Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
481/21.9T8CDN.C1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
EFICÁCIA
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
IDENTIDADE DE FACTOS
LIMITES DO CASO JULGADO
Data do Acordão: 03/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
A excepção dilatória de caso julgado pressupõe a identidade de pedidos e de causas de pedir.
Decisão Texto Integral:
ACÓRDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. — RELATÓRIO


1. AA e mulher, BB, instauraram acção declarativa de condenação contra CC e mulher DD, pedindo que os Réus sejam condenados:

“1) a reconhecerem os AA. como únicos e legítimos proprietários, erga omnes e com exclusão de outrem, do prédio sito na Rua ..., em ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., sob o artigo ...34º no Serviço de Finanças ..., e descrito sob a seu favor sob o número ...17 da freguesia ..., na Conservatória do Registo Predial ...,

2) em alternativa, caso não se entenda e decida como acima, a reconhecerem os AA. os titulares do direito real de propriedade do prédio supramencionado em “1” deste petitório, adquirido por aquisição originária, pelo instituto civilístico da Usucapião, nos termos e segundo os artigos 1287º, 1293.º e seguintes, todos do Código Civil, atento e em resultado da  sua boa e efetiva posse, com animus e corpus e que se soma à sua, por traditio da aquisição derivada dos anteriores proprietários e ante possuidores,

3) a absterem-se de todo e qualquer ato que prejudique a posse e o direito real de propriedade dos Autores no supramencionado prédio, desocupando de pessoas, bens, objetos, ou obras e ou outras coisas colocadas, aplicadas, erigidas ou colocadas no prédio dos AA., daí os retirando e aí não colocando qualquer outro, tudo em ordem a não prejudicarem o direito real de propriedade deste AA.,

4) e, às suas exclusivas custas, encargos e responsabilidade, a demolirem integralmente todas as obras de alvenaria, de placas de betão, telhados, telheiros e todas as demais obras construídas em violação do direito de propriedade dos AA. sobre o imóvel dos AA., encastradas ou assentes sobre o prédio destes, quer as fixadas ou em violação do afastamento da distância 1,5 metros entre os dois prédios, ou as que prejudicam o direito de propriedade do prédio dos AA., pelo que, e tais obras deverão ser alvo de completa e total demolição, até que sejam integralmente respeitados o dever de distância de 1.5 mts. de lei, a segurança dos edifícios e o pleno direito de propriedade dos AA. sobre o seu prédio,

5) e a respeitarem integralmente o direito de propriedade dos AA. sobre o seu prédio, bem assim de todas as partes integrantes do prédio dos AA., não os prejudicando, impedindo ou obstaculizando por qualquer meio o uso, gozo e usufruto desse seu prédio, para tanto demolindo

6) a reconhecerem que o seu prédio (deles RR.) está onerado com servidão real de vistas, ar e luz a favor do prédio dos AA., nos termos e segundo o disposto dos artigos 1543.º, 1362.º e seguintes, todos do Código Civil, determinada pela existência, características e dimensões da referida janela e respetiva abertura existente do prédio dos AA. sita na sua casa de banho do rés-do-chão, a poente, a favor e em benefício do prédio dominante dos AA., abrindo diretamente sobre o prédio serviente dos RR. e constituída pela Usucapião a favor do prédio dos AA., nos termos do supramencionado Acórdão o Tribunal da Relação de Coimbra,

7) e, à sua exclusiva custa, encargos e responsabilidade, a demolirem toda e qualquer estrutura, obstáculo, objeto ou obra, respeitando o afastamento de todo e qualquer obstáculo até 1,5 metros de distância, tudo consoante dispõe o artigo 1362.º, n.º 2, do Código Civil, em  ordem ao respeito integral da servidão real de vistas, ar e luz a favor do prédio dos AA., nos termos e para os efeitos do supramencionado Acórdão o Tribunal da Relação de Coimbra,

8) e, às suas exclusivas custas, encargos e responsabilidade, a demolirem toda e qualquer estrutura, obstáculo, objeto ou obra, respeitando o afastamento de todo e qualquer obstáculo até 1.5 metros de distância, tudo consoante dispõe o artigo 1362.º, n.º 2, do Código Civil, em ordem ao respeito integral da servidão real de vistas, ar e luz a favor do prédio dos AA., nos termos e para os efeitos do melhor cumprimento do supramencionado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra,

9) a pagarem aos AA., a título de indemnização por ressarcimento de danos morais, ou não-patrimoniais, no que se estima, por equidade, na quantia de capital em 2.500,00 (Dois mil e quinhentos euros);

10) a ordenar-se o cancelamento de quaisquer registos em quaisquer serviços, repartições, departamentos ou instituições do Estado Português, que, porventura do seu prédio, ou de parte, resultem em prejuízo ou diminuição do prédio dos AA., ou da servidão de vistas em causa, tenha sido feita a favor dos RR”.


2. Os Réus contestaram, deduzindo a excepção dilatória de caso julgado.


3. O Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho, em que se decidiu “julgar procedente a excepção de caso julgado, e em consequência, ao abrigo do disposto nos artigos 278º, nº 1, al. e), 576º nºs 1 e 2 e 577º, al. i) do Código de Processo Civil, absolver os RR. da instância”.


4. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação.


5. O Tribunal da Relação julgou parcialmente procedente o recurso,

I. — confirmando a decisão recorrida no que respeita aos pedidos formulados sob os n.ºs 1, 2 e 6;

II. — revogando a decisão recorrida no que respeita aos pedidos formulados sob os n.ºs 3-5 e 7-10;

e, em consequência,

III. — determinando o prosseguimento dos autos no que respeita aos pedidos formulados sob os n.ºs 3-5 e 7-10.


6. Inconformados, os Réus CC e DD interpuseram recurso de revista.


7. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, prolatado a 22.11.2022, de que ora se recorre, julgou parcialmente procedente o recurso de Apelação interposto pelos AA., revogando adecisão recorrida para prosseguimento dosautosno que concerne aos pedidos formulados pelos AA. nos pontos 3 a 5 e 7 a 10 e mantendo-a no que diz respeito aos pedidos formulados nos pontos 1, 2 e 6 (cfr., decisão de fls. 25).

2. Tal decisão de fls., debalde douta, deve ser revogada, por a mesma desvelar uma violação ou errada aplicação da lei de processo (cfr., artigo 674.º, n.º 1, alínea b) do CPC).

3. O Tribunal a quo não percecionou a essência do objeto do litígio, o que redundou numa errónea aplicação da lei processual.

4. Ao invés do que considerou o douto Tribunal recorrido, a presente ação é idêntica à Ação de Processo Comum n.º 195/18.7T8CDN.C1, com decisão transitada em julgado, no que concerne aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

5. Verificando-se a tríplice identidade – sujeitos, causa de pedir e pedidos – exigida para a verificação da exceção de caso julgado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 581.º do Código de Processo Civil.

Ora,

6. Na Ação de Processo Comum n.º 195/18.7T8CDN.C1, que correu termos no Juízo de Competência Genérica ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., por decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, datada de 15.06.2021, transitada em julgado, foi concedido parcial provimento ao recurso de apelação interposto pelos AA. da decisão proferida por aquele Tribunal que havia julgado parcialmente procedente a referida ação.

