Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3422/15.9T8LSB.L1.S2
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
CELERIDADE PROCESSUAL
NEGLIGÊNCIA
OMISSÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
PROCESSO EQUITATIVO
PRESSUPOSTOS
PODERES DO JUIZ
PRINCÍPIO INQUISITÓRIO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 05/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1946, p. 226 e ss., 328 e ss., 432 e ss.;
- António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 328 e 329;
- Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, setembro de 2014, p. 554 e ss.;
- Paulo Ramos de Faria, O julgamento da deserção da instância declarativa – Breve roteiro jurisprudencial, Julgar on line, 2015, p. 4, in www.julgar.pt/wp-content/uploads/2015/04/O-JULGAMENTO-DA-DESER%C3%87%C3%83O-DA-INST%C3%82NCIA-DECLARATIVA-JULGAR.pdf);
- Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 436.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 277.º, ALÍNEA C), 281.º, N.ºS 1 E 4, 285.º, 287.º, ALÍNEA C) E 291.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 03-05-2018, PROCESSO N.º 217/12.5TNLSB.L1.S1;
- DE 05-07-2018, PROCESSO N.º 105415/12.2YIPRT. P1.S1, AMBOS IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 678/98;
- ACÓRDÃO N.º 485/2000;
- ACÓRDÃO N.º 183/2006,
- ACÓRDÃO N.º 335/2006;
- ACÓRDÃO N.º 56/2003;
- ACÓRDÃO N.º 604/2018, TODOS IN WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT.
Sumário :

I - A deserção da instância radica no princípio da auto-responsabilidade das partes, encontrando a sua razão de ser no facto de não ser desejável, numa justiça que se pretende célere e cooperada, que os processos se eternizem em tribunal, quando a parte se desinteressa da lide ou negligencia a sua atuação, não promovendo o andamento do processo quando lhe compete fazê-lo.

II - A deserção assenta na omissão negligente da parte em promover o andamento do processo (quando apenas a ela lhe incumba fazê-lo) e na paragem da sua marcha (globalmente considerada), constituindo-se este como um resultado casualmente adequado daquela atitude omissiva.

III - Resultando da faticidade processual que os autos não estão parados em virtude da inércia da autora em promover os termos processualmente ajustados às vicissitudes ocorridas na sequência das citações de alguns dos réus, há que concluir pela falta de verificação de um dos pressupostos de que depende a deserção da instância.

IV - Tendo o tribunal, não obstante a inércia da autora, praticados actos tendentes à citação de outros réus, a adoção de solução diversa da mencionada em III constituiria uma consequência totalmente inesperada a que se opõe a proibição de comportamentos contraditórios AArrente do princípio da confiança.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,

I. Relatório

1. AA intentou, em 03/02/2015 e em defesa dos interesses dos pequenos acionistas do BB, ação popular, com processo comum, contra vinte e sete Réus, pedindo a condenação solidária destes a indemnizar aqueles acionistas, cada um deles em montante correspondente à diferença entre o valor atual das ações que detêm (€0,0) ou o preço pelo qual as tiverem alienado após o aumento do capital de 2014 e o valor (€0,65) a que as ações do BB foram vendidas aquando desse aumento de capital.

2. Por decisão de 16/06/2016, o tribunal de 1.ª instância declarou deserta a instância, por ter entendido que os autos estavam a aguardar o impulso processual da autora, no tocante às diligências de citação dos réus, há mais de seis meses.

3. Não se conformando com esta decisão, a Autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

4. A Relação de Lisboa veio a julgar improcedente o recurso de apelação.

5. Inconformada com tal decisão, a A./Apelante veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1ª. O recurso é admissível enquanto revista ordinária, uma vez que não há sobreposição de julgados, nomeadamente quanto à fundamentação das decisões das instâncias.

2ª. Caso assim não se entenda, deve o recurso ser admitido enquanto revista excepcional, porquanto:

3ª. Está em causa questões de grande relevância jurídica - transversais a todo o direito adjectivo - nos termos do art. 672.º, n.º 1, al. a).

4ª. Estão em causa interesses de particular relevância social - discutem-se valores elevados, correspondentes em grande parte às poupanças de um número elevado de pessoas, que não podem ser defendidos, na sua plenitude, se não por via da apreciação (e desejável procedência) deste recurso – nos termos do art. 672.º, n.º 1, al.b).

5ª. Há contradição de julgados entre a decisão em crise e acórdão de outro tribunal superior sobre a mesma questão fundamental de direito - nos termos do art. 672.º, n.º 1, al. c).

6ª. Nos termos do art. 281.º do CPC, "considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses".

7ª. Nenhum dos pressupostos desta causa de extinção da instância se encontra preenchido no caso sub judice.

8ª. A acção encontra-se ainda na fase da citação, fase esta que, nos termos do art. 226.º, n.º 1, do CPC, obedece à regra da oficiosidade. Por maioria de razão, se as diligências de citação não dependem de despacho judicial, muito menos dependem de requerimento do autor.

9ª. Ainda que se entendesse que o processo se encontra parado (o que não é verdade, pois sempre existiu actividade processual relativamente aos demais réus), não se pode afirmar tal é consequência de falta de actividade da autora, pois os actos a praticar para dar continuação a acção são actos que devem ser praticados pela secretaria.

10ª. A Recorrente nunca notificada para tomar posição quanto a qualquer questão relativa à citação dos Réus.

11ª. Ainda que se considere que a secretaria se encontra inactiva a aguardar "instruções" da parte, seria ainda necessário que tal inactividade da Autora fosse resultado de negligência desta em promover o andamento dos autos, revelando assim desinteresse pela sorte da acção, sendo que a Recorrente não se desinteressou da acção, tendo, sempre que lhe foi possível, respondido às solicitações do tribunal.

12ª. Os actos que se encontram por praticar não são actos que se possa razoavelmente exigir que pratique, pois a Recorrente não tem meios para descobrir o paradeiro dos citandos ou a identidade dos herdeiros e, quanto à tradução, a Autora chegou a pedir orçamentos para o respectivo custo, e obteve resultados na ordem das dezenas de milhares de euros, pelo que a demora ou hesitação na apresentação de tal tradução não se pode imputar a negligência, mas sim a cautela na gestão dos seus meios financeiros.

13ª. Falta pois verificar-se o pressuposto da negligência.

14ª.Também não se encontra preenchido o requisito do prazo, pois entre a última notificação que recebeu do tribunal - a 11.12.2105 - e o requerimento de diligências que seguidamente apresentou – a 19.05.2106 - não AArreram seis meses.

15ª. Ao longo do processo, nunca o mesmo esteve parado a aguardar impulso da Autora, antes continuando sempre a ser praticados os mais diversos actos.

16ª. Pelo que a Autora nunca ficou com a convicção de estar o processo "a aguardar" actuação sua, que acreditou poder ser retomada quando para isso dispusesse dos necessários elementos.

17ª. A data de deserção considerada no acórdão recorrido perdeu eficácia pela prática de actos pelo tribunal posteriormente àquela data, pois tal prática permite à Autora a justa convicção de não estar a instância deserta.

18ª. A declaração da deserção tem efeitos constitutivos, podendo as partes, eficazmente, praticar actos de impulsão do processo antes de a deserção ser julgada, a ela obstando.

19ª. O tribunal deveria ter advertido a Autora do risco de deserção, não o tendo feito, não poderá depois julgar a deserção, sem antes conceder às partes prazo para dar impulso aos autos.

20ª. A deserção não pode ser julgada sem previamente ser dada às partes oportunidade de se pronunciarem sobre a existência de negligência.

21ª. Dispõe o art. 35.º do CPC que, "no litisconsorcio voluntário, há uma simples acumulação de ações, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes".

22ª. A falta de impulso processual que se discute nos autos não respeita a todos os Réus - no total de 27 - mas apenas a 5 deles (um por falta de habilitação de herdeiros e os restantes 4 por falta de citação), nenhum obstáculo existindo quanto à prossecução dos autos em relação aos restantes 23 Réus, sendo admitida a extinção parcial da instância.

23ª. Caso se entenda que a posição dos Réus deve ser una, os actos praticados no processo em relação aos demais réus, seguindo a sua normal tramitação, devem obstar à deserção.

24ª. A interpretação que o tribunal fez do art. 281.º, n.º 1., do CPC, no sentido de ser de decretar a deserção da instância sem convite prévio à parte para se pronunciar quanto à existência de negligência, e também quando a inactividade da parte, tendo durado seis meses a dado momento do processo, se tenha posteriormente interrompido mediante prática de acto posterior, é inconstitucional por violação do princípio do acesso à justiça previsto na constituição e do princípio da confiança decorrente do art. 2.º, que prevê o estado de Direito Democrático.

E conclui pela revogação do “acórdão recorrido e, consequentemente, ser substituído por decisão que:

a) Ordene o prosseguimento dos autos, com a realização das diligências requeridas pela Autora no seu req. de 19.05.2016 e com as diligências necessárias à citação dos réus residentes no estrangeiro;

b) Subsidiariamente, ordene a notificação da Autora para se pronunciar sobre a falta de impulso processual, quanto aos 5 réus em relação aos quais essa falta se verifica, ordenando a prossecução dos autos quanto aos demais réus.

c) Subsidiariamente ainda, caso se mantenha a decisão de deserção da instância quanto aos 5 réus em causa, ordene o prosseguimento dos autos quanto aos 22 Réus não afectados pela falta de impulso processual.

Mais se requer, ao abrigo do nº. 2 do artigo 686.º do CPC, a realização do julgamento do presente recurso com intervenção do pleno das secções cíveis”.

