Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7022/12.7T2SNT.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÂO
Relator: ANTÓNIO DA SILVA GONÇALVES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
SEGURADORA
DIREITO DE REGRESSO
SUB-ROGAÇÃO
Data do Acordão: 09/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL / ACIDENTES DE TRABALHO / SEGUROS
Doutrina: - Antunes Varela, RLJ, 103, pág. 30;
- Vaz Serra, RLJ, 111, pág. 67;
- Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, pág. 946;
- Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, pág. 820;
- José Vasques, Contrato de Seguro, pág. 153;
- Antunes Varela, Das Obrigações, II, pág. 324.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL: ARTS. 593.º, N.º 1;
LEI N.º 100/97, DE 13 DE SETEMBRO;
LEI N.º 2127, DE 3 DE AGOSTO DE 1965.
Jurisprudência Nacional: ACS. DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
- DE 04-10-2014, CJ STJ, 3º, PÁG. 39;
- DE 25-10-2012;
- DE 11-01-2011;
- DE 09-03-2010.
Sumário :
I - O regime legal enunciado no n.º 4 do art. 31.º da Lei n.º 100/97, de 13-09 (Lei dos Acidentes de Trabalho), muito embora se possa retirar do sentido das palavras que integram o seu texto que o direito que se pretende exercer, e aí consignado, constitui aparentemente um direito de regresso, a doutrina e a jurisprudência vem entendendo a este propósito que a expressão literal contida naquele normativo está muito aquém da ideia que o legislador nele quereria incutir e que naquele normativo se retrata mais rigorosamente uma sub-rogação legal da entidade patronal ou da seguradora nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente.

II - A seguradora/demandante, porque satisfez ao lesado o crédito indemnizatório que à ré impedia por força do regime legal acomodado aos acidentes de trabalho, tomando o lugar desta na titularidade de tal direito de crédito, nos termos do proposto no n.º 1 do art. 593º do CC (o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam) haverá de ser ressarcida da quantia assim entregue.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


“AA - Companhia de Seguros, S.A.” interpôs a presente acção declarativa de condenação com processo comum e forma ordinária, contra “BB-Companhia de Seguros, S.A.”, pedindo a condenação da ré a pagar à demandante a quantia de € 59 758, 19, acrescida de juros de mora vencidos desde 18 de Fevereiro de 2009 até 5 de Março de 2012, no total de € 67 033,95 e de juros vincendos até efectivo e integral pagamento, bem como, nos montantes que venham a ser, eventualmente, pagos no futuro, no âmbito da apólice e sejam considerados consequência de danos sofridos no acidente dos autos, com as legais consequências.

Alega, para tanto, em síntese, que a autora suportou o pagamento de indemnização nesse valor no contexto de seguro do ramo de acidentes de trabalho e em virtude de acidente de viação ocorrido com um trabalhador da sua segurada pelo que, devendo-se a produção do acidente à segurada da ré, vem a autora reclamar o pagamento das quantias despendidas no âmbito do sinistro, para o que já a interpelou sem que tivesse obtido tal pagamento.

A ré contestou invocando, em suma, que o pagamento, efectuado pela autora ao Fundo de Acidentes de Trabalho, não tem natureza indemnizatória, mas antes consistindo em obrigação prevista pela lei para as seguradoras de trabalho, pelo que a ré não tem obrigação de lhe prestar tal quantia.

Na réplica a autora veio reduzir o pedido para a quantia de € 65 902,45 (diminuição, ao pedido, da quantia de € 1 131, 50 não despendidos pela autora a título de despesas com o funeral do sinistrado, dado que o correspondente “recibo” por si emitido não terá sido apresentado a pagamento) o que foi admitido em sede de despacho saneador.

Refuta, ainda, a argumentação avançada pela ré no sentido de esta estar eximida da prestação da quantia paga pela autora ao Fundo de Acidentes de Trabalho.


Foi proferido despacho saneador, selecionados dos factos assentes e fixada a base instrutória.


Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença em que, julgando procedente a ação, condenou a Ré, “BB - Companhia de Seguros, S.A.” a pagar à Autora, AA-Companhia de Seguros, S.A.” a quantia de 65 902, 42 euros (sessenta e cinco mil novecentos e dois euros e quarenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde 6 de Outubro de 2011 e de juros vincendos até efectivo e integral pagamento.