7. No âmbito da referida ação, o Tribunal de segunda instância decidiu: “Revogar a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido formulado na petição inicial sob a alínea b) e, julgando-se procedente essepedido, condenam-se os Réus a reconhecer que o seu prédio (deles RR.) está onerado com uma servidão de vistas, ar e luz, constituída por usucapião, a favor e em benefício do prédio dos AA., supra identificado, determinada pela existência da  janela–supra descrita – e  respectiva abertura existente no prédio dos AA., sita na sua casa de banho do rés-do-chão, a poente, que abre directamente sobre o prédio (serviente) dos RR. supra identificado; Em tudo o mais, confirma-se a decisão recorrida.”

8. Na referida Ação de Processo Comum n.º 195/18.7T8CDN.C1 e na presente ação, as partes são as mesmas, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, cumprindo-se o primeiro pressuposto da exceção de caso julgado (cfr., artigo 581.º, n.º 2 do CPC).

9. Mutatis mutandis, é a mesma a causa de pedir nas duas causas(cfr., artigo 581.º, n.º 4 do CPC).

10. Assim porque, os factos essenciais alegados pelos aqui Recorridos, na presente ação são uma reprodução fiel ou, em alguns artigos, uma reprodução com meras diferenças de formulação textual dos factos essenciais alegados pelos Recorridos na petição inicial apresentada no âmbito da Ação de Processo Comum n.º 195/18.7T8CDN.C1.

11. Com efeito, estamos numa e noutra ação perante os mesmos factos essenciais que fundamentam as pretensões jurídicas dos Recorridos.

12. Ademais, verifica-se a identidade de pedidos em ambas as causas– requisito que  a par da identidade da causa de pedir e da identidade das partes, constitui fundamento da exceção de caso julgado – na medida em que, os Recorridos pretendem obter o mesmo efeito útil.

13. Efeito útil este que se resume, no caso concreto, em compelir os réus à demolição total de toda e qualquer estrutura que, alegadamente, constitui um obstáculo aos direitos que de que os ora Recorridos, são titulares.

14. No entender do Tribunal a quo, a alegada realização de outras construções efetuadas pelos Réus e que se reconduzem à colocação de uma placa de cimento, acima da janela dos Autores, que forma um terraço, constitui uma “(…) obra diferente e em relação à qual os AA. não tinham formulado qualquer pretensão, que é agora invocada nesta acção (…) e que não se confunde com a obra entretanto demolida, objecto daquela outra ação”.

15. Mais, fundamentando que “por outro lado, os AA. alegam nesta ação a ocupação pelos RR., com vasos e outros objectos, de uma via empedrada de que são proprietários e a realização de obras pelos RR. que põem em causa o seu direito de  propriedade e que causam infiltrações na casa de banho onde se situa a janela sobre a qual se mostra constituída uma servidão de vistas” (cfr., acórdão de fls. 24).

16. Assim concluindo pela não identidade de pedidos nas duas causas, o que demonstra que o douto Tribunal a quo não compreendeu cabalmente o verdadeiro sentido dos pedidos formulados pelos Recorrentes na presente ação.

17. No processo de Ação de Processo Comum n.º 195/18.7T8CDN.C1, os AA. formularam os seguintes pedidos:

“a) Que os Réus sejam condenados a reconhecer que os Autores são donos e legítimos possuidores do prédio identificado nos artigos 1.º e 2.º da Petição Inicial;

b) Que os Réus sejam condenados a reconhecer que o seu prédio (deles RR.) está onerado com servidão real de vistas, ar e luz a favor do prédio dos AA., nos termos e segundo o disposto nos artigos 1543.º e seguintes do Código Civil, determinada pela existência, características e dimensões da referida janela e respetiva abertura existente no prédio dos AA. sita na sua casa de banho do rés- do chão, a poente, a favor e em beneficia do prédio dominante dos AA., abrindo diretamente sobre o prédio serviente dos RR., e constituída por usucapião a favor do prédio dos AA.;

c) Que os Réus sejam condenados a demolir, à sua exclusiva custa, encargos e responsabilidade, a estrutura que construíram e que veio a tapar a referida janela e respetiva abertura, e a abrirem nessa construção a correspondente abertura com as mesmas dimensões da janela aí existente até à data, de modo a que esta possa subsistir e continuar a dar luz, ar para o prédio dos AA., e estes poderem debruçar-se sobre ela, sempre com o afastamento de todo e  qualquer obstáculo até 1.5 metros de distância, tudo consoante dispõe o artigo 1362.º, n.º 2, do Código Civil;

d) Que os Réus sejam condenados a indemnizar os AA. pelos danos morais ou não patrimoniais, que se estima, por equidade, em 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros);

e) Que os Réus sejam condenados ao pagamento da indemnização moratória segundo o artigo 829-º-A do Código Civil, de € 100,00 (cem euros) diários aos AA., a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia que os AA. se encontrem inibidos de fazer uso das vistas correspondente ao direito real de servidão sob e onerando o prédio serviente supramencionado da pertença dos RR. e em benefício do prédio dominante supra identificado da possa e propriedade dos AA.;

f) Que seja ordenado o cancelamento de quaisquer registos que, porventura do prédio, ou de parte, resultem em prejuízo ou diminuição do prédio dos AA., ou da servidão de vistas em causa, tenha sido feita a favor dos RR”.


18. Pedidos estes que, por sua vez, são já uma repetição dos pedidos formulados pelos Recorrentes na Ação de Processo Comum n.º 68/14.2TCDN, que correu igualmente os seus termos no Juízo de Competência Genérica ... do Tribunal Judicial da Comarca ...:

“a) a reconhecerem que os AA. são donos e legítimos possuidores do prédio identificado no art. 1º desta peça;

b) a reconhecerem que o seu prédio (deles RR.) está onerado com servidão de vistas, ar e luz a favor do prédio dos AA., determinada pela existência da referida janela do prédio dos AA. sita no 1º andar, a poente, abrindo directamente sobre o prédio dos RR e constituída por usucapião a favor dos AA.;

c) à sua exclusiva custa, a demolirem a estrutura que construíram e veio a tapar a referida janela ou a abrirem nela a correspondente abertura com as mesmas dimensões da janela que aí existe, de modo a que esta possa subsistir e continuar a dar luz, ar para o prédio dos AA. e estes poderem debruçar-se sobre ela, consoante dispõe o art. 1362º, nº 2 do CCiv.;

d) a indemnizarem os AA. pelos prejuízos que se liquidarem em execução de sentença para tratamento e pintura dosdefeitos provocados no quarto do 1º andar e casa-de-banho do rés-do-chão, pelas infiltrações de águas geradas pelas obras que o RR. efectuaram junto à parede ponte do prédio dos AA.;

e) ordenar-se o cancelamento de quaisquer registos que porventura do prédio ou de parte do prédio dos AA. ou servidão de vistas tenha sido feita a favor dos RR.;

f) Condenar os RR. em custas e condigna procuradoria”.