6. Os Recorridos CC, DD, EE, S.A., FF e GG contra-alegaram, pugnando pelo infundado da revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

              - O Recorrido CC –

1ª. A interposição de um segundo recurso de uma mesma decisão judicial não é legalmente admissível;

2ª. O pedido da Rec.te para que seja considerado "sem efeito" o 1º recurso de revista por ela interposto vale como desistência;

3ª. A AA, ora Rec.te, não reúne as condições necessárias para interpôr recurso, por isso que não dispõe de legitimidade para a acção popular para protecção de interesses homogéneos ou colectivos de investidores não qualificados em instrumentos financeiros;

4ª. A revista comum não é admissivel, por se verificar a dupla conforme;

5ª. A revista excepcional não é admissível, por não se verificarem as condições previstas no artº 672° n° 1 alíneas a), b) e c) do Cód. de Processo Civil;

6ª. A "falta de impulso processual" imputável à parte sobre quem impende o ónus desse impulso não significa "paragem total" do processo;

7ª. A falta de impulso processual imputável à ora Rec.te reporta-se a uma multiplicidade de situações, cada uma delas, por si só, caracterizadora de deserção;

8ª. A resposta da ora Rec.te ao pedido de declaração de extinção da instância, por deserção, deduzido por CC, não tem a virtualidade de neutralizar os efeitos da inactividade negligente daquela prolongada por mais de seis meses;

9ª. A Rec.te foi notificada do pedido de declaração de extinção da instância, por deserção, e pronunciou-se sobre o mesmo, pelo que não tinha qualquer cabimento a repetição da sua audição;

10ª. A lei não impõe que a decisão que julga deserta a instância seja procedida de despacho cautelar ou de alerta;

11ª. A lei não exige, no caso vertente, a prévia audição do Ministério Público, como não exige também a prévia audição do autor responsável pelos "comportamentos lesivos dos interesses em causa", pelo que não ocorre a nulidade arguida no inadmissível segundo recurso de revista;

12ª. Se nulidade existisse, a mesma sempre devia ter-se como sanada nos termos do artº 194° nº 1 do Cód. de Processo Civil;

13ª. A figura da "deserção parcial" não tem consagração legal;

14ª. O comando do art'º 281° n°1 do Cód. de Processo Civil não enferma de qualquer inconstitucionalidade, menos ainda por violação do princípio da protecção da confiança que decorre do artº 2° da Constituição da República Portuguesa;

15ª. A arguição da inconstitucionalidade do disposto no artº 281° nº 1 do Cód. de Processo Civil, na interpretação que a Rec.te dele faz, não tem qualquer sentido, tendo em conta que ela foi ouvida sobre o pedido de declaração de extinção da instância, por deserção, e tomou posição expressa sobre o mesmo antes da prolação da douta sentença da 1ª  instância;

16ª. O teor da resposta da Rec.te a esse pedido constitui demonstração da sua negligência;

17ª. Não existe fundamento para o julgamento alargado da revista;

18ª. O douto acórdão recorrido, tal como a douta sentença da 1ª instância, não enferma de qualquer vício ou ilegalidade.

E conclui: “Deve inadmitir-se a revista, ou negar-se-lhe provimento, com todas as legais consequências.”

              - A Recorrida DD –

              a) Quanto à inadmissibilidade do recurso

                 1ª.  O recurso interposto pela Autora não é admissivel nem como revista comum nem como revista excepcional.

                 2ª. Contrariamente ao que a Autora sustenta, a fundamentação do acórdão da Relação é em tudo concordante com a decisão da Primeira Instância, pelo que existe dupla conforme que impede que do acórdão da Relação seja interposto recurso de revista, atento o disposto no art. 673.°, n.º 1, do C.P.C..

                 3ª. O facto de a Relação se socorrer de outros argumentos ou mesmo discutir outras questões, maxime em consequência da alegação da Autora, não é causa de divergência alguma da sua decisão relativamente à da Primeira Instância, por isso que, quanto àquilo que foi efectivamente a fundamentação da decisão da Primeira Instância, o acórdão recorrido manifesta a sua integral concordância.

                 4ª. A deserção da instância não é, em si mesma, uma questão complexa, nem controversa na doutrina e na jurisprudência, nem sequer é uma questão inédita, que possa justificar a admissão da revista excepcional ao abrigo da alínea a) do art. 672.° do C.P.C..

                 5ª. Não está em causa na acção "uma situação em que possa haver colisão de uma decisão jurídica com valores sócio-culturais dominantes que a devam orientar e cuja eventual ofensa possa suscitar alarme social determinante de profundos sentimentos de inquietação que minem a tranquilidade de uma generalidade de pessoas", que leve a que se admita a revista excepcional ao abrigo da alínea b) do art. 672.° do C.P.C..

                 6ª.  Uma vez que a Autora, relativamente a todas as questões de alegada contradição de acórdãos que invoca, e apesar de manifestar disponibilidade para apresentar certidões, juntou apenas cópias de textos de acórdãos extraídas do site da DGSI, sem qualquer nota do respectivo trânsito em julgado, o recurso deve ser rejeitado por incumprimento do ónus lançado sobre o recorrente no art. 672.°, nº. 2, alínea c), do C.P.C..

7ª. Acresce que, pelo menos quanto às segunda e terceira questões relativamente às quais a Autora invoca a contradição de acórdãos (quanto à alegada necessidade de audição prévia das partes e quanto às consequências da falta de alerta do Tribunal para o risco de deserção), não existe qualquer efectiva contradição entre o acórdão recorrido e os acórdãos invocados como fundamento.

8ª. Sem prejuízo do que antecede, caso se entenda admitir a revista excepcional com algum dos fundamentos relativos à alegada contradição de acórdãos, será somente da matéria respectiva que o Supremo Tribunal poderá conhecer.

                  b) Quanto à improcedência do recurso

                 9ª. No que se refere à habilitação do Réu falecido antes da propositura da acção e as diligências para a citação dos Réus residentes no estrangeiro, é manifesta a verificação dos pressupostos de que, nos termos do disposto no art. 281.°, nº. 1, do C.P.C., depende a extincão da instância por deserção: que o processo se encontrasse a aguardar impulso processual por parte da Autora há mais de 6 meses e que tal se devesse a inércia desta última.

                 10ª. Tendo a Autora sido notificada em 14.5.2015 para promonr as diligências que entendesse necessárias relativamente à habilitação dos sucessores do Réu falecido antes da propositura da acção, e de que o processo ficava a aguardar esse impulso, a Autora nada fez durante um período muito superior a 6 meses.

11ª. Tanto basta para considerar negligente a sua conduta processual e para dar como preenchidos os pressupostos da deserção da instância.

12ª. Acresce que também relativamente à citação de réus residentes em França e no Brasil a Autora foi confrontada com a frustração da citação de três deles e com o facto de um outro ter exigido que a citação fosse feita em francês, com tradução da petição inicial e respectivos documentos, sem que a Autora tenha, quanto a tais citações, promovido o que quer que fosse ou solicitado a realização de quaisquer diligências.

                 13ª. Também a inércia negligente da Autora relativamente à frustração dessas citações preenche os requisitos da deserção da instância.

                 14ª. O facto de a Autora, muito tempo depois de decorridos os 6 meses previstos na lei, e só depois de suscitada a questão da deserção por um dos Réus, ter vindo ao processo requerer determinadas diligências, nao e apto a impedir o Tribunal de julgar extinta a instância por deserção.

                15ª. Não recaía sobre o Tribunal um dever de alertar a Autora para a necessidade de, sob pena de deserção, diligenciar com vista à habilitação do Réu falecido ou à citação dos Réus residentes em França e no Brasil.

16ª. A parte de quem depende a iniciativa processual não tem de ser interpelada para a prática do acto de que depende o andamento do processo com a cominação de que o processo se encontra a aguardar o seu impulso processual sob pena de deserção.

                 17ª. De todo o modo, relativamente à questão da habilitação dos sucessores do Réu falecido antes da propositura da acção, a Autora foi expressamente notificada, por despacho de 14.5.2015, de que o processo ficava a aguardar o seu impulso.

                  18ª. Acresce que, se existisse tal dever de advertência, a sua omissão constituiria nulidade processual que, não tendo sido oportunamente invocada pela Autora, ficou definitivamente sanada conforme se entendeu no acórdão recorrido.

19ª. O despacho proferido em Primeira Instância sobre a questão em apreço, ao conhecer e declarar a deserção da instância, não só não colhe a Autora de surpresa como versa sobre questão relativamente à qual a Autora tinha acabado de se pronunciar, em resposta a requerimento do Réu CC.

20ª. Não está estabelecido no processo que este tome a natureza de acção popular destinada à realização de interesses colectivos ou difusos na qual deva ter lugar a intervenção do Ministério Público como parte acessória.

21ª. De todo o modo, e ainda que assim fosse, a falta de vista ao Ministério Público como parte acessória sempre teria de considerar-se sanada, atento o disposto no art. 194.°, nº. 1, do C.P.C., uma vez que os supostos titulares dos interesses colectivos ou difusos estariam na acção representados pela Autora e estava, assim, assegurada a finalidade a que se destinaria o chamamento do Minisrério Público.

                 22ª. Uma vez verificada a inércia do autor pelo período legalmente estabelecido, a consequência é uma e una: a pura e simples extinção da instância, que necessariamente abrange todo o processo e aproveita a todos os Réus, e não somente aos não citados.

                 23ª. A norma do art. 281.°, nº. 1, do C.P.C. não foi aplicada nos autos com o sentido que a Autora reputa inconstitucional.

24ª. De todo o modo, e ainda que se entenda que a norma em causa foi aplicada com o sentido indicado pela Autora, não ocorre violação alguma da garantia constitucional do acesso ao direito, e também não se vislumbra em que dimensão poderá o princípio da confiança ser posto em causa por tal suposta interpretação normativa - pois que a Autora bem sabia que lhe havia sido devolvida a iniciativa processual e que a sua inércia poderia ser causa de deserção da instância.

                 25ª. Não se mostram preenchidos os requisitos do julgamento ampliado da revista requerido pela Autora.

              E conclui que “não deverá admitir-se o recurso interposto pela Autora nem como revista "normal" nem como revista excepcional.

                 Caso assim não se entenda, deverá julgar-se improcedente o recurso e confirmar-se a douta decisão recorrida”.

 - O Recorrido FF –

1ª. O recurso não é admissível enquanto revista comum com fundamento no disposto do art. 671° nº. 3 do CPC porquanto, in casu, opera a regra da dupla conforme nos termos previstos na mencionada norma.

2ª. O recurso não é admissível enquanto revista excecional nos termos do art. 672° nº. 2 do CPC dado que (i) não estão em causa questões de grande relevância jurídica, (i) nem interesses de particular relevância social, (iii) nem existe oposição de julgados.

3ª. Não sendo o recurso admissível com base em nenhum dos fundamentos legais invocados pela Recorrente, deverá o mesmo ser rejeitado, nos termos legais. Assim não se entendendo, o que não se aceita nem concede, sempre improcederá nos demais termos.

4ª. À regra da oficiosidade não está subjacente qualquer passividade, inércia ou inatividade do Autor. A secretaria tem a iniciativa mas o Autor não se pode demitir ou desonerar das suas atribuições processuais, nomeadamente, quanto ao ónus de impulso processual. O Autor pode (e deve!) carrear elementos para o processo para se determinar a real situação localização do citando.

5ª. A Recorrente optou por não impulsionar os autos quanto aos RR. referidos no despacho que julgou a instância deserta.

6ª. As notificações de 20.04.2015, 15.05.2015 e 19.06.2015 impunham a realização de diligências pela Recorrente com vista à citação dos RR ., diligências essas que não foram levadas a cabo pela mesma.

7ª. Por despacho proferido em 14.05.2015 e notificado em 15.05.2015, foi a Recorrente notificada para indicar quais as diligências pretendidas com vista a requerer a habilitação do R. falecido. A Recorrente não deu cumprimento ao vertido no citado despacho e em 19.05.2016 - mais de um ano depois - informou os autos que nada fez porque tinha a expectativa de conseguir obter, por si, aquela informação. É às partes, e não o Tribunal, que incumbe o ónus de deduzir o referido incidente de habilitação, razão pela qual a instância é suspensa.

8ª. A Recorrente não impulsionou os autos - como devia - na sequência das notificações e despacho recebidos, tendo sido negligente, razão pela qual - e decorridos seis meses - a instância foi julgada deserta.

