Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4053/15.9T8CSC.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: INCUMPRIMENTO DOS ÓNUS PREVISTOS NO ARTIGO 640.º N.º 1 CPC
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Data do Acordão: 04/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE QUE IMPUGNE A DECISÃO RELATIVA Á MATÉRIA DE FACTO.
DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / PROCESSO COMUM / RECURSOS / PRAZO DE INTERPOSIÇÃO.
Doutrina:
- ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES; Recursos no Novo Código de Processo Civil. Almedina, Coimbra, 4.ª Edição, 2017, n. 262, p. 158.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 640.º N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 80.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 03/03/2016, PROCESSO N.º 861/13.3TTVIS.C1.S1;
- DE 07/07/2016, PROCESSO N.º 220/13.8TTBCL.G1.S1.
Sumário :

I - O incumprimento pelo Recorrente dos ónus previstos no artigo 640.º n.º 1 do CPC não acarreta necessariamente que o recurso seja considerado como versando apenas sobre matéria de direito, com a consequente exclusão da aplicação do n.º 3 do artigo 80.º do CPT, havendo, antes, que aplicar tal preceito e conceder o prazo adicional nele previsto quando resulte do recurso intentado, mormente das suas alegações, que o mesmo tinha por objeto a reapreciação da prova gravada.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 4.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

AA interpôs acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra o seu empregador, BB, S.A., acção que foi julgada improcedente por sentença que absolveu o Réu de todos os pedidos contra este formulados.

Inconformado, o Autor interpôs reclamação e recurso mas os mesmos foram rejeitados por extemporâneos pelo Relator. Reclamou, então, para a conferência do despacho do Relator, tendo sido proferido Acórdão que, por maioria, julgou a reclamação improcedente e confirmou o despacho recorrido.

Novamente inconformado o Autor recorreu do referido Acórdão, pedindo que seja proferida decisão que determine a apreciação, em sede de matéria de facto e de direito, do recurso apresentado junto do Tribunal da Relação de Lisboa ou, pelo menos, que o recurso seja apreciado em matéria de direito (Conclusão xiii).

Fundamentação

A única questão objeto do presente recurso de revista é a de saber se o recurso de apelação interposto pelo Autor é tempestivo.

O Acórdão recorrido confirmou, por maioria, o despacho do Relator que rejeitou por extemporâneos a reclamação e o recurso apresentado pelo Autor contra a sentença que julgou improcedente a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que interpusera contra o seu empregador.

Tendo sido certificada no CITIUS a elaboração da notificação da sentença ao Ilustre Mandatário do Autor no dia 09/08/2016 (uma terça-feira), considera-se a mesma realizada no terceiro dia subsequente, ou seja, no dia 12/08/2016 (uma sexta-feira). O recurso foi interposto a 08/09/2016 (quinta-feira), suscitando-se a questão de saber se o prazo de interposição do recurso era de vinte dias (n.º 1 do artigo 80.º do CPT) ou se o Autor (e Recorrente) poderia beneficiar do prazo suplementar de dez dias previsto quando o recurso tem por objeto a reapreciação da prova gravada (n.º 3 do artigo 80.º do CPT).

O Tribunal da Relação, no douto Acórdão recorrido, decidiu que o prazo era, no caso concreto, de vinte dias e que, por conseguinte, o recurso era intempestivo.

Para assim decidir, o Tribunal da Relação sublinhou que o Recorrente não cumpriu, nas suas conclusões de recurso, qualquer um dos ónus previstos no artigo 640.º n.º 1 do CPC:

“[O] Recorrente não deu cumprimento a nenhum dos ónus supra referidos nas conclusões do recurso, pois aí nada disse sobre a impugnação da matéria de facto que anteriormente considerou na alegação do recurso: não especificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes de registo ou gravação realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, nem, por fim, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Daqui retirou o Tribunal da Relação a conclusão de que o recurso apenas incidia sobre matéria de direito, pelo que o prazo para a sua interposição era de apenas vinte dias, tendo sido já ultrapassado (mesmo considerando o prazo adicional com pagamento de multa).

