Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
623/05.1TBSLV.E2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA ROSA
Descritores: AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
OBJECTO DO RECURSO
OBJETO DO RECURSO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONTRATO DE SEGURO
PROPOSTA DE SEGURO
TOMADOR
PESSOA SINGULAR
SEGURADORA
CONCLUSÃO DO CONTRATO
Data do Acordão: 06/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DOS SEGUROS - CONTRATO DE SEGURO / CELEBRAÇÃO E EXECUÇÃO DO CONTRATO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, em anotação ao art.º 636.º.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 636.º.
D.L. N.º 142/2000, DE 15-07: - ARTIGOS 6.º, 7.º, N.º1.
D.L. N.º 176/95, DE 26-07: - ARTIGO 1.º, AL. F), 17.º.
Sumário :
I - Nada tendo feito a apelada para promover a ampliação do objecto do recurso, nos termos do art. 636.º do NCPC (2013), fica o recurso fechado na questão suscitada pela apelante.

II - Não sendo a questão colocada dentro do objecto do conhecimento do Tribunal da Relação, não pode mais tarde a mesma questão ser reinventada para o STJ, porquanto este dirige o seu conhecimento sobre aquilo de que a Relação conheceu.

III - Ao prever que se considera celebrado o contrato de seguro nos termos propostos pela seguradora se, decorridos 15 dias após a recepção da proposta de seguro, aquela não tiver notificado o proponente da aceitação, da recusa ou da necessidade de recolher esclarecimentos essenciais à avaliação do risco, o art. 17.º, n.º 1, do DL n.º 176/95, de 26-07 teve especialmente em atenção o caso dos seguros individuais, efectuados relativamente a uma pessoa, em que o tomador do seguro, manifestamente o contraente mais frágil, tem o direito de saber, ab initio, desde quando está protegido pelo contrato celebrado e, no reverso, desde quando está constrangido por sua parte às obrigações contratuais que assumiu.

IV - Daí que, em nome da clareza e transparência negocial, o tomador individual saiba que se considera como proposta de seguro “aquele” formulário que lhe é posto à frente pela seguradora da qual se abeira (art. 17.º, n.º 2, do DL n.º 176/95, de 26-07).

V - Não tendo o tomador de seguro, pessoa física, sido destinatário de qualquer notificação pela seguradora nos 15 dias seguintes à entrega da proposta de seguro, o contrato de seguro tem-se por perfeito e em vigor.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




AA e mulher BB

intentaram, no Tribunal Judicial de Portimão (hoje comarca de Faro – Portimão – Instância Central – 2ª Secção Cível – J1), acção ordinária, que recebeu o nº623/05.1TBSLV, contra

COMPANHIA DE SEGUROS CC, SA

FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL

DD

EE

com fundamento em responsabilidade civil emergente de acidente de viação ocorrido em 29.9.2002, no qual faleceu o filho de ambos, FF.

Alegaram que o referido acidente ocorreu por culpa exclusiva do referido DD e demandaram a seguradora e o Fundo devido à dúvida sobre a existência de seguro válido que cobrisse os danos emergentes da circulação do veículo UI-...-... (veículo tripulado pelo DD).

No que respeita aos danos, os AA fixaram os mesmos em € 60 000, pela perda do direito à vida do seu filho FF, acrescidos de € 40 000 a título de danos não patrimoniais dos próprios e de € 6 733,77, estes a título de danos patrimoniais, correspondentes ao valor do motociclo do FF, que ficou destruído em consequência do acidente.

Contestou a ré CC, alegando a inexistência de seguro válido que cobrisse os danos emergentes da circulação do veículo UI-...-....

Contestou o Fundo de Garantia Automóvel, invocando a existência de seguro válido, pelo que se considerou parte ilegítima.

Contestou o réu EE, alegando igualmente existir ilegitimidade, por a sua viatura possuir seguro válido, mas também ocorrer ineptidão por falta de causa de pedir, uma vez que não são alegados factos suficientes para concluir pela sua responsabilidade e suportar o pedido contra si formulado.

O réu DD, citado editalmente, manteve-se revel.


