto.

18 – Está assim, o aqui recorrido acórdão, em oposição com o citado acórdão, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no que tange, pelo menos, à concreta decisão respeitante à mesma questão fundamental de direito, designadamente, à obrigação do Tribunal de 2.ª Instancia – Relação – de proceder ao reexame da matéria de facto e apreciar de forma completa e autónoma os concretos fundamentos da impugnação relativa à prova testemunhal e documental indicada pelo arguido recorrente e, formando a sua própria convicção acerca da decisão que é necessária proferir quanto a essa mesma matéria de facto.

Pois,

19 - No Acórdão recorrido que julgou improcedente o Recurso interposto da decisão proferida pela 1ª instancia é expresso o entendimento que, se a decisão do julgador (de 1.ª instância), devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiencia, ele será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção, e desse modo, “os juízos dados como assentes na decisão recorrida asseverem-se como plenamente legítimos face ao conteúdo do princípio da livre apreciação da prova”,

20 - Abstendo-se de formar a sua própria convicção acerca da decisão, designadamente, procedendo ao reexame da matéria de facto e apreciando de forma completa e autónoma os concretos fundamentos da impugnação relativa à prova testemunhal e documental indicada pelo arguido recorrente.

21 - Todavia, em sentido contrário e como acórdão oposto para esta fundamental questão de direito, em flagrante oposição com o decidido no acórdão recorrido, decidiu-se no já assinalado Acórdão deste Venerando Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo 174/17.1PXLSB.L1.S1 de 26/06/2019, disponível em www.dgsi.pt/jstj,:

“I - Ao efectuar a reapreciação da matéria de facto, no âmbito do recurso definido pelo recorrente – que deve especificar os pontos da matéria de facto provada que considera incorrectamente julgados e as provas que, a seu ver, impõem decisão diversa (art. 412.º, n.º 3), com referência ao consignado na acta e às passagens da gravação, no caso de as provas terem sido gravadas (art. 412.º, n.º 4) -, o tribunal procede à audição das passagens indicadas (art. 412.º, n.º 6).

II - O tribunal não está, porém, limitado à apreciação dessas passagens. Compete-lhe, para além disso, proceder à audição de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa (art. 412.º, n.º 6, 2.ª parte). Pelo que – independentemente da designação que se lhe atribua (o acórdão recorrido designa-o por “convicção”) – se lhe impõe uma formulação de um juízo que, na medida do necessário, tem de convocar outras provas relevantes e sobre as quais terá de fundar o seu próprio juízo, baseado em idêntico critério de apreciação – que é o estabelecido no art. 127.º, do CPP -, assim justificando a decisão sobre a modificação da decisão recorrida.”

22 - Pelo que, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito, o Acórdão recorrido contraria a corrente jurisprudencial dominante no STJ, máxime a orientação jurisprudencial sufragada neste citado Acórdão do STJ – Acórdão fundamento - que vem na linha dos outros supra citados e que, impõe ao Tribunal competente para conhecer da matéria de facto, devidamente impugnada, que proceda à audição das passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa (art. 412.º, n.º 6, 2.ª parte), para formular um juízo próprio e não um mero juízo confirmativo do juízo de 1.ª instância.

23 - É assim patente a contradição entre os Acórdãos sub judice sobre a mesma questão fundamental de direito e também não podem restar dúvidas que todos os citados Acórdãos foram proferidos no âmbito da mesma legislação.

Pelo que,

24 - Salvo o devido respeito por melhor entendimento, a razão está do lado do acórdão fundamento e bem assim da vasta doutrina e maioritária jurisprudência que vem alinhando o acertado entendimento supra explanado.

25 - Por conseguinte em obediência a tal entendimento, considera o Recorrente que o douto Acórdão recorrido, opera uma errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 127º, 412º n.º 6, 428º e 431º do CPP e por conseguinte não poderá manter-se na ordem jurídica.

26 – Sendo certo que, também decidiu contra, ou, violou os princípios constitucionais consagrados nos supra citados artigos da Constituição – Acórdão do TC nº 116/2007 de 16/02/2007 (Proc. nº 522/06), publicado no Diário da República II série, nº 79 de 23/04/2007 27 - Impõe-se assim as questões “sub judice” sejam apreciadas, atenta a sua relevância geral em sede de realização da justiça e particular em sede de eficaz realização dos direitos subjectivos de modo a assegurar uma melhor aplicação do direito».