Inconformada com esta sentença, recorre para este Supremo Tribunal, “per saltum”, a ré “BB - Companhia de Seguros, S.A.”, alegando e concluindo pelo modo seguinte:

1- Requerer-se, nos termos do art.º 678.º do CPC, seja o presente Recurso processado como Revista e suba diretamente ao Supremo Tribunal de Justiça. (Recurso per saltum)

2- O Valor da causa é de 65.902,42 euros, superior à alçada da Relação (art.º 678.º n.º l alínea a) do art.º 678.º do CPC)

3- O Valor da sucumbência é de 65.902,42 euros, superior a metade da alçada da Relação (art.º 678.º n° l alínea b) do art.º 678° do CPC).

4- Nas presentes Alegações são apenas suscitadas questões de direito (art.º 678° n° l alínea c) do art.º 678° do CPC)

5- Não são impugnadas quaisquer decisões interlocutórias (art.º 678° n° l alínea d) do art.º 678° do CPC)

6- O direito constante do n° 4 do art.º 31 da Lei 110/97 de 13/09 tem a natureza de sub-rogação legal.

7- A sub-rogação não é mais do que uma transferência de créditos que tem como pressuposto o cumprimento de uma obrigação por terceiro, que adquire os direitos que competiam ao credor, e na medida em que satisfez os interesses dele, substituindo-se-lhe, mas tendo como pressuposto que o pagamento foi feito no cumprimento de uma obrigação do lesante.

8- A natureza sub-rogatória dos direitos da Seguradora de Acidentes de Trabalho impõe que os pagamentos por esta realizados, tenham sido efectuados no cumprimento de uma obrigação do lesante, ou seja, cumprindo uma obrigação alheia.

9- A obrigação do lesante, e neste caso da Seguradora para quem se encontra transferida a responsabilidade civil por acidentes de viação, tem natureza exclusivamente indemnizatória.

10- O direito indemnizatório visa, nos termos do art.º 562° e segs. do C.Civil "reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação".

11- O pagamento efectuado ao FAT, nada tem a ver com a indemnização ao lesado, tratando-se antes de um encargo próprio das Seguradoras de Acidentes de Trabalho, criado no âmbito do risco e da álea próprias do seu negócio.

12- Ao decidir pela procedência do pedido de reembolso das quantias prestadas ao Fundo de Acidentes de Trabalho, a douta sentença fez uma errada interpretação das normas legais aplicáveis, designadamente dos art°s 483°, 495º,496º, 562º, 589°, 592º e 593º, todos do C.Civil.

13- A verba de 65.902,45 euros, inclui: " juros de mora vencidos desde 18 de Fevereiro de 2009 e até 05 de Março de 2012, no valor de 7.257,76 Euros ".

14- O Capital sobre o qual, caso sejam devidos, devem incidir os juros moratórios será de 58.626,60 euros (59.758,19 euros, deduzidos dos 1.131,50 euros da diminuição ao pedido em sede de réplica).

15- O valor de 65.902,42 euros, já contempla juros de mora contados desde 18 de Fevereiro de 2009 até 5 de Março de 2012 (59.758,19 euros de capital e 7.257,76 euros de juros) e esses juros contados, incidem também sobre a verba de 1.131,50 objecto da redução do pedido.

16- A condenação, tomando como referência o valor de 65.902,42 euros acrescida de juros de mora sobre essa quantia, está, não só a alterar o capital em dívida, como também a condenar no pagamento de juros sobre juros, o que não é permitido sem convenção posterior ao vencimento, de acordo com o disposto no n° l do art.º 560.º do C.C.

17- Seria sobre verba de 58.626,60 euros de capital que deveriam incidir juros de mora vencidos desde 6 de Outubro de 2011, caso fossem devidos.

18- Ao não reformular o seu pedido de reembolso, para os valores legal e efectivamente devidos, o credor, por sua culpa, retardou o pagamento e contribuiu para o agravamento dos danos, designadamente, para efeitos de apreciação da mora, a qual se repercute na apreciação do valor dos juros (art.º 570° do C.C.)

19- Ao decidir condenar a R. no pagamento da quantia de 65 902,42 euros acrescida de juros desde 6 de Outubro de 2011, o Tribunal "a quo" fez uma errada interpretação das normas legais aplicáveis, designadamente dos art°s 560° n° l e 570° do C.C.