Antes de mais, este Tribunal já teve ocasião de afirmar, designadamente em Acórdão proferido a 07/07/2016 (GONÇALVES ROCHA), processo n.º 220/13.8TTBCL.G1.S1, que “para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos da matéria de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c) do CPC.”

Da leitura das Conclusões do recurso de apelação interposto pelo Autor resulta, com clareza, que tais ónus não foram efectivamente cumpridos.

Com efeito, falta, desde logo, a especificação, nas Conclusões, dos específicos pontos de facto que o Recorrente considera terem sido incorretamente julgados (artigo 640.º n.º 1 alínea d) do CPC), sendo que, como refere ABRANTES GERALDES, “ainda que não tenha sido utilizada no art. 640.º uma enunciação paralela à que consta do n.º 2 do art. 639.º sobre os recursos em matéria de direito, a especificação nas conclusões dos pontos de facto a que respeita a impugnação serve para delimitar o objecto do recurso.[1]

O que acarreta que o Tribunal da Relação, no Acórdão recorrido, decidiu correctamente não poder conhecer o recurso quanto à impugnação da matéria de facto.

Mas justificar-se-á a decisão de que o recurso foi interposto fora de prazo, ficando assim arredado também o seu conhecimento em matéria de direito?

Na Conclusão XI afirma-se que “a assunção que é feita da publicação postada no facebook ao Eng.º. CC e que conduziu ao ilícito despedimento do trabalhador/recorrente, emergiu da associação feita e não sustentada e fundamentada em qualquer tipo de prova, a qual consta da Nota de Culpa”, acrescentando-se, ainda que “assunção esta, que o tribunal a quo acolheu de igual modo na sentença proferida, sem recurso a qualquer tipo de prova que lhe permitisse inferir tal facto” e rematando com a asserção de que “perpassa da prova testemunhal que, esta eventual associação a existir, resulta do conhecimento adquirido pelas testemunhas, no momento da verificação da existência dos presentes autos” (o sublinhado é nosso).

Ora, muito embora esta Conclusão não seja suficiente para cumprir o disposto no artigo 640.º do CPC, ela também mostra que a impugnação da matéria de facto, ainda que deficientemente realizada ao ponto de não poder ser conhecida pelo Tribunal da Relação, não é inexistente, não está ausente por inteiro do recurso interposto, como é, aliás, patente nas alegações. Com efeito, o Autor refere expressa e reiteradamente os depoimentos das testemunhas, com indicação dos momentos das gravações, nos artigos 16, 18, 20, 25, 27, 38, 39 e 41. É, pois, patente, que ouviu e utilizou a prova gravada para a elaboração do seu recurso.

E, como também já decidiu este Supremo Tribunal em Acórdão proferido a 03/03/2016 (ANA LUÍSA GERALDES), processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, “independentemente da perfeição/imperfeição da impugnação da matéria de facto, não pode o Tribunal da Relação considerar que o prazo de recurso de 30 dias, fixado no artigo 80.º n.º 3 do CPT não é aplicável, reduzindo-o para o prazo de 20 dias, previsto no n.º 1 desse mesmo artigo, para depois concluir que o recurso é extemporâneo e decidir no sentido da sua rejeição”.

Em suma, o prazo suplementar de dez dias deve aplicar-se ao caso vertente, porquanto resulta inequivocamente do recurso de apelação que o Recorrente pretendeu efectivamente interpor um recurso em matéria de facto, tendo tido para o efeito que ouvir e consultar a prova gravada, ainda que tenha, depois, interposto tal recurso de maneira deficiente.

Decisão: Concede-se parcialmente a Revista, admitindo-se o recurso em matéria de direito, devendo o Tribunal da Relação tomar conhecimento desse segmento do recurso.

Custas a decidir a final.

Lisboa, 11 de Abril de 2018

Júlio Gomes (Relator)

Ribeiro Cardoso

Ferreira Pinto

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[1] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES; Recursos no Novo Código de Processo Civil. Almedina, Coimbra, 4.ª ed., 2017, n. 262, p. 158.