  8. Respondeu o Exmº Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação do ..., pugnando pela rejeição do recurso e desta forma concluindo:

«1. O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência tem que ser interposto no prazo de 30 dias contados a partir do trânsito em julgado do acórdão recorrido.

2. Tendo o acórdão recorrido transitado em julgado em 10 de Outubro de 2019, o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência devia ter sido interposto no lapso temporal balizado entre 11 de Outubro e 09 de Novembro de 2019.

3. A tanto não obstando a pendência, então, de um recurso extraordinário de decisão alegadamente proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, que, após passagem pelo Tribunal Constitucional, apenas baixaria ao tribunal a quo em fins de Junho de 2021.

4. Daí que o presente recurso para fixação de jurisprudência, porque interposto somente em 12 de Julho de 2021, se apresente manifestamente extemporâneo.

5. Termos em que não poderá ser admitido pelo Supremo Tribunal de Justiça, devendo antes ser objecto de rejeição, o que é de justiça».


   II. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, pugnando igualmente pela rejeição do recurso:

«(…)

2. Dos Pressupostos formais:

A admissão do recurso extraordinário de fixação jurisprudência, regulado nos artigos 437º a 445º do CPP, depende, desde logo, da verificação, de vários pressupostos formais:

- Legitimidade e interesse em agir do recorrente;

─ Os acórdãos em conflito serem de tribunais superiores, ambos do Supremo Tribunal de Justiça, ambos de Tribunal da Relação, ou um – o acórdão recorrido – de Relação, mas de que não seja admissível recurso ordinário, e o outro – o acórdão-fundamento – do Supremo – art.º 437º n.ºs 1 e 2 do CPP.

─ O trânsito em julgado dos dois acórdãos – arts. 437º n.º 4 e 438º n.º 1, do CPP.

─ A interposição do recurso no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido) – art.º 438º n.º 1 do CPP.

─ A identificação do aresto com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição (acórdão-fundamento) – art.º 438º n.º 2 do CPP.

─ A indicação, caso se encontre publicado, do lugar de publicação do acórdão-fundamento – art.º 438º n.º 2 do CPP.

─ A indicação de apenas um acórdão-fundamento – art.º 437º n.ºs 1, 2 e 3 e 438º n.º 2 do CPP 1.

Por razões de preclusão, como se verá de seguida, analisaremos o requisito tempestividade.

2.1. Da tempestividade:

2.2.

O acórdão recorrido foi proferido pelo Tribunal da Relação do ... em 10/07/2019.  Inconformado o arguido invocou a nulidade do referido acórdão, por omissão de pronúncia nos termos do artigo 379.º n.º 1 al. c) do CPP, tendo por decisão proferida em 25/09/2019, sido indeferido o requerido.

Da mesma, interpôs para o STJ, recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada, o qual não foi admitido. Do despacho que não admitiu o referido recurso, o arguido reclamou para o vice-presidente do STJ, tendo o mesmo, por despacho de 4/12/2019, admitido o recurso.

Por acórdão do STJ de 29/10/2020, foi rejeitado o recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada, por inadmissibilidade.

Interpôs então, o arguido recurso para o Tribunal Constitucional, do acórdão que rejeitou o recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada, o qual por decisão sumária de 15/12/2020, não tomou conhecimento do objecto do recurso nos termos do artigo 78.º- A do LTC. De tal decisão reclamou o recorrente para a conferência, a qual foi indeferida por acórdão de 27/05/2021.

2.2.1. A recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas em recurso por Tribunal da Relação que, como o acórdão recorrido, conheçam a final do objecto do processo, está regulada nas, entre outras, disposições dos arts 399.º, 432.º n.º 1 alínea b) e 400.º n.º 1 alíneas e) e f) do CPP

Disposições de cuja articulação resulta, designadamente, que:

─ Só «é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei» – art.º 399.º do CPP;

─ «Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça […] de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do art.º 400.º» – art.º 432.º n.º 1 alínea b) do CPP;

─ «Não é admissível recurso […] de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos» – art.º 400.º n.º 1, alínea e), do CPP –, salvo, neste último caso, se estivermos perante decisão que inovatoriamente aplicou pena de prisão efectiva (reversão da decisão de absolvição da 1ª instância). Também «[não é admissível recurso […] de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos» - art.º 400.º n.º 1 alínea f) do CPP.