Termina pedindo que seja revogada a sentença recorrida e, em consequência, seja absolvida a ora recorrente do pedido de pagamento de 27.502,83 € efectuado pela A. ao Fundo de Acidentes de Trabalho e seja absolvida a ora recorrente do pedido de juros de mora vencidos desde 6.10.2011 sobre a quantia de 65.902,42 €.


Contra-alegou a recorrida “AA - Companhia de Seguros, S.A.” pedindo a manutenção do julgado.


Corridos os vistos legais, cumpre decidir.


Estão provados os seguintes factos:

A. Em sede de escritura de “Fusão, aumento de capital e alteração parcial do contrato social”, outorgada no dia 31 de Dezembro de 2009, lavrada a fls. cinquenta e um a cinquenta e oito, do livro de notas para escrituras diversas número Oitenta - B, do Cartório Notarial de Carlos Manuel da Silva Almeida, cuja certidão se mostra junta a estes autos a fls. 15 a 30, mostra-se declarado que a “Real Seguros, S.A.” é incorporada, por fusão, na sociedade “AA - Companhia de Seguros, S.A.”, com sede na Rua …, n.º …, Lisboa, Freguesia da …, Concelho de Lisboa, com o capital social de Euros 25.580.895,00 (vinte e cinco milhões, quinhentos e oitenta mil, oitocentos e noventa e cinco euros), matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o número único de matrícula e Pessoa Colectiva ….

B. A Autora dedica-se à actividade seguradora.

C. Na participação de “Acidente de Trabalho” cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 31 é comunicada a ocorrência de acidente, em 6 de Janeiro de 2009, pelas 16. 45 h; e indicado como interveniente DD, empregado de EE, na qualidade de ajudante de armazém.

D. No dia 6 de Janeiro de 2009, pelas 16h45m, ocorreu acidente no qual foi interveniente DD.

E. Este acidente ocorreu entre o veículo de matrícula SF-…-…, conduzido por FF; e o velocípede conduzido por DD, no cruzamento entre a Av. Movimento das Forças Armadas e a Rua do Bairro Novo, …, Concelho de Mafra.

F. Esta estrada é uma recta, sem inclinação significativa na via, composta por dois sentidos de trânsito, delimitados por traço longitudinal descontínuo.

G. Naqueles, dia, hora e local e no sentido de marcha Malveira - Igreja Nova, circulavam o veículo SF-…-…, conduzido por FF e o velocípede conduzido por DD.

H. O velocípede conduzido por DD circulava na Av. Movimento das Forças Armadas, à frente do veículo SF-…-… conduzido por FF.

I. Em determinado momento, o condutor do velocípede iniciou manobra de mudança de direcção à esquerda, no entroncamento que liga a via onde circulava à Rua do Bairro Novo.

J. Nesse exacto momento, a condutora do veículo SF-…-… iniciou uma manobra de ultrapassagem ao velocípede. K. Para tanto, ocupando a meia faixa de rodagem à esquerda, destinada ao sentido de marcha inverso àquele em que seguia.

L. O que fez em pleno entroncamento.

M. Tornando inevitável a colisão entre o velocípede e o veículo SF.

N. Essa colisão ocorreu completamente dentro da meia faixa de rodagem destinada aos veículos que seguiam em sentido inverso de marcha.

O. A condutora do veículo SF circulava alheia ao trânsito de veículos que se fazia no local e às demais circunstâncias da via.

P. A condutora do veículo SF, imediatamente antes do embate, efectuou uma derrapagem de 4 metros com a roda da frente, do lado esquerdo.

Q. Fruto deste acidente e das lesões sofridas por DD, ocorreu a sua morte.

R. A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros de matrícula SF-…-…, em 6 de Janeiro de 2009, encontrava-se transferida para a ora R. através do Contrato de Seguro titulado pela Apólice do Ramo Automóvel ….

S. Conforme art. 2º, nº 4, do Anexo 2 da “Convenção de Regularização de Sinistros” da “Associação Portuguesa de Seguros” com cópia junta aos autos a fls. 95 a 123, “Nos casos em que o dever de indemnizar resulte de responsabilidade objectiva, a Signatária de Automóvel, compromete-se, pelo presente Protocolo, a reembolsar a de Acidentes de Trabalho até aos limites previstos no Código Civil.”.

T. No exercício da sua actividade, a “GG Seguros, S.A.”, celebrou com EE, o contrato de seguro do Ramo Acidentes de Trabalho, titulado pela apólice com o nº … cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 145.