9ª. O prazo de seis meses deve ser contabilizado, pelo menos, desde 15.05.2015 pelo que em 19.05.2016 - data do requerimento da Recorrente - o prazo de seis meses de suspensão da instância já tinha decorrido há muito tempo.

10ª. A notificação de 11.12.215 não operou um efeito extintivo da deserção então ocorrida.

11ª. O prazo de seis meses previsto no art. 281°, nº. 1 do CPC é um prazo perentório ou cominatório.

12ª. A letra da lei é clara e dela não consta qualquer referência ou necessidade de despacho prévio a alertar ou prevenir a parte para a falta de impulso, pelo que logo que estejam decorridos os seis meses, sem que tenha havido qualquer impulso processual, a instância é considerada deserta, por decisão judicial.

13ª. Qualquer entendimento contrário ao supra exposto não tem qualquer cobertura legal e configura, no mínimo, uma interpretação ab-rogante da norma em vigor! Caso assim não se entenda, sempre se dirá que a Recorrente deveria ter arguido a respetiva nulidade no momento e tempo próprios, junto do Tribunal de 1ª. instância, e, não o tendo feito, não pode a mesma ser apreciada em sede de recurso.

14ª. Ainda assim, a Recorrente foi, implicitamente, alertada em 15.05.2015, pelo Tribunal da 1ª. instância que os autos se encontravam a aguardar o respetivo impulso.

15ª. A deserção da instância, tal como está atualmente prevista, advém da existência da incúria e desleixo revelados e a parte a quem se atribui este descuido merece a punição prescrita na lei porque o processo não pode ficar eternamente paralisado por inércia total da sua parte.

16ª. A intenção do legislador, ao impor a prolação de um despacho declarativo da deserção da instância, foi, apenas, o de alertar a parte para a deserção por ela já provocada, de modo a poder acautelar o eventual reinício dos prazos de prescrição ou de caducidade a que o exercício do seu direito substantivo ainda se encontre sujeito, instaurando uma nova ação em tempo.

17ª. O recurso interposto a 07.02.2017 não deve ser admitido porquanto contém fundamentos novos  - que não foram incluídos no recurso apresentado em 03.02.2017 - não representando assim uma mera correção de erros materiais.

18ª. O capítulo inserido na alínea f) da parte III, bem como as conclusões 21, 22 e 23 constituem alegação de factos novos insuscetíveis de serem apreciados pelo Tribunal ad quem.

19ª. O art. 16 nº. 1 da Lei nº. 83/95 não tem qualquer aplicação ao caso concreto.

20ª. Se a Recorrente entendia que estava em causa uma qualquer nulidade devia tê-la arguida no momento e locais próprios, ou seja, junto do Tribunal da 1ª.  instância.

21ª. O art. 281° nº. 1 do CPC não contempla a possibilidade de a deserção ser parcial e o princípio da estabilidade da instância também não a admite porquanto a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidade de modificação consignada na lei.

22ª. Estão totalmente preenchidos e verificados os pressupostos consagrados no art. 281 ° nº. 1 do CPC relativos à deserção pelo que deve ser confirmada a extinção da instância ex vi art. 277° al. c) do ClPC.

23ª. O Tribunal da Relação não violou o art. 281° nº. 1 do CPC, nem o princípio do contraditório decorrente do art.3° nº. 3 do CPC, assim como não violou o art.2° da Constituição da República Portuguesa nem os princípios do acesso à justiça e da confiança.

24ª. Encontram-se reunidos os pressupostos legais para que o Tribunal ad quem determine a dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça que, nos termos previstos no artigo 6.°, número 7 do R.C.P for devida no âmbito do presente processo / recurso. o que se requer, sendo tal dispensa considerada para efeitos de elaboração da conta de custas a final.

25ª. Deve existir correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, o que claramente só poderá verificar-se in casu se, efetivamente, for determinada a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no art. 6.° nº.7 do R.C.P..

26ª. No caso de não ser concedida a dispensa ora requerida tal decisão será não só desconforme à Lei, como levará ao julgamento de inconstitucionalidade, o que se alega para todos os efeitos legais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.0 da C.R.P., conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.0 e 18.°, nº. 2. segunda parte, da C.R.P., das normas contidas nos artigos 6.° números 1, 2 e 7, 7.° número 2, 11.° e 14.° número 9 do R.C.P ., conjugadas com a tabela I-A e tabela I-B anexas ao R.C.P., quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto. tendo em conta, designadamente, a (ausência de) complexidade do presente processo/recurso e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.

E conclui:

“1.Deverá o recurso interposto ser julgado totalmente inadmissível e rejeitado nos termos legais aplicáveis.

Assim não se entendendo, o que não se concede

2. Deverá julgar-se totalmente improcedente o recurso interposto pela Recorrente, confirmando-se integralmente o douto Acórdão recorrido,

3. Deverá ainda o Tribunal ad quem, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 6° nº 7 do Regulamento das Custas Processuais, proferir decisão que dispense o Recorrido, do pagamento da taxa de justiça remanescente”.

- Procedeu-se à retificação da numeração das conclusões perante o manifesto lapso existente –

- O Recorrido GG –

1ª. Veio a A.-Recorrente fundamentar o recurso de revista como revista comum por a questão da deserção não ter sido objeto de discussão em primeira instância, havendo, no entendimento da Recorrente, diferenças essenciais na fundamentação da decisão da primeira instância e do Tribunal da Relação, tanto jurídicas, como de facto;

2ª. O recurso interposto só poderia ser admitido como revista comum se os fundamentos das decisões das duas instâncias anteriores fossem fundamentalmente diversos, o que não sucede.

3ª. Não é o facto de o Tribunal da Relação tecer maiores considerações sobre um ou outro aspeto (ou considerar os efeitos da omissão de um ato) que ilide aquela identidade substancial: como é evidente, a fundamentação de um Acórdão não é (nem deve ser) a repetição dos termos da decisão recorrida, pelo que a ser válida a argumentação da A.-Recorrente quase todos os Acórdãos dos Tribunais da Relação seriam passíveis de revista.

4ª. A A.-Recorrente considera, depois, possível o recurso como revista excecional ao abrigo da alínea a), b) ou c) do nº. 1 do artº. 672º do C.P.C..

5ª. Discorda-se porquanto, em relação à alínea a), ao abrigo desta alínea seria necessário que a questão decidenda fosse manifestamente complexa ou controversa, ou que constituísse uma matéria que, pela sua novidade, necessitasse de ser analisada pelo Supremo Tribunal.

6ª. Ora, a questão não assume nenhuma dessas características: o entendimento sobre o que seja a deserção é pacífico e é conhecida a posição dos diversos Tribunais sobre os requisitos da verificação da mesma.

7ª. Quanto à alínea), sustenta a A.- Recorrente que a ação assume grande relevo social por a mesma ser uma ação popular e estar a representar um conjunto (indefinido, indeterminado e não determinável) de "lesados" do BB.

8ª. Desde logo, não é o facto de a A.-Recorrente afirmar/proclamar (sem nunca o ter demonstrado!) defender uma miríade de interessados (e menos ainda o valor da ação) que confere à questão uma relevância jurídica ou social excecional;

9ª. Mais: a A.-Recorrente não tem legitimidade, ao abrigo da ação popular, de representar os eventuais lesados, atendo o disposto nos seus Estatutos (artigo 3º, n.ºl, dos Estatutos) e na lei (in casu, no artº. 31º, n.º 1 e artº. 32º do Código dos Valores Mobiliários) quanto à restrição da legitimidade processual para a ação popular. Pelo que, se não tem legitimidade para a ação, menos tem para o recurso.

10ª. Independentemente do que vai dito, acrescente-se que a questão jurídica subjacente à ação é a da responsabilidade dos titulares dos órgãos sociais, questão esta que não é, em si mesma, inovadora, de enorme ou particular relevância social, nem colide com valores sociais e culturais especiais ou particularmente relevantes.

11ª. Mais: a própria A.-Recorrente reconhece que não lhe está vedada a possibilidade de proposição de nova ação, pelo que não se verificam os pressupostos de aplicação da alínea b) do n.º 1 do artº. 672º do C.P.C..

12ª. Quanto à possibilidade de aplicação da alínea c) daquela norma legal, o recurso de revista excecional não visa analisar uma multiplicidade de possíveis decisões diversas sobre cada aspeto do Acórdão de que se recorre; visa analisar uma questão específica e fundamental idêntica à que tenha sido objeto de decisão anterior diversa por um Tribunal superior.

13ª. O recurso interposto, ao pretender incluir múltiplos aspetos parcelares, esquece a letra da disposição normativa que fundamentaria o pretenso direito de recurso excecional e que é clara ao afirmar a contradição com "outro [acórdão], já transitado em julgado", não tendo a A.-Recorrente cumprido sequer este último requisito.

14ª. Em consequência, não é admissível o recurso.

15ª. Sem prescindir, a A.-Recorrente suscita a questão de terem sido praticados diversos atos no processo (pela secretaria e pelo juiz do processo) ao longo do período de seis meses que teria motivado a declaração de deserção.

16ª. Em relação a esse argumento, se valesse a interpretação feita pela A.-Recorrente, se só após o decurso do prazo de seis meses para a junção da habilitação de herdeiros fosse possível praticar outro ato, o processo teria uma duração infindável;

17ª. Se a deserção é uma sanção aplicada à parte negligente, tal sanção só pode ser aplicada em função da inatividade dessa parte e não por relação a atos praticados pelos restantes intervenientes processuais, pelo que nenhum fundamento tem o alegado pela A.-Recorrente.

18ª. Não tendo, em relação a qualquer ato devido por esta parte, sido praticado um ato no prazo de seis meses, está verificado o pressuposto processual necessário para a declaração de deserção (exceto se houver elementos no processo que afastem claramente a negligência dessa parte).

19ª. “A aguardar” significa, portanto, a necessidade de prática de um ato pela parte que tem o ónus de o praticar independentemente de outros atos estarem, entretanto, a serem praticados pelos restantes intervenientes processuais.

20ª. Quanto à natureza constitutiva da declaração de deserção, ao contrário do sustentado pela A.-Recorrente, considera-se que a declaração de deserção tem efeito declarativo, como, aliás, resulta do n.º 4 do artº. 281º do C.P.C..

21ª. Mesmo que se entenda que a decisão de deserção tem natureza constitutiva, seria necessário que a parte tivesse praticado o ato em falta antes de suscitada a questão do decurso do prazo, entendimento este perfeitamente compatível com a jurisprudência invocada pela A.-Recorrente a este propósito.

22ª. Sucede, porém, que a A.-Recorrente apenas veio praticar os atos devidos e em falta após ter sido suscitada essa questão pelo que não se pode prevalecer desse entendimento jurisprudencial.

23ª. Quanto á falta de alerta para o risco de deserção, a obrigação de alertar a parte para a eventual deserção só existiria se essa omissão tivesse conduzido a uma decisão-surpresa por as partes não terem podido pronunciar-se previamente sobre a questão e/ou se não resultasse das notificações anteriormente realizadas à parte negligente.