A confirmação a que se refere este art.º 400.º n º 1 alínea f), dupla conforme, na expressão mais comum - «não significa nem exige a coincidência entre as duas decisões. Pressupõe apenas a identidade essencial entre as mesmas, como tal devendo entender-se a manutenção da condenação do arguido, no quadro da mesma qualificação jurídica, tomando como suporte a mesma matéria de facto»; sendo também, confirmativas - pelo menos, para a maioria da jurisprudência –as decisões de confirmação in mellius.

2.2.2. No caso vertente, como se referiu, o ora recorrente, discordando da decisão proferida pelo Tribunal da 1.ª instância, dela recorreu para o Tribunal da Relação do ..., mas tal tribunal por decisão proferida em 10/07/2019 manteve a decisão proferida em 1ª instância, confirmando a condenação do arguido, pela prática de um crime de detenção/venda de dispositivos ilícitos, previsto e punido pelo artigo 104.º nº 1 al.º a) e b), e 3) da Lei n.º 5/2004, que, pela relação de consumpção absorve o crime de acesso ilegítimo, p. e p. pelo artigo 6.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 109/2009, de l5/09, na pena de 200 dias de multa à razão diária de € 8,00, no montante global de € 1.600,00.

Assim, o acórdão do Tribunal da Relação do ..., que confirmou a decisão de primeira instância em que fora aplicada pena não privativa de liberdade ao arguido, não admitia recurso ordinário (artigos 400. ° n.º 1, alínea e), e 432., n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal), apenas podendo, podendo ser invocadas nulidades ou ser interposto recurso para o Tribunal Constitucional, no prazo de 10 dias (artigo 105.º n.º 1 do CPP e 75.º n.º 1 da Lei do tribunal Constitucional).

Como se viu, nos presentes autos, o arguido arguiu a nulidade do referido acórdão, por omissão de pronúncia nos termos do artigo 379.º n.º 1 al. c) do CPP, tendo por decisão proferida, pelo TRP, em 25/0972019, sido indeferido o requerido.

Este último acórdão foi notificado, por via electrónica aos sujeitos processuais, no dia 27/09/2019, considerando-se, assim o arguido notificado em 30/09/2019 (art.º 113º nº 11 e 12 do CPP).

De acordo com o art.º 628.º, do CPC (aplicável, ex vi art.º 4.º do CPP), uma decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, não exigindo a lei a produção de qualquer decisão judicial declaratória do trânsito pelo que o acórdão recorrido transitou no dia 10 de Outubro de 2019.

Com efeito, e como aliás, bem refere o MP junto do Tribunal da Relação do ..., o recurso extraordinário contra jurisprudência fixada que o arguido interpôs para o STJ, não tem efeito suspensivo da decisão recorrida (art.º 438º, n.º 3, do CPP), e a sua interposição, não contém, em si, a virtualidade de produzir qualquer efeito na decisão condenatória, impedindo o normal trânsito em julgado do acórdão do TRP. E o mesmo se diga relativamente ao recurso que o arguido interpôs, para o Tribunal Constitucional, já que, o mesmo, não teve por objecto o acórdão condenatório, mas sim a decisão que rejeitou o recurso contra jurisprudência fixada, pelo que a sua interposição, não contém, em si, também, a virtualidade de produzir qualquer efeito, sobre a decisão condenatória.

Como preceitua o artigo 438.º, n.º 1, do CPP, o recurso para fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, pelo que, o recurso interposto pelo arguido em 12/07/2021, é ostensivamente extemporâneo.

Constituindo a intempestividade do recurso, motivo de inadmissibilidade do mesmo, somos de parecer que o mesmo deve ser rejeitado- CPP nos termos dos arts. 438º nº 1 e 441.º, n.º 1, primeiro segmento, do CPP».


 Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, o recorrente respondeu, reafirmando o seu entendimento de que é tempestivo o recurso que apresentou.


     III. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


  Dispõe-se no artº 437º, nº 1 do CPP:

 “Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente â mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar”.

  E, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, “é também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário (…)”.

    Estatui-se, por outro lado, no artº 438º, nº 1 do mesmo diploma legal que “o recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar”.

  Como esclarecidamente se afirma no Acórdão deste Supremo Tribunal de 12/12/2018, Proc. 5668/11.0TDLSB.E1.C1-A.S1, 3ª sec., “I - O recurso extraordinário de fixação de jurisprudência pressupõe, em face da disciplina consagrada nos arts. 437.º e 438.º do CPP, a verificação de pressupostos, de índole formal e substancial, assunto sobre o qual a jurisprudência do STJ se tem debruçado com frequência. II - Constituem pressupostos, de índole formal: -a interposição no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido); -a identificação do aresto com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição; -indicação, caso se encontre publicado, do lugar de publicação do acórdão fundamento; -o trânsito em julgado dos dois arestos (aresto recorrido e aresto fundamento); - a indicação de apenas um aresto fundamento. Como pressupostos, de índole substancial: - dois acórdãos proferidos no domínio da mesma legislação; - que incidam sobre a mesma questão de direito; - e assentem em soluções opostas”.

