Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
24267/15.0T8SNT.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: TIBÉRIO NUNES DA SILVA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS PATRIMONIAIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
DANOS FUTUROS
EQUIDADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Data do Acordão: 02/03/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Nas situações em que é atribuído ao lesado um défice funcional genérico compatível com a sua actividade profissional habitual, envolvendo, porém, esforços suplementares, estará em causa o chamado dano biológico, que pode envolver uma vertente patrimonial ou uma vertente não patrimonial.

II. No que respeita à vertente patrimonial, não será ajustado calcular a indemnização com base no rendimento anual do lesado, devendo esse cálculo assentar em juízos de equidade.

III. Ao Supremo Tribunal de Justiça compete, neste domínio, verificar se foram ultrapassados os limites dentro dos quais se deve conter o juízo equitativo, procurando, sem prejuízo das especificidades de cada caso, uma uniformização de critérios, à luz do princípio da igualdade, tendo em conta anteriores decisões das quais se possam extrair similitudes e  padrões que venham a ser delineados.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




I


AA, com os sinais dos autos, intentou acção declarativa de condenação, emergente de acidente de viação, sob a forma de processo comum, contra Lusitânia - Companhia de Seguros, S.A. (ex-N Seguros, S.A.), também com os sinais dos autos, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe:

 a) a título de danos não patrimoniais, o montante total de €117.000,00 e juros vincendos até integral pagamento;

b) por danos patrimoniais €121.386,32 e juros a partir da citação até integral pagamento.

c) salvo total ou parcial responsabilidade de terceiros e nessa medida, todos os tratamentos ou despesas junto de entidades hospitalares ou clínicas, derivados das lesões do acidente, de que o Autor careceu e usufruiu após a data de consolidação, diretamente a essas entidades, ou ao Autor caso lhe venham a ser imputados esses custos;

d) de futuro, assegurar ao Autor, custeando o respetivo preço, três sessões de fisioterapia por semana, ou as que se mostrem medicamente necessárias, pelo tempo indeterminado ou a determinar.

Alegou que no dia 6 de Julho de 2013, cerca das 08h10m, conduzia o veículo de sua propriedade, matrícula ...-...-NA, ligeiro de passageiros, na Estrada Municipal ..., junto à localidade de ..., no sentido de ..., quando se deparou com o veículo de matrícula ...-...-FT, que circulava em sentido contrário e que, ao sair de uma curva, ultrapassou o eixo da via e entrou na via de circulação do NA, embatendo violenta e frontalmente neste.

À data do acidente, o veículo FT encontrava-se seguro na Ré que, após a análise do sinistro, assumiu a responsabilidade do seu segurado na produção do acidente.

A Ré assumiu a prestação e pagamento de toda a assistência e tratamentos prestados ao Autor em virtude das lesões sofridas, bem como perdas de vencimento e salários, despesas clínicas e de deslocações, até Agosto de 2014, e ainda o preço comercial do seu veículo.

Invocou danos, de natureza patrimonial e não patrimonial, já sofridos e futuros, em consequência do acidente, susceptíveis de alicerçar os montantes reclamados.

Contestou a Ré.

Confirmou ter assumido a responsabilidade do condutor do veículo por si segurado, na produção do acidente, bem como ter pago diversos montantes por conta da indemnização relativa ao mesmo acidente, designadamente as decorrentes de acompanhamento clínico do Autor.

Impugnou diversa factualidade (cf. art. 7º da contestação) e considerou exagerados os montantes pedidos.

Concluiu, dizendo que a acção deveria ser julgada de acordo com prova produzida.


 Foi dispensada a realização de audiência prévia, sendo proferido despacho saneador tabelar, definido o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença, com o seguinte desfecho:

«Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente por provada, e em consequência, condeno a R. N Seguros, S.A., a pagar a título de indemnização pelo acidente dos autos, ao A. AA, as seguintes quantias:

I. A título de danos patrimoniais a quantia de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros).

II. A título de danos não patrimoniais a quantia de €27.000,00 (vinte e sete mil euros).

III. Às quantias indemnizatórias fixadas acrescem de juros de mora, contabilizados desde 30 de Dezembro de 2019, à taxa legal civil de 4% ao ano, ou às sucessivas taxas civis, até efetivo e integral pagamento.

IV. À indemnização total fixada, há que descontar os montantes pagos, pela R. ao A., a título de pensão provisória e por conta da indemnização a receber a final, à razão de €350.00 (trezentos e cinquenta e euros) mensais, desde Maio de 2017, inclusive.»


Como se assinala na sentença, foi instaurado, por apenso aos autos, Procedimento Cautelar de Arbitramento de Reparação Provisória, no âmbito do qual a R. está a efectuar pagamentos ao A. por conta da indemnização final a fixar.


Tanto o A. como a Ré interpuseram recurso para o Tribunal da Relação ..., vindo a ser proferido acórdão que alterou a matéria de facto e no qual, além disso, se decidiu quantificar o valor da indemnização por danos patrimoniais, na vertente de dano biológico [respeitante ao Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, de 10 Pontos], em €25.000,00 [vinte e cinco mil euros], no mais se mantendo a sentença.


Inconformado, recorreu o A. para este Supremo Tribunal, concluindo as suas alegações pela seguinte forma:


«1.ª


O Recorrente é Autor na acção de indemnização emergente de acidente de viação a que se reportam estes autos e em que é Ré a ora Recorrida: Lusitânia – Companhia de Seguros S.A (anterior: N Seguros, S. A.).

2.ª


O Recorrente interpôs recurso de apelação da Sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª Instância, para o Tribunal da Relação ....

3.ª


No Acórdão do Tribunal da Relação proferido na apelação, a Sentença da 1.ª Instância foi alterada em sentido favorável à R. ora Recorrida, baixando o valor indemnizatório em que a mesma vinha condenada de € 72.000,00 para € 52.000,00, tendo o ora Recorrente ficado vencido no valor total de € 186.386,32, atento essa alteração de € 20.000,00, e o valor do seu recurso que foi julgado improcedente, e por inconformado, recorre do douto Acórdão.

4.ª


Atento o exposto, verificam-se os pressupostos do recurso de Revista considerando nomeadamente a mencionada alteração de sentença, com aliás inovação de fundamentos de direito, como do mesmo consta, e considerando o valor do decaimento do ora Recorrente de € 186.386,32.

5.ª


O presente recurso versa matéria de direito.



6.ª


 Tem como objecto a decisão, do douto Acórdão relativa à determinação e fundamentos dos danos patrimoniais a ressarcir pela R. ao A. ora Recorrente, cujo montante fixado na Sentença foi alterado.

 


7.ª


E tem como objecto a determinação e fundamentos dos danos não patrimoniais, nos mesmos termos a ressarcir pela R. ao Recorrente, tendo sido mantido o montante determinado na Sentença.

8.ª


Descrição sumária:

O acidente de viação em causa nestes autos ocorreu a 6/07/2013, quando o Recorrente conduzia o seu veículo, e foi embatido numa recta, na sua mão, por outro veículo, que surgiu da curva em frente, e em grande velocidade, passou o eixo da via e foi embater de frente no veículo do Recorrente.


9.ª


O Recorrente ficou encarcerado, e foi conduzido ao Hospital, onde ficou internado, de 6 a 13 de Julho 2013, e depois acompanhado em casa pela família.

10.ª


Teve os ferimentos invocados que constam da documentação destes autos, e nomeadamente também descritos no Acórdão ora em recurso, e constantes dos vários Relatórios Clínicos de avaliação do dano que integram estes autos.

11.ª


O Recorrente, divorciado, com data de nascimento a .../.../1963, é licenciado em ....

12.ª


É professor desde 1999, tendo sido sempre colocado nos concursos anuais do Ministério da Educação, sem qualquer interrupção, até à instauração da presente acção, e mesmo até ao presente, estando actualmente, desde 2020, reformado por invalidez. 

13.ª


Obteve a profissionalização, na área da sua especialização – Produção Agrícola – no ano 2009, publicada em DR. II S. ... de ..., ficando, assim, professor profissionalizado do ensino público. 

14.ª


Quando o A. se encontrava em convalescença, em nexo causal com este acidente rodoviário, sofreu novo “acidente” em finais de Junho 2014, tendo sido atacado, situação que deu origem a um processo penal então muito conhecido, noticiado nas televisões, sobretudo pela actuação muito eficiente da Polícia Judiciária que conseguiu descobrir em pouco tempo, sem dados e sem nomes de referência, a identificação dos autores, e a sua detenção já no avião. 

15.ª


Essas agressões, muito graves, com iminente risco de vida durante vários dias, alteraram as prioridades de tratamento durante vários meses. 

16.ª


Ocorrido esse episódio em finais de Junho, logo em Setembro de 2014, a companhia seguradora, ora Recorrida enviou ao Recorrente o Relatório Médico da avaliação do dano, que, entre o mais, determinava a consolidação das lesões no dia 25/9/2014, constante de Doc. 3 da p. i..

17.ª


Esta data de consolidação foi depois confirmada pelos sucessivos Relatórios de Avaliação do dano em direito Civil, nomeadamente pelo relatório Final, ou seja, o último, do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML). 

18.ª


De facto, há com relevância, 3 Relatórios médicos de avaliação do dano nestes autos:

1 - o da Companhia Seguradora, o primeiro, que lhe atribui 15 pontos de desvalorização; doc. 3 da p. i.

2 - o do A., ora Recorrente, diligenciado directamente pelo mesmo, que lhe atribui 34 pontos de desvalorização; doc. 30 da p. i.  

3 - o do INML, a fls., o último a ser elaborado, que lhe atribui 10 pontos de desvalorização.

19.ª

 Resulta da motivação da Sentença, neste âmbito confirmada pelo Acórdão em recurso, que o tido em consideração foi o Relatório do INML.


20.ª


No entender do A., todavia, não poderiam deixar de ser considerados os demais relatórios mencionados, nomeadamente o Relatório da Companhia Seguradora, ora Recorrida, até por ser um factum proprium da mesma, não contestado na Contestação, e aceite ab initio pela mesma.



21.ª


Dos Danos Patrimoniais

A Sentença da 1.ª Instância determina o pagamento da R. ao ora Recorrente, a título de danos patrimoniais, o montante de € 45.000,00.

 


22.ª


O Recorrente peticionou no recurso interposto na apelação, em que também impugnou a matéria de facto, o montante de € 121.386,32, a título de danos patrimoniais. 