19. Não desistindo, na presente ação, vieram formular os pedidos seguintes:

“1) a reconhecerem os AA. como únicos e legítimos proprietários, erga omnes e com exclusão de outrem, do prédio sito na Rua ..., em ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., sob o artigo ...34º no Serviço de Finanças ..., e descrito sob a seu favor sob o número ...17 da freguesia ..., na Conservatória do Registo Predial ...,

2) em alternativa, caso não se entenda e decida como acima, a reconhecerem os AA. os titulares do direito real de propriedade do prédio supramencionado em “1” deste petitório, adquirido por aquisição originária, pelo instituto civilístico da Usucapião, nos termos e segundo os artigos 1287º, 1293.º e seguintes, todos do Código Civil, atento e em resultado da  sua boa e efetiva posse, com animus e corpus e que se soma à sua, por traditio da aquisição derivada dos anteriores proprietários e ante possuidores,

3) a absterem-se de todo e qualquer ato que prejudique a posse e o direito real de propriedade dos Autores no supramencionado prédio, desocupando de pessoas, bens, objetos, ou obras e ou outras coisas colocadas, aplicadas, erigidas ou colocadas no prédio dos AA., daí os retirando e aí não colocando qualquer outro, tudo em ordem a não prejudicarem o direito real de propriedade deste AA.,

4) e, às suas exclusivas custas, encargos e responsabilidade, a demolirem integralmente todas as obras de alvenaria, de placas de betão, telhados, telheiros e todas as demais obras construídas em violação do direito de propriedade dos AA. sobre o imóvel dos AA., encastradas ou assentes sobre o prédio destes, quer as fixadas ou em violação do afastamento da distância 1,5 metros entre os dois prédios, ou as que prejudicam o direito de propriedade do prédio dos AA., pelo que, e tais obras deverão ser alvo de completa e total demolição, até que sejam integralmente respeitados o dever de distância de 1.5 mts. de lei, a segurança dos edifícios e o pleno direito de propriedade dos AA. sobre o seu prédio,

5) e a respeitarem integralmente o direito de propriedade dos AA. sobre o seu prédio, bem assim de todas as partes integrantes do prédio dos AA., não os prejudicando, impedindo ou obstaculizando por qualquer meio o uso, gozo e usufruto desse seu prédio, para tanto demolindo

6) a reconhecerem que o seu prédio (deles RR.) está onerado com servidão real de vistas, ar e luz a favor do prédio dos AA., nos termos e segundo o disposto dos artigos 1543.º, 1362.º e seguintes, todos do Código Civil, determinada pela existência, características e dimensões da referida janela e respetiva abertura existente do prédio dos AA. sita na sua casa de banho do rés-do-chão, a poente, a favor e em benefício do prédio dominante dos AA., abrindo diretamente sobre o prédio serviente dos RR. e constituída pela Usucapião a favor do prédio dos AA., nos termos do supramencionado Acórdão o Tribunal da Relação de Coimbra,

7) e, à sua exclusiva custa, encargos e responsabilidade, a demolirem toda e qualquer estrutura, obstáculo, objeto ou obra, respeitando o afastamento de todo e qualquer obstáculo até 1,5 metros de distância, tudo consoante dispõe o artigo 1362.º, n.º 2, do Código Civil, em  ordem ao respeito integral da servidão real de vistas, ar e luz a favor do prédio dos AA., nos termos e para os efeitos do supramencionado Acórdão o Tribunal da Relação de Coimbra,

8) e, às suas exclusivas custas, encargos e responsabilidade, a demolirem toda e qualquer estrutura, obstáculo, objeto ou obra, respeitando o afastamento de todo e qualquer obstáculo até 1.5 metros de distância, tudo consoante dispõe o artigo 1362.º, n.º 2, do Código Civil, em ordem ao respeito integral da servidão real de vistas, ar e luz a favor do prédio dos AA., nos termos e para os efeitos do melhor cumprimento do supramencionado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra,

9) a pagarem aos AA., a título de indemnização por ressarcimento de danos morais, ou não-patrimoniais, no que se estima, por equidade, na quantia de capital em 2.500,00 (Dois mil e quinhentos euros);

10) a ordenar-se o cancelamento de quaisquer registos em quaisquer serviços, repartições, departamentos ou instituições do Estado Português, que, porventura do seu prédio, ou de parte, resultem em prejuízo ou diminuição do prédio dos AA., ou da servidão de vistas em causa, tenha sido feita a favor dos RR”.


20. Ora, cotejados os pedidos formulados em ambas as ações, ainda que não exista identidade absoluta formal entre os mesmos, é indesmentível que os mesmos, do ponto de vista substancial, visam alcançar o mesmo fim ou efeito jurídico.

21. O que os Recorridos logram com as duas causas são os mesmos efeitos jurídicos: além de que os Recorrentes sejam condenados a reconhecer que os Recorridos são donos e legítimos possuidores do prédio urbano, identificado e descrito nas duas petições iniciais e que os RR. sejam condenados a reconhecer o direito real de servidão de vistas, ar e luz, de que o seu prédio está onerado a favor do prédio dos Recorridos, visam, sobretudo, que os Recorrentes sejam condenados a demolir, à sua exclusiva custa, encargos e responsabilidade qualquer estrutura, obra, objeto ou obstáculo que alegadamente impeça o exercício do direito de servidão real de vistas, ar e luz a favor do prédio dos Recorrentes e, por último, em sede de pedido de indemnização civil, sejam os Recorrentes sejam condenados a pagar aos Recorrentes o montante de €2.500,00, a título de danos morais sofridos em consequência da conduta dos RR, pedido este formulado nas duas ações.

22. Fundamenta o douto Tribunal a quo que as obras em discussão na presente ação são diferente daquelas que se discutiam na anterior ação de processo comum n.º 195/18.7T8CDN: “é essa obra diferente e em relação à qual os AA. não tinham formulado qualquer pretensão, que é agora invocada nesta acção, conforme decorre dos artigo 39 a 76da p.i e que se não confunde com a obra entretanto demolida, objecto daquela outra acção” (cfr., acórdão de fls.).

23. Posto que, na visão do Trinunal essa “obra diferente” “se reconduzem, no essencial, à colocação de uma placa de cimento acima da referida janela dos Autores que forma um terraço” (cfr., acórdão de fls.).

24. Todavia, analisados osartigos 39 a76 da petição inicial apresentada pelos AA. na presente ação não se vislumbram quaisquer factos diferentes ou novos relativamente àqueles que foram narrados na petição inicial que deu inicío à ação de processo comum n.º 195/18.7T8CDN, e que visam sustentar os pedidos dos AA., os quais se referem às seguintes obras e construções alegada e falsamente “novas” realizadas pelos Recorrentes: alçamento de paredes e com telheiro nas traseiras do imóvel dos RR.; colocação da porta junto ao local onde os AA. têm a casota da botija de gás; avanço do prédio dos RR. com alçamento de um telhado decobertura do logradouro;colocação de uma placa de gesso laminada e opaca, tipo pladur, com gesso cartonado e compacto; levantantamento de uma nova parede desde a soleira da porta do rés-do-chão até ao início da janela do 1º andar; colocação uma porta assente em parede, em linha contígua e apoiando-se as paredes exteriores de um lado diretamente no alçado Poente da casa dos AA. e do e do outro lado no Nascente da casados RR.; construção de um paramento vertical a uma parede diretamente fixada à parede do alçado Poente do prédio dos AA., com 10 centímetros de espessura, rebocada e pintada a tinta plástica branca; construção de uma placa de betão solidária na estrutura com a parede dos AA., formando um terraço, inacessível diretamente.

25. São estas as obras e construções de alvenaria “novas” (como são qualificadas pelos Recorridos) que os Recorrentes fizeram no seu prédio e que alegadamente colidem com a servidão legal de vistas dos Recorrentes, obstruindo a circulação de ar e a entrada de luz natural pela janela ou abertura existente no prédio dos Recorridos e que pretendem ver demolidas.

26. Porém, estas obras não são “novas”, como bem resuta da matéria de facto dada por provada na Ação de Processo Comum n.º 195/18.7T8CDN e como consta, igualmente, da matéria de facto considerada no douto acórdão de que ora se recorre.