24ª. Não sendo o caso, nada há a apontar ao Acórdão recorrido.

25ª. Um entendimento diverso consubstanciaria a prática de atos inúteis, processualmente inadmissível (cfr. Artº. 130º do C.P.C.).

26ª. De resto, se após o decurso desses seis meses, devesse a parte ser notificada para o risco de ser declarada a deserção, tal equivaleria a dar à mesma novo prazo para a prática de atos no processo, não se interrompendo a instância ou não se sancionando a sua conduta negligente.

27ª. Alega também a A.-Recorrente que os atos em falta não seriam devidos pela mesma e/ou que tais atos não são "atos que se possa razoavelmente exigir que pratique" por, alegadamente, não ter meio de descobrir os citandos e/ou por serem  atos dispendiosos.

28ª. Tais argumentos não colhem.

29ª. Quanto à capacidade económica, cabia à A avaliar da capacidade económica antes da proposição da ação ou procurar o apoio para a obtenção da mesma;

30ª. Quanto a não serem os atos omitidos atos devidos pela mesma ou que lhe possam razoavelmente ser exigidos, tal alegação é contrariada pela natureza de alguns atos (típicos da parte) e pelos atos pela mesma praticados no processo após ter sido suscitada a questão do decurso do prazo de deserção, que, de resto, a própria A.-Recorrente invoca noutras partes das suas alegações para tentar demonstrar a atividade por si desenvolvida.

31ª. Quanto à falta de audição do Ministério Público, a questão nenhuma relevância tem atenta a falta de legitimidade da A.-Recorrente para a ação popular (como decorre do disposto nos artº. 31º, nº. 1 e 32º do CVM e do artº. 3º, n.º1 dos Estatutos da A.- Recorrente), do disposto no artº. 16º da Lei nº. 83/95 (que não a inclui nos casos de deserção), artº. 194º, nº.1 do C.P.C., do artº. 9º, nº.2 do Código Civil e da defesa dos interesses dos supostos lesados levada a cabo pela A.-Recorrente.

32ª. Quanto à questão do litisconsórcio ou da (im)possibilidade da deserção "parcial" da instância, a deserção é uma sanção aplicada à parte inativa.

33ª. Havendo um único autor e sendo a parte inativa a A.-Recorrente, a deserção é dela e, logo, independente da quantidade ou da situação concreta dos diversos RR..

34ª. Acresce que a instância é só uma (independentemente do número de réus), pelo que não é possível decretar a deserção "parcial" da instância, considerando que a mesma se mantém relativamente a todos os Réus em relação aos quais não havia atos a praticar pela A. ou em relação aos quais a falta de impulso processual da A. não é tão evidente.

35ª. A A.-Recorrente invoca uma alegada inconstitucionalidade decorrente de não ter sido previamente convidada pelo Tribunal de primeira instância para se pronunciar sobre a questão da deserção e por, tendo sido praticados atos pela A.-Recorrente após o decurso do prazo de seis meses de suspensão previsto na lei, não dever ser decretada a deserção da mesma.

36ª. A A.-Recorrente não fundamenta minimamente a suposta inconstitucionalidade, não havendo ligação aparente entre aquelas afirmações e a argumentação por si expendida na alínea h) das suas alegações.

37ª. Mais: à A foi garantido o exercício do contraditório e a possibilidade de se pronunciar sobre a questão da deserção motivada pelo decurso do prazo de seis meses de inação, contraditório esse que a mesma exerceu;

38ª. A deserção da instância não impede a proposição de nova ação com o mesmo objeto, nem determina a perda de quaisquer direitos da A.-Recorrente, pelo que a esta não viu de forma alguma violado o seu direito de acesso à justiça e menos ainda o princípio da confiança.

39ª. É, de resto, a necessária tutela da confiança das pessoas que justifica que se julgue deserta a instância quando há inatividade de uma das partes em juízo, prolongada por um período de tempo longo.

40ª. Efetivamente, nessas circunstâncias, constituiria uma ofensa ao princípio do Estado-de-direito democrático dar a uma parte a possibilidade de, pela sua inação, estar a condicionar a vida de outras partes e a própria celeridade da justiça.

41ª. A A.-Recorrente pede, por fim, julgamento ampliado de revista mas não justifica a necessidade ou relevância desse julgamento ampliado;

42ª. Atendendo a que a jurisprudência referida pela A.-Recorrente é múltipla e diversificada, é impossível determinar a necessidade desse julgamento alargado que, de resto, só seria possível se se verificasse o requisito da unicidade da questão decidenda e do fundamento da revista que não existe in casu.

E conclui que o recurso deve “ser julgado inadmissível por falta dos pressupostos legais para a revista.

Caso assim não se entenda, deve o mesmo ser julgado improcedente, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.”

7. O recurso de revista não foi admitido pelo despacho de fls.4610/4610vº, tendo sido objeto de reclamaão nos termos do disposto no artigo 643º do Código de Processo Civil, não tendo sido atendida a pretensão da reclamante. A formação de Juízes a que alude o nº3 do artigo 672º do Còdigo de Processo Civil veio a admitir a revista excecional, referindo-se que “no recurso são levantadas diversas questões, mas satelizadas relativamente à essencial que consiste em saber se, face ao nº1 do artigo 281º do Código de Processo Civil, antes de decidir sobre a deserção, o juiz deve ou não ouvir as partes”, e que “estamos perante uma figura que, não obstante integrar realidade processual, tem efeitos radicais relativamente a toda uma tramitação, demandando uma intensa firmeza jurisprudencial na interpretação da lei, mormente daquele nº1 do artigo 281º.”

8. O pedido de julgamento ampliado de revista foi indeferido por decisão do Senhor Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, precedida de parecer nesse sentido.

9. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela A. / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se se verificam os pressupostos da deserção da instância.

                  III. Fundamentação

1. Factos relevantes:

1.1. Em 03/02/2015, AA intentou ação popular, sob a forma declarativa, com processo comum, contra vinte e sete Réus – BB, S.A., DD – EE, S.A. e outros vinte e cinco Réus, pessoas singulares, todos ex-membros do Conselho de Administração do BB e da Comissão de Auditoria –, pedindo a sua condenação solidária a indemnizar os pequenos acionistas do BB, cada um deles em montante correspondente à diferença entre o valor actual das ações que detêm (€0,0) ou o preço pelo qual as tiverem alienado após o aumento do capital de 2014 e o valor (€0,65) a que as ações do BB foram vendidas aquando desse aumento de capital.

1.2. A Autora indicou, na petição inicial, que os Réus, demandados na qualidade de ex-membros do Conselho de Administração do BB e da Comissão de Auditoria, ..., ..., ... e HH tinham residência em França e que o réu II tinha residência no Brasil.

1.3. Em 26/02/2015, foi tentada a citação do réu II por intermédio do Consulado de Portugal em São Paulo através de carta precatória que foi para aí remetida pela secretaria (fls. 1057 – 5.º volume).

1.4. Em 26/02/2015, a secretaria abriu conclusão no processo, por termo eletrónico, com a seguinte informação: Informando V. Exa que não se procedeu à citação dos 5º, 21º, 24º, 27º Réus atento o facto de os mesmos serem de nacionalidade francesa e domiciliados em França e pelo Autor não ter sido junta traduções da petição inicial e documentos, motivo pelo qual vão os presentes conclusos para que ordene o que tiver por conveniente (fls. 1058 – 5.º volume).

1.5. De seguida e nessa mesma data, foi proferido o seguinte despacho: Face à informação supra, notifique a autora para juntar os elementos em falta, ou requerer o que tiver por conveniente, em 15 dias (fls. 1058 – 5.º volume).

1.6. Notificada desse despacho, a autora apresentou, em 06/03/2015, requerimento nos seguintes termos:

1.º

Com o devido respeito por opinião contrária, entende a A. que nem a p.i. nem os documentos que a acompanham carecem, nesta fase processual, de ser traduzidos para a língua francesa, a fim de ser efetuada a citação dos Réus de nacionalidade francesa residentes em França.
2

O artigo 239.º do Código de Processo Civil (CPC) trata da citação do residente no estrangeiro, mandando observar “o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais.”
3.º

O CPC não regula, em lugar algum, a língua em que se devem encontrar os atos a citar ou notificar a estrangeiros.
4.º

Apenas dizendo que nos atos judiciais em geral – incluindo assim os atos das partes – se usa a língua portuguesa (cf. artigo 133.º CPC).
5.º

Quanto aos instrumentos internacionais, aplica-se ao caso o Regulamento (CE) n.º 1393/2007 de 13 de Novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros («citação e notificação de atos»), que revogou o Regulamento (CE) n.º 1348/2000 do Conselho. O Regulamento revogado continha norma muito semelhante quanto à língua dos atos).
6.º

Por facilidade, transcreve-se o artigo relevante do Regulamento (CE) n.º 1393/2007 de 13 de Novembro de 2007quanto à língua a empregar: (…)
7.º

Do artigo transcrito retira-se que a citação pode ser feita na língua dos autos, desacompanhada de tradução, cabendo ao destinatário a faculdade de, se assim o entender, recusar a receção do ato com fundamento em não compreender a língua em que o mesmo se encontra redigido.
8.º

Este entendimento é sufragado, de modo, ao que pensamos, unânime, pela jurisprudência nacional.
9.º

Sendo que, quer ao abrigo do regulamento comunitário em questão, quer ao abrigo do regulamento comunitário que o precedeu nesta matéria, quer ainda ao abrigo da Convenção de Haia de 15 de Novembro de 1965, que regula o mesmo tema entre os Estados contratantes, de que Portugal faz parte, sempre foi entendido pelos Tribunais nacionais que a petição e os documentos que a acompanham não têm de ser traduzidos para a língua do destinatário do ato, pelo menos num momento inicial (…)
13.º

No caso presente, os Réus em questão foram administradores do BB por vários anos, sendo de crer que entendam a língua portuguesa.
14.º

Ainda que tal não se verifique, a Autora está disposta a correr o risco de a citação vir a ser recusada, sendo que, caso tal suceda, tratará então de prover às necessárias traduções (fls. 1096 a 1102 – 5.º volume).

1.7.Sobre este requerimento recaiu despacho, de 10/03/2015, com o seguinte teor: Tendo em conta o que é alegado no requerimento agora apresentado, bem como o disposto nos artigos 5º e 8º do Regulamento (CE) nº 1393/2007, de 13/11, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados-Membros, proceda-se à citação dos réus de nacionalidade francesa domiciliados em França tal como se requer, incluindo-se a menção na citação de que os réus podem recusar a receção, e notificando-se a autora do ofício de citação para que o traduza. (fls. 1106 – 5.º volume).

1.8. A secretaria notificou eletronicamente a Autora em 10/03/2015 do despacho dessa data, remetendo-lhe, com a notificação, as quatro cartas de citação para tradução para língua francesa a fim de se efetuarem as respetivas citações (fls. 1116 – 5.º volume)

1.9. A secretaria notificou eletronicamente a Autora em 16/03/2015 da devolução da carta registada com aviso de receção para citação do réu KK com a indicação Falta n.º de porta (fls. 1147 – 5.º volume).