U. A ora Autora recebeu a participação de “Acidente de Trabalho” cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 31.

V. No âmbito do acima identificado contrato de seguro do Ramo Acidentes de Trabalho e em virtude do acidente acima descrito, a ora Autora pagou:

     •   Euros 30.880,23 e 19,00, relativas às despesas médicas que se mostram descriminadas nos documentos juntos aos autos a fls. 52 e 146; e

• Euros 44,63 e 180,00, a título de despesas com a averiguação do sinistro.

W. Em 6 de Janeiro de 2009, DD não deixou:

• cônjuge ou pessoa que consigo vivesse como marido e mulher;

• ex-cônjuge ou cônjuge separado judicialmente, com direito a alimentos;

• filhos até 18, 22 ou 25 anos, a frequentar, respectivamente, o ensino secundário ou ensino equiparado ou o ensino superior ou, independentemente da idade, afectados de doença física ou mental que os incapacitasse para o trabalho;

• pais e avós;irmãos, sobrinhos ou primos até 18, 22 ou 25 anos, a frequentar, respectivamente, o ensino secundário ou ensino equiparado ou o ensino superior ou, independentemente da idade, afectados de doença física ou mental que os incapacitasse para o trabalho e para quem DD contribuísse para o sustento.

X. A Autora efectuou o pagamento, ao “Fundo de Acidentes de Trabalho”, a título de indemnização, da quantia de 27 502, 83 euros.

Y. Respectivamente, a “GG Seguros” e a ora Autora enviaram à ora Ré as missivas cujas cópias se mostram juntas aos autos a fls. 61, 62/63 e 64 dos autos.

Z. Por sua vez, a ora Ré enviou à Autora as missivas cujas cópias se mostram juntas aos autos a fls. 124, 125, 126 e 127/128 dos autos. Não existem factos não provados.


==========================================

A autora “AA - Companhia de Seguros, S.A.” reclama nesta ação que a ré “BB-Companhia de Seguros, S.A.” lhe satisfaça a quantia que suportou no pagamento de indemnização desse valor ao Fundo de Acidentes de Trabalho (€ 59 758, 19) no contexto do seguro do ramo de acidentes de trabalho e em virtude de acidente de viação ocorrido com um trabalhador da sua segurada cuja produção é da responsabilidade da segurada da ré.

A seguradora/ré declina esta reposição com o fundamento em que o pagamento efetuado pela seguradora/autora ao FAT constitui uma obrigação autónoma prevista pela lei para as seguradoras de trabalho e, portanto, não incluída na indemnização que a demandante pretende reaver.

Pretexta a demandada também que deve ser absolvida do pedido de juros de mora vencidos desde 6.10.2011 sobre a quantia de 65.902,42 €.


Vamos apreciar e resolver este destacado diferendo.

==================================

I. Estatui o n4 do art. 31.º da Lei n100/97, de 13/09 (Lei dos Acidentes de Trabalho) que a entidade empregadora ou a seguradora que tiver pago a indemnização pelo acidente tem o direito de regresso contra os responsáveis a que alude o n.º 1 (acidente causado por outros trabalhadores ou terceiros), se o sinistrado não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente.

Este regime legal agora enunciado é equiparado àquele que já estava anteriormente consagrado na Base XXXVII da Lei n.º 2127, de 03/08/1965; e, muito embora se possa retirar do sentido das palavras que integram o seu texto, que o direito que se pretende exercer, e aí consignado, constitui aparentemente um direito de regresso, vem a doutrina e a jurisprudência concebendo, a este propósito, que a expressão literal contida naquele normativo está muito aquém da ideia que o legislador nele quereria incutir e completando que naquele normativo se retrata mais rigorosamente uma sub-rogação legal da entidade patronal ou da seguradora nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente (Antunes Varela; RLJ; 103, pág.30 - Vaz Serra; RLJ; 111; pág.67 - Pedro Romano Martinez; Direito do Trabalho; pág. 946 - Menezes Cordeiro; Manual de Direito Comercial, pág. 820 - José Vasques; Contrato de Seguro; pág.153; e Ac. STJ de 4.10.04; CJ STJ; XII; 3.º, pág. 39 - Ac. STJ de 25.10.2012 - Ac. STJ de 11.01.2011 - Ac. STJ de 09.03.2010, disponíveis em www.dgsi.pt).

Aquiescemos, igualmente, a este entendimento.