A primeira questão a decidir prende-se, naturalmente, com a (in)tempestividade deste recurso.

 O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência deve ser interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido) – artº 438º, nº 1 do Cod. Proc. Penal.

  Tratando-se de um requisito de admissibilidade, há-de estar verificado no momento da interposição do recurso, sob pena de rejeição – neste sentido, cfr., entre outros, os Acs. STJ de 12/1/2000, Proc. 1062/99 - 3.ª Secção, Rel. Cons. Armando Leandro, de 16/10/2003, Proc. 1207/03-5ª, rel. Cons. Pereira Madeira, citado no “Código de Processo Penal, Notas e Comentários”, 2ª ed., 1424, de Vinício Ribeiro e de 4/2/2021, Proc. 3407/16.8JAPRT-A.P1-A.S1.

 Acautelando a possibilidade de ser questionada a tempestividade deste recurso, o recorrente teve a preocupação de, no requerimento de interposição do mesmo, tecer as seguintes considerações:

«a) O recurso interposto pelo arguido aos 01/10/2019, não foi admitido como recurso para uniformização de jurisprudência, dado o fundamento de o acórdão proferido nestes autos em 10/07/2019, não estar, nessa data de 01/10/2019, transitado em julgado;

b) A douta decisão proferida pela Exma. Senhora Vice-presidente do STJ, em 04/12/2019, apenas admitiu a subida do recurso interposto na modalidade de recurso da decisão proferida contra jurisprudência uniformizada do STJ, nos termos do disposto art. 441º n.º 1 do CPP, conforme tudo melhor se alcança dos autos;

c) No STJ, o recurso apesar de admitido como recurso contra jurisprudência fixada, viria, todavia, também nessa vertente a ser rejeitado, conforme tudo melhor se alcança dos autos;

d) Interposto recurso para o Tribunal Constitucional, viria o mesmo a ser definitivamente rejeitado por decisão proferida em 27/05/2021, notificada ao arguido aos 31/05/2021 e, por isso, transitada em julgado em 11/06/2021, conforme dos autos também se alcançará;

e) Está em curso o prazo de 30 dias, contado depois do trânsito em julgado, depois daquela ultima decisão do Tribunal Constitucional previsto no art. 438º n.º 1 do CPP.

Estão, pois, como infra melhor se explicitara e demonstrará, preenchidos os pressupostos tipificados na lei para a admissão do presente recurso, nos termos do artigo 437.º e sgts do CPP».


   IV. Vejamos:

   O recurso para fixação de jurisprudência é, por definição legal, um recurso extraordinário que deve ser interposto no prazo de 30 dias, contados sobre o trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido).

   A noção do trânsito em julgado é-nos fornecida pelo artº 628º do Cod. Proc. Civil, ex vi do artº 4º do Cod. Proc. Penal:

 «A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”.

  Ora, o acórdão recorrido é, no caso, o proferido pelo Tribunal da Relação do ... em 10 de Julho de 2019, que, negando provimento ao recurso interposto, confirmou a decisão da 1ª instância, de condenação do recorrente na pena de 200 dias de multa, à razão diária de 8 euros, no montante de 1.600 euros, pela prática de um crime de detenção/venda de dispositivos ilícitos, p.p. pelo artº 104º, nºs 1, als. a) e b) e 3 da Lei 5/2004, de 10/2.

   Nos termos do disposto no artº 399º do CPP, “só é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei”.

   Dispõe-se no artº 432º, nº 1 do CPP que é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça:

“a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância;

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;

d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores”.

   Posto que, manifestamente, a situação em apreço não tem cabimento nas alíneas a), c) e d) do nº 1 do artº 432º do CPP, reata saber se a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do ..., em recurso, era ou não irrecorrível.

   Ora, nos termos do disposto no artº 400º, nº 1, al. e) do CPP, não é admissível recurso “de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos”.

    É, claramente, a situação dos autos.

  Daí, portanto, que o acórdão recorrido não admitisse, como não admitia, recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça.