1.10. Em 27/03/2015, a Autora juntou aos autos as traduções referidas no ponto 8. para citação dos Réus BB, HH e JJ, tendo, em 31/03/2015, sido expedidas, pela secretaria,  as cartas para esse efeito (fls. 1175 a 1185 e 1187 – 5.º volume).

1.11. A secretaria notificou eletronicamente a Autora em 07/04/2015 da resposta do Consulado Geral de Portugal em São Paulo, no que concerne à carta precatória para aí remetida para citação do Réu II, solicitando o pagamento do valor correspondente aos emolumentos consulares, o que a Autora fez (fls. 1188, 1189 e 1191 – 5.º volume).

1.12. Em resposta à notificação referida em 9., a Autora requereu, em 10/04/2015, a realização de diligências, pelo tribunal, tendentes à averiguação da morada completa do Réu KK (fls. 1204 a 1207 – 5.º volume).

1.13. Por despacho de 15/04/2015, foi ordenada a citação dos Réus LL e MM por funcionário judicial, atendendo ao facto de a Autora estar isenta de custas (fls. 1208 – 5.º volume).

1.14. Após pesquisa nas bases de dados disponíveis, a secretaria expediu, em 17/04/2015, carta precatória, para o Consulado de Portugal em Düsseldorf, Alemanha, para citação do Réu KK, bem como cartas precatórias para a Unidade de Serviço Externo de Cascais, Comarca de Lisboa Oeste, para citação dos Réus identificados em 13. (fls. 1209 a 1217 – 5.º volume).

1.15. A secretaria notificou eletronicamente a Autora em 20/04/2015 da junção do requerimento/e-mail (em língua francesa) de fls. 1218 e 1219 na qual o Réu NN conta de pretender ser citado em Francês (fls. 1218 e 1219 – 5.º volume e fls. 1652 – 7.º volume).

1.16. Em 20/04/2015:

a) O Réu OO apresentou requerimento pedindo a prorrogação do prazo para contestar (fls. 1654 – 7.º volume);

b) O Réu CC apresentou requerimento pedindo a rectificação de um lapso de escrita da sua contestação (fls. 1657 – 7.º volume).

1.17. Em 22/04/2015:

a) A Ré DD apresentou requerimento juntando procuração aos autos e pedindo que o tribunal a notificasse da última citação que viesse a ser efetuada a fim de poder aproveitar do prazo mais alargado para contestar (fls. 1663 a 1668 – 7.º volume);

b) O Réu PP apresentou requerimento juntando procuração aos autos (fls. 1672 e 1673 – 7.º volume).

1.18. Por despacho de 23/04/2015 foi deferida a prorrogação do prazo para contestar por 30 dias ao Réu OO (fls. 1675 – 7.º volume).

1.19. Em 23/04/2015, o Réu CC apresentou requerimento pedindo a retificação de lapsos de escrita da sua contestação (fls. 1678 e 1679 – 7.º volume).

1.20. A secretaria notificou eletronicamente a Autora em 23/04/2015 do despacho dessa data, bem como da junção do requerimento/e-mail (em língua francesa) de fls. 1681 e 1219 na qual o Réu NN insistia em pretender ser citado em Francês (fls. 1675 e 1681 a 1688 – 7.º volume).

1.21. Por despacho de 28/04/2015, notificado eletronicamente à Autora em 29/04/2015, foi deferida a retificação dos invocados lapsos de escrita da contestação do Réu CC e ordenada a notificação da Autora para se pronunciar sobre o requerimento da Ré DD de 22-04-2015 (fls. 1690 e 1691 – 7.º volume).

1.22. Em 29/04/2015, a Autora apresentou requerimento informando ter tomado conhecimento de que o Réu QQ tinha falecido em 20/09/2014 e requerendo, nos termos dos arts. 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 4, do CPC, que fossem realizadas diligências tendentes à identificação dos sucessores daquele a fim de proceder à sua habilitação, por, apesar de ter procurado, não dispor de meios para obter essas informações (fls. 1701 a 1705 – 7.º volume).

1.23. Em 07/05/2015 o Réu MM presentou requerimento juntando procuração aos autos e pedindo a prorrogação do prazo para contestar (fls. 1708 e ss. – 7.º volume).

1.24. Por despacho de 11/05/2015, notificado eletronicamente à Autora na mesma data, foi determinado que se aguardasse pela junção do documento a que se referia o requerimento da Autora de 29/04/2015 e deferida a prorrogação do prazo para contestar ao Réu MM por 30 dias (fls. 1719 – 7.º volume).

1.25. Em 11/05/2015, a Autora juntou aos autos a certidão do assento de óbito do Réu QQ que, por lapso, não tinha acompanhado o requerimento referido no ponto antecedente (fls. 1722 a 1726 – 7.º volume).

1.26. A secretaria notificou eletronicamente a Autora em 13/05/2015 da devolução da carta registada com aviso de receção para citação do réu JJ com a indicação N'HABITE PLUS L'ADRESSE INDIQUÉ (NPAI) (fls. 1729 – 7.º volume).

1.27. Sobre o requerimento mencionado em 22. recaiu despacho de 14/05/2015, notificado eletronicamente à Autora em 15/05/2015, com o seguinte teor: Da certidão de óbito apresentada pela autora, depreende-se que o réu QQ faleceu antes da propositura da ação, o que chegou ao conhecimento da parte só em momento posterior.

A autora pretende promover a habilitação dos herdeiros deste réu para prosseguirem no seu lugar os termos da demanda, o que é facultado no nº 2 do artigo 351º do C.P.Civil, dispondo que pode requerer-se a habilitação dos sucessores do réu, ainda que o óbito seja anterior à proposição da ação.

Incumbe porém à autora, na sua qualidade de parte, indicar que tipo de diligências pretende sejam realizadas para tal efeito, o que se aguardará. (fls. 1730 e 1731– 7.º volume).

1.28. Por despacho de 21/05/2015, notificado eletronicamente à Autora em 22/05/2015, foi indeferida a pretensão da Ré da DD vertida no requerimento de 22/04/2015 (fls. 1732 a 1733).

1.29. Em 26/05/2015 os Réus RR e SS apresentaram requerimentos juntando procurações aos autos (fls. 1746 e ss. e 1751 e ss. – 7.º volume).

1.30. O Réu KK foi citado pelo Consulado Geral de Portugal, em Düsseldorf, Alemanha, em 21/05/2015 (fls. 1757 – 7.º volume).

1.31. Em 04/06/2015 e em 08/06/2015, os Réus KK e GG apresentaram, respetivamente, requerimentos juntando procurações aos autos (fls. 1746 e ss. e 1751 e ss. – 7.º volume).

1.32. Em 16/06/2015 a secretaria expediu ofícios à Unidade de Serviço Externo de Cascais e ao Consulado Português em São Paulo, solicitando informação acerca do estado das cartas precatórias referidas em 3. e em 14. para citação dos Réus aí identificados (fls. 1768 – 7.º volume).

1.33. A secretaria notificou eletronicamente a Autora em 19/06/2015 da devolução da carta registada com aviso de receção para citação do réu TT com a indicação Não reclamado (fls. 1773 – 7.º volume).

1.34. Em 22/06/2015 o Réu UU apresentou contestação (fls. 1774 e ss. – 8.º, 9.º e 10.º volumes).

1.35. Em 13/07/2015, a secretaria apresentou reclamação aos CTT por não ter obtido informação acerca da carta expedida para citação de HH (fls. 2627 a 2629 – 11.º volume).

1.36. Em 05/08/2015, o Consulado Geral de Portugal em São Paulo respondeu ao pedido referido em 32., informando que, apesar de o Réu UU ter sido convocado para comparecer ou contactar o Consulado, não se tinha manifestado até essa data (fls. 2631 a 2634 – 11.º volume).

1.37. A secretaria notificou eletronicamente a Autora em 06/08/2015 dessa informação do Consulado (fls. 2634 – 11.º volume).

1.38. Em 28/08/2015 os CTT responderam à reclamação referida em 35., esclarecendo que a carta para citação do Réu HH tinha sido entregue ao destinatário em 08/04/2015 (fls. 2635 a 2637 – 11.º volume).

1.39. Em 31/08/2015 a secretaria insistiu por via eletrónica, através de ofício à Unidade de Serviço Externo de Cascais, por informação acerca do estado da carta precatória remetida para citação da Ré LL (fls. 2638 – 11.º volume).

1.40. Em 21/09/2015, a secretaria insistiu, através de ofício dirigido ao Consulado de Portugal em São Paulo, por informação acerca do estado da carta precatória remetida para citação do Réu VV (fls. 2645 – 11.º volume).

1.41. Por despacho de 12/10/2015 foi determinado que a secretaria insistisse, por ofício confidencial dirigido ao Sr. Escrivão da secção de serviço externo, por informação acerca do estado da carta precatória remetida para citação da Ré LL, tendo, em 13/10/2015, sido expedido ofício, assinado pelo Juiz, nesse sentido (fls. 2646 – 11.º volume e fls. 3192 – 13.º volume).

1.42. Em 12/10/2015 o Réu XX apresentou contestação (fls. 2647 e ss. – 12.º e 13.º volumes).

1.43. Em 21/10/2015 foi devolvida, pela Unidade de Serviço Externo de Cascais, a carta precatória cumprida, com a certidão da citação da Ré LL efetuada em 20/10/2015 (fls. 3195 a 3202 – 13.º volume).

1.44. Em 03/11/2015, a secretaria insistiu, através de ofício dirigido ao Consulado de Portugal em São Paulo, por informação acerca do estado da carta precatória remetida para citação do Réu VV (fls. 3203 – 13.º volume).

1.45. Em 10/12/2015, o Consulado Geral de Portugal em São Paulo respondeu ao pedido referido no ponto antecedente, mantendo a informação anterior, mencionada em 35. (fls. 3204 a 3206 – 11.º volume).

1.46. A secretaria notificou eletronicamente a Autora em 11/12/2015, sob o assunto Frustração da citação, das diligências efetuadas para citação do Réu II e dos motivos da não realização do ato constantes a cópia de fls. 3204 a 3206 que juntou (fls. 3207 – 13.º volume).

1.47. Em 27/01/2016 o Réu RR apresentou contestação (fls. 2647 e ss. – 14.º e 15.º volumes).

1.48. Em 29/01/2016 o Réu SS apresentou contestação (fls. 3549 e ss. – 15.º e 16.º volumes).

1.49. Em 05/05/2016, o Réu CC apresentou requerimento pedindo que fosse declarada a deserção da instância, invocando, para tanto, que a Autora não tinha impulsionado o processo desde 11/05/2015 tendo em vista a habilitação dos sucessores do Réu QQ e que, como tal, a instância se devia considerar suspensa desde essa data e que a Autora também nada tinha requerido quanto à citação dos réus residentes no estrangeiro, JJ, TT e II (fls. 3885 a 3891 – 16.º volume).