23.ª


O douto Acórdão ora em recurso deu provimento ao recurso da R. ora Recorrida, baixando o valor dos danos patrimoniais determinados na Sentença de € 45.000,00 para € 25.000,00. 

24.ª


 No entender do Recorrente, e razão de recurso, deveria o Tribunal A Quo ter proferido Decisão em sentido inverso, o reverso, ou seja de procedência da apelação do A. 

25.ª


O A. recorre, pugnando exactamente por uma reversão da decisão. 

26.ª


De facto, nesta rubrica dos danos patrimoniais, o ora Recorrente nem vem indemnizado de qualquer típico, ou dos mais típicos danos patrimoniais. 

27.ª


Ou seja, vem indemnizado, nos termos constantes, nomeadamente do dispositivo final do Acórdão, de «danos patrimoniais, na vertente de dano biológico [respeitante ao Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, de 10 Pontos], em €25.000,00 [vinte e cinco mil euros];» (ora destacado). 

28.ª


 Portanto, vem ora indemnizado na «vertente de dano biológico» em € 25.000,00, e vinha indemnizado, nos termos da Sentença, também exclusivamente nesta vertente, em € 45.000,00. 

29.ª


Todavia, entende o A. ora Recorrente que o Acórdão em recurso, nos termos peticionados na apelação da Sentença, deveria ter determinado a indemnização do A. também em outros danos patrimoniais, nomeadamente profissionais futuros

30.ª


De facto, o Recorrente, conforme invocou na p. i., em virtude das lesões, nessa altura ao nível dos ombros e braços, esquerdo e direito, agora, com todo o respeito pela definitividade da decisão em matéria de facto e nexo causal, em virtude das lesões no ombro braço esquerdo, que passou assim a valer por dois (!), na medida em que o ombro direito afinal já estava lesado por razões naturais, que se vieram a manifestar (registos clínicos) de forma mais intensa um mês e meio após o acidente de viação, e que se foi deteriorando até ao presente, deixou de poder cumprir os programas das disciplinas escolares que vinha leccionando. 

31.ª


Ou seja, as disciplinas em que se licenciou e em que se profissionalizou, porque têm abundante componente prática, no terreno, com demonstrações aos alunos, que exige, movimentos, destreza, força, manuseamento de materiais e alfaias pesadas manuais e mecânicas, que fazem parte do grupo de disciplinas de Produção Agrícola, e que o mesmo em virtude da lesão e sequelas desse braço ombro esquerdo deixou de poder leccionar. 

32.ª


 O Recorrente invocou e fundamentou esses prejuízos profissionais futuros nos itens 73 a 87 e 169 a 173 da sua petição inicial, transcritos nas supra alegações. 

33.ª


De facto, o Recorrente, para futuro não poderia (actualmente reformado por invalidez) concorrer a essas disciplinas porque não poderia cumprir o Programa, pelas razões referidas e demais constantes das supra alegações. 

34.ª


 Dessa forma, teve graves danos profissionais futuros, porque muito embora sendo Professor, é professor de uma dada especialização, da sua formação académica, em que se profissionalizou e que vinha exercendo efectivamente. 

35.ª


Ora e de facto, quer a Sentença quer o Acórdão que aprecia a mesma, consideram que não estão provados quaisquer danos patrimoniais futuros profissionais, justificando que o A. ora Recorrente, em resultado das sequelas poderá exercer a profissão, nos termos consignados no relatório do INML, com esforços acrescidos. 

36.ª


Porém, esses esforços acrescidos, no caso concreto obrigariam o A. conforme invocou e demonstra, a mudar de área da sua especialização, da sua formação, da área que vinha exercendo desde 1999 até essa data, não obstante lhe permitir com esforços acrescidos, dado nomeadamente a diplopia e todas as demais sequelas, leccionar outras disciplinas. 

37.ª


O relatório do INML, não previu essa abordagem, com essa extensão, conforme invocada na p. i, referindo todavia, uma única vez, que o mesmo é professor, mas a título informativo geral, sem extrair daí qualquer conclusão.

38.ª


Não há assim, uma especial atenção e consideração do caso concreto que se justificava, no Acórdão em recurso, por invocado na acção e invocado no recurso, que levaria, com alteração da Sentença, a uma decisão no sentido de reconhecer esse rebate profissional. 

39.ª


O Programa dessas disciplinas é o programa Oficial do Ministério da Educação, norma jurídica de caracter administrativo específico, e por essa via, com o mais alegado, no entender do Recorrente, de conhecimento oficioso, além de ser do conhecimento geral que a agricultura e a ciência agrícola exigem boa forma física para muitos dos seus trabalhos essenciais e aprendizagem. 

40.ª


E, em consequência, deveria, assim, o douto Acórdão em recurso ter determinado o pagamento da R. ao ora Recorrente do montante peticionado a este título na P. I., no valor de € 25.000,00, ou seja de danos futuros profissionais. 

41.ª


Aliás, a existência, maior ou menor, de danos profissionais futuros, também resultaria pelo simples facto de ter tido baixas médicas, 9 meses invocados na p. i., que a sentença ex professo não reconhece como provadas, mas admite em vários trechos e para determinados efeitos, como referido nas supra alegações. 

42.ª


Por outro lado, para efeito de cálculo, ou de montantes em causa, não poderia o douto Acórdão deixar de reconhecer que o A. leccionou desde 1999 até à data da p. i. uma média de 17 horas lectivas semanais, porquanto essas horas constam de Doc. 8 da p. i., que é um documento público do Ministério da Educação, a Ficha Técnica individual de professor.

43.ª


O Recorrente invocou esse Doc. 8 da p.i., como contendo as horas lectivas, na p. i., e depois também expressamente no recurso de apelação, e não poderia o douto Acórdão praticamente referir que não constam essas horas lectivas desde 1999 a 2014/15, no documento, pois constam do mesmo nos termos supra alegados. 

44.ª


Portanto com todos os factores para determinação, de que se verificou prejuízo, e do respectivo montante a determinar, em valor não inferior a € 25.000,00, conforme peticionado e alegado.

45.ª


Do dano Biológico O Recorrente, a título de danos patrimoniais, vem assim unicamente, indemnizado na vertente do défice funcional, genérico, ou seja o dano biológico. 

46.ª


O A. ora Recorrente, peticionou na acção, e na apelação, em que também impugnou a matéria de facto, o montante de € 121.386,32, por danos patrimoniais. 

47.ª


Nos termos da Sentença da 1.ª Instância, a R., ora Recorrida, foi condenada a pagar ao A. o montante de € 45.000,00, por danos patrimoniais. 

48.ª


Esse montante de € 45.000,00 concerne, nos termos da mesma Sentença à «fixação da indemnização pelo défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de que o A. ficou a padecer, na perspectiva de dano patrimonial». 

49.ª


Nos termos do alegado em apelação pelo ora Recorrente, considerando «a idade do mesmo à data do sinistro, com data de nascimento a .../.../1963, tendo à data da consolidação das lesões, 25/9/2014, 51 anos de idade, O rendimento mensal do A. comprovado pelos recibos de vencimento, € 1.053,43, A média de esperança de vida, da taxa etária do A., que se poderá fixar nos 85 anos de idade, A IPG, aceite pela Decisão em recurso, ou seja 10 Pontos.», peticionou, relativamente a esta parcela de danos patrimoniais, quantia não inferior a € 65.000,00.

50.ª


 Peticionou € 65.000,00, mas acrescida de juros legais a partir da data da Consolidação, seja 25/9/2014, que orçam actualmente em €16.732,60, portanto peticiona no recurso de apelação, a título de «Dano Biológico», um valor presente actual total de € 81.732,60. 

51.ª


Na motivação refere o Acórdão em recurso:

«No âmbito do dano biológico, na vertente de dano não patrimonial, não pode deixar de considerar-se a Tabela Nacional para a Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de Outubro, que representa uma tabela médica destinada a avaliar e pontuar as incapacidades resultantes de ofensa na integridade física e psíquica das vítimas de acidentes. Embora seja uma tabela que se destina a ser utilizada por médicos, no âmbito do direito civil, tendo em vista a avaliação do dano biológico e tenha como principais destinatárias as seguradoras, já que surge da necessidade de apresentação por estas de uma proposta de indemnização ou compensação aos sinistrados, o que é certo, é que, tratando-se de um instrumento utilizado para a avaliação do dano biológico, somos de crer que os tribunais não podem igualmente deixar de a ter em conta, embora não estejam vinculados à sua aplicação.». 


52.ª


Ora, nesta transcrição do douto Acórdão, embora seja mencionada a Tabela Nacional para a Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil (TNI), está, efectivamente a fazer-se referência à Portaria de «propostas razoáveis» das companhias seguradoras. 

53.ª


Pois de facto, o douto Acórdão menciona expressamente a Portaria n.º 377/2008, alterada pela Portaria n.º 679/2008 de 25 de Junho, como critério e fundamento para a redução do montante em que a R., companhia seguradora, ora Recorrida, já vinha condenada, no montante de € 45.000,00, conforme resulta de pág. 64 do douto Acórdão:

«Para a questão que agora nos interessa há que ter em conta o anexo IV da Portaria n.º 377/2008, alterada pela Portaria n.º 679/2008 de 25 de Junho, que dispõe sobre a compensação devida pela violação do direito à integridade física e psíquica, no que é designado por dano biológico, com base em pontos e na idade do lesado à data do acidente.». 


54.ª


A Sentença de 1.ª Instância refere efectivamente que o montante é referido à «indemnização pelo défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de que o A. ficou a padecer,», porém sem qualquer referência directa ou indirecta à Portaria n.º 679/2008 de 25 de Junho, ora invocada no douto Acórdão em recurso que apreciou a Sentença, como fundamento e critério da decisão, tendo-se verificado assim uma alteração de fundamentos de direito para a determinação do montante do dano em causa.

55.ª


Ora, como tem sido entendido pela jurisprudência e resulta da mesma, no entender do Recorrente essa Portaria é aplicável para os efeitos que a mesma prevê, ou seja de propostas pré-negociais mínimas, ou razoáveis, servindo de garantida mínima às vítimas de acidentes. 

56.ª


O Tribunal da Relação efectua, assim, no presente Acórdão, no entender do Recorrente mas resultante de atenção à sensibilidade jurisprudencial que tem notado e pressentido em outros tribunais, uma incorrecta aplicação do direito aos factos em causa.