     Ao recorrente restava, então, arguir a nulidade do acórdão (artº 379º do CPP), pedir a sua correcção, sendo caso disso (artº 380º do CPP), sempre nos 10 dias subsequentes à notificação da decisão – artº 105º, nº 1 do CPP - ou interpor recurso para o Tribunal Constitucional, também no prazo de 10 dias – artº 75º, nº 1 da Lei 28/82, de 15/11.

     E o ora recorrente arguiu a nulidade do acórdão recorrido, pretensão que lhe foi indeferida por acórdão em 25 de Setembro de 2019, o qual lhe foi comunicado por notificação enviada no dia 27 seguinte, por via electrónica.

     Porque assim é, presente o estatuído no artº 113º, nºs 11 e 12 do CPP, a notificação do recorrente do teor do acórdão que indeferiu a nulidade que havia arguido, presume-se feita no dia 30 de Setembro de 2019.

    Ora, como bem se refere o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 29/10/2020 e supra referido em  I.5, a arguição de nulidade “poderia implicar, em caso de procedência, a modificação essencial da decisão impugnada”, razão pela qual, “a data do trânsito em julgado a ter em conta será, pois, a deste acórdão que estabiliza a decisão, por força do que dispõe o art. 628.°, do CPC aplicável ex vi art. 4.° do CPP, no sentido de que a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação”.

      E porque assim é, o acórdão recorrido transitou em julgado no dia 10 de Outubro de 2019.

   Na verdade, «ainda que a arguida tenha apresentado recurso para o STJ que não foi admitido, não se pode entender que esta interposição impeça o trânsito em julgado do acórdão. É que nos termos do art. 628.º, do CPC, ex vi art. 4.º, do CPP, “a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação”.

Não é pelo facto de, após o último acórdão que indeferiu a arguição de nulidades do primeiro, ter interposto recurso do acórdão da relação (…) e de ter sido proferido despacho de não admissibilidade, do qual reclamou para o Supremo Tribunal de Justiça, que se pode considerar que o trânsito em julgado apenas ocorreu em momento posterior. Na verdade, se assim fosse estava aberta uma nova via para prolongar, ou seja, alterar, os prazos legalmente estabelecidos» - Ac. STJ de 22/9/2016, Proc. 43/10.6ZRPRT.P1-D.S1, rel. Cons. Helena Moniz [1].

   No mesmo sentido viria a pronunciar-se este Supremo Tribunal, no seu Ac. de 26/11/2020, Proc. 775/18.0T9LRA.C1-B.S1: “A decisão do STJ sobre a reclamação (apresentado ao abrigo do disposto no art. 405.º, do CPP) do despacho que não admitiu o recurso não tem qualquer reflexo no trânsito em julgado do acórdão da Relação, tanto mais que se decidiu pela irrecorribilidade daquele; além de que aquela reclamação constitui uma reclamação da decisão que não admite o recurso, e não uma reclamação do acórdão da Relação do qual se pretendia recorrer”.

    E ainda no mesmo sentido se pronunciou este Tribunal, no Ac. STJ de 11/3/20121, Proc. 130/14.1PDPRT.P1.S1, rel. Cons. Margarida Blasco: “VIII - O STJ, a propósito do recurso para fixação de jurisprudência, ou de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, densificou o conceito de trânsito em julgado, para efeito de contagem do prazo de interposição de tais recursos. Conforme jurisprudência uniforme deste STJ, uma decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação (artigo 628.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º, do CPP). Atendendo aos relevantes efeitos associados ao trânsito em julgado [como seja, a exequibilidade da decisão (artigo 467.º, n.º 1, do CPP), o prazo para interposição de recursos extraordinários (artigos 438.º, n.º 1 e 446.º, n.º 1, ambos do CPP), ou momento a partir do qual se inicia os prazos de contagem de prescrição da pena (artigo 122.º, n.º 2, do CP), bem como, os institutos do caso julgado ou ne bis in idem], o mesmo desempenha uma relevante função de acautelamento da segurança jurídica. É, justamente, a previsibilidade, estabilidade e segurança, no firmamento da data do trânsito em julgado, que o STJ tem invocado para decidir que a reclamação apresentada ao abrigo do disposto no artigo 405.º, do CPP do despacho que não admitiu o recurso não tem qualquer reflexo no trânsito em julgado do acórdão da Relação, pois que, a decisão do presidente do Supremo que indefere a reclamação da decisão que não admite o recurso limita-se a declarar e confirmar a «insusceptibilidade» do recurso, a qual, ao nível do trânsito do acórdão recorrido, se deverá reportar ao momento em que o recurso já não é legalmente possível. Isto é, o acórdão transitou «logo que», no caso, se esgotou a possibilidade de recorrer por a lei não admitir recurso”. IX - Num plano mais lato, o que se sustenta é que no caso em que o recurso não é admissível para o STJ, a decisão transita a partir do momento em que já não é possível reagir processualmente à mesma, estabilizando-se o decidido, pelo que, no caso de decisões que não admitam recurso, o trânsito verifica-se findo o prazo para arguição de nulidades ou apresentação de pedido de correcção (arts. 379.º, 380.º e 425.º, n.º 4, do CPP), ou seja, o prazo-regra de 10 dias fixado no n.º 1 do art. 105.º do CPP, em caso de não arguição ou de não apresentação de pedido de correcção” e, em caso de arguição, após o trânsito da decisão que conhece da arguição, data a partir do qual se inicia a contagem do prazo dos recursos extraordinários que pressupõe o trânsito em julgado. Deste modo, impede-se a abertura de uma nova via para prolongar, ou seja, alterar, os prazos legalmente estabelecidos”.