Neste enquadramento conceptual havemos de lembrar que o principal efeito da sub-rogação é a transição do crédito que pertencia ao credor satisfeito para o terceiro (sub-rogado) que cumpriu em lugar do devedor ou à custa de quem a obrigação foi cumprida; a sub-rogação pode assim definir-se, segundo um critério puramente descritivo, como a substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento (Prof. A. Varela; Das Obrigações; II, pág. 324).

Quer isto dizer que assiste à autora (seguradora laboral que satisfez os direitos do sinistrado) a prerrogativa de demandar a ré para, invocando a sub-rogação legal da seguradora nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente (o responsável pela eclosão do acidente), da demandada obter a cobrança das importâncias desembolsadas ao “Fundo de Acidentes de Trabalho”, a título de indemnização e no contexto de tal sub-rogação.

A seguradora/demandante, porque satisfez ao lesado o crédito indemnizatório que à ré impendia por força do regime legal acomodado aos acidentes de trabalho, tomando o lugar desta na titularidade de tal direito de crédito, nos termos do proposto no n.º 1 do art.º 593.º do C.Civil (o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam) haverá de ser reparada da quantia assim entregue, porquanto, o pagamento assim efectuado ao Fundo de Acidentes de Trabalho integra-se no conceito de indemnização prescrito no n.º 4 do art.º 31.º da Lei dos Acidentes de Trabalho, desta feita envolvendo aquele reembolso o valor ajustado no n.º 6 do seu art.º 20.º.

II. Quando propôs a ação, a autora “AA - Companhia de Seguros, S.A.” quantificou o seu pedido em € 59 758, 19, acrescido de juros de mora vencidos desde 18 de Fevereiro de 2009 até 5 de Março de 2012, no total de € 67 033,95 e de juros vincendos até efectivo e integral pagamento.

Na réplica a autora reduziu aquele inicial pedido de € 67 033,95 para a quantia de € 65 902,45, consubstanciado na subtração que fez ao pedido inicial de € 67 033,95 do montante de € 1 131, 50 (não despendidos pela autora a título de despesas com o funeral do sinistrado, dado que o correspondente “recibo” por si emitido não terá sido apresentado a pagamento).

Depreendemos desta redução assim praticada que no novo pedido assim formulado (€ 65 902,45), e a ter doravante em conta, já estão incluídos os juros de mora devidos e contados desde 18 de Fevereiro de 2009 até 5 de Março de 2012 - € 59.758,19 (capital) + € 7.257,76 (juros de mora contados até aí).

Deste modo, não terá a ré de pagar à autora, por duas vezes, o montante dos juros de mora vencidos desde 6.10.2011 sobre a quantia de € 65.902,42, uma vez que este discriminado rogo se encontra já integrado aquele novo pedido deduzido na réplica (“ne bis in idem”).


Concluindo:

1. O regime legal enunciado no n4 do art. 31.º da Lei n100/97, de 13/09 (Lei dos Acidentes de Trabalho), muito embora se possa retirar do sentido das palavras que integram o seu texto que o direito que se pretende exercer, e aí consignado, constitui aparentemente um direito de regresso, a doutrina e a jurisprudência vem entendendo a este propósito que a expressão literal contida naquele normativo está muito aquém da ideia que o legislador nele quereria incutir e completando que naquele normativo se retrata mais rigorosamente uma sub-rogação legal da entidade patronal ou da seguradora nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente;

2. A seguradora/demandante, porque satisfez ao lesado o crédito indemnizatório que à ré impendia por força do regime legal acomodado aos acidentes de trabalho, tomando o lugar desta na titularidade de tal direito de crédito, nos termos do proposto no n.º 1 do art.º 593.º do C.Civil (o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam) haverá de ser ressarcida da quantia assim entregue.


Pelo exposto, concede-se parcialmente a revista e, em consequência, revogando a sentença recorrida na parte em que condenou a ré a pagar à autora o montante dos juros de mora vencidos desde 6.10.2011 sobre a quantia de € 65.902,42, do pagamento deste quantitativo absolvemos a ré.

Mantemos integralmente a sentença recorrida quanto ao demais.

As custas são suportadas por recorrente e recorrida e na proporção de ¼ e ¾, respetivamente.


Supremo Tribunal de Justiça, 18 de setembro de 2014.


         António da Silva Gonçalves (Relator)

         Fernanda Isabel Pereira

         Pires da Rosa