~~


A esta acção vieram posteriormente a ser apensadas outras duas, nas quais igualmente se discutia a responsabilidade civil emergente do mesmo acidente de viação ocorrido em 29.9.2002, e que se encontravam pendentes no tribunal da Comarca de Silves: as acções nºs 657/05.6.TBSLV, intentada por GG contra os mesmos réus, e 732/05.7TBSLV, intentada por HH, por si e em representação da sua filha II, contra os réus Companhia de Seguros CC e Fundo de Garantia Automóvel.

Os RR contestaram, nelas, nos mesmos termos em que o haviam feito na acção principal.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença de fls. 1204 a 1250, datada de 23 de Fevereiro de 2015, que julgou a presente acção parcialmente procedente e julgou os RR. EE e FGA partes legítimas;

condenou solidariamente, os referidos réus, bem como o R. DD a pagar as seguintes quantias:

- aos AA AA e BB, a quantia de € 60 713,64, sendo € 4 713,64 a título de danos patrimoniais e € 56 000 a título de danos não patrimoniais;

- à A. GG a quantia de € 86.402,12, sendo € 30.402,12 a título de danos patrimoniais e € 56.000 a título de danos não patrimoniais;

- à A. HH, em nome próprio, a quantia de € 17782,70, sendo € 2782,70 a título de danos patrimoniais e € 15000 a título de danos não patrimoniais;

- à A. HH, em representação da sua filha II, a quantia de € 15000, a título de danos não patrimoniais;

- à A. HH, em nome próprio e em representação da filha II, a quantia de € 189 113,28, sendo € 169 113,28 a título de danos patrimoniais e € 20 000 a título de danos não patrimoniais.

Na parte respeitante a danos materiais, deve ser deduzida a franquia prevista no nº2 do art.21º do DL 522/85, nos pagamentos a efectuar pelo FGA.

E – aditamento de fls.1260 – absolveu a ré Companhia de Seguros CC, S.A. dos pedidos contra ela formulados.

Em despacho de fls. 1342, «verificando-se que efectivamente foi cometida nulidade por omissão de pronúncia quanto à peticionada condenação em juros que os AA invocam (os autores que por via disso vieram interpor recurso de apelação), deferiram-se as nulidades invocadas por todos os autores e determinou-se que passasse a constar da sentença a condenação dos réus EE, DD e FGA a pagar a cada um dos autores juros à taxa legal sobre os montantes indemnizatórios, contados desde a citação no que respeita aos montantes arbitrados por danos patrimoniais, e contados desde a sentença no que concerne aos danos não patrimoniais.

Com interesse ficou apenas o recurso de apelação interposto pelo réu FGA que pugnou pela sua absolvição e a condenação da ré seguradora.

Em acórdão de fls. 1356 a 1367, datado de 19 de Novembro de 2015, sem voto de vencido, o Tribunal da Relação de Évora julg|ou| o recurso procedente, alterando-se a sentença, em função do que:

absolve-se o recorrente do pedido, bem como os réus EE e DD;

condena-se a Companhia de Seguros CC, S.A. a pagar os montantes que foram estabelecidos na sentença.

Inconformada agora a ré/recorrida CC – Companhia de Seguros, S.A., vem a mesma interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal, alegando a fls. 1385.

E CONCLUI:

1ª - O Tribunal da Relação de Évora entendeu, com base no art.17º do Decreto-Lei Nº176/95, que uma seguradora só pode recusar a celebração do contrato proposto no prazo de 15 dias.

2ª - Acontece que no caso sub judice a ora recorrente, aquando da subscrição da proposta de seguro e da consequente emissão do certificado de seguro provisório, ainda não tinha conhecimento de que o réu EE tinha uma dívida de prémios de seguro para com a sua congénere JJ.

3ª - E que, logo que teve conhecimento da situação, como se encontra provado, enviou ao réu EE a comunicação de fls. 54, em que lhe pedia para fazer prova da regularização da situação perante a JJ, no prazo de 15 dias, sob pena de considerar nula e de nenhum efeito a proposta de seguro, desde o seu início.

4ª - Uma vez que o réu EE nada fez, não foi celebrado o contrato de seguro, nem emitida a apólice.

 5ª - Daqui resulta que o prazo de 15 dias previsto no Dec.Lei nº176/95 pressupõe o conhecimento da real situação do proponente do seguro à data da entrega da proposta de seguro, o que no caso dos autos não aconteceu.