1.50. Em 19/05/2016, a Autora pronunciou-se sobre o requerido no ponto antecedente, sustentando que não se verifica a deserção e pedindo a realização de diligências no sentido de apurar e identificar os herdeiros do Réu falecido, a saber: notificação de XX vir esclarecer se é filha daquele e para informar se existem outros herdeiros; e ofício à Administração Tributária para esta informar se foi feita participação do falecimento de QQ e, em caso afirmativo, quem são os seus herdeiros e o cabeça-de-casal (fls. 3898 e ss. – 16.º volume).

1.51. Por decisão de 16/06/2016, a instância foi declarada deserta (fls. 3909 a 3911 – 16.º volume).

2. Do mérito do recurso

Está em causa a questão de saber se, no caso, se mostram verificados os pressupostos de deserção da instância.

A Relação respondeu afirmativamente a tal questão, confirmando, dessa forma, a decisão do tribunal de 1.ª instância que declarou deserta a instância com fundamento na inércia da Autora em promover o andamento do processo. Fê-lo, conforme se extrai da fundamentação ínsita no Acórdão recorrido, com base em “quatro vicissitudes processuais”, a saber:

- A circunstância de a Autora, apesar de ter sido notificada em 15/05/2015 do despacho de 14/05/2015 (que, por lapso, se fez constar, no Acórdão recorrido, ser de 30/04/2015), não ter requerido, até ao dia 19/11/2015 e conforme lhe incumbia, diligências concretas com vista à dedução do incidente de habilitação dos herdeiros do falecido Réu QQ, só o tendo vindo a fazer em 19/05/2016 e, portanto, numa altura em que a deserção já tinha ocorrido em 20/11/2015, sem que o requerimento posteriormente apresentado tenha tido a virtualidade de interromper um prazo já consumado;

- A circunstância de a Autora, apesar de ter sido notificada em 13/05/2015 da devolução da carta registada com aviso de receção para citação do Réu JJ, residente no estrangeiro (França), com a indicação N'HABITE PLUS L'ADRESSE INDIQUÉ (NPAI), não ter requerido, até ao dia 18/11/2015 e conforme lhe incumbia, diligências com vista à sua citação, tendo, em consequência, ocorrido a deserção em 19/11/2015;

- A circunstância de a Autora, apesar de ter sido notificada em 19/06/2015 da devolução da carta registada com aviso de receção para citação do Réu TT, residente no estrangeiro (França), com a indicação Não reclamado, não ter requerido, até ao dia 23/12/2015 e conforme lhe incumbia, diligências com vista à sua citação, tendo, em consequência, ocorrido a deserção em 24/12/2015;

- A circunstância de a Autora, apesar de ter sido notificada em 20/04/2015 da junção do requerimento/e-mail (em língua francesa) de fls. 1218 e 1219 na qual o Réu NN dava conta de pretender ser citado em Francês, não ter procedido, no prazo de seis meses a contar da aludida notificação e conforme lhe incumbia, à junção de tradução da petição e dos documentos com vista à sua citação, tendo, em consequência, ocorrido a deserção (acrescentamos nós, seguindo a lógica do Acórdão recorrido, em 25/10/2015 – artigos 138.º, n.º 1, e 248.º do Código de Processo Civil, e artigo 279.º, alínea c), do Código Civil).

Para assim ter concluído no que tange às três últimas “vicissitudes processuais”, alicerçou-se a Relação no facto de a citação de Réus residentes no estrangeiro não ser totalmente oficiosa, dependendo, ao invés, da iniciativa da parte, dado que, contrariamente ao que sucede com os Réus residentes em território nacional, a secretaria não está habilitada a obter os domicílios atualizados daqueles, cabendo àquela, na falta de obtenção desses elementos, requerer ao tribunal que o processo avance com a citação edital, tal como resulta de forma acabada do artigo 8.º, n.º 3, do Regulamento n.º 1393/2007, e dos artigos 236.º, n.º 1, e 239.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.

A Recorrente, por seu turno, discorda do decidido pelo Tribunal da Relação, aduzindo, em síntese, os seguintes argumentos: (i) o processo não esteve parado por mais de seis meses, dado que no período considerado pelas instâncias, para determinar a existência da deserção, ocorreu variada atividade processual, com atos praticados pela secretaria, pelas partes e pelo juiz, sendo que o tempo decorrido entre a data em que a secretaria notificou a Autora da frustração da citação do Réu VV (11/12/2015) e a data em que a Autora praticou ato apto a impulsionar o processo (19/05/2016) foi inferior a seis meses; (ii) a notificação da secretaria de 11/12/2015, relativa à frustração da aludida citação, inutilizou o prazo anteriormente decorrido, posto que, tendo o tribunal continuado a promover o andamento do processo, não pode depois voltar atrás para declarar que a instância já estava deserta em data anterior; (iii) à luz do novo Código de Processo Civil, deve considerar-se que o despacho que declara a deserção da instância tem efeito constitutivo, pelo que enquanto a extinção não for declarada, as partes podem continuar a dar impulso ao processo independentemente do tempo decorrido; (iv) o Tribunal deveria ter alertado a Autora para a possibilidade da deserção, pelo que, não o tendo feito em momento anterior, devia ter concedido prazo para que a Autora promovesse os termos do processo e só no caso de tal não suceder é que poderia ter declarado a deserção; (v) A decisão em crise constituiu uma decisão surpresa, dado que o Tribunal nunca alertou a Autora para a falta de prática de qualquer ato, nem para se pronunciar quanto à sua eventual negligência na promoção dos termos do processo, não valendo como audição bastante o requerimento do Réu que pediu que a instância fosse declarada deserta; (vi) não houve negligência da sua parte uma vez que não se desinteressou da ação e os atos que se encontram por praticar deviam ter sido praticados pela secretaria, sendo que, ainda que assim não fosse, tais atos não podem razoavelmente ser-lhe exigidos por não ter meios para os praticar; (vii) ainda que se entenda que houve negligência, como a falta de impulso processual que se discute nos autos só respeita a cinco dos Réus, a extinção da instância por deserção deve restringir-se a estes, prosseguindo a ação quanto aos demais; (viii) a interpretação do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, feita pelo Tribunal recorrido – no sentido de ser de decretar a deserção sem convite prévio à parte para se pronunciar quanto à existência de negligência e também quando a inatividade da parte é interrompida pela prática de ato posterior – é inconstitucional por violação do princípio do acesso à justiça e do princípio da confiança.

Vejamos, então, se assiste razão à Recorrente.

Dispõe o artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que Sem prejuízo do disposto no n.º5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses; acrescentando o n.º 3 do mesmo preceito legal que Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.

decorre, assim, deste normativo que a deserção da instância – que é julgada por simples despacho do juiz (artigo 281.º, n.º 4, do Código de Processo Civil) – depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:

a) A inércia de qualquer das partes em promover o andamento do processo, imputável a título de negligência;

b) A paragem do processo por tempo superior a seis meses, a contar do momento em que a parte devia ter promovido esse andamento.

Esta forma de extinção da relação jurídico-processual (artigo 277.º, alínea c), do Código de Processo Civil), sem que ocorra pronunciamento sobre o mérito da causa, radica no princípio da auto-responsabilidade das partes, encontrando a sua razão de ser no facto de não ser desejável, numa justiça que se pretende célere e cooperada, que os processos se eternizem em tribunal, quando a parte se desinteressa da lide ou negligencia a sua atuação, não promovendo o andamento do processo quando lhe compete fazê-lo.

E foi precisamente tendo em vista a celeridade processual, a maior auto-responsabilização das partes e a diminuição da pendência processual, que o novo Código de Processo Civil veio alterar o regime que até então vigorava em matéria de deserção da instância, o que se traduziu não só num significativo encurtamento do prazo considerado relevante para esse efeito, mas também na eliminação da fase intermédia de interrupção da instância.

Previa-se no anterior Código de Processo Civil que a instância se interrompia quando o processo estivesse parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos (artigo 285.º) e que, nada requerendo a parte, a instância se considerava deserta, independentemente de qualquer decisão judicial, quando estivesse interrompida durante dois anos (artigo 291.º, n.º 1), o que significava que a instância se extinguia quando o processo estivesse parado por mais de três em virtude de a parte não ter promovido, quando tal lhe competisse, o seu andamento (artigo 287.º, alínea c), do anterior Código de Processo Civil).

A interrupção e a deserção eram, assim, à luz do regime pretérito, figuras distintas: a primeira paralisava o andamento do processo, ao passo que a segunda o extinguia (vejam-se, para maiores desenvolvimentos a propósito do anterior regime, por comparação com o novo, Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, setembro de 2014, p. 554 e ss).

Já assim sucedia no Código de Processo Civil de 1939, sendo elucidativos a esse propósito os ensinamentos de Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1946, p. 226 e ss.) que, ao caracterizar as crises da instância – isto é, os acidentes produzidos no decurso da lide que eram suscetíveis de alterar o seu curso normal – distinguia a suspensão, da interrupção e da extinção da instância. É fácil caracterizar a extinção. A crise da extinção define-se assim: ocorre, na pendência do processo, certo evento que faz cessar a instância sem que ela tenha atingido a sua finalidade normal: a declaração, por acto jurisdicional, do direito controvertido. A instância finda em consequência de um facto anormal; termina, por assim dizer, abruptamente, intempestivamente. É o caso, por exemplo, (…) de deserção (…).

Já a suspensão como a interrupção produzem uma pausa ou paralisação no andamento do processo. Na base das duas figuras há um traço comum: a paralisação do processo. Tanto no caso de suspensão como no de interrupção a instância encontra-se em estado de repouso. Mas as diferenças são sensíveis e dizem respeito quer à causa, quer aos efeitos.

Quanto à causa. A suspensão é consequência dum evento estranho, de certo modo, à vontade das partes; pelo contrário, a interrupção é consequência de atitude voluntária das partes. Assim, suspende-se a instância porque morre ou extingue alguma das partes (…). A interrupção da instância tem uma única causa: a inércia ou inactividade das partes (…). O processo está parado por culpa das partes porque estas não querem promover o seu andamento. De maneira que num caso as partes não podem e no outro não querem fazer andar o processo.

Quanto aos efeitos. A diferença, sob este aspecto é profunda (…).

Enquanto durar a crise da suspensão, não podem praticar-se validamente quaisquer actos do processo, a não ser actos urgentes, destinados a evitar danos irreparáveis; além disso, fica suspenso o decurso dos prazos. Nada disto sucede no caso de interrupção. Se o processo está parado, não é porque seja vedado às partes fazê-lo seguir; é porque elas não quiseram exercer qualquer espécie de actividade. De modo que a crise cessa logo que as partes se disponham a actuar.

Num caso, como dissemos, as partes não podem, em princípio, praticar validamente actos processuais; no outro, a prática desses actos está inteiramente à disposição e ao alcance das partes. Durante a crise da suspensão as partes não são activas porque não podem; na da interrupção não são activas porque não querem.