27. Todas as obras efetuadas pelos Réus/Recorrentes se destinaram única e exclusivamente a executar a decisão prolatada no Processo n.º 68/14.2T8CDN.C1, que correu termos no Juízo de Competência Genérica ... do Tribunal Judicial da Comarca ....

28. Como se pode ler no dispositivo da sentença em que culminou o referido processo, decidiu o Tribunal: “Condenar os Réus a reconhecer a servidão de vistas constituída, por usucapião, a favor do prédio urbano descrito no ponto 1 dos factos provados de que os Autores são proprietários respeitante à janela aberta e utilizada pelos últimos situada e com as dimensões descritas nos pontos 8 e 10 dos factos provados; b) Condenar os Réus a demolir parcialmente a estrutura erigida e descrita nos pontos 15 a 19 dos factos provados para que seja aberta em frente à janela dos Autores cavidade com as mesmas dimensões da referida janela;” (cfr., sentença de fls. 22).

29. Na fundamentação da referida sentença, consta o seguinte: “Tendo em conta a natureza e o efeito do direito de servidão em causa, a função instrumental da janela dos Autores como resulta dos factos provados, e o que se prescreve no n.º 2, do artigo 1362.º, do Código Civil, a reposição do direito daqueles não implica mais do que a demolição do da estrutura na dimensão do enfiamento da janela, tal como alternativamente peticionado na PI, ou seja, abrir na estrutura espaço correspondente às dimensões da janela por modo a que continue a entrar pela mês luz e ar e estes poderem debruçar-se sobre a mesma. Assim, a salvaguarda do direito real de servidão de vistas do prédio dos Autores não implica a demolição da totalidade da estrutura edificada pelos Réus, em toda a sua extensão, mas sim na parte em frente à janela na sua dimensão” (cfr., sentença de fls. 19).

30. Ora, tais obras de demolição foram efetuadas com total respeito pela decisão judicial e abrangeu tanto a janela do primeiro andar como a janela do Rés-do-chão do prédio dos RR., de comum acordo entre as partes, como bem sabem os Recorridos, as quais foram as únicas realizadas pelos Recorrentes.

31. Sendo estas as demolições a que faz referência a decisão proferida no âmbito da ação de processo comum n.º 195/18.7T8CDN.C1 e não havendo sido, posteriormente, realizadas quaisquer novas obras ou construções. Respeitando-se plenamente o direito de servidão de vistas, luz e ar e o direito de propriedade reconhecidos aos RR./Recorridos.

32. Mais, além das obras necessárias para assegurar o cumprimento da decisão judicial, os Recorrentes voluntariamente e com o acordo dos Recorridos, executaram obras de demolição para resolver situação idêntica em relação à janela existente no rés- do-chão da casa de banho do prédio dos Recorridos, tendo todas as obras de demolição sido efetuadas com o consentimento dos Recorridos.

33. E é justamente esta a “janela sobre a qual se mostra constituída uma servidão de vistas”, situada no rés-do-chão da casa de banho do prédio dos RR. e acima da qual se encontra (e já encontrava…) edificada a “placa de cimento”, que o Tribunal a quo considera incompreensivelemnte um “obra diferente”.

34. Acabando por concluir, infundadamente, pela ausência de identidade de pedidos nas duas causas.

35. E, donde resultou a errada aplicação da lei processual, fundamentando que “quanto a estes pedidos não existe bem identidade de causas de pedir, nem identidade de pedidos e, nessa medida, não é possível defender que se verifica a tríplice identidade exigida pelo artº 577 do C.P.C.” (cfr., acórdão de fls. 24).

36. Não julgou bem, portanto, o douto Tribunal a quo, ao defensar que “quanto a estes pedidos não existe nem identidade de causas de pedir, nem identidade de pedidos e, nessa medida, não é possível defender que se verifica a tríplice identidade exigida pelo artº 577 do C.P.C”. (cfr., acórdão de fls. 24).

37. Com efeito, ao contrário do que julgou o tribunal recorrido, verificam-se cumulativamente, os pressupostos da exceção de caso julgado: (i) identidade de sujeitos, assumindo os AA. e RR. a mesma qualidade jurídica em ambas as ações; (ii) identidade de causas de pedir, porquanto são idênticos os factos essenciais que constituem a causa de pedir na na Ação de Processo Comum n.º 195/18.7T8CDN.C1 e na presente ação; e, (iii) identidade de pedidos, pois os Recorridos visam, em ambas as causas, a obtenção dos mesmos efeitos jurídicos.

38. Verifica-se, portanto, no caso concreto, a exceção de caso julgado.

Sem conceder ou prescindir,

39. O Tribunal a quo julgou improcedente o pedido de condenação dos AA. em litigância de má-fé:“No que se reporta à imputação de má fé dos recorrentes, aquí feita pelos recorridos, não tem esta razão de ser. Com efeito, integra o conceito de litigante de má fé, a dedução de pretensão manifestamente improcedente, com violação dos deveres de probidade, de cooperação leal e de boa fé. O dever de probidade, exige que a parte não deduza pretensões cuja falta de fundamento não devia ignorar e que não articule factos contrários à verdade. Ora, os AA. exercem por via desta acção direitos compreendidos no seu direito de propriedade, que não foram objecto de decisão em anterior acção que correu entre as mesmas partes” (cfr., acórdão de fls. 25).

40. Errando, mais uma vez, na aplicação lei de processo.

41. Como decorre notoriamente dos autos, os Recorridos têm vindo a propor várias ações judiciais ao longo de vários anos com o objetivo de obter um único e exclusivo efeito jurídico: que os Recorrentes sejam condenados a demolir toda e qualquer estrutura erigida no seu prédio, a pretexto do respeito pelo seu direito de propriedade e da servidão de vistas que lhes foram judicialmente reconhecidos, bem sabendo que tal pretensão é infundada.

42. As obras de demolição das estruturas edificadas no prédio dos Recorrentes, como bem sabem os Recorridos, foram realizadas tendo em vista o cumprimento da sentençano âmbito do Processo n.º68/14.2T8CDN, asquais incluiramtambém asobras de demolição necessárias para respeitar o direito de propriedade e a servidão de vistas reconhecidas aos AA. com respeito à janela existente no rés-do-chão da casa de banho do prédio dos AA., com as quais acordaram. E é, novamente, o alegado respeito pelo direito de propriedade e a servidão de vista sobre esta janela que os AA. vem exigir repetidamente na presente ação.

43. A qual é, por conseguinte, uma repetição da anterior Ação de Processo Comum n.º 195/18.7T8CDN.C1.

44. Como inclusive afirmou o Tribunal a quo “o dever de probidade, exige que a parte não deduza pretensões cuja falta de fundamento não devia ignorar e que não articule factos contrários à verdade (…)” (cfr., acórdão de fls. 25).

45. O que, bem se vê, tem sido prática reiterada dos Recorridos.

46. Os Recorrente têm vindo a fazer uma utilização manifestamente censurável do processo e a insistir na protelação da pacificação das controvérsias entre as partes, através da propositura de sucessivas ações judiciais com vista ao mesmo fim.

47. Ademais, os Recorridos articularam factos contrários à verdade, o que o Tribunal não pode ignorar.

48. Os Recorridos vieram aduz ir que as alegadas “obras e construções novas” edificadas no prédio dos Recorrentes haviam sido efetuadas entre os anos de 2015 e 2018, quando bem sabiam que tal facto é falso.