6ª - O prazo de 15 dias referido no Dec. Lei nº 176/95 não tem, pois, aplicação, ao caso dos autos.

7ª - No entanto, o Tribunal da Relação de Évora considerou que não tendo a proposta de seguro sido recusada no prazo de 15 dias, o contrato existia à data do acidente, sendo a questão do pagamento do prémio de seguro apenas uma questão de eficácia desse mesmo contrato.

8ª - Mais considerou o Tribunal da Relação que o ónus da prova do não pagamento do prémio incumbia à seguradora e que não tendo a ora recorrente feito essa prova não se pode colocar em causa a eficácia do contrato.

9ª - Ora, a seguradora alegou que não existia contrato de seguro à data do acidente.

10ª - Os réus EE e o FGA alegaram o contrário.

11ª - Incumbia, pois, aos co-Réus fazerem prova não só da existência do contrato, mas também da sua validade - dependente do pagamento do prémio iniciai, nos termos do artº nº 6 do Dec. Lei nº142/2000.

12ª - Não tendo os co-Réus, designadamente, o réu EE feito essa prova, não pode o contrato de seguro, mesmo que se admita a sua existência, ser considerado válido.

13ª - Na verdade, estando a validade do contrato dependente do pagamento do prémio inicial, era aos co-Réus, a quem o facto aproveitava, que incumbia essa prova, não se podendo exigir da recorrente a prova negativa do facto.

14ª - Decidindo como decidiu o Tribunal da Relação de Évora violou o disposto nos arts.17º do Dec. Lei 176/95, 4º, 6º e 11º do Dec. Lei 142/2000 e 414º- do CPCivil.

15ª - Acresce que a presente acção foi decidida com base em concorrência de culpas, tendo sido as responsabilidades distribuídas na proporção de 70% para o condutor DD e de 30% para os condutores FF e KK.

16ª - Consequentemente, aos montantes constantes da condenação deveria ter sido abatido o valor de 30%, o que não aconteceu.

17ª - Por outro lado, entendeu a douta sentença da 1ª Instância que relativamente ao passageiro transportado no veículo ligeiro, LL não se aplicava essa redução de 30%, o que se nos afigura manifestamente ilegal, uma vez que a divisão de responsabilidades se aplica a todos os lesados, sem excepção.

18ª - Face ao exposto, devem os montantes indemnizatórios constantes da douta decisão da 1ª Instância ser reduzidos em 30%.

19ª - A douta sentença recorrida violou quanto a esta questão o disposto no artº 570, nº1 do Cód. Civil.

20ª - Face a todo o exposto deve o douto Acórdão da Relação de Évora ser revogado e reposta a decisão do Tribunal da 1ª Instância, com redução em 30% dos montantes indemnizatórios.

Contra – alegou o Fundo de Garantia Automóvel (fls. 1401) pela manutenção do acórdão recorrido.

Cumpre agora apreciar e decidir.

FACTOS (tais como foram fixados em 1ª instância e importados para o acórdão recorrido:

1 - Por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Silves, em 06/11/2002, foi declarado que, no dia 29/09/2002, na freguesia de …, concelho de Silves, faleceu FF (nascido em 27/06/1978), no estado de solteiro, sem ter feito testamento ou outra disposição de última vontade, não deixando descendentes, sucedendo-lhe como únicos e universais herdeiros o seu pai AA e a sua mãe BB.

2 - II nasceu em 22/01/1996 e é filha de LL (nascido a 20/08/1971) e da autora HH.

3 - A autora HH casou com LL, em 01/10/1994.

4 - Por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Silves em 29/4/2003, foi declarado que no dia 29/9/2002, na freguesia de …, concelho de Silves, faleceu KK (nascido a 09/06/1972), no estado de solteiro, sem ter feito testamento ou outra disposição de última vontade, não deixando descendentes vivos, sucedendo-lhe como sua única e universal herdeira sua mãe, a A. GG.

5 - A A. GG nasceu em 11/6/1947.

6 - No dia 29/09/2002, pelas 18 horas e 20 minutos, DD conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula UI-…-…, na E.N. nº 269, no sentido Algoz – Tunes.

7 - Tal veículo era propriedade do réu EE, que o havia emprestado a DD.

8 - No veículo de matrícula UI-…-… seguia, como passageiro, LL.