    Como é evidente, a “reclamação” a que se refere o artº 628º do CPC nada tem a ver com a reclamação prevista no artº 405º do CPP. Nesta última, está em causa a impugnação do despacho que não admitir ou que retiver o recurso; naquela, a arguição de nulidades a que se refere o artº 615º do CPC e a reforma da sentença a que se reporta o artigo 616º do mesmo diploma, as quais correspondem, no Código de Processo Penal, à arguição de nulidades prevista no artº 379º do CPP e à correcção da sentença a que alude o artº 380º do mesmo diploma.

  E nem se diga que a reclamação do despacho que não admitiu o recurso mereceu provimento no despacho proferido pela Exmª Vice-Presidente do STJ: como acima se referiu, em tal decisão se afirma expressamente que o acórdão do Tribunal da Relação do ... é insusceptível de recurso ordinário (“O acórdão da Relação não admite, assim, recurso ordinário”). Aquilo que foi mandado subir (para que o STJ, no momento próprio, apreciasse a sua admissibilidade, porquanto só a este Supremo Tribunal cabe competência para tanto, por força do artº 440º, nº 3 do CPP) foi o recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada que, aparentemente, o arguido pretendia interpor.

    Portanto, o acórdão recorrido transitou em julgado no dia 10 de Outubro de 2021 (como, aliás, bem se refere no ponto 57 do acórdão deste Supremo Tribunal referido em I.5 supra [2]).

   E contra isto não se argumente, como o faz o recorrente – confundindo realidades distintas – com a interposição de um recurso para o Tribunal Constitucional, onde foi proferido acórdão em 27/5/2021, confirmando decisão sumária proferida em 15/12/2021, de não conhecimento do recurso interposto pelo aqui recorrente: o recurso em causa, interposto para o Tribunal Constitucional, não respeitava ao acórdão do Tribunal da Relação do ..., antes ao acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, que havia rejeitado, por o considerar inadmissível, o recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada, interposto pelo arguido.

   E porque assim é, nenhum reflexo teve ou podia ter sobre a contagem do prazo para interposição do presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

         Concluindo:

   O acórdão recorrido transitou em julgado no dia 10 de Outubro de 2019.

  O presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência foi interposto no dia 12 de Julho de 2021, largamente ultrapassado o prazo de 30 dias a que alude o artº 438º, nº 1 do CPP.

  Impõe-se, pois, a sua rejeição, por inadmissibilidade legal, atenta a respectiva extemporaneidade – artºs 441º, nº 1 e 438º, nº 1, ambos do Cod. Proc. Penal.


   V. São termos em que, sem necessidade de mais considerações, acordam os Juízes Conselheiros desta 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de justiça em rejeitar o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelo arguido AA, por inadmissibilidade, em virtude de ter sido interposto fora do prazo legalmente previsto, condenando-o no pagamento das respectivas custas e fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s.


Lisboa, 9 de Dezembro de 2021 (processado e revisto pelo relator)


Sénio Alves (Juiz Conselheiro relator)

Ana Brito (Juíza Conselheira adjunta)

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[1] Acessível, como os demais citados relativamente aos quais não for indicada a fonte, em www.dgsi.pt.
[2] “Assim, começou a correr novo prazo de 10 dias, a partir de 01-10-2019, com termo final em 10-10-2020, data em que se verificou o trânsito em julgado, de acordo com o disposto nos arts. 104° e 105°, do CPP”.