49. Julgou erradamente, portanto, o Tribunal recorrido ao julgar improcedente a litigância de má-fé dos AA., com preterição da lei processual civil, maxime, do artigo 542.º do CPC.

50. O douto Tribunal ad quem não pode ignorar aquele que é o verdadeiro efeito pretendido pelos Recorridos, prevenindo que estes continuem a manter a mesma postura, com todas as consequências para a administração da justiça e a pacificação social.

51. Por ser assim, devem os Recorridos ser condenados em multa por litigância de má-fé, nos termos do artigo 27.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais.

52. Devendo, igualmente, os Recorridos ser condenados a pagar aos Recorrentes uma indemnização pelos danos causados pelas suas censuráveis condutas processuais, que se estima em valor não inferior a 15.000,00€.

Termos em que, e melhores de Direito, e com o douto suprimento de V. Exas., deverá o recurso de revista interposto pelos RR./Recorrentes ser julgado procedente, por provado, e, consequentemente, revogada o douto acórdão de fls. proferido pelo Tribunal a quo, com as devidas e legais consequências.


8. Os Autores responderem ao recurso de revista, pugnando pela sua inadmissibilidade.


9. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

I. — se os Réus CC e mulher, DD, devem ser absolvidos da instância relativamente aos pedidos formulados sob os n.ºs 3-5 [1]:

3) a absterem-se de todo e qualquer ato que prejudique a posse e o direito real de propriedade dos Autores no supramencionado prédio, desocupando de pessoas, bens, objetos, ou obras e ou outras coisas colocadas, aplicadas, erigidas ou colocadas no prédio dos AA., daí os retirando e aí não colocando qualquer outro, tudo em ordem a não prejudicarem o direito real de propriedade deste AA.,

4) e, às suas exclusivas custas, encargos e responsabilidade, a demolirem integralmente todas as obras de alvenaria, de placas de betão, telhados, telheiros e todas as demais obras construídas em violação do direito de propriedade dos AA. sobre o imóvel dos AA., encastradas ou assentes sobre o prédio destes, quer as fixadas ou em violação do afastamento da distância 1,5 metros entre os dois prédios, ou as que prejudicam o direito de propriedade do prédio dos AA., pelo que, e tais obras deverão ser alvo de completa e total demolição, até que sejam integralmente respeitados o dever de distância de 1.5 mts. de lei, a segurança dos edifícios e o pleno direito de propriedade dos AA. sobre o seu prédio,

5) e a respeitarem integralmente o direito de propriedade dos AA. sobre o seu prédio, bem assim de todas as partes integrantes do prédio dos AA., não os prejudicando, impedindo ou obstaculizando por qualquer meio o uso, gozo e usufruto desse seu prédio, para tanto demolindo […]


II. — se os Réus CC e mulher, DD, devem ser absolvidos da instância relativamente aos pedidos formulados sob os n.ºs 7- e 8 [2] :

7) e, à sua exclusiva custa, encargos e responsabilidade, a demolirem toda e qualquer estrutura, obstáculo, objeto ou obra, respeitando o afastamento de todo e qualquer obstáculo até 1,5 metros de distância, tudo consoante dispõe o artigo 1362.º, n.º 2, do Código Civil, em  ordem ao respeito integral da servidão real de vistas, ar e luz a favor do prédio dos AA., nos termos e para os efeitos do supramencionado Acórdão o Tribunal da Relação de Coimbra,

8) e, às suas exclusivas custas, encargos e responsabilidade, a demolirem toda e qualquer estrutura, obstáculo, objeto ou obra, respeitando o afastamento de todo e qualquer obstáculo até 1.5 metros de distância, tudo consoante dispõe o artigo 1362.º, n.º 2, do Código Civil, em ordem ao respeito integral da servidão real de vistas, ar e luz a favor do prédio dos AA., nos termos e para os efeitos do melhor cumprimento do supramencionado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra,


III. — se os Réus CC e mulher, DD, devem ser absolvidos da instância relativamente aos pedidos formulados sob o n.º 9: “pagarem aos AA., a título de indemnização por ressarcimento de danos morais, ou não-patrimoniais, no que se estima, por equidade, na quantia de capital em 2.500,00 (Dois mil e quinhentos euros)”.


II. — FUNDAMENTAÇÃO


OS FACTOS


10. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes.

1 - Na acção com o nº 195/18.7T8CDN, que correu termos entre AA. e RR., foi pelos aqui AA. formulado contra os RR. os seguintes pedidos:

“a) Que os Réus sejam condenados a reconhecer que os Autores são legítimos possuidores do prédio identificado nos artigos 1.º e 2.º da presente Petição Inicial de Ação;

b) Que os Réus sejam condenados a reconhecer que o seu prédio (deles RR.) está onerado com servidão real de vistas, ar e luz a favor do prédio dos AA., nos termos e segundo o disposto dos artigos 1543º e seguintes do Código de Processo Civil, determinada pela existência, características e dimensões da referida janela e respectiva abertura existente no prédio dos AA. sita na sua casa de banho do rés-do-chão, a poente, a favor e em benefício do prédio dominante dos AA., abrindo directamente sobre o prédio serviente dos RR. e constituída por usucapião a favor do prédio dos AA.

c) Que os Réus sejam condenados a demolir, à sua exclusiva custa, encargos e responsabilidade, a estrutura que construíram e que veio a tapar a referida janela e respectiva abertura, e a abrirem nessa construção a correspondente abertura com as mesmas dimensões da janela aí existente até à data, de modo a que esta possa subsistir e continuar a dar luz, ar para o prédio dos AA. e estes poderem debruçar-se sobre ela, sempre com o afastamento de todo e qualquer obstáculo até 1.5 metros de distância, tudo consoante dispõe o artigo 1362.º, n.º 2, do Código Civil,

d) Que os Réus sejam condenados a indemnizar os AA. pelos danos morais, ou não-patrimoniais, que se estima, por equidade, em 2.500,00 (Dois mil e quinhentos euros);

e) Que os Réus sejam condenados ao pagamento da indemnização moratória, segundo o artigo 829º-A do Código Civil, de € 100,00 diários aos AA., a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia que os AA. se encontrem inibidos de fazer uso das vistas correspondente direito real de servidão sob e onerando o prédio serviente supramencionado da pertença dos RR. e em benefício do prédio dominante supra identificado da posse e propriedade dos AA.;

e) Que seja ordenado o cancelamento de quaisquer registos que, porventura do prédio, ou de parte, resultem em prejuízo ou diminuição do prédio dos AA., ou da servidão de vistas em causa, tenha sido feita a favor dos RR.;”


2 - Nessa acção, foram fixados os seguintes factos:

1. Os AA. são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano, de casa de habitação, de 2 pisos, sito na Rua ..., ..., em ..., freguesia ..., concelho ..., com a área coberta de 75 m2 e área descoberta de 53 m2, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ...34º do Serviço de Finanças ...;

2. e descrito sob o número ...17 na Conservatória do Registo Predial ....

3. O prédio acima identificado adveio aos AA. por compra e venda do terreno, efectuada no ano de 1966, a EE e mulher, FF.

4. Tendo no referido terreno os AA. edificado, de Janeiro a Abril de 1967, a casa de habitação que têm actualmente e nela habitando desde Abril de 1967.