 


57.ª


Nesse sentido, entre abundante jurisprudência em que avulta a omissão dessa Portaria n.º 377/2008, na determinação indemnizatória, o sumário do Acórdão de 08-11-2016 do Tribunal da Relação de Coimbra:

«1. Os Tribunais devem reger-se pelos critérios fixados no Código Civil no cálculo das indemnizações decorrentes de acidentes de viação e não pelo disposto nas Portarias n.º 377/2008, de 26 de Maio e n.º 679/09, de 25 de Junho, que apenas servem para vincular as seguradoras na apresentação das ditas “propostas razoáveis” em sede de negociação extrajudicial.», In ww.dgsi.pt.


58.ª


Trata-se da indemnização pelo défice funcional geral, pelo que o Recorrente, entende que face ao estado de saúde que resultou para o mesmo, genericamente, social, familiar, profissional sem especificação, com limitações dos movimentos de braço/ombro, diplopia, com dificuldade de leitura e concentração na leitura, agravamento quase certo, ao nível ortopédico, com a idade e sensibilidade á variação de temperaturas e humidade, e também, por ser o caso, ao facto de não lhe ser concedido qualquer outra compensação patrimonial das invocadas, acrescendo ter sido afectado no único braço que lhe restaria como válido, justificava-se a determinação de um valor, não inferior ao invocado no seu recurso, de € 65.000,00 a este título de dano biológico, não deixando de ora invocar a actualização desse montante pelos juros também peticionados, como referido perfazendo o montante total de € 81.732,60.

59.ª


Devendo o Tribunal de Recurso ter alterado a Sentença apelada, nesse sentido e valor, porque de direito, como demonstrado, portanto, o inverso da decisão proferida atentos os respectivos fundamentos. 

60.ª


E proferido decisão de indemnização por outros danos patrimoniais, nomeadamente os indicados danos futuros profissionais. 

61.ª


 Danos Não patrimoniais A título de danos não patrimoniais, o douto Acórdão em recurso, manteve a Sentença do Tribunal de 1.ª instância, que fixou o montante dos mesmos em € 27.000,00. 

62.ª


O Recorrente invocou na apelação como valor adequado o montante de € 117.000,00.

63.ª


Ora, similarmente aos danos patrimoniais, o A. Recorrente, não vem indemnizado dos danos não patrimoniais mais típicos, ou seja dos danos morais gerais.

64.ª


Nos termos da Sentença, confirmada o A. vem indemnizado dos danos não patrimoniais seguintes: 1) Dano estético € 2000,00; 2) Impossibilidade de realizar uma actividade de lazer, cultivo de plantas dentro da sua especialização, engenheiro agrónomo, - € 15.000,00; 3) Pelo Quantum Doloris - € 10.000,00.

65.ª


O A. havia peticionado na p. i., pelo Dano estético - € 7.000,00; Pela impossibilidade de manter a plantação - € 17.000,00; 3 Pelo Quantum doloris  - € 15.000,00. 

66.ª


De facto, é uma opção da Sentença, no entender do Recorrente incorrecta mesmo abstraindo dos quantitativos em causa, não prever nesta rubrica a indemnização por danos morais gerais, como a mesma refere, in pág. 34, no trecho das supra alegações, invocando a Sentença que então haveria duplicação de indemnização. 

67.ª


No entender do Recorrente não haveria duplicação. 

68.ª


Tem entendido muita jurisprudência que o dano biológico é um dano autónomo. 

69.ª


De facto, de outra forma não haveria possibilidade de serem invocados os danos não patrimoniais morais gerais, independentemente do dano biológico, do dano corporal nos termos do défice funcional geral, os quais não são uniformes – variam em cada caso concreto, nem resultam automaticamente do dano corporal nem da pontuação atribuída nas perícias médico-legais. 

70.ª


O Recorrente invocou a título de danos morais gerais que resultam directamente da IPG de que ficou a padecer, e com que tem de conviver o montante de € 50.000,00. 

71.ª


Acresce que, nos termos do Acórdão, o cálculo da indemnização por dano biológico, a partir das fórmulas das propostas seguradoras, não integra o valor dos danos morais invocados, e concretos.

72.ª


O Acórdão, nesse cálculo chegou à conclusão, s. m. o, do que seria uma proposta razoável pré-negocial legal, de € 21.000,00, no âmbito do dano biológico, como resulta do mesmo, tendo a decisão depois sido de € 25.000,00. 

73.ª


Não integrando assim indemnização pelos danos não patrimoniais gerais, ou morais, nomeadamente dos resultantes da IPG de que ficou a padecer e com que tem de conviver. 

74.ª


Assim, o A. conforma-se com os montantes determinados de € 2.000,00 pelo dano estético, e de € 15.000,00 pela impossibilidade da plantação da área agronómica.

75.ª


Já a avaliação do dano quantum doloris, mostra-se aquém da pretensão de indemnização que integra, nos termos dos fundamentos de determinação do mesmo na douta Sentença, transcritos nas supra alegações, a qual omite que o Recorrente no acidente ficou com a língua cortada, depois suturada, ficando impossibilitado de falar. 

76.ª


Pelo que o douto Acórdão em recurso deveria assim, em consequência, ter proferido decisão que, em alteração de sentença, determinasse o valor do dano quantum doloris, no montante estimado do A., na p. i., ou seja € 15.000,00. 

77.ª


E proferir decisão que em alteração de sentença previsse a indemnização ao Recorrente do montante de € 50.000,00, pelos danos morais gerais, que a Sentença recusou nesta rubrica invocando que já os havia previsto no montante da indemnização do défice funcional, mas que efectivamente, não constam do mesmo, como independentemente dos montantes, resulta até mais claramente da decisão do Acórdão em recurso. 

78.ª


Ou seja, nos termos e fundamentos referidos, deveria a R. ora Recorrida ter sido condenada a indemnizar o A., a título de danos não patrimoniais, no montante total de € 82.000,00. 

79.ª


Do exposto resulta relativamente à fixação na Apelação do montante indemnizatório a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, que, no caso concreto, não foram bem aplicadas ou incorrectamente aplicadas, nomeadamente as seguintes normas: art.º 483.º n.º 1 e art.º 496.º n.º 1 e 4, art.º 563.º e art.º 564,º 1 e 2 do C. Civil, e art.º 607.º n.º 5 do C. P. Civil.»

Termina, dizendo que o Acórdão deve ser revogado, na parte em que determina o montante dos danos patrimoniais e dos não patrimoniais a ressarcir e compensar pela Recorrida ao. Recorrente, e ser proferida decisão de condenação da Recorrida a pagar ao Recorrente o montante de € 25.000,00 por danos futuros patrimoniais profissionais, € 81.732,60, por danos patrimoniais, na vertente de dano biológico, ou défice funcional, e €82.000,00, a título de danos não patrimoniais, no montante global de € 188.732,60, acrescido dos juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.


Contra-alegou a Ré, suscitando como questão prévia o problema da inadmissibilidade da revista no que tange aos danos não patrimoniais, por existência de dupla conforme, e defendendo a improcedência da revista quanto aos danos patrimoniais.



*


Pelo Exmº Desembargador Relator foi proferido despacho, no qual decidiu rejeitar, por verificação de dupla conforme, o recurso de revista, na parte respeitante aos danos não patrimoniais. No mais, admitiu o recurso.

O Recorrente veio arguir a nulidade desse despacho, requerendo que fosse «revogado na parte em que delimita o objecto do recurso, por se verificar ilegalidade e excesso de pronúncia».

Em conferência, foi proferido acórdão, em 23-09-2021, no qual se indeferiu a nulidade suscitada.

O Recorrente, notificado, veio manifestar não pretender recorrer do acórdão que indeferiu a arguição de nulidade.


*


O objecto dos recursos é definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso.

No caso presente, verifica-se, pelo que se deixou relatado, que o Exmº Juiz Desembargador Relator entendeu não admitir o recurso na parte respeitante aos danos não patrimoniais, por considerar existir dupla conforme quanto a esse segmento.

A decisão que admita o recurso não vincula o tribunal superior (art. 641º, nº 5, do CPC), prevendo-se reclamação do despacho que não admita o recurso (art. 643º do CPC). Ora, neste caso, apenas em parte foi o recurso admitido, subsistindo, por não impugnada eficazmente (o Recorrente optou por arguir a nulidade do despacho, que foi conhecida e indeferida em conferência, com subsequente declaração do Recorrente de não pretender impugná-la), a decisão que não o admitiu relativamente a um segmento (o dos danos não patrimoniais) que o Tribunal da Relação entendeu autonomizável.

Assim, apenas se conhecerá do objecto do recurso no que tange aos danos patrimoniais, importando apurar se foram adequadamente atribuídos.



II



II.1.

Foram, nas instâncias, dados por provados os seguintes factos:

«1. a) No dia 06 de Julho de 2013, cerca das 08:10, o A. conduzia o veículo, de sua propriedade, matrícula ...-...-NA, marca ..., ligeiro de passageiros, na ... ..., junto à localidade de ..., freguesia de ..., Concelho de ..., no sentido de ....

b) A estrada, nesse local, é uma reta à qual se segue, atento o sentido de marcha do A., uma curva à esquerda.

c) Cerca de 40 metros antes da curva, o A. deparou-se com um veículo em sentido contrário, surgindo dessa curva, o qual ultrapassou o eixo da via, saindo da sua via de circulação e entrando na via de circulação do A.

d) O veículo, com a matrícula ...-...-FT, marca ..., ligeiro de passageiros, era conduzido por BB.

e) O FT não voltou a entrar na sua via de circulação e, em breves momentos, acabou por embater violentamente, em choque frontal, no veículo conduzido pelo A., atingindo-o na parte da frente, e depois ao longo do lado esquerdo.

f) O A. conduzia o seu veículo habitual, circulava na sua mão, à direita do eixo da via, a uma velocidade de cerca de 40 Km/h.

g) Não havia ingerido bebidas ou substâncias que afetassem a condução.

h) O FT circulava a uma velocidade de mais de 90 ou 100Km/h.

i) Devido à alta velocidade em geral e para o local, não conseguiu efetuar a curva dentro da sua via, nem voltar à mesma.