9 - No mesmo dia hora e local circulava no sentido Tunes - Algoz, o motociclo de matrícula …-…-RD, conduzido por FF, seu proprietário.

10 - No mesmo dia, hora e local circulava no sentido Tunes - Algoz, o motociclo de matrícula …-…-QX, conduzido por KK, à frente do motociclo de matrícula …-…-RD.

11 - O DD, ao Km 14,700, após ter parado o seu veículo na berma direita da via, atento o seu sentido de trânsito, resolveu fazer inversão de marcha e, inesperadamente, entrou com o UI-...-... perpendicularmente na E.N. 269 para tomar o sentido oposto (Tunes – Algoz), atravessando-se à frente dos veículos …-…-QX e …-…-RD, cuja marcha cortou, levando a que os mesmos embatessem de frente na sua parte lateral direita.

12 - E fê-lo sem previamente se certificar de que não circulava qualquer outro veículo na estrada.

10 - O motociclo de matrícula …-…-RD ainda deixou no pavimento, antes do embate, rastos de travagem com dez metros de comprimento, ao longo da faixa de rodagem destinada à circulação no sentido Tunes Algoz e completamente dentro desta faixa de rodagem.

11 - O embate ocorreu ao meio da metade direita da faixa de rodagem (atento o sentido Tunes - Algoz).

12 - O local do embate é constituído por uma reta de boa visibilidade, o tempo estava bom e o piso seco.

13 - Os condutores dos veículos QX e RD circulavam a velocidade superior a 50 Km/h.

14 - O local onde ocorreu o embate situa-se dentro de uma povoação e é constituído por uma reta com cerca de 1000 metros de comprimento, com habitações de ambos os lados.

15 - Naquela data estavam colocadas placas de sinalização à entrada da povoação, atentos os dois sentidos de trânsito, indicando naquele troço de estrada, onde ocorreu o acidente, proibição de os veículos automóveis e motociclos circularem com uma velocidade superior a 50 km/h.

16 - Em consequência deste embate resultaram para FF múltiplos traumatismos que foram causa necessária e direta da sua morte.

17 - FF, à data do seu falecimento, vivia com os pais, com quem se dava bem, tendo a sua morte deixado neles um sentimento de vazio, angústia, sofrimento e desespero.

18 – FF trabalhava como motorista de pesados, auferindo o vencimento mensal líquido de € 769,42 (setecentos e sessenta e nove euros e quarenta e dois cêntimos).

19 - Em consequência do acidente, o motociclo de FF, que à data valia € 6.733,77 (seis mil setecentos e trinta e três euros e setenta e sete cêntimos), ficou completamente destruído.

20 - Em consequência do acidente, LL sofreu múltiplos traumatismos e fraturas que lhe causaram a morte.

21 - LL, à data do seu falecimento vivia com a autora HH, e auxiliava economicamente a autora II, transferindo regularmente verbas para Ucrânia, para o sustento desta.

22 - A A. HH e a sua filha II nutriam por LL amor, carinho e amizade, tendo a sua morte deixado nelas um sentimento de vazio, angústia, sofrimento e desespero.

23 - LL trabalhava como vibradorista, auferindo o vencimento médio mensal de € 532,92 (setecentos e sessenta e nove euros e quarenta e dois cêntimos).

24 - LL era pessoa saudável.

25 - A autora HH seguia, como passageira, no veículo de matrícula UI-…-…, tendo presenciado o acidente e a morte do seu marido, o que a traumatizou.

26 - A autora HH despendeu € 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros) com o funeral de LL.

27 - A autora HH despendeu € 1.032,70 (mil e trinta e dois euros e setenta cêntimos) com a transladação dos restos mortais de LL para a Ucrânia.

28 - Em consequência do embate, resultaram para KK diversas fraturas, nomeadamente da base do crânio, da secção medular e a destruição maciça do baço, que foram causa direta e necessária da sua morte.

29 - À data do acidente, o KK era uma pessoa saudável, alegre e extrovertida.

30 - KK, antes de falecer, devido às lesões que sofreu em consequência do embate, padeceu de angústia e sofrimento.

31 - À data do acidente, KK exercia a profissão de servente de pedreiro, auferindo mensalmente o salário de € 750.

32 - Antes do acidente, KK entregava mensalmente à A. GG quantia não inferior a € 175.