5. Há mais de 50, e mais anos a esta data, que, continuamente, os AA. vêm retirando todas as utilidades do respectivo prédio, pagando as respectivas contribuições e impostos, utilizando-o para todos os fins que ele possa proporcionar, nomeadamente nele habitando, depositando objectos na superfície descoberta, recebendo a correspondência, amigos e familiares, comendo, dormindo, repousando e desfrutando de dia e de noite, ano após ano e até aos dias de hoje, o que os AA. têm feito sem violência e oposição de ninguém, ininterruptamente, em nome próprio, à vista de toda a gente e de boa-fé, posse essa que, exercida em nome próprio, é e foi também na convicção de não prejudicarem direitos de terceiros.

6. O prédio dos AA., identificado no ponto 1., destes factos provados, confina, actualmente, a poente, com o prédio dos RR.

7. O prédio dos RR. é um prédio urbano, edificado mais de 10 anos depois do prédio dos AA., o qual vem sofrendo, desde então e até esta data, obras de ampliação e alteração, sendo uma casa de habitação de rés-do-chão com 2 divisões e 1 primeiro andar com 5 divisões, dispensa e casa de banho, sito na Rua ..., ..., freguesia de ..., concelho ..., inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ...87º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...78.

8. Em 2005 os RR. fizeram obras interiores no espaço do rés-do-chão que era a garagem – local este por onde sempre entraram para a sua casa – tendo neste espaço edificado uma sala, 1 quarto e 1 cozinha.

9. Na sequência das obras efectuadas em 2005 e anos seguintes na casa dos RR. determinou a sua reavaliação fiscal e matricial em 2015 e o respectivo registo predial em 28 de Outubro de 2015.

10. As janelas que foram abertas no rés-do-chão da fachada exterior nascente dos RR. foram somente rasgadas em 2005, tendo os RR. colocado gradeamento em ambas.

11. Em meados de 2007 os RR. colocaram a porta junto ao local onde os AA. têm a casota da botija de gás, isto na estrema nascente, e virado para norte, com saída para uma serventia, fazendo a ombreira nascente colar à parede externa poente da casa dos AA.

12. Nos finais de 2007 os RR. avançaram o seu prédio com alçamento de um telhado de cobertura do logradouro.

13. E de seguida colocando uma placa de gesso laminada e opaca, tipo pladur, com gesso cartonado e compacto, que veio quase a colar-se ao prédio dos AA. desde o primeiro andar até ao rés-do-chão.

14. E encostando a parede (do prédio dos RR.) desde a soleira da porta do rés-do-chão até ao início da janela do 1º andar à parede poente do prédio dos AA.

15. tapando todo o lado Nascente ao nível do rés-do-chão do prédio dos AA. por meio da colocação duma placa de gesso laminada e opaca, tipo pladur, cartonado e compacto, e com isso vedando a abertura e vistas da janela da casa de banho do rés-do-chão do prédio dos RR. 16. Até ao ano de 2007 a casa dos RR, a Nascente, só tinha nesta fachada uma única janela, a qual se situava no 1.º andar junto ao corredor.

17. Em 22 de junho de 2017, no Processo n.º 68/14.2T8CDN de Ação de Processo Comum, que correu termos neste Juízo de Competência Genérica, foi proferida sentença judicial, já transitada em julgado, em que foram igualmente partes AA., os mesmos aqui AA., e RR, os mesmos aqui RR., decidindo pela condenação dos RR.: “a reconhecer a servidão de vistas constituída, por usucapião, a favor do prédio urbano descrito no ponto 1 dos factos provados de que os Autores são proprietários respeitante à janela aberta e utilizada pelos últimos situada e com as dimensões descritas nos pontos 8 e 10 dos factos provados…”, e ainda a “Condenar os Réus a demolir parcialmente a estrutura erigida e descrita nos pontos 15 a 19 dos factos provados para que seja aberta em frente à janela dos Autores cavidade com as mesmas dimensões da referida janela”.

18. Sendo a decisão concretizada nos seguintes factos provados:

“1. No primeiro andar da casa dos autores, em data não concretamente apurada, mas há cerca de 30 a 40 anos atrás, foi aberta uma janela que deita para o prédio dos Réus, com cerca de 99 cm de altura e 1 metro de largura com peitoril.

2. Aquando da construção, a janela apresentava caixilho de madeira, sendo que, desde há cerca de 20 anos, dispõe de caixilho de alumínio de duas folhas de correr, com vidro transparente

3. A janela dista cerca de 1,03 metros de chão da divisão onde se situa.

4. A janela permitia a entrada de luz e ar e o acesso a vistas.

5. Quem se debruçasse na janela, desde da data da sua edificação, de modo ininterrupto, à vista de todos e na convicção de terem o legítimo direito de usufruir das suas utilidades.

6. Os Autores utilizavam a referida janela, desde da data da sua edificação, de modo ininterrupto, à vista de todos e na convicção de terem o legitimo direito de usufruir das suas utilidades.

7. Os Réus não se opuseram à existência e utilização da janela até, pelo menos, 2009.

8. Em data não concretamente apurada, mas entre 2011 e 2013, os Réus edificaram em frente à janela dos Autores uma estrutura de vidro martelado e alumínio, vedado no interior com gesso cartonado, que tapou a referida janela na sua totalidade.

9. A caixilharia de alumínio colocada pelos Réus dista cerca de 6mm do peitoril da janela dos Autores.

10. O vidro da caixilharia colocada pelos Réus dista cerca de 6 cm da parede da janela dos Autores.

11. Foi ainda construído pelos Réus um telhado, cujo beirado está cerca de 20 cm abaixo da “ombreira superior” da janela.

12. O referido telhado dispõe de colector de águas colocado parcialmente ao longo do telhado.

19. A casa dos AA. tem, no seu rés-do-chão uma casa de banho, ou instalação sanitária, o qual tem uma abertura situada a Poente e virada directamente para o prédio dos RR.

20. Esta abertura encontra-se rasgada na parede Poente do 1.º andar da casa dos AA. (parede esta com pouco mais de espessura de 1 tijolo, de 10 (dez) centímetros, vazando assim a parede, com uma dimensão na vertical de cerca de 75 cm (setenta e cinco centímetros) de altura, por 67 cm (sessenta e sete centímetros) de largura, com vão ou peitoril,

21. e com aros de madeira, de duas portas, ou portadas, de modo a abrir e fechar, com um fecho central, com vidro opaco (translúcido e martelado), por forma luz e ar, que abre para dentro e deita directamente sobre o prédio dos RR. 22. e fica, do seu parapeito inferior, a cerca de 1,58 mts. (um metro e cinquenta e oito centímetros) do chão desta casa de banho, ou instalação sanitária,

23. e distando da parede situada na lateral do Norte a 24 cm. (vinte e quatro centímetros) e a mesma medida à parede lateral sul.

24. A supra referida abertura encontra-se edificada e aberta no mesmo local há mais de 40 anos, antes do nascimento da filha dos RR. (Março de 1974), no mesmo lugar e dimensões, 25. e assim, há mais de 40, 50 e mais anos que, sem oposição de quem quer que fosse e publicamente, de dia e de noite, se encontra aberta no aludido prédio dos AA., a poente, a abertura que deitava e deita directamente para o prédio dos RR., servindo desde sempre como entrada de ar e luz.