j) Na análise toxicológica/substâncias psicotrópicas, por amostra sanguínea, o condutor do FT acusou uma quantificação de álcool no sangue de TAS de 0,76 g/l. k) E confirmação de 11-Nor-9-carboxi-D9-tetrahidrocanabinol (THC-COOH) de 8.5 ng/ml, de D9-tetrahidrocanabinol (THC) de 1.2 ng/ml; de 11-Hidroxi-D9-tetrahidrocanabinol (11-OH-THC) de 0.7 ng/ml. (Cf. doc. 5).

l) O A. apercebeu-se que o embate ia ocorrer, porém nada pôde fazer da sua parte, que o pudesse evitar.

m) O veículo ...-...-FT, à data do acidente encontrava-se seguro na ora R., mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...44, através do qual se encontrava transferida para esta, a responsabilidade por acidentes de viação causados pelo mesmo.

n) A R., após análise do sinistro, assumiu a responsabilidade do seu segurado totalmente na produção do acidente.

o) A R. assumiu a prestação e pagamento de toda a assistência e tratamentos prestados ao A. em virtude das lesões sofridas, em unidades hospitalares e outras entidades clínicas.

p) A R. pagou ao A. todas as perdas de vencimento nos períodos de baixas médicas, desde a ocorrência do acidente até Agosto de 2014.

q) A R. pagou ao A. as despesas clínicas, nomeadamente consultas, medicamentos, taxas moderadoras, e as respetivas despesas de deslocações, pelo mesmo diretamente despendidas e comprovadas, também desde a ocorrência do acidente até Agosto 2014, no montante respetivamente de € 455,53 e de € 2.667,00.

r) A R. pagou ao A. o preço comercial do seu veículo, matrícula ...-...-NA, cuja reparação era inviável, no montante de €2.750,00, valor que o A. aceitou.

s) O A. foi assistido no local do acidente pelos B. V. de ... e B. V. ..., que procederam ao seu desencarceramento, efetuando extensos cortes na chaparia do carro.

t) O A., no local, não chegou a perder o conhecimento, pois quando tal ia ocorrer falavam-lhe para que se mantivesse confiante.

u) Esteve também presente a equipa do INEM de ..., que o transportou e acompanhou para o Hospital ....

v) Neste hospital foi-lhe efetuada a avaliação e assistência inicial, e no mesmo dia transferido para o Hospital ..., em ....

w) Na avaliação realizada no Hospital ... consta:

w.1) Traumatismo Craniano com Perda de Conhecimento, tendo feito TC–CE sem evidência de lesões agudas.

w.2) Traumatismo facial com dor e edema malar, dor mandibular esquerda, mordedura da língua suturada no H....

w.3) Traumatismo torácico, com evidência de ponto de aplicação escapular esquerdo e dor à palpação e mobilização do ombro homolateral; dor à palpação da grelha costal bilateralmente, mas sem evidência de crepitações, ou enfisema subcutâneo. Rx tórax sem alterações.

w.4) Traumatismo abdominal sem evidência de abdómen agudo e com ecografia limitada pela presença de gases, mas sem alterações hepáticas, pancreáticas ou das vias biliares. Rx bacia sem sinais de fraturas.

w.5) Traumatismo da coluna cervical, dorsal e lombar, com dor local à palpação cervical e para cervical esquerda. Fez Rx no H... e observado pela ortopedia sem evidência de lesões agudas.

w.6) Feridas no membro superior esquerdo, que foram suturadas.

w.7) No Hospital ..., repetiu TAC de crânio e face que revelou fratura na parede interna da órbita direita. Sem sinais de lesões traumáticas nos globos oculares, nos complexos bainhas-nervos óticos, nos músculos óculo-motores nem na gordura intra e extra-cónica. Ausência de densidades hemáticas intracranianas. Sem sinais de lesões traumáticas encefálicas. Sulcos corticais, sistema ventricular e cisternas basais permeáveis. Sem coleções extra-axiais.

w.8) No Hospital ..., repetiu TAC abdominal que não revelou lesões intra-abdominais.

x) Durante o internamento o A. esteve estável, sem qualquer dificuldade respiratória, sem diplopia, sem deficits neurológicos, com dor controlada.

y) O A. esteve em internamento hospitalar de 6 a 13 de Julho 2013.

z) Sendo depois acompanhado e assistido em casa, com apoio permanente da família.

aa) O A. foi sujeito a consultas e exames médicos nos dias 15/7, 25/7, 30/7, 16/8, 27/8, 10/9, 12/9, 14/9, 24/9, 8/10, 5/11, 11/11, 25/11, e 9/12, no ano 2013, no Hospital ... ou no ...Hospital.

bb) A partir de Setembro de 2013, o A. apresentou-se no local de trabalho onde exercia funções de professor, no Agrupamento de Escolas ..., em ....

cc) O A. continuou com dores ao nível dos braços, mais acentuadas no braço e ombro esquerdos, com dor à mobilidade.

dd) Apresentava diplopia nas posições laterais do olhar.

ee) Tinha vertigens e dores de cabeça.

ff) O A. foi contratado pelo Agrupamento de Escolas ..., para o grupo 560 - Ciências Agropecuárias.

gg) Em ... fez tratamentos assíduos de Fisioterapia, na Clínica ....

hh) Em Maio 2014 o A. foi submetido a artroscopia do ombro esquerdo.

ii) Esteve em internamento hospitalar nos dias 2 e 3 de Maio.

jj) Após fez tratamentos continuados de fisioterapia na ..., na Clínica ....

kk) O A. teve ainda diversas consultas, em 2014, no Hospital ... e mais frequentemente no ...Hospital, nos dias, 22/1, 24/1, 27/1, 11/2, 17/2, 18/2, 26/2, 28/2, 6/3, 10/3, 22/3, 24/3, 28/3, 11/4, 14/4, 21/4, 28/04, 5/5, 19/5, 14/6 e 16/6.

ll) Após Junho 2014, e em razão das lesões ora em causa, efetuou ainda consultas no ...Hospital nos dias 14/7/2014, 11/8/2014, 21/8/2014, 25/8/2014 e 1/9/2014.

mm) E também antes havia efetuado exames clínicos nos dias 10/3, 4/4, 2/5, 3/5, 9/5, 12/5 de 2014.

nn) Em 24 de Junho 2014, o A. foi vítima de esfaqueamento ao nível do pescoço com vários cortes e golpes profundos, e outras agressões, em crime doloso de tentativa de homicídio, ficando em concreto e efetivo risco de vida.

oo) Nessa ocorrência de Junho de 2014, além de lesões físicas ao nível do pescoço e também pulmonar, o A. sofreu AVC, por insuficiente circulação sanguínea.

pp) Originou ainda ao A. implicações emocionais, psíquicas e psiquiátricas, mantendo até ao presente acompanhamento médico regular e contínuo.

qq) A consolidação médico-legal das lesões resultantes do acidente de viação dos autos é fixável em 25 de Setembro de 2014.

rr) O A. é professor do ensino secundário, licenciado em ..., e dá aulas desde o ano letivo de 1999/2000, tendo sido sempre colocado em todos os concursos anuais do Ministério da Educação, pelo menos até ao ano letivo de 2014/2015.

ss) O A. obteve a profissionalização, na área da sua especialização – Produção Agrícola – no ano 2009, publicada em DR. II S. ... de ....

tt) No ano letivo de 2014/2015 o A. foi colocado na Escola Básica ..., em ....

uu) Ficou com o vencimento mensal base de € 1.053,43, que não auferia por estar de baixa.

vv) O A. tem na profissão de professor a sua única fonte direta de rendimentos.

ww) O A. fez no Hospital ... nos dias 29 de Agosto e 12 de Setembro de 2014 tratamentos de ... e ..., incluindo ginásio.

xx) O A. foi acompanhado em oftalmologia desde Setembro 2013.

yy) Em consequência do acidente de viação dos autos sofreu o A. os seguintes danos valorizáveis:

yy.1) Traumatismo da face com feridas na língua, lábio e mucosa acima dos incisivos superiores; fratura da parede interna da órbita direita, sem lesão do globo ou do nervo ocular;

yy.2) Traumatismo craniano, sem lesões traumáticas intra ou extra-axiais;

yy.3) Traumatismo da região cervical com hematoma na região cervical esquerda;

yy.4) Raquialgias cervicais e lombares, sem lesões traumáticas vertebro-medulares;

yy.5) Traumatismo tóraco-abdominal, com equimose no hipocôndrio direito e sem lesões de vísceras documentadas;

yy.6 Traumatismo do membro superior esquerdo, com escoriações e dor no ombro e cotovelo esquerdo, com défice funcional associado.

   zz) Na sequência do acidente de viação dos autos sobrevieram ao A. como danos temporários:

zz.1) Défice Funcional Temporário Total entre 6 e 13 de Julho de 2013, 2 e 3 de Maio de 2014, num total de 10 dias;

zz.2) Défice Funcional Temporário Parcial entre 14 de Julho de 2013 e 1 de Maio de 2014 e entre 4 de Maio de 2014 e 25 de Setembro de 2014, num total de 437 dias;

zz.3) Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total entre 6 de Julho de 2013 e 11 de Agosto de 2014, num total de 402 dias;

zz.4) Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial entre 12 de Agosto e 25 de Setembro de 2014, num total de 45 dias

aaa) Em decorrência do acidente de viação dos autos resultaram ao A. como sequelas:

aaa.1) Sa 0112: Status pós fratura da órbita direita, com diplopia monocular;

aaa.2) Ma 0207: Limitação da mobilidade do ombro esquerdo (membro passivo), com antepulsão e abdução de 110º, permitindo, na mobilidade conjugada levar a mão à nuca, ao ombro oposto e à região dorsal;

aaa.3) Md 0801: Cervicalgia residual;

aaa.4) Sb 0303: Síndrome vertiginoso, por analogia.

bbb) As sequelas descritas em aaa) determinam um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica do A. fixável em 10 pontos.

ccc) As sequelas descritas em aaa) são compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual do A., mas implicam esforços suplementares.

ddd) O quantum doloris é fixado em 4 pontos, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.

eee) O dano estético é fixado em 2 pontos, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, atendendo às cicatrizes operatórias.

fff) A repercussão permanente das sequelas nas atividades de lazer é fixada em 3 pontos, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.

ggg) O A. frequenta, esporádica, mas anualmente, a praia, sobretudo no verão.

hhh) Após a alta hospitalar e na sequência da artroscopia o A. teve necessidade de ajuda de 3.ª pessoa, nomeadamente, para se vestir ao nível dos ombros.

iii) O A. sofreu dores no momento e após o acidente.

jjj) E, não obstante serem-lhe ministrados analgésicos, sofreu dores durante os tratamentos de uma semana de internamento, com os tratamentos de recuperação, e ainda dor permanente nos movimentos dos braços durante muito tempo.

kkk) Sofreu com a intervenção cirúrgica e tratamento pós-cirúrgico. Com as infiltrações e injeções. Em todas as sessões de fisioterapia, antes e depois da intervenção cirúrgica.

lll) Em virtude das lesões resultantes do acidente de viação dos autos o A. deixou de cultivar uma horta, que possui, juntamente com outros familiares na zona de ....

mmm) Nessa atividade, dentro da sua especialização, e licenciatura, que lhe permitia alguma aplicação prática a nível pessoal, passava muito tempo, nos dias vagos, férias e fins-de semana, o que lhe dava grande satisfação.

nnn) O A. nasceu em .../.../1963.»