33 - O KK à data do acidente vivia com a mãe, de quem era a única companhia e a quem era chegado e querido, sendo seu confidente, apoio e amparo.

34  - A A. GG sofreu um profundo desgosto com a morte do seu filho KK.

35 - A A. GG, por força da morte do filho, perdeu a tranquilidade e otimismo de que disfrutava antes, ficando sujeita a uma situação de stress, que ainda perdura, e tendo de ser sujeita a medicação.

36 - Em consequência do acidente, o motociclo …-…-QX, de KK, com o valor de € 8.430, ficou completamente destruído.

37 - Em 06/06/2002 o réu EE preencheu, assinou e entregou à ré Companhia de Seguros CC, S.A., a proposta de seguro cuja cópia consta a fls. 50 e 51 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

38 - A Companhia de Seguros CC, SA, tendo-se apercebido de que aquando da apresentação da proposta de seguro pelo R. EE havia uma dívida de prémios de seguro à sua congénere JJ, escreveu e remeteu ao R. EE a comunicação que consta de fls. 54, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

39 - Nada tendo o réu EE dito, a proposta de seguro foi devolvida pela seguradora e recusada a celebração do acordo de seguro, não tendo chegado a ser emitida a apólice, mas apenas um certificado provisório de seguro, que era o que existia à data do acidente.

A estes factos acrescentou o Tribunal de 2ª instância, no acórdão recorrido, mais os seguintes:

a carta a que se alude no nº 38 tem a data de 18 de Setembro de 2002, ou seja, anterior à data do acidente e cerca de dois meses e uma semana posterior à proposta referida no nº37;

tem o seguinte conteúdo:

«por consulta efectuada à nossa congénere fomos informados que existe uma dívida de prémio naquela congénere. Desse modo, somos forçados a considerar nula e de nenhum efeito a proposta em nosso poder, desde o seu início, a menos que seja feita prova da sua regularização na nossa congénere, no prazo de quinze dias, contados a partir da recepção da presente ».


~~


Proferida a sua sentença de fls. 1204 a 1250, a 1ª instância acrescentou-lhe o aditamento do despacho de fls. 1260, explicitando o que explícito já era – a absolvição da ré Companhia de Seguros CC, S.A.

Depois desse aditamento, os AA AA e mulher, notando a omissão da condenação em juros que haviam pedido, vieram (fls. 1271) solicitar a pronúncia sobre tal questão.

E o mesmo fizeram a HH (fls. 1274) e GG (fls. 1277 .

E, por cautela, todos estes autores - a HH a fls. 1292, a GG a fls.1297 e o AA e mulher BB a fls. 130 - interpuseram mesmo recurso de apelação com este exacto objecto – a questão da condenação em juros, com cuja ausência se sentiam vencidos.

Com o despacho de fls. 1342 todos estes recursos ficaram sem objecto e subiu apenas à Relação, em apelação, o recurso interposto pelo réu Fundo de Garantia Automóvel a fls. 1316 sustentando, nas conclusões da sua alegação recursiva que «decorridos 15 dias após o preenchimento e entrega da proposta do seguro entregue à ré, a proposta se tem que ter por implicitamente aceite » e pugnando, em consequência, pela condenação da ré seguradora CC, S.A. e a sua, dele, FGA, absolvição.

Contra – alegando neste recurso de apelação (fls. 1332), a ré CC - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. (assim se chama agora a anteriormente denominada Companhia de Seguros CC, S.A. – ver fls. 1329) veio dizer que «deve ser negado provimento ao recurso e mantida a douta decisão recorrida».

E foi tudo quanto disse.

Ou seja, a ré CC não fez nada para « promover a ampliação do objecto do recurso » - veja-se Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, em anotação ao art. 636º - consequentemente fechando esse mesmo recurso na única questão suscitada pelo apelante FGA.

E assim sendo, o Tribunal da Relação não foi chamado a pronunciar-se (e não se pronunciou) sobre as questões agora colocadas pela recorrente Fidelidade nas conclusões 15ª a 20ª da sua alegação recursiva.

Se a questão não é colocada dentro do objecto do conhecimento do Tribunal da Relação, não pode mais tarde a mesma questão ser reinventada para o Supremo Tribunal, porquanto este dirige o seu conhecimento sobre aquilo de que a Relação conheceu (tirando, naturalmente, os casos de recurso directo para o STJ).

São questões então, aquelas, das quais este Supremo Tribunal de Justiça não pode conhecer e não conhece.

Fica apenas a questão da existência e eficácia do contrato de seguro.

E, ab initio, a questão central do que dispõe o art.17º, nº1 do Dec.lei nº 176/95, de 26 de Julho – No caso de seguros individuais em que o tomador seja uma pessoa física e sem prejuízo de poder ser convencionado outro prazo, considera-se que, decorridos 15 dias após a recepção da proposta de seguro sem que a seguradora tenha notificado o proponente da aceitação, da recusa ou da necessidade de recolher esclarecimentos essenciais à avaliação do risco, nomeadamente exame médico ou apreciação local do risco ou da coisa segura, o contrato se considera celebrado nos termos propostos.

E o nº 2 do artigo, que acrescenta (e esclarece) – Para os efeitos deste artigo considera-se como proposta de seguro o formulário normalmente fornecido pela seguradora para contratação do seguro.

O Dec.lei nº 176/95, de 26 de Julho, confrontado com «a criação do mercado único no sector de seguros, consagrado no direito português pelo Dec.lei nº102/94, de 20 de Abril» quis introduzir «regras mínimas de transparência nas relações pré e pós-contratuais».

E teve especialmente em atenção o caso dos seguros individuais, os seguro(s) efectuado(s) relativamente a uma pessoa - art.1º, al. f ) -  em que o tomador do seguro, manifestamente o contraente mais frágil, tem o direito da clareza e da transparência de saber, ab initio, desde quando está protegido pelo contrato celebrado e, no reverso, constrangido por sua parte às obrigações contratuais que assumiu.

Daí que, em nome dessa clareza e transparência negocial, o tomador individual saiba que se considera como proposta de seguro “aquele” formulário que lhe é posto à frente pela seguradora da qual se abeira, e que o contrato formalizado nessa proposta – repete-se, fornecida pela seguradora – se considera em definitivo celebrado desde que ele, tomador, não seja notificado pela seguradora no prazo de quinze dias da aceitação, recusa ou pedido de esclarecimentos.

Ora, aqui, o “nosso” cidadão pessoa física não foi destinatário de qualquer notificação nos quinze dias seguintes.

Consequentemente, o contrato tem-se por perfeito e em vigor – ele, a pessoa física EE - sente-se protegido pelo contrato e, no reverso, consciente das obrigações contratuais que assumiu, designadamente o pagamento dos prémios, pagamento do qual aliás deve ser avisado pela seguradora, com a advertência das consequências da sua falta – art.7º, nº1 do Dec.lei nº 142/2000, de 15 de Julho, então em vigor,

Se consequências diversas eventualmente se retiravam ou devessem retirar, designadamente quanto ao início da cobertura dos riscos – ver at.6º deste último diploma legal – do que quer que seja referente ao pagamento de qualquer prémio, sobre a ré Fidelidade impendia o ónus da respectiva alegação e prova, o que não foi feito.

Nem mesmo a carta mencionada no ponto 38 dos factos provados pode ter o efeito pretendido pela ré/recorrente, desde logo porque se sabe apenas que tem a data de 18 de Setembro de 2002 – e ter a data não é ter sido expedida nessa data, muito menos ter sido recebida nessa ou noutra qualquer data – e porque a seguradora, na sua própria escrita comunicativa, só se via forçada a considerar nula e de nenhum efeito a proposta em nosso poder, se no prazo de quinze dias contados da recepção da presente o tomador não procedesse à pretendia regularização.

Qualquer que fosse a data da recepção da presente ainda que a carta tivesse sido remetida na data nela aposta!) estaria ainda em curso, à data do acidente, o prazo findo o qual – e apenas findo o qual - a proposta seria julgada nula e de nenhum efeito.

Até esse momento, no momento do acidente portanto, essa proposta estaria … válida. Como estava.

É válido o contrato celebrado entre a ré CC e o réu EE.

Nada a censurar no acórdão recorrido.


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D   E   C   I   S   à  O



Na improcedência do recurso,

nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo da recorrente CC – Companhia de Seguros, S.A.


LISBOA,16 de Junho de 2016


Pires da Rosa (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Salazar Casanova