26. A dita abertura encontra-se instalada nas iguais características e condições, desde há mais de 40, 50 e mais anos a esta data, no mesmo local como está hoje,

27. o que continuamente os AA., por si, a abrindo e fechando, espreitando, veem retirando dela todas as utilidades, utilizando-o para todos os fins que ela possa proporcionar, nomeadamente entrada de ar e luz,

28. o que os AA. têm feito sem violência ou oposição alheia, ininterruptamente, em nome próprio, à vista de toda a gente e de boa-fé,

29. em benefício do prédio dos AA., que vem sendo exercida pelos AA. e demais pessoas, em nome próprio e fazendo eles também com a convicção de não prejudicarem quaisquer direitos de terceiros.

30. Do lado de fora da abertura referida nos pontos provados sob os nºs 19 a 23, já no prédio dos RR., em paramento vertical, existe parede encostada à parede dos AA. com 10 cm de espessura, rebocada e pintada a tinta plástica branca.

31. Na zona acima da referida abertura dos AA., existe uma placa de betão que está solidária na sua estrutura com a parede do prédio dos AA, formando um terraço, inacessível diretamente, descarregando em pilastras de perfil metálico o seu peso, encastrados no chão térreo dos RR, que não está coberto com a estrutura já existente da cobertura, constituída por telhas assentes em estrutura simples de madeira.

32. Existem dois envidraçados em estrutura de caixilho de alumínio que permitem ao prédio dos RR obter alguma luz.

33. No paramento vertical que confina com a escada de acesso, existe placa de pladur.

34. As dimensões da referida placa que está solidária com a construção dos AA. são de 1,56m x 1,22m.

35. O terraço criado pela referida placa está encastrado na parede dos AA. onde se situa a abertura descrita nos pontos provados sob os nºs 19 a 23.

36. Os envidraçados em caixilho de alumínio estão a 1,22 m da referida edificação dos AA.

37. Os RR. colocaram uma placa de gesso laminada e opaca, tipo pladur - placa de 2,06 m x 1,37 m - com gesso cartonado e compacto que está quase colado ao prédio dos AA.

38. Os RR com esta nova construção encostaram a parede do seu prédio desde a soleira da porta do R/chão até ao início da janela do 1º andar à parede poente do prédio dos AA.

39. A estrutura de placa de gesso laminada e opaca, tipo pladur, com gesso cartonado e compacto que se encontrava à frente da abertura descrita nos pontos provados sob os nºs 19 a 23 foi removida, existindo um aro metálico que delimita e faz o acabamento com a alvenaria de cerca de 10 cm.

40. Na lateral da abertura da instalação sanitária dos AA descrita nos pontos provados sob os nºs 19 a 23 existe um tubo de encaminhamento das águas pluviais do referido terraço.

41. Os RR. avançaram o seu prédio, por meio de construções e edificações novas, no sentido do nascente e em direcção ao prédio dos AA, com alçamento de um telhado de cobertura do logradouro.

42. Em consequência das sobreditas construções efectuadas pelos RR, a luz solar não bate directamente sobre a referida abertura da instalação sanitária dos AA.

43. Acima da referida abertura da instalação sanitária dos AA. encontra- se uma placa de cimento que tapa a entrada do sol.

44. Em consequência das sobreditas construções efectuadas pelos RR, por serem espaços fechados, o ar vindo directamente da rua, ou dos espaços, quintais, e, ou espaços adjacentes não circula sobre a frente da referida abertura da instalação sanitária dos AA.

45. Em consequência das sobreditas construções efectuadas pelos RR., a ventilação do espaço será assegurada, em primeiro lugar, pela ventilação secundária da rede de esgotos e por fim pela circulação do ar que advém do espaço coberto que os RR. levaram a efeito,

46. a entrada da luz proveniente do exterior, é feita de forma indirecta, isto é, o espaço ou área não tem condições para receber luz directamente, apenas capta a luz filtrada por diversos elementos.

47. Os RR. possuem uma porta à entrada do corredor, ou passagem, ou junto ao local onde os AA. têm a “casota” da botija de gás, situada na estrema nascente, e virado para norte, com saída para uma serventia, e que dá acesso às traseiras do seu prédio.

48. A dita porta encontra-se assente a uma parede, que em linha contínua se liga e apoia às paredes exteriores do lado poente da casa dos AA. e do lado nascente da casa dos RR.

49. A dita porta abre para o lado esquerdo.

50. A casa dos AA. têm no seu R/chão uma instalação sanitária, a qual tem uma abertura – melhor descrita nos pontos provados sob os nºs 19 a 23 – situada a poente e que dá directamente para o prédio dos RR.

51. A referida porta de entrada dos RR quando aberta, tapa a zona de vidro da dita abertura em 38cm x 16 cm = 608 cm2., área em que a porta do prédio dos RR., quando aberta, tapa a abertura do prédio do AA.

52. As obras e construções em causa levadas a cabo pelos RR. e supra referidas, são posteriores a 2007.

53. Em resultado da obstrução da supramencionada abertura, ou local da abertura da mesma, por banda e acção dos RR., os AA. sofreram, e ainda sofrem, inúmeros transtornos, aborrecimento, incómodos, tristeza e preocupações, por verem a sua propriedade e os seus inerentes direitos inibidos e prejudicados, levados a efeito à sua revelia e contra a sua vontade, tudo o que constrangeu e constrange os AA. no seu gosto pela vida, causando-lhes mágoa e novas angústias, sendo que são pessoas pacíficas e cordatas.


3 - Na referida acção, por acórdão proferido por este Tribunal da Relação e transitado em julgado, foi decidido:

a) condenar os RR. a reconhecerem que os AA. são donos e legítimos possuidores do prédio identificado nos artigos 1.º e 2.º da Petição Inicial;

b) condenar os RR. a reconhecer que o seu prédio (deles RR.) está onerado com uma servidão de vistas, ar e luz, constituída por usucapião, a favor e em benefício do prédio dos AA., supra identificado, determinada pela existência da janela – supra descrita – e respectiva abertura existente no prédio dos AA., sita na sua casa de banho do rés-do-chão, a poente, que abre directamente sobre o prédio (serviente) dos RR. supra identificado;

c) absolver os RR. do demais peticionado pelos AA. nos presentes autos.


O DIREITO


11. Embora o valor da causa seja de 15000 euros, os Réus, agora Recorrentes, invocam a ofensa de caso julgado formado sobre a decisão proferida no processo n.º 195/18.7T8CDN.C1 — daí que o recurso de revista seja admissível independentemente do valor da causa e/ou da sucumbência [cf. art. 629.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil] [3].


12. O art. 580.º do Código de Processo Civil diz que [a]s excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa” e distingue-as, dizendo que, “se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência” e que, se a causa se repete estando a anterior já decidida, por sentença que não admite recurso ordinário, há lugar ao caso julgado [4].


13. O art. 581.º enuncia os requisitos das excepções de caso julgado e de litispendência:

1. — Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

2. — Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

3. — Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

4. — Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico […].


14. Em concreto, não havendo dúvidas sobre a identidade de sujeitos, deve apreciar-se a identidade dos pedidos e a identidade da causa de pedir.


15. A primeira questão suscitada consiste em averiguar se os Réus CC e mulher, DD, devem ser absolvidos da instância relativamente aos pedidos formulados sob os n.ºs 3-5, em eventual ligação com o pedido formulado sob o n.º 10.