Já no que se refere à deserção, a ocorrência que lhe dava causa – na vigência do Código de Processo Civil de 1939, tal como se continuou a verificar com o Código de Processo Civil de 1961 (na sua versão inicial) – era a interrupção da instância durante cinco anos (artigos 292.º e 296.º do Código de Processo Civil/39). Pelo que, pressupondo a interrupção a paralisação do processo, por inércia das partes, durante mais de um ano, seguia-se que a instância ficava deserta se o processo estivesse parado durante mais de seis anos em consequência da inactividade das partes (cf. Alberto dos Reis, ob. cit., p. 328 e ss. e 432 e ss.).

No que concerne ao seu fundamento, a razão da deserção estava em não ser conveniente para a boa ordem dos serviços que no tribunal existissem processos sem solução alguma e por espaço tão longo. Por conseguinte e não obstante o custo que tal solução acarretava, traduzido na perda da atividade exercida no processo, havia vantagem em libertar o tribunal de um peso morto, de um processo que estava parado por um longo período de tempo, ao mesmo tempo que, por via indireta e reflexa, se estimulavam as partes a serem diligentes e ativas, pois a ameaça da extinção podia induzi-las a promover o seguimento do processo (cf. Alberto dos Reis, ob. cit., p. 438 e ss.).

Na versão inicial do Código de Processo Civil de 1961, manteve-se o figurino acima descrito que apenas com a reforma de 95 (levada a cabo pelo Decreto - Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro) conheceu uma alteração que se traduziu na redução do prazo da deserção de seis anos e um dia para três anos e um dia.

Por seu turno e conforme se deixou dito, o novo Código de Processo Civil (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), para além de ter encurtado, novamente e de forma significativa, o prazo relevante para se considerar verificada a deserção (que passou a ser de seis meses e um dia), aboliu a figura intermédia da interrupção da instância.

Em virtude dessa alteração, a deserção é agora de equiparar, no que concerne à sua causa, à anterior interrupção da instância, posto que, tal como sucedia com esta, resulta da falta, negligente, da parte em promover o andamento do processo, quando lhe incumbe fazê-lo (vide, neste sentido, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 436).

Na verdade, “estar o processo parado por negligência das partes em promover os seus termos” (artigo 285.º do anterior Código de Processo Civil) ou “estar o processo a aguardar impulso processual por negligência das partes (artigo 281.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil) é a mesma coisa, visando-se, tanto num, como no outro caso, que as partes, em cumprimento do seu ónus de impulso processual subsequente, se mantenham ativas, promovendo, com solicitude, o andamento do processo.

Tal ónus deve, contudo, ser conjugado com a circunstância de, num processo civil, como o atual, cada vez mais marcado pelo princípio do inquisitório e pelo primado da substância sobre a forma, cumprir igualmente ao juiz dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação (artigo 6.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), o que leva a que sejam cada vez mais raros os atos que só à parte incumbe praticar e que importam a paragem do processo (vejam-se, neste sentido, o acórdão do STJ, de 03 de maio 2018, revista n.º 217/12.5TNLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt; e Paulo Ramos de Faria, “O julgamento da deserção da instância declarativa – Breve roteiro jurisprudencial”, in Julgar on line, 2015, p. 4, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/04/O-JULGAMENTO-DA-DESER%C3%87%C3%83O-DA-INST%C3%82NCIA-DECLARATIVA-JULGAR.pdf).

É que, constituindo a deserção um efeito direto do tempo sobre a instância, que pressupõe uma situação jurídica pré-existente – a paragem do processo – a extinção da instância só se justificará quando o impasse processual não possa e não deva ser superado oficiosamente pelo tribunal. O mesmo é dizer, citando Paulo Ramos de Faria (ob. cit., p. 4), que a “paragem qualificada do processo” que empresta relevo ao decurso do tempo é apenas a que seja o efeito ou, dito de outro modo, o resultado (causalmente adequado) de uma conduta típica integrada por dois elementos: a omissão de um ato que só ao demandante cabe praticar; e a negligência deste.

Na mesma senda, também o STJ vem afirmando (como fez no acórdão de 05 de julho de 2018, revista n.º 105415/12.2YIPRT. P1.S1, disponível em www.dgsi.pt) que o pressuposto de natureza objetiva – demora superior a seis meses no impulso processual legalmente necessário – de que depende a deserção apenas se mostrará verificado quando o prosseguimento da instância dependa de impulso da parte decorrente de algum preceito legal; isto é, quando esteja em causa um ato ou atividade unicamente dependente da sua iniciativa, sendo o caso mais flagrante o da suspensão da instância por óbito de alguma das partes, a aguardar a habilitação dos sucessores (cf., neste último sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 328 e 329).

Assim sendo, analisando a factualidade processual relevante à luz das considerações supra expendidas, dúvidas não restam que, perante a comunicação do Réu NN no sentido de pretender ser citado na língua francesa – recusando, dessa forma, a receção do ato –, era sobre a Autora que recaía o ónus de juntar aos autos a tradução da petição e dos documentos que a acompanhavam com vista a permitir a efetivação da citação do referido Réu estrangeiro, residente em França, tal como se concluiu na decisão posta em crise – artigos 5.º e 8.º, n.ºs 1 e 3, do Regulamento (CE) n.º 1393/2007, do Parlamento e do Conselho, de 13 de novembro de 2007 (relativo à citação e notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-membros) e artigo 239.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Por outro lado, também não merece censura a conclusão constante do Acórdão recorrido – que, por isso, nesta parte, se acompanha – no sentido de ser igualmente à Autora, aqui Recorrente, que incumbia, contrariamente ao que esta sustenta, indicar novas moradas com vista à efetivação das citações dos Réus JJ e TT ou, no limite, constatando-se a sua ausência em parte incerta, requerer a sua citação edital. Com efeito e apesar de o regime que presentemente vigora em matéria de citação assentar na regra da oficiosidade do ato, a citação de réu estrangeiro, residente fora do território nacional, não é totalmente oficiosa, desde logo, porque, não sendo aquele cidadão português, se mostra inviável a consulta das bases de dados com vista à obtenção de morada diversa, ao que acresce a circunstância de a citação através de rogatória ou de citação edital estarem dependentes de despacho judicial que seja precedido de requerimento do autor nesse sentido (artigos 6.º, n.º 1, 226.º, 236.º, n.ºs 1 e 2, e 239.º do Código de Processo Civil).

É igualmente indubitável que, uma vez comprovado nos autos o óbito de um dos réus, era à Autora que cabia promover o competente incidente de habilitação de herdeiros, tal como resulta das disposições conjugadas dos artigos 269.º, n.º 1, al. a), 270.º, 275.º, 276.º, n.º 1, al. a), e 351.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Ora, é certo que a Recorrente nenhum desses atos praticou.

Todavia, não é menos certo que essa inércia, concernente quer às diligências de citação dos Réus residentes no estrangeiro, quer à dedução do incidente de habilitação dos herdeiros do falecido Réu, não determinou a paragem do processo por período superior a seis meses, sendo que a falta desse pressuposto é quanto basta para que se conclua que não ocorreu a deserção da instância.

Com efeito e conforme se retira do desenvolvimento processual acima descrito, durante os períodos aos quais o Tribunal recorrido atribuiu relevância para julgar deserta a instância, foram praticados vários atos – quer pelas partes, quer pela secretaria, quer pelo juiz – sem que, portanto, o processo tenha estado parado e sem que, decorrentemente, se mostre preenchido o requisito de natureza objetiva que a deserção da instância pressupõe.

Para ter concluído em sentido contrário, entendeu o Tribunal da Relação que a inércia da Autora conducente à deserção da instância devia ser aferida relativamente a cada um dos Réus ou, mais rigorosamente, aos atos que, em relação a cada um deles, cabia à Autora praticar e não praticou, independentemente, portanto, de, por força dessa inércia, o processo ter ou não estado parado.

Sucede, porém, que, conforme se extrai das disposições conjugadas constantes dos artigos 281.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a lei não se basta com a omissão de atos ou diligências que só à parte caberia praticar (e que, por negligência, não praticou) para considerar verificada a deserção da instância, antes se exigindo que dessa omissão tenha resultado, em termos causalmente adequados, a paragem do processo por período de tempo superior a seis meses – o que, in casu, manifestamente não se verificou.

Ao ter decidido de forma diversa, confirmando a decisão que declarou deserta a instância, não só o tribunal recorrido fez tábua rasa daquele pressuposto de natureza objetiva que, no caso, não se mostra preenchido, como ignorou o facto de ter sido o próprio tribunal que entendeu que o processo poderia prosseguir – como, efetivamente, prosseguiu – com a prática de atos relativos à citação dos restantes Réus.

É, pois, essa a conclusão que se extrai da análise que se faça da factualidade acima enunciada que integra o desenvolvimento processual da lide já que só assim se explica que, apesar de a Autora ter tornado conhecido no processo o óbito do Réu QQ (através da certidão junta em 11/05/2015), o juiz, ao invés de ter suspendido de imediato a instância – como lhe impunha o artigo 270.º, n.º 1, do Código de Processo Civil –, tenha continuado a praticar atos no processo e a permitir que a secretaria, oficiosamente e sob a sua direção, os fosse igualmente praticando.

Igual procedimento foi adotado pelo Tribunal depois de se terem frustrado as citações dos Réus NN, JJ e TT(o primeiro por ter recusado a receção da citação em língua portuguesa e os outros dois por as cartas expedidas para esse efeito terem vindo devolvidas) e de a Autora ter sido notificada dos motivos da não realização desses atos, posto que, após tais notificações – datadas, respetivamente, de 20/04/2015, de 13/05/2015 e de 19/06/2015 – foram sendo praticados no processo vários atos, tanto pelos restantes Réus (que, à medida que foram sendo citados, foram juntando procurações, apresentando contestações ou requerendo a prorrogação dos prazos para contestar), como pelo Tribunal.

De facto, não só a secretaria continuou a levar a cabo inúmeras diligências com vista a realização das citações dos restantes Réus que, então, permaneciam em falta, como o juiz continuou a proferir despachos, quer no sentido de remover os obstáculos com os quais a secretaria se foi deparando ao empreender as aludidas diligências, quer no sentido de emitir pronúncia sobre as pretensões que os Réus citados foram deduzindo no processo.

Apenas a partir de 11/12/2015 – data em que a Autora foi notificada da frustração da citação do Réu II e dos motivos da não realização do ato que havia sido solicitado ao Consulado Geral de Portugal no Brasil – é que cessaram as diligências oficiosamente levadas a cabo pela secretaria, sob a direção do juiz, com vista à citação dos Réus, sendo que, depois dessa data, foram ainda apresentadas duas contestações por dois dos Réus já citados, o que sucedeu respetivamente em 27/01/2016 e em 29/01/2016.

Foi, pois, apenas a partir desse momento que o processo ficou parado ou, dito de outro modo, no tal “estado de repouso” de que falava Alberto dos Reis, assim tendo permanecido até 19/05/2016, data em que a Autora se apresentou a requerer diligências no sentido de apurar e identificar os herdeiros do falecido Réu QQ com vista à dedução do competente incidente de habilitação de herdeiros, impulsionando, dessa forma, válida e eficazmente, o processo.