II.2.

Foram dados por não provados os seguintes factos:

«- Não se provou que ao avistar o outro veículo a entrar na sua via de circulação,

a única reação do A. foi travar.

- Não se provou que o A. esteve encarcerado mais de uma hora, devido à dificuldade dos trabalhos.

- Não se provou que em termos profissionais, o A. esteve de baixa médica até 13 de Setembro 2013, condicionado ao domicílio exceto para exames e consultas.

- Não se provou que na consulta de 10 de Setembro, o médico da seguradora cessou a baixa médica e comunicou ao A. que estava apto a trabalhar.

- Não se provou que em Setembro de 2013 o A. apresentava dores na parte torácica lateral.

- Não se provou que em Setembro de 2013 o A. só conseguia fazer restritos movimentos.

- Não se provou que o A. tinha de pedir aos alunos para lhe apagarem o quadro, pois não conseguia fazer esse movimento, nem que só conseguia escrever na parte mais baixa do quadro.

- Não se provou que o A. tinha dificuldades de visão com grande esforço de leitura e escrita.

- Não se provou que o A. lecionava a disciplina de Produção Agrícola, com componente Teórica e Prática, nem que o fez com grandes limitações do programa, nem que esteve impedido de efetuar demonstrações práticas, e no terreno, limitando-se à parte teórica.

- Não se provou que o A. ficou de baixa médica de 10 de Janeiro 2014 a 10 de Março 2014.

- Não se provou que o A. esteve de baixa de 3 de Maio a 16 de Junho 2014 e de 16 de Junho até Setembro 2014.

- Não se provou que o A. até ao presente sempre lecionou Produção Agrícola, ou uma das variantes na área agrícola.

- Não se provou qual a componente letiva das disciplinas da área agrícola.

- Não se provou que nos últimos 5 anos, o A., tivesse dado aulas com horários semanais de 18 horas letivas.

- Não se provou qual a variação do vencimento base mensal, em cada contrato anual, em função do horário semanal atribuído.

- Não se provou que nas circunstâncias referidas em bb) o A. ficou com um horário semanal de 15 horas, na disciplina de Produção Agrícola, na variante Animal, nem que se tivesse deslocado a essa escola e aceitado a colocação.

- Não se provou que não fora o acidente dos autos o A. seria colocado até à idade da reforma, no mínimo, com horários semanais de 18 horas letivas, auferindo um vencimento mensal equivalente a esse horário.

- Não se provou que não fora o acidente dos autos o A. teria mais facilidade de colocação em horários mais completos e zonas mais próxima da residência, o que sempre foi um dos seus objetivos.

- Nada se provou quanto ao facto dos períodos de baixas médicas não contarem como tempo de serviço. [Constava este ponto da sentença proferida em 1ª Instância e foi eliminado pela Relação – cf. ponto IV da apreciação, feita no acórdão recorrido, da impugnação da decisão da matéria de facto].

- Não se provou que os 9 meses de baixa em razão do acidente em causa nos autos, só por si prejudicam o A. na sua colocação futura.

- Não se provou que os nove meses de baixa impediram o A. de ter seis meses de trabalho no ano letivo, e consequentemente de ter avaliação de desempenho, com consequências negativas na progressão na carreira e em prémios de desempenho.

- Não se provou que após a data fixada de consolidação das lesões, 25 de Setembro de 2014, o A. manteve consultas e tratamentos de manutenção física e reabilitação e acompanhamento médico-hospitalar decorrentes do acidente de viação dos autos.

- Não se provou que o A. vai continuar, durante tempo indeterminado, a necessitar de tratamentos de fisioterapia por causa das lesões resultantes do acidente dos autos.

- Não se provou que em consequência do acidente dos autos o A. esteja impossibilitado de mover o braço direito para trás, nem que nesse movimento o braço só chega ao lado da perna, e abaixo da cintura, não conseguindo meter a camisa no cinto.

- Não se provou que após 25 de Setembro de 2014 o A. tivesse tido necessidade presente e futura de tratamento de manutenção física e reabilitação 3 vezes por semana, e ao longo da vida apoio de psiquiatria/psicologia em consequência do acidente de viação dos autos.

- Não se provou que em decorrência das lesões resultantes do acidente de viação dos autos, o A. sofreu também dor corporal muito forte, em ambos os ombros e braços, quando no dia 24 de Junho de 2014, segurou o braço direito do sujeito que o tentava com uma faca cortar no pescoço, e empregando toda a força dos braços não conseguiu resistir-lhe por serem dois agressores.

- Não se provou que nas circunstâncias referidas em l) o A. tivesse temido por risco de vida, o que nesses breves momentos lhe causou enorme angústia e dor.

- Não se provou que ao ver-se ferido, e entalado dentro do carro, o A. tivesse ficado angustiado por ficar certo de se alterar a sua vida a partir desse momento, em termos corporais, familiares, sociais e profissionais.

- Nada se provou no sentido do A. imediatamente após o acidente dos autos, se sentisse profundamente ferido, nem que tivesse colocado várias hipóteses de quais os efeitos corporais de todos os ferimentos que sentia, com esperança que não tivesse sido atingido em órgãos essenciais, mas não tendo a certeza.

- Nada se provou no sentido do A. ter temido não ser socorrido com tempo, nem pelo encarceramento e por ninguém o conseguir tirar dali a tempo se houvesse um acidente, nem pela demora nos trabalhos.

- Nada se provou quanto à imagem do A. perante os colegas e alunos na sequência do acidente de viação dos autos.

- Não se provou que na sequência de viação dos autos o A. se viu na contingência de não cumprir o programa da disciplina que lecionava, e entristecido por esse facto.

- Não se provou que por razões imputáveis ao acidente dos autos o A. teve que residir durante um trimestre no ..., sem qualquer apoio da família.

- Não se provou que a partir do acidente o A. deixou completamente de ir à horta cultivada pela família.

- Nada se provou quanto às opções de dieta alimentar do A..

- Não se provou que o A., até ao acidente era uma pessoa saudável, sem qualquer doença, exceto diabetes, sem qualquer diminuição física, bem-disposto, capaz de efetuar qualquer exercício ou esforço físico necessário.

- Não se provou que em razão do acidente de viação dos autos, a qualidade de vida anterior do A. se tivesse completamente alterado, nem que em razão do acidente de viação dos autos o A. esteja afetado emocional e profundamente, com implicações de Tribunal da Relação ... caracter familiar, perdendo interesses sociais e de amizade, sentindo-se diminuído de forma permanente e sofrendo com esse facto.

- Não se provou que em face do acidente de viação dos autos o A. ficou impedido de continuar a lecionar para futuro a disciplina de Produção Agrícola que tinha lecionado, dentro da sua especialização e vocação.

- Não se provou que após os pagamentos referidos em o) a r) a R. não tivesse pago quaisquer outras quantias ao A..

- Não se provou que a incapacidade permanente de que o A. ficou a padecer, na sequência do acidente de viação dos autos o afeta de forma relevante no desempenho da profissão, em virtude das sequelas em ambos os ombros braços e dificuldades de visão.

- Não se provou que no ano letivo 2015/16 o A. foi colocado na Escola de ..., nas disciplinas de ..., com um horário de 18 horas, nem que tivesse aceitado tal colocação.

- Não se provou que pelo facto de o A. ter deixado pessoalmente de cultivar a horta deixou de se abastecer dos produtos hortícolas produzidos na horta, nem que tivesse passado a comprar esse tipo de produtos.

- Não se provou que o A. tinha à data do acidente a expectativa fundada de ser sempre colocado em horários, no mínimo, de 15 horas letivas semanais, a que correspondia, no ano 2014/15, o vencimento mensal de €1.053,43.

- Não se provou que o A. sinta a sua imagem corporal diminuída em razão das cicatrizes que tem no ombro.

- Não se provou se as dores que o A. sentiu após o acidente aumentaram até ser socorrido e durante o tempo de desencarceramento, e se mantiveram durante o percurso para o hospital.»



III


Não está em discussão a responsabilidade na produção do acidente, cabendo esta, por inteiro, ao segurado da Ré, que, assim, por força do contrato do seguro, está obrigada, tal como as instâncias concluíram e a própria reconheceu, a indemnizar o lesado (Autor).

A título de danos patrimoniais, o A. pediu a condenação da Ré no pagamento da quantia de €121.386,32.

Alegou que, desde a data da consolidação (25/09/2014) até 25/10/2015, tem direito, a título de perda de ganho e incapacidade, ao montante de € 5.372,40 = (358,16 x 15), acrescido de juros vencidos à taxa legal.

Considerou também que, a repercussão futura da incapacidade, tendo em conta uma vida activa até aos 70 anos de idade, representa um prejuízo para o A. no montante anual de € 5.014,24 = (358,16 x 14), perfazendo o total de € 90.256,32 = (5.014,24 x 18).

Pelos prejuízos patrimoniais de previsibilidade certa (por, na sua qualidade de professor, se encontrar numa situação mais desfavorável, com riscos futuros que não se vislumbravam na sua situação anterior, e prejudicado efectivamente, quer pelas baixas quer pela opção de ter de concorrer a outras disciplinas) reclamou € 25.000,00.

Pelo prejuízo decorrente de ter deixado de cultivar um terreno de onde retirava produtos para a sua alimentação que passou a ter de comprar, entende dever ser ressarcido em €1.730,00 (até à data da petição) e, pelo dano futuro a isso atinente, passando a ter um acréscimo de gastos e despesas em valor não inferior a €800,00 anuais, pediu €14.000,00 = (800 x 18).

Considerou-se, na sentença, que o A. não logrou provar os factos que alegou quanto à  repercussão directa na sua capacidade de ganho e colocações futuras, enquanto professor, decorrente das lesões e sequelas resultantes do acidente de viação dos autos, nem a existência de prejuízos patrimoniais de previsibilidade certa, ou seja, de dano futuro, relacionados com a sua actividade profissional, resultando provado que o A. não ficou com qualquer incapacidade para o exercício da sua profissão habitual, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da mesma, apenas implicando esforços acrescidos, nem ainda que, após a data da consolidação médico-legal das lesões sofridas na sequência do acidente de viação dos autos, que ocorreu em 25 de Setembro de 2014, o A. tivesse tido necessidade de quaisquer outros tratamentos ou assistência médica delas decorrentes.

Também não se tiveram por provados os alegados danos decorrentes de o A. ter deixado de cultivar a horta.

Ponderou-se o seguinte:

«Na fixação da indemnização importa desde logo atender que ao A. sobreveio uma incapacidade permanente parcial geral fixável em 10 pontos, sem incapacidade para o desempenho da sua profissão habitual, mas implicando esforços suplementares.

Importa ainda atender que o A. foi na sequência do acidente submetido a uma intervenção cirúrgica, artroscopia.

A ofensa à integridade física da pessoa do A. não traduzindo uma limitação para a sua atividade laboral, trouxe-lhe esforços acrescidos, em resultado da diplopia, da limitação da mobilidade do ombro esquerdo, da cervicalgia residual e do síndrome vertiginoso, por analogia.»


Entendeu-se fixar, equitativamente, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pelo A., repercutidos nos danos temporários e permanentes, com incidência no défice funcional permanente da integridade físico-psíquica do A., o montante de €45.000,00.


No Acórdão recorrido, teve-se, além do mais, em conta o Anexo IV (relativo ao dano biológico) da Portaria 377/2008, de 26 de Maio, actualizada pela Portaria 679/2009, de 25 de Junho, e, considerando-se excessivo o montante de €45.000,00 fixado pela 1ª Instância, reduziu-se a indemnização, a título de dano patrimonial futuro, na vertente de dano biológico,  para € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), entendendo-se que este montante era mais equitativo, criterioso e consonante com os critérios apontados e os valores atribuídos pelos Tribunais Superiores.

Concluiu a Relação, assim, ser excessivo o valor pedido pelo A. (€121.000,00) e exíguo o proposto pela Ré (€10.000,00).


O Recorrente observa que vem indemnizado na vertente de dano biológico,  respeitante ao défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, de 10 Pontos, mas o acórdão em recurso, nos termos peticionados na apelação da sentença, deveria ter determinado a indemnização do A. também em outros danos patrimoniais, nomeadamente profissionais futuros, pois, em consequência das lesões sofridas, deixou de poder cumprir os programas das disciplinas escolares que vinha leccionando, ou seja, as disciplinas em que se licenciou e em que se profissionalizou, porque têm abundante componente prática, no terreno, com demonstrações aos alunos, que exige, movimentos, destreza, força, manuseamento de materiais e alfaias pesadas manuais e mecânicas, que fazem parte do grupo de disciplinas de Produção Agrícola, e que o mesmo em virtude da lesão e sequelas desse braço ombro esquerdo deixou de poder leccionar.

Refere que:

- Para futuro, não poderia (actualmente reformado por invalidez) concorrer a essas disciplinas porque não poderia cumprir o Programa.

- Quer a sentença quer o acórdão consideram que não estão provados quaisquer danos patrimoniais futuros profissionais, justificando que o A., ora Recorrente, em resultado das sequelas poderá exercer a profissão, nos termos consignados no relatório do INML, com esforços acrescidos. Porém, esses esforços acrescidos, no caso concreto, obrigariam o A., conforme invocou e demonstra, a mudar de área da sua especialização, da sua formação, ou seja, da área que vinha exercendo desde 1999 até essa data, não obstante lhe permitir com esforços acrescidos, dado nomeadamente a diplopia e todas as demais sequelas, leccionar outras disciplinas, sendo que o relatório do INML não previu essa abordagem, com essa extensão. Não há assim, uma especial atenção e consideração do caso concreto, que se justificava, no acórdão em recurso, por invocado na acção e invocado no recurso, que levaria, com alteração da sentença, a uma decisão no sentido de reconhecer esse rebate profissional.

- Em consequência, deveria o acórdão recorrido ter determinado o pagamento da R. ao Recorrente do montante peticionado a este título na P. I., no valor de € 25.000,00, ou seja, de danos futuros profissionais.

- A existência, maior ou menor, de danos profissionais futuros, também resultaria pelo simples facto de ter tido baixas médicas, 9 meses invocados na p. i., que a sentença não reconheceu como provadas, mas admitiu em vários trechos e para determinados efeitos, como referido nas alegações.

- Por outro lado, para efeito de cálculo, ou de montantes em causa, não poderia o douto Acórdão deixar de reconhecer que o A. leccionou desde 1999 até à data da p. i. uma média de 17 horas lectivas semanais, porquanto essas horas constam de Doc. 8 da p. i., que é um documento público do Ministério da Educação, a Ficha Técnica individual de professor.

- O Recorrente invocou esse Doc. 8 da p.i., como contendo as horas lectivas, na p. i., e depois também expressamente no recurso de apelação, e não poderia o douto Acórdão praticamente referir que não constam essas horas lectivas desde 1999 a 2014/15, no documento, pois constam do mesmo nos termos alegados.

- Portanto, estão reunidos todos os factores para determinação de que se verificou prejuízo e do respectivo montante a determinar, em valor não inferior a €25.000,00, conforme peticionado e alegado.


Além deste montante, que entende dever ser-lhe atribuído a título de danos futuros profissionais, o Recorrente aborda, separadamente, o dano biológico, considerando que, em face da sua idade, à data do sinistro, com data de nascimento a .../.../1963, tendo à data da consolidação das lesões, 25/9/2014, 51 anos de idade, do rendimento mensal comprovado pelos recibos de vencimento, €1.053,43, da média de esperança de vida, fixável nos 85 anos de idade, e da  IPG, aceite pela decisão em recurso, ou seja 10 pontos, quantia não inferior a €65.000,00, acrescida de juros legais a partir da data da consolidação, seja 25/9/2014, o que significa, a título de dano biológico, um valor presente actual total de € 81.732,60.

Defende, a propósito desta matéria, citando jurisprudência nesse sentido, que os Tribunais, na fixação destas indemnizações, não estão sujeitos ao que se prevê na   Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, com a actualização da Portaria n.º 679/09, de 25 de Junho.


Vejamos.

Há que ter em conta, antes de mais, os factos provados/não provados, importando lembrar que o eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, com excepção apenas do que se dispõe, quanto à prova tabelada ou vinculada, na parte final do nº 3 do art. 674º do CPC.

Verifica-se que o Acórdão da Relação apreciou a impugnação da decisão da matéria de facto feita na apelação, pelo A./Recorrente, mantendo, na quase integralidade (apenas divergiu da sentença num ponto, por ser conclusivo), a matéria de facto posta em causa no recurso.

O Recorrente faz menção a baixas médicas, bem como a horários lectivos semanais, para efeitos de cálculo de danos futuros.

No que concerne a baixas médicas, considerou-se, no ponto IV da apreciação da impugnação da matéria de facto, o seguinte:

«Na perspectiva do Autor, por não carecerem de prova e respeitarem a matéria de direito, deveriam ter sido julgados como provados os seguintes factos dados como não provados:

«Nada se provou quanto ao facto dos períodos de baixas médicas não contarem como tempo de serviço.

- Não se provou que os 9 meses de baixa em razão do acidente em causa nos autos, só por si prejudicam o A. na sua colocação futura.

- Não se provou que os nove meses de baixa impediram o A. de ter seis meses de trabalho no ano letivo, e consequentemente de ter avaliação de desempenho, com consequências negativas na progressão na carreira e em prémios de desempenho.[1]»

Neste conspecto assiste razão ao Autor, mas tão só no que concerne ao primeiro dos factos indicados - “Nada se provou quanto ao facto dos períodos de baixas médicas não contarem como tempo de serviço”. Com efeito, trata-se, claramente, de matéria de direito que não deveria ter sido considerada na decisão sobre a matéria de facto.

Quanto ao mais, importa dizer que não se tendo provado a concreta duração dos períodos de baixa médica nada se podia ter concluído relativamente à influência que, em termos de normalidade, essas ausências ao serviço poderiam ter, seja na colocação futura, seja na avaliação de desempenho do Autor e, consequentemente, na sua progressão na carreira profissional ou em prémios de desempenho. Diga-se, ainda, que a colocação de professores depende de muitas variáveis (vagas abertas, número de candidatos, qualificação dos candidatos, etc.) e que o tempo de serviço é apenas uma delas.

Pelo exposto, na procedência parcial da impugnação constante da conclusão XVII, decide-se eliminar da decisão sobre a matéria de facto (pág. 12, 2.º parágrafo) o seguinte facto dado como não provado Nada se provou quanto ao facto dos períodos de baixas médicas não contarem como tempo de serviço”.»


Manteve-se, assim, a matéria de facto (no caso, não provada), salvo no que concerne à eliminação do primeiro ponto, por ser matéria de direito.


No que se refere ao número de horas leccionadas semanalmente, alegou o A., na petição inicial, que «atento o seu percurso de colocações, e tempo de serviço, e a média horária dos últimos cinco anos, não fora o acidente, em condições normais seria colocado até à idade da reforma, no mínimo, com horários semanais de 18 horas lectivas, ou seja, auferindo um vencimento mensal equivalente a esse horário» (art. 82º).

Deu-se como não provado, na sentença, que, nos últimos 5 anos, o A., tivesse dado aulas com horários semanais de 18 horas lectivas, o que foi mantido pelo acórdão recorrido, considerando-se na apreciação da impugnação quanto a esse aspecto, o seguinte:

«Do facto julgado não provado, descrito na pág. 11 (10.º parágrafo): «-Não se provou que nos últimos 5 anos, o A., tivesse dado aulas com horários semanais de 18 horas letivas.».

Segundo o Autor, este facto deveria ter sido dado como provado, uma vez que os horários semanais constam de Doc.8 da p.i., certidão emitida pela Escola de Escola de ..., com a ficha técnica do A., onde se encontra provada essa média horária.

Lido o referido documento, que consta de fls. 34 a 36 e contém o registo biográfico do Autor (Faltas, Licenças, Tempo de Serviço e Estabelecimento de Ensino onde esteve colocado), apenas se retira do campo “OBSERVAÇÕES” (a fls. 35 verso e em nota de rodapé) que “b) A partir de 04/09/93 passou a leccionar 17 horas. C) Por despacho de 14/10/04 (…) foi colocado nesta escola num horário de 10 horas (…)”.

Lidos os recibos mensais relativos aos meses de Novembro e Dezembro de 2014 e Março de 2015, constata-se que os mesmos referem que o Autor cumpria um horário de 15 horas semanais e auferia o vencimento ilíquido de €1.035,43 (Docs. 10 e12 da PI, a fls. 37-38).

Aliás, a prova de tal facto colidiria com o afirmado pelo Autor no artigo 161.º da petição inicial, isto é, que “no ano letivo 2015/16 o A. foi colocado na Escola de ..., nas disciplinas de ..., com um horário de 18 horas, colocação que aceitou”. Esta factualidade foi dada como não provada, por inexistência de prova documental que a confirmasse, e tal decisão não foi objecto de impugnação pelo Autor.

Por conseguinte, improcede a impugnação vertida na conclusão XVI.»


A conclusão XVI da apelação, julgada improcedente, era do seguinte teor:

«O facto, in pág. 11:

«- Não se provou que nos últimos 5 anos, o A., tivesse dado aulas com horários semanais de 18 horas letivas.».

Devia ser dado como provado, uma vez que os horários semanais constam de Doc.8 da p.i., certidão emitida pela Escola de ..., com a ficha técnica do A., onde se encontra provada essa média horária.»


O Tribunal da Relação apreciou, como se vê, os pontos em causa, dentro dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 662º do CPC, analisando os documentos pertinentes, maxime o nº 8, não se vendo que tenha sido postergada prova tabelada.

Alem disso, importará ter em consideração que estão em causa danos patrimoniais futuros, que o A. faz assentar nas limitações que passou a ter em consequência do acidente. Ora, provou-se que (com destaque nosso, a negrito):

«aaa) Em decorrência do acidente de viação dos autos resultaram ao A. como sequelas:

aaa.1) Sa 0112: Status pós fratura da órbita direita, com diplopia monocular;

aaa.2) Ma 0207: Limitação da mobilidade do ombro esquerdo (membro passivo), com antepulsão e abdução de 110º, permitindo, na mobilidade conjugada levar a mão à nuca, ao ombro oposto e à região dorsal;

aaa.3) Md 0801: Cervicalgia residual;

aaa.4) Sb 0303: Síndrome vertiginoso, por analogia.

bbb) As sequelas descritas em aaa) determinam um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica do A. fixável em 10 pontos.

ccc) As sequelas descritas em aaa) são compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual do A., mas implicam esforços suplementares


Decorre da alegação do Recorrente que questiona o facto provado de serem as sequelas compatíveis com o exercício da actividade profissional, embora implicando esforços suplementares, pois põe em causa a completude ou suficiência da abordagem do  relatório do INML.

Há que recordar aqui que foi dado por não provado que a incapacidade permanente de que o A. ficou a padecer, na sequência do acidente de viação dos autos o afecta de forma relevante no desempenho da profissão, em virtude das sequelas em ambos os ombros braços e dificuldades de visão, tendo, na apreciação da impugnação da matéria de facto, com manutenção desta matéria como estava (não provada), o Tribunal da Relação expendido o seguinte:

«Alega o Autor que estes dois factos deveriam ter sido julgados provados, e não o foram porquanto a douta sentença considera, com fundamento no Relatório Pericial do Instituto de Medicina Legal, a fls.., que não existe nexo causal entre o acidente de viação ocorrido em 6/7/2013 e as lesões e sequelas do braço direito do Autor, ao qual braço passou a ter tratamentos específicos e acompanhamento médico a partir de Setembro de 2013.

Entende que deveria ter sido dado como provado esse nexo causal, nomeadamente porque essa negação atenta contra o senso comum mais elementar e básico, e porque assim decorre também dos depoimentos das testemunhas prestados na audiência de julgamento, aliás de todas as testemunhas que foram ouvidas, e de entre elas, o do próprio médico que o acompanhou e era Médico da companhia seguradora, e que havia elaborado o primeiro Relatório de avaliação do dano que consta dos autos como Doc. 3.

Reapreciada a prova documental médica e hospitalar junta aos autos e o relatório elaborado pelo INMLCF, na sequência de perícia médico-legal realizado à pessoa do Autor por duas peritas em medicina legal (cfr. fls. 1141 a 1149), conjugadamente com as declarações prestadas, num registo objectivo e esclarecedor, pela testemunha Dr. CC, ortopedista, perito em medicina legal, que produziu o relatório de avaliação do dano corporal junto a fls. 21verso a 22 dos autos, na sequência da observação e acompanhamento do Autor e da análise de exames e meios complementares de diagnóstico, datando a última consulta de 24-Set.2014, só podemos acompanhar as ilações retiradas pela Mta. Juíza dos referidos meios de prova no que concerne à factualidade em apreciação.

Na verdade, nenhuma prova foi produzida no sentido de se concluir que o Autor, como sequela decorrente das lesões sofridas no acidente de viação, “ficou impossibilitado de mover o braço direito para trás, nem que nesse movimento o braço só chega ao lado da perna, e abaixo da cintura, não conseguindo meter a camisa no cinto”. E a prova documental médica e pericial produzida não permite concluir que “a incapacidade permanente de que o A. ficou a padecer, na sequência do acidente de viação dos autos o afecta de forma relevante no desempenho da profissão, em virtude das sequelas em ambos os ombros braços e dificuldades de visão.”. No relatório de perícia médico-legal do INMLCF conclui-se que “as sequelas resultantes do evento são compatíveis com o exercício da profissão habitual [6], mas implicam esforços suplementares”, não podendo, assim, falar-se de uma afectação relevante para o exercício da profissão habitual. Acresce que os mencionados meios de prova também não suportam a afirmação sobre a existência de nexo de causalidade médico-legal entre as lesões/sequelas do ombro ou braço direito e o acidente de viação em causa, pois o Autor já tinha sido intervencionado ao ombro direito por quadro de conflito sub-acromial bilateral prévio. Isto mesmo foi asseverado pelo Dr. CC, segundo o qual os exames de imagiologia do Autor já revelavam a existência de patologia degenerativa de ambos os ombros, bem como da coluna cervical (artroses), que foi naturalmente agravada pelo acidente. Relevante ainda que não tenha sido documentado, aquando do internamento hospitalar, traumatismo do ombro direito (ou do ombro esquerdo), sendo que as primeiras queixas apenas surgiram na primeira consulta nos serviços da Ré seguradora, cerca de dois meses após o sinistro (vide relatório do INMLCF, pág. 15). Aliás, no resumo clínico constante da Nota de Alta do Hospital ... (Doc. 7 da PI, a fls. 31 e verso) e no que aos ombros e membros superiores respeita, apenas se menciona “dor à palpação e mobilização do ombro homolateral” decorrente de traumatismo torácico (n.º 2) e “Feridas do membro superior esquerdo que foram suturadas” (n.º 6). Isso mesmo foi dado como provado nas alíneas www.3 e ww.6 dos factos provados. É verdade que o relatório pericial do INMLCF, no capítulo “Discussão”, a págs. 9 e 10, identifica como dano corporal decorrente do acidente de viação “traumatismo do membro superior esquerdo, com escoriações e dor no ombro e cotovelo esquerdo, com défice funcional associado” (n.º 1.6) e estabelece a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano (facto dado como provado sob yy.6) mas ao valorizar esta sequela (dano permanente), a pág. 11 do mesmo relatório, o INMLCF descreveu-as como “Ma 0207: Limitação da mobilidade do ombro esquerdo (membro passivo), com antepulsão e abdução de 110.º, permitindo na mobilidade conjugada levar a mão à nuca, ao ombro oposto e à região dorsal.” Em suma, nada se refere relativamente ao ombro e braço direito. Da documentação médica e relatório do INMLCF consta igualmente que em 02-05-2014 o Autor foi submetido a artroscopia do ombro esquerdo e retomou tratamento de Medicina Física e de Reabilitação (MFR) com melhoria. O Autor foi observado em consulta de ortopedia na companhia de seguros com o Dr. DD, em 14-04-2014, e em 11-08-2014. Nesta, apresentava arco de movimento completo do ombro esquerdo. Em 21-08-2014 foi observado pelo Dr. CC e mostrou-se “muito melhorado dos ombros. Está a fazer MFR”.

Estes meios de prova, pelo seu rigor, objetividade e cientificidade, sobrepõem-se, naturalmente, aos depoimentos pouco esclarecedores e vagos que foram prestados pelas testemunhas EE e FF, amigo e irmão do Autor, respectivamente, que revelaram grande dificuldade em distinguir as lesões e sequelas decorrentes para o Autor do acidente de viação dos autos das que resultaram do assalto e agressão com arma branca de que o mesmo foi vítima em 24-06-2014.

Improcede, portanto, a impugnação, nesta parte (conclusões VI a XIII e XXIV).»


Salvo o devido respeito, tendo em conta o que foi dado como provado, designadamente, nas als. bbb) e ccc) e vista a matéria não provada que se acaba de mencionar, não há margem para questionar, em sede de recurso de revista (dado o disposto no art. 674º, nº 3, primeira parte, do CPC), o que se extrai dessas alíneas, ou seja, que as sequelas descritas em aaa) (com as respectivas subalíneas) determinaram um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica do A. fixável em 10 pontos, sequelas essas compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual do A., embora implicando esforços suplementares.

Com este quadro, estamos colocados no campo do dano biológico, não havendo, desde logo, razões para se autonomizarem os invocados danos futuros que levaram o A./Recorrente a reclamar o dito montante de €25.000,00.

A jurisprudência tem vindo a considerar que se trata de um «dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial» (Ac. do STJ de 03-11-2016 (Rel. Lopes do Rego), Proc. nº 1971/12.0TBLLE.E1.S1, publicado em www.dgsi.pt).


No Ac. do STJ de 25-05-2017 (Rel. Maria da Graça Trigo), Proc. nº 37/13.0TBMTR.G1.S1; considerou-se o seguinte:

«I - O STJ tem admitido, de forma reiterada, que as consequências danosas que resultam da incapacidade geral permanente (“dano biológico”) são, em abstracto, reparáveis como danos patrimoniais, ainda que essa incapacidade não tenha repercussão directa no exercício da profissão habitual, por aquelas poderem compreender igualmente a afectação, em maior ou menor grau, da capacidade laboral para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais.

II - A afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais.

III- Consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão directa no exercício da profissão habitual. Considera-se ainda que o aumento da penosidade e esforço pode ser atendido nesse mesmo âmbito (danos patrimoniais) – e não apenas no âmbito dos danos não patrimoniais –, desde que seja provado que tal aumento de penosidade e esforço tem como consequência provável a redução da capacidade genérica de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas

IV - No domínio dos danos patrimoniais indetermináveis a reparação deve ser fixada segundo juízos de equidade (cfr. art. 566º, nº 3, do Código Civil), dentro dos limites que o tribunal tiver como provados.

V - A atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho – antes da lesão -, tanto na profissão habitual do lesado, assim como em actividades profissionais ou económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências. A estes acresce um outro factor: a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como das actividades profissionais alternativas (tendo em conta as qualificações e competências do lesado).»


No Ac. do STJ de 06-12-2017 (Rel. Tomé Gomes), Proc. nº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt, exarou-se, entre o mais (com destaque nosso, a negrito):

«IV. O dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, incluindo a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer atividades ou tarefas de cariz económico, mesmo fora da atividade profissional habitual, bem como os custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis.

[…]

VI. Neste tipo de situações, a indemnização reparatória não deve ser calculada com base no rendimento anual do lesado auferido no âmbito da sua atividade profissional habitual, já que o sobredito défice funcional genérico não implica incapacidade parcial permanente para o exercício dessa atividade, envolvendo apenas esforços suplementares nesse exercício.

VII. Em tais casos, a solução seguida pela jurisprudência do STJ é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto na capacidade económica do lesado, considerando a expetativa de vida ativa não confinada à idade-limite para a reforma.

VIII. A comparação com os diversos casos já tratados na jurisprudência nem sempre se mostra fácil, dada a multiplicidade de fatores variáveis e as singularidades de cada caso, relevando, em especial, o impacto concreto que determinado grau de défice funcional genérico é suscetível de provocar no contexto da atividade económica que estava ao alcance da iniciativa do sinistrado com a inerente perda de oportunidade de ganho.»


Nestas situações, em que o défice funcional genérico se compatibiliza com a actividade profissional habitual, envolvendo, porém, esforços suplementares, não será ajustado calcular a indemnização com base no rendimento anual do lesado, mas por via da equidade, não havendo, na mesma linha de entendimento, que lançar mão da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, com a actualização da Portaria.º 679/09, de 25 de Junho, tal como exarou no Ac. do STJ de 04-06-2015, Proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1, Rel. Maria dos Prazeres Beleza, publicado em www.dgsi.pt:

«III - O critério fundamental para a fixação, tanto das indemnizações atribuídas por danos patrimoniais futuros (vertente patrimonial do chamado dano biológico) como por danos não patrimoniais (dano biológico e demais danos não patrimoniais), é a equidade.

IV - A utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade. A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.

V - Os critérios seguidos pela Portaria n.º 377/2008, de 26-05, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem ao critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações fixado pelo Código Civil.»


No Ac. do STJ de 21-01-2021, igualmente relatado por Maria dos Prazeres Beleza, Proc. 6705/14.1T8LRS.L1.S1, www.dgsi.pt, no qual se contém um repositório substancial de referências jurisprudenciais sobre esta matéria, escreveu-se, a propósito da aplicação dos juízes de equidade pelo STJ:

«Como o Supremo Tribunal da Justiça observou em outras ocasiões (cfr., por exemplo, os acórdãos de 7 de Outubro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 839/07.6TBPFR.P1.S1, de 28 de Outubro de 2010 www.dgsi.pt, proc. nº 272/06.7TBMTR.P1.S1, em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt proc. nº 381-2002.S1, de 6 de Dezembro de 2017, www.dgsi.pt, proc. n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1, de 23 de Maio de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 1046/15.0T8VNF.P1.S1, de 30 de Maio de 2019, www.dgsi.pt, proc., n.º 3710/12.6JVNF.G1.S1, ou de 19 de Setembro de 2019, já citado), “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se o Supremo Tribunal da Justiça é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio» (acórdão de 28 de Outubro de 2010).

A equidade, todavia, não dispensa a observância do princípio da igualdade; o que obriga ao confronto com indemnizações atribuídas em outras situações. “A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (acórdão de 22 de Janeiro de 2009, proc. 07B4242, www.dgsi.pt). Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição” ( cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 2013, www.dgsi.pt., proc. n.º 2044/06.0TJVNF.P1.S1)».


Impõe-se, assim, que se faça um cotejo com casos similares, apesar da dificuldade de que se reveste uma tal operação, dadas as particularidades de cada caso: ponderação conjugada da idade, grau de défice funcional de que o lesado fica a padecer, função que vinha desempenhando e reflexos na continuação dessa actividade, bem como, nalguns casos, tendo em conta as qualificações e competências do lesado, as limitações, advindas das sequelas, em encontrar alternativas profissionais.

No caso em apreço, o A., nascido em .../.../1963, tinha 50 anos, à data do acidente (que ocorreu em 6 de Julho de 2013), e 51, à data da consolidação médico-legal das lesões (25 de Setembro de 2014), e, como se viu, ficou portador de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 10 pontos.

As sequelas descritas em aaa), decorrentes do acidente (Sa 0112: Status pós fratura da órbita direita, com diplopia monocular; Ma 0207: Limitação da mobilidade do ombro esquerdo (membro passivo), com antepulsão e abdução de 110º, permitindo, na mobilidade conjugada levar a mão à nuca, ao ombro oposto e à região dorsal; Md 0801: Cervicalgia residual e  Sb 0303: Síndrome vertiginoso, por analogia) revelam-se compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual do A., mas implicam esforços suplementares.

A esperança de vida dos homens em Portugal rondará, actualmente, os 78 anos (https://www.ine.pt › ngt_server › attachfileu).

No acórdão recorrido, considerou-se ajustada, para o dano biológico, na vertente de patrimonial, a quantia de €25.000,00.

Vejamos alguns casos (de indemnizações por dano biológico, na dita vertente):

- No Ac. do STJ de 06-01-2021, Proc. 688/18.6T8PVZ.P1.S1, Rel. Fernando Samões, publicado em www.dgsi.pt, atribui-se, à lesada, com 55 anos, considerando-se a esperança média de vida de 83 anos para o sexo feminino, com 5 pontos de défice funcional, compatíveis com o exercício da atividade profissional, mas a implicar esforços acrescidos no uso do membro inferior esquerdo, desempregada, à data do acidente, sendo trabalhadora na área têxtil, o montante de €9 000,00;

- No Ac. do STJ de 29-10-2019, Proc. 7614/15.2T8GMR.G1.S1, Rel. Henrique Araújo, em www.dgsi.pt, atribui-se ao lesado, com 34 anos, com  um défice funcional de 16 pontos por força das lesões sofridas, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (vendedor e empresário de materiais de construção civil e produtos agrícolas), o montante de €36.000,00;

- No Ac. do STJ de 29-10-2020, Proc. 111/17.3T8MAC.G1.S1, Rel. Maria da Graça Trigo, em www.dgsi.pt, atribuiu-se à lesada, professora, com 61 anos, com vencimento mensal base de € 2.230,94, o défice funcional fixado em 9,71 pontos, sendo as sequelas sofridas pela autora, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, mas implicando esforços suplementares, o montante de €32 000,00.

- No Ac. do STJ de 18-03-2021, Proc. 1337/18.8T8PDL.L1.S1, Rel. Ferreira Lopes (e subscrito pelo ora relator como adjunto), também publicado em www.dgsi.pt, foi atribuído à lesada, com 50 anos, médica, que ficou afectada de uma incapacidade permanente parcial de 13 pontos, que, sendo compatível com o exercício da sua profissão habitual, todavia exige maiores esforços físicos, além de ter passado a sofrer de dor crónica e permanente no pé esquerdo, o montante de €45 000,00.

Tendo em conta estes exemplos, considera-se que, no presente caso, o montante atribuído pelo Tribunal da Relação se desvia um pouco dos critérios que emanam, sobretudo, dos dois últimos casos, entendendo-se que o montante de €35 000,00 se revela mais consonante com tais critérios do que o de €25 000,00 arbitrado pela Relação, acrescendo-lhe juros de mora nos termos estabelecidos na sentença (aspecto este mantido pelo acórdão da Relação).



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Sumário (da responsabilidade do relator)


1. Nas situações em que é atribuído ao lesado um défice funcional genérico compatível com a sua actividade profissional habitual, envolvendo, porém, esforços suplementares, estará em causa o chamado dano biológico, que pode envolver uma vertente patrimonial ou uma vertente não patrimonial.

2. No que respeita à vertente patrimonial, não será ajustado calcular a indemnização com base no rendimento anual do lesado, devendo esse cálculo assentar em juízos de equidade.

3. Ao Supremo Tribunal de Justiça compete, neste domínio, verificar se foram ultrapassados os limites dentro dos quais se deve conter o juízo equitativo, procurando, sem prejuízo das especificidades de cada caso, uma uniformização de critérios, à luz do princípio da igualdade, tendo em conta anteriores decisões das quais se possam extrair similitudes e  padrões que venham a ser delineados.



IV


Pelo exposto, concede-se parcial provimento à revista, pelo que se altera o acórdão recorrido, ficando a Recorrida condenada a pagar à Recorrente a quantia de €35 000,00 (trinta e cinco mil euros), a título de indemnização por dano patrimonial futuro, a que acrescem juros de mora nos termos fixados no acórdão recorrido (que, neste aspecto, confirmou o que fora decidido na 1ª Instância).

- Custas por A./Recorrente e R./Recorrida, na proporção do decaimento.



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Lisboa, 3 de Fevereiro de 2022


Tibério Nunes da Silva (relatora)

Maria dos Prazeres Beleza

Fátima Gomes

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[1] Destaque nosso, a negrito.