16. O acórdão recorrido decidiu que não, alegando que não havia identidade de pedidos.


17. O acórdão proferido na primeira acção, i.e., no processo n.º 195/18.7T8CDN.C1, absolveu os Réus do pedido formulado sob a alínea e) [5], considerando que a construção aí descrita havia sido demolida [6] — e o acórdão proferido na segunda acção, agora recorrido, considerou que o pedido de demolição formulado sob os n.ºs 3 a 5 dizia respeito a uma construção diferente da descrita no pedido formulado sob a alínea e) da primeira acção, logo a uma construção nova, em relação à qual os Autores não haviam deduzido pretensão alguma.

Entre as duas causas não havia, por conseguinte, identidade de pedidos.


18. Os Réus, agora Recorrentes, afirmam:

IV. — que as alegadas construções novas ou obras novas existiam à data em que foi proferida a decisão relativa à primeira acção [7];

V. — que “[t]odas as obras efectuadas pelos Réus/Recorrentes se destinaram única e exclusivamente a executar a decisão prolatada no Processo n.º 68/14.2T8CDN.C1” [8];

VI. — que, em complemento das obras destinadas a executar a decisão prolatada no Processo n.º 68/14.2T8CDN.C1,

32. “[…] os Recorrentes voluntariamente e com o acordo dos Recorridos, executaram obras de demolição para resolver situação idêntica em relação à janela existente no rés- do-chão da casa de banho do prédio dos Recorridos, tendo todas as obras de demolição sido efetuadas com o consentimento dos Recorridos.

33. E é justamente esta a ‘janela sobre a qual se mostra constituída uma servidão de vistas’, situada no rés-do-chão da casa de banho do prédio dos RR. e acima da qual se encontra (e já encontrava…) edificada a ‘placa de cimento’, que o Tribunal a quo considera incompreensivelmente um ‘obra diferente’.


19. Entre os pontos mais ou menos consensuais está o de que “[a] determinação do âmbito de caso julgado, formal ou material, de uma sentença, pressupõe a respectiva interpretação” e, para a sua interpretação, deve “tomar[-se] em conta a fundamentação, o contexto, os antecedentes da sentença e os demais elementos que se revelem pertinentes, sempre garantindo que o sentido apurado tem a devida tradução no texto” [9].


20. Interpretando-se acórdão proferido na primeira acção, i.e., no processo n.º 195/18.7T8CDN.C1, terá de concluir-se que a placa de cimento colocada acima da janela dos Autores é uma construção diferente da descrita no pedido formulado sob a alínea e) da primeira acção, em relação ao qual os Autores não haviam deduzido pretensão alguma.


21. Os Réus, agora Recorrentes, confirmam, ainda que implicitamente, que há obras diferentes das descritas no pedido formulado sob a alínea e) da primeira acção — e, confirmando-o os Autores, ainda que implicitamente, não se encontra razão válida para revogar a decisão proferida pelo Tribunal da Relação.


22. A segunda questão suscitada consiste em averiguar se os Réus CC e mulher, DD, devem ser absolvidos da instância relativamente aos pedidos formulados sob os n.ºs 7- e 8, em eventual ligação com o pedido formulado sob o n.º 10.


22. O acórdão recorrido considerou que não havia nem identidade de pedidos, nem identidade de causas de pedir:

I. — Em primeiro lugar, não há identidade de causas de pedir, porque os Autores alegam:a ocupação pelos Réus de um prédio, ou de uma parte de um prédio, e a realização pelos Réus de obras “que põem em causa o seu direito de propriedade” e que, de toda a forma, causam infiltrações na casa de banho referida no pedido formulado sob o n.º 6.

II. — Em segundo lugar, não há identidade dos pedidos, porque os Autores pedem a desocupação do prédio e a demolição de toda e qualquer estrutura, obstáculo, objecto ou obra que ponha em causa o seu direito.            

Ora, “[q]uanto a estes pedidos não existiria nem identidade de causas de pedir, nem identidade de pedidos e, nessa medida, não é possível defender que se verifica a tríplice identidade exigida pelo art. 577.º do Código de Processo Civil”.


23. Os Réus, agora Recorrentes, não negam que não haja identidade de causas de pedir ou de pedidos ou, em todo o caso caso, não o negam nas conclusões do recurso de revista — e,  não o negando os Réus, agora Recorrentes, nas conclusões do recurso de revista, não se encontra razão para revogar a decisão proferida pelo Tribunal da Relação.


24. A terceira questão surge como consequência das duas primeiras — se, em resposta às duas primeiras questões, se concluísse que houve uma violação de direitos reais dos Autores, agora Recorridos, e se a violação dos direitos reais fosse imputável aos Réus, agora Recorrentes, poderá pôr-se um problema da responsabilidade por danos não patrimoniais.


25. O facto de a excepção de caso julgado não proceder relativamente aos pedidos formulados sob os n.ºs 3-5 e sob os n.ºs 7-8 determina que não deva proceder relativamente ao pedido formulado sob o n.º 9.


26. Finalmente, considerado o teor da decisão, não se encontra nenhuma razão para condenar nenhuma das partes como litigante de má fé.


III. — DECISÃO

Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas a final.


Lisboa, 7 de Março de 2023


Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

______

[1] Em eventual ligação com o pedido formulado sob o n.º 10: “ordenar-se o cancelamento de quaisquer registos em quaisquer serviços, repartições, departamentos ou instituições do Estado Português, que, porventura do seu prédio, ou de parte, resultem em prejuízo ou diminuição do prédio dos AA., ou da servidão de vistas em causa, tenha sido feita a favor dos RR”.

[2] Em eventual ligação com o pedido formulado sob o n.º 10: “ordenar-se o cancelamento de quaisquer registos em quaisquer serviços, repartições, departamentos ou instituições do Estado Português, que, porventura do seu prédio, ou de parte, resultem em prejuízo ou diminuição do prédio dos AA., ou da servidão de vistas em causa, tenha sido feita a favor dos RR”.

[3] Cf. designadamente António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 629.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 41-75 (51-52).

[4] Vide, por último, os acórdãos do STJ de 21 de Março de 2019 — processo n.º 713/12.4TBBRG.B.G1.S1 —, de 30 de Abril de 2019 — processo n.º 4435/18.4T8MAI.S1 —de 11 de Julho de 2019 — processo n.º 3245/06.6TBAMD.L2.S2 — e de 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 3249/13.2TBVFX.L1.S1.

[5] I.e., do pedido de que “os Réus [fossem] condenados a demolir, à sua exclusiva custa, encargos e responsabilidade, a estrutura que construíram e que veio a tapar a referida janela e respectiva abertura, e a abrirem nessa construção a correspondente abertura com as mesmas dimensões da janela aí existente até à data, de modo a que esta possa subsistir e continuar a dar luz, ar para o prédio dos AA. e estes poderem debruçar-se sobre ela, sempre com o afastamento de todo e qualquer obstáculo até 1.5 metros de distância, tudo consoante dispõe o artigo 1362.º, n.º 2, do Código Civil”.

[6] Cf. facto dado como provado sob o n.º 39 na primeira acção, i.e., no no processo n.º 195/18.7T8CDN.C1: “A estrutura de placa de gesso laminada e opaca, tipo pladur, com gesso cartonado e compacto que se encontrava à frente da abertura descrita nos pontos provados sob os nºs 19 a 23 foi removida, existindo um aro metálico que delimita e faz o acabamento com a alvenaria de cerca de 10 cm”.

[7] Cf. conclusões 24 a 26 do recurso de revista.

[8] Cf. conclusões 27 a 31 do recurso de revista.

[9] Vide, por todos, o acórdão do STJ de 26 de Abril de 2012 — processo n.º 289/10.7TBPTB.G1.S1.