Pelo que, não tendo decorrido desde a prática daqueles últimos atos até 19/05/2016 um período superior a seis meses, é de concluir que, contrariamente ao que se decidiu no acórdão recorrido, não ocorreu, no caso, a deserção da instância.

Esta é, aliás, a única solução consentânea com a convicção que o Tribunal criou nas partes ao ter prosseguido com a prática de atos tendentes à citação de outros Réus, não obstante estar comprovado nos autos o óbito de um dos Réus e de a Autora nada ter requerido no que concerne à citação de três deles, posto que, em circunstâncias normais, aquele primeiro facto devia ter determinado, por si só, a imediata suspensão da instância.

Não tendo assim sucedido porque o Tribunal, ao invés de ter enveredado por esse caminho, optou por “impulsionar o processo”, criando, dessa forma, a convicção que o mesmo se encontrava a prosseguir os seus regulares termos não pode aquele, mais tarde e contraditoriamente com o comportamento anteriormente assumido, vir atribuir relevância a uma omissão à qual, no momento próprio, nenhuma relevância atribuiu.

Tal como refere, neste particular, Paulo Ramos de Faria (ob. cit., p. 15), se Ao sistema de justiça estadual repugna a paragem negligente dos termos do processo, (…) também repugna a extinção deste, quando ainda é útil, com o consequente desaproveitamento de toda a actividade processual pretérita, obrigando (desnecessariamente) a que nova demanda seja instaurada. Deve, por isso, aceitar-se que a genérica proibição de comportamentos contraditórios abrange igualmente o Estado-tribunal e que, nessa justa medida, estando o juiz vinculado, desde logo, pelas suas próprias decisões, deve ser coerente e consequente com a sua atividade pretérita, sendo que esta proibição mais não é do que uma manifestação do princípio da confiança que decorre, por sua vez, do princípio da segurança jurídica plasmado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

De resto, o próprio Tribunal Constitucional vem utilizando tal princípio como parâmetro de organização ou disciplina do processo, afirmando que a garantia do processo equitativo comporta uma dimensão de segurança e previsibilidade dos comportamentos processuais, tutelando adequadamente a possibilidade de conhecimento das normas com base nas quais são praticados os atos e formalidades processuais, assim como as expectativas em que as partes fazem assentar a sua estratégia processual. Com efeito, o processo surge como um imperativo de segurança jurídica ligado a duas exigências: a determinabilidade da lei e a previsibilidade do direito. O processo justo e equitativo é também aquele cuja regulação prevê que a sequência de actos que formam o processo esteja pré-determinada ao pormenor pelo legislador, em termos de ser possível assegurar com previsibilidade que as partes são titulares de poderes, deveres, ónus e faculdades processuais e que o processo é destinado a finalizar certo tipo de decisão final. Os dois elementos são indissociáveis: a previsibilidade das consequências da prática dos atos processuais pressupõe que as normas processuais sejam claras e suficientemente densas, atributos sem os quais ficará violado o princípio da segurança jurídica.

Um processo equitativo é também um processo previsível. Uma forma processual só é justa quando o conjunto ordenado de atos a praticar, bem como as finalidades a cumprir, tanto na propositura, como especialmente no desenvolvimento da ação, seja expresso por meio de normas cujos resultados sejam previsíveis e cuja aplicação potencie essa previsibilidade. Para que haja previsibilidade são, porém, necessárias duas condições: que o esquema processual fixado na lei seja capaz de permitir aos sujeitos do processo conhecer os poderes e deveres que conformam a relação processual; e que haja univocidade de interpretação das normas processuais. É que se os sujeitos do processo não se encontram em condições de compreender e calcular previamente as consequências das suas acções, o processo é inidóneo à realização da tutela jurídica. A idoneidade funcional do processo implica, pois, que ele seja construído em termos de possibilitar aos sujeitos processuais o conhecimento das normas com base nas quais calculam o seu modo de agir (cf. Ac. do TC n.º 604/2018, disponível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ e no mesmo sentido Acórdãos do TC n.ºs 678/98, 485/2000, 183/2006, 335/2006 e 56/2003, todos disponíveis no mesmo sítio).

Ora, dir-se-á, desde logo, transpondo estas considerações para o caso dos autos, que as normas que impõem às partes o ónus do impulso processual subsequente e que estipulam para a sua inobservância uma consequência processual não são inovatórias e nem sequer inesperadas, quer porque se encontram previstas na lei processual desde o Código de Processo Civil de 1939, quer porque, sendo claras, permitem que as partes saibam, de antemão, que a sua omissão terá a aludida consequência.

Todavia, se é certo que a mencionada cominação não pode considerar-se inesperada quando a inércia da parte seja causadora da paragem do processo, não é menos certo que se a parte se tiver mantido inerte, mas o tribunal tiver prosseguido com o normal curso da lide – quer através da prolação de despachos, quer através da prática oficiosa de atos pela secretaria – se estará perante uma consequência inesperada se, depois de assim ter procedido, o tribunal declarar que, afinal, aquela omissão ou inércia que poderia ter originado a paralisação do processo (mas não originou) conduziu à deserção da instância.

Com efeito, traduzindo-se o princípio do processo equitativo, na dimensão do justo processo, além do mais, na confiança dos interessados ou dos sujeitos processuais nas decisões de conformação ou de orientação do processo, mal se compreenderia que aqueles pudessem ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais, por força do próprio comportamento do tribunal, não podiam razoavelmente contar.

Trata-se, conforme se afirmou no acórdão do STJ de 03 de março de 2004 (tirado pelas secções criminais, no processo n.º 4421/03 e disponível em www.dgsi.pt, mas cujos ensinamentos, neste particular, são inteiramente transponíveis para o caso sub judice), do princípio da confiança na boa ordenação processual determinada pelo juiz. O processo equitativo, como “justo processo” supõe que os sujeitos do processo usem os direitos e cumpram os seus deveres processuais com lealdade, em vista da realização da justiça e da obtenção de uma decisão justa. Mas determina também, por correlação ou contraponto, que as autoridades que dirigem o processo, seja o Ministério Público, seja o juiz, não pratiquem actos no exercício dos poderes processuais de ordenação que possam criar a aparência confiante de condições legais do exercício de direitos, com a posterior e não esperada projecção de efeitos processualmente desfavoráveis para os interessados que depositaram confiança no rigor e na regularidade legal de tais actos.

A lealdade, a boa-fé, a confiança, o equilíbrio entre o rigor das decisões do processo e as expectativas que delas decorram, são elementos fundamentais a ter em conta quando seja necessário interpretar alguma sequência que, nas aparências, possa exteriormente apresentar-se com algum carácter de disfunção intraprocessual.

Pois bem, num caso como o presente em que a parte onerada com o dever de impulsionar as diligências tendentes à citação de alguns dos Réus nada requer mas em que, apesar disso, a lide se mantém ativa e prossegue com vista à citação dos restantes Réus sem que, portanto, a mesma tenha ficado paralisada – criando-se, dessa forma, a legítima convicção de que, não obstante aquelas omissões, o processo podia prosseguir os seus termos, como, efetivamente, prosseguiu – não pode o Tribunal, posteriormente, por a tal se opor a proibição de comportamentos contraditórios decorrente do princípio da confiança, vir atribuir relevância a “faltas de impulso processuais” ou, nas palavras do Acórdão recorrido, a “vicissitudes” pretéritas para, com base nelas, declarar a deserção da instância quando, na verdade, o processo nunca esteve parado pelo tempo que a lei considera relevante para esse efeito.

Sublinhe-se, ademais, que, ao ter atribuído relevância às quatro “vicissitudes processuais” a que já se aludiu para declarar a deserção da instância, o acórdão recorrido entrou em contradição com o que nele previamente se afirmara a propósito do efeito declarativo do despacho que julga a referida deserção. É que, se o juiz se limita, conforme se afirma na decisão impugnada, a verificar ou a reconhecer judicialmente o primeiro requisito de que depende a deserção, isto é, a paragem do processo por inércia das partes por seis meses e um dia e se é aí que ocorre a deserção (ou, dito de outro modo, que os seus pressupostos constitutivos se reúnem), sem que, portanto, após a sua ocorrência e antes de ela ser judicialmente declarada, os actos putativamente processuais espontaneamente praticados pelas partes sejam idóneos a impedir o julgamento da deserção da instância, então sempre será irrelevante para o caso que após a ocorrência do primeiro facto que determinou a deserção – que o tribunal recorrido situou em 25/10/2015 –, tivessem ocorrido outros factos que, em abstrato, pudessem ser a ela conducentes.

Refira-se, por último, que o Acórdão recorrido também não é coerente quando nele se afirma, por um lado, que, sendo a instância única, não pode ser parcialmente extinta ainda que a falta de impulso respeite apenas a alguns dos réus, mas, por outro, tenha aferido essa mesma falta de impulso isoladamente, isto é, em relação a cada um dos Réus e às diligências de citação concernentes a cada um deles que à Autora incumbia ter requerido e não em relação à instância ou ao processo como um todo.

Ora, é um facto que a instância é una, mas é também por essa razão que a lei faz depender a sua deserção da paragem do processo (globalmente considerado) e não apenas da omissão da prática de determinados atos que, não obstante incumbirem à parte, não determinaram essa paragem.

Terá sido essa visão isolada da “falta de impulso processual” que transparece do Acórdão recorrido que conduziu à conclusão nele expressa de considerar verificada a deserção da instância.

Acontece que tal visão, para além de não ser coerente com o entendimento que se deixou expresso na decisão no sentido de a instância ser una, nem sequer é consentânea com as normas que regem a matéria da deserção da instância e com a ratio que lhes subjaz. O que a lei sanciona, tendo em vista a celeridade processual, é a inércia das partes da qual resulte a paragem do processo – precisamente por não ser conveniente para a boa ordem dos serviços que os processos pendam indefinidamente em tribunal, sem atingirem o seu fim último em virtude da parte que neles devia estar interessada se ter desinteressado do desfecho que pediu, ab initio, ao Tribunal – e não, como é evidente, a inércia que nenhum reflexo tem no andamento do processo.

Destarte, não tendo o processo estado parado por mais de seis meses, a falta deste pressuposto de natureza objetiva é quanto basta para que se conclua que a instância não ficou deserta, impondo-se, assim, que seja revogada a decisão recorrida com o consequente prosseguimento dos autos (artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Quanto à questão suscitada pela Recorrente e pelo Recorrido FF no que respeita à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça:

 nos termos do disposto no artigo 6º do Regulamento das Custas Judiciais, deverá a questão ser apreciada antes da remessa dos autos à conta, o que só ocorrerá com a decisão final, o que não é o caso presente atento o que atrás se referiu.

Assim, oportunamente deverá ser apreciada a sua pretensão.

 

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em:

- conceder a revista, revogando-se o Acórdão recorrido e, consequentemente, determina-se o prosseguimento dos autos.

Custas pelos Recorridos que deduziram oposição.

Lisboa, 14 de Maio de 2019

(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas)

Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

 Fátima Gomes

Acácio das Neves

(Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico)