Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
12422/16.0T8LSB.L1-A.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILICITUDE
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 01/31/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - A obrigação de indemnizar, no plano contratual, integra um conjunto de pressupostos cumulativos, a saber: a prática do facto imputável ao demandado; o seu carácter ilícito e culposo (culpa que se presume nos termos gerais do art. 799.º, n.º 1, do CC); o nexo de causalidade entre o cometimento do ilícito e a produção do correspondente dano para a esfera jurídica do demandante.

II - A presunção prevista no art. 304.º-A, n.º 2, do CVM, na versão anterior à vigência do DL n.º 357-A/2007, de 31-10, constitui apenas uma presunção de culpa e de ilicitude, não abrangendo igualmente a presunção do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.
III - Não havendo, na situação sub judice, ficado provado que os autores, na sua qualidade de investidores, e uma vez cientes da informação que lhe deveria ter sido prestada (ou se o fosse), tomariam então a decisão de não investir, tal como efectivamente fizeram (no desconhecimento dessa mesma informação omitida), tal corresponde à ausência de demonstração da existência de nexo de causalidade entre o facto ilícito cometido pela intermediária financeira e o dano sofrido pelos seus clientes.
III - O que é por si só suficiente para concluir que não se encontram reunidos todos os elementos constitutivos da obrigação de indemnização em que os autores estribavam a sua pretensão, a qual terá forçosamente de fracassar.
IV - Trata-se, aliás, da aplicação a este caso da doutrina firmada no acórdão uniformizador n.º 8/2022, proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no DR, 1.ª Série, de 3-11-2022, rectificado conforme Declaração de Rectificação n.º 31/2022, publicada no DR, 1.ª Série, de 21-11-2022, onde se decidiu “para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”.

Decisão Texto Integral:


Processo nº 12422/16.0T8LSB.L1.S1

 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).

I - RELATÓRIO.
AA, BB, CC e DD instauraram a presente acção de condenação, em processo declarativo comum, contra Banco BIC Português, S.A..
Essencialmente alegaram:
São os únicos e universais herdeiros de EE, esposa do 1º A. e mãe dos 2º, 3º e 4º A.A., sendo todos os A.A. emigrantes em ..., onde residem e trabalham.
O 1º A. e a sua falecida esposa eram pessoas de humilde condição social e pouca instrução escolar e tinham no R., em Abril de 2006, uma aplicação no montante de €99.999,99 que, em 8 de Maio de 2006, alguém desse banco resgatou à sua revelia e, ato contínuo, subscreveu em nome do A. duas “Obrigações SLN 2006”, debitando de imediato tal valor na sua conta de depósitos à ordem, não tendo sido dado a assinar ao 1º A. ou à sua falecida esposa o boletim de subscrição de tais obrigações.
Quando confrontados com o facto consumado o 1º A. e a sua falecida esposa conformaram-se com a actuação ilegítima e abusiva do banco, porque lhes foi afiançado pelos funcionários do banco que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com características semelhantes e sem risco, tendo-lhes sido assegurado que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo banco.
Não lhes foi fornecida nota informativa da operação, desconhecendo os A.A. que se tratava de créditos subordinados.
Em 10 de novembros de 2009, o 1º A. solicitou junto do R. que lhe fosse devolvido o seu dinheiro e pretendeu fazê-lo por escrito, tendo o funcionário do banco, aproveitando-se do facto de o A. já não dominar completamente a língua portuguesa, preenchido tal pedido onde escreveu que solicitava a cedência/venda das “Obrigações SLN 2006”, no valor de €100.000,00, o mais breve possível.
O R. terá assim violado os deveres de informação, lealdade e proteção e constituiu-se na obrigação de indemnizar.
Concluem pedindo a condenação do R. a restituir-lhes a quantia de €107.320,40, acrescida de juros à taxa legal para as operações comerciais, desde a citação e até integral e efetivo pagamento.
Citado, o R. contestou, invocando a ineptidão da petição inicial e a prescrição do direito dos A.A..
No mais, impugna o alegado, dizendo que agiu de acordo com as instruções dos A.A., tendo-lhes explicado as caraterísticas do produto que subscreveram.
Mais alegou que os A.A. receberam os juros devidos até abril de 2015 e que apenas intentaram a ação após a entidade emitente não ter procedido ao reembolso do capital na data devida.
Realizada a audiência de julgamento e discutida a causa, veio a ser proferida sentença que julgou a exceção de prescrição procedente por provada e a acção improcedente por não provada, absolvendo o R. do pedido.
Interpuseram os AA. recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão datado de 18 de Fevereiro de 2020, julgado improcedente a apelação, confirmado a sentença recorrida.
Veio a A. interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:
A.  O tribunal recorrido não deu cabal cumprimento ao douto acórdão deste colendo tribunal de 6 de janeiro de 2020.
B.  O Venerando Tribunal recorrido não deu cumprimento ao disposto no artigo 662.º do C.P.C., pois não teve em devida conta o depoimento do funcionário do Banco réu que vendeu o produto ao autor (a testemunha FF), nem o da testemunha GG (outro funcionário do balcão onde o A. tinha a conta) , nem de igual modo, valorou um documento fundamental para a economia do processo – o documento n.º ...2 da p.i..
C. O documento n.º ...2 da p.i., não foi impugnado pelo Banco réu, pelo que tinha forçosamente de ter sido valorado, segundo as regras do artigo 376.º do C.C.
D. Nomeadamente, tinha de ter sido atribuída força de prova plena às declarações atribuídas ao Banco réu, seu autor – artigo 376.º, n.º 1 do C.C., in fine.
E.  A sentença proferida em 1.ª instância decidiu que: “Considerando as características das Obrigações SLN 2006, acima descritas, as informações fornecidas pelos funcionários do Banco, e as circunstâncias concretas de tempo em que tiveram lugar, temos de concluir que o Banco não violou os deveres de intermediário financeiro e, desde logo, o dever de informação”.
F.  Tal entendimento foi mantido no douto Acórdão da Relação de Lisboa, de 2.4.2019, entretanto anulado pelo douto Acórdão deste Colendo Tribunal, de 6.1.2020, onde se decidiu que: “Considerando as características das Obrigações SLN 2006, acima descritas, as informações fornecidas pelos funcionários do Banco, e as circunstâncias concretas de tempo em que tiveram lugar, temos de concluir que o Banco não violou os deveres de intermediário financeiro e, desde logo, o dever de informação”.
G.        Ao invés, no douto acórdão agora recorrido, mantendo-se praticamente intacta a matéria de facto fixada em 1.ª instância, entendeu-se que: “Em suma, houve incumprimento de deveres típicos de intermediação financeira, sendo o comportamento do r. objetivamente ilícito, encontrando-se indiciados os primeiros dois pressupostos da responsabilidade civil em consideração”.
H. Nos termos do disposto no artigo 674.º, n.º 3 do C.P.C., o erro na apreciação das provas e na afixação dos factos materiais da causa pode ser objeto de recurso de revista quando se verifique a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
I.   O tribunal a quo incorre em completa falta de lógica quando refere que: “FF se sente responsável pelo facto de, se não tivesse contactado com o A. naquela altura, este não teria perdido o seu dinheiro.”, se tivermos em conta as declarações prestadas em audiência de julgamento pela referida testemunha.
J.  Não percebemos também como pode o tribunal a quo manter como não provado que “a Os AA. não tinham realizado no BPN operações de volume significativo nos mercados de valores mobiliários, com a frequência média de, pelo menos, 10 operações por trimestre ao longo dos últimos 4 trimestres” e que “b- Os AA. não tinham uma carteira de valores mobiliários de montante superior a €500.000,00”, quando bastaria atentar nos Docs. ...1 e ...5 da p.i. para aquilatar da veracidade de tais factos…
K.  Estando tais pontos da matéria de facto devidamente documentados, deveriam ter sido os mesmos dado por provados, tanto mais que, segundo as regras de repartição do ónus da prova, competia ao réu Banco réu demonstrar que os autores haviam já realizado quaisquer das operações supra descritas, o que não aconteceu.
L.  Outra enorme contradição do tribunal a quo é manter como não provado que “c Os AA. não tinham prestado funções, pelo menos durante 1 ano, no setor financeiro, numa posição profissional em que seja exigível o conhecimento do investimento em valores mobiliários”, atentos os factos provados (pela 1.ª instância) B), C) e D).
M. Não se pode dar por provado que o primeiro autor e a sua falecida mulher eram pessoas de humilde condição social e que não tinham, qualquer deles, mais do que o ensino primário completo para depois não se dar por provado que os autores não possuíam qualquer conhecimento do investimento em valores mobiliários, muito menos que tinham prestado funções, pelo menos durante 1 ano, no setor financeiro, numa posição em que fosse exigível tal conhecimento.
N.   O princípio da liberdade da apreciação das provas não confere ao julgador uma liberdade plena e ilimitada: tal liberdade tem, forçosamente, de ter por limites a lógica e a racionalidade.
O.   A prolação do douto acórdão recorrido vai contra a jurisprudência constante e quase uniforme do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, bem como deste Colendo Tribunal.
P.   O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa prolatou, entre muitos outros, o Acórdão de 19/04/2018 (HH – ... Secção), proferido no processo n.º 6779/16.... (Acórdão fundamento); o Acórdão de 29/05/2018 (II – ... Secção), proferido no processo n.º 34086/15....; o Acórdão de 19/09/2017 (JJ – ... Secção), proferido no processo n.º 753/16....; o Acórdão de 22/03/2018 (KK – ... Secção), proferido no processo n.º 14202/16....; o Acórdão de 15/03/2018 (HH – ... Secção), proferido no processo n.º 20403/16....; o Acórdão de 20/02/2018 (LL – ... Secção), proferido no processo n.º 13809/16.... e o Acórdão de 18/01/2018 (MM – ... Secção), proferido no processo n.º 3858/15...., em sentido completamente oposto ao agora professado, em causas da mesma natureza e basicamente com os mesmos intervenientes (de um lado, lesados pela venda de obrigações da SLN aos balcões do BPN e do outro o ora réu e recorrido, o Banco BIC).
R. O entendimento professado no douto acórdão agora recorrido colide frontalmente com aquele professado no acórdão fundamento, de 19/04/2018.
S.  Existe uma identidade total entre as causas: obrigações SLN 2006, vendidas, em ambos os casos, no balcão do BPN, de ....
T.  O douto acórdão recorrido está ainda em frontal contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29/05/2018 (II – ... Secção), proferido no processo n.º 34086/15...., em tudo também idêntico ao dos autos, bem como com o douto acórdão deste Colendo Tribunal, datado de 10/04/2018, (NN), proferido no âmbito do Processo n.º 753/16...., e com o douto acórdão também deste Colendo Tribunal, datado de 18.09.2018, (Salreta Pereira), proferido no âmbito do Processo n.º 20329/16.....
U. No caso dos autos, o documento que foi dado a preencher ao primeiro autor era um documento típico de “Depósitos a prazo e de poupança”, do qual constavam as menções “Curto prazo” e “100.000,00” e a data de 5/4/2006, como sendo a data de constituição do depósito.
V.  Nem o primeiro autor nem a sua falecida mulher assinaram, em momento algum, qualquer boletim de subscrição das obrigações dos autos.
W. O Banco réu, numa atitude reprovável, ilícita e dolosa, convenceu o primeiro autor a sua falecida esposa de que haviam subscrito um “depósito a prazo e de poupança”, de “curto prazo”, para, na sua ausência, utilizar o dinheiro que lhe foi confiado na subscrição de duas obrigações SLN 2006, em nome do primeiro autor e da sua falecida esposa, que estes não conheciam, nem pretendiam.
X.  Foi rotundamente falsa a informação prestada pelo Banco réu ao primeiro autor marido e à sua falecida esposa, tendo, assim, violado o dever de informação leal e verdadeira, não correspondendo aos ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, assinalados no n.º 1 do artigo 304.º do C.V.M..
Y.  Foi omitida ao 1º A. e à sua falecida esposa relevante informação que os factos demonstraram ser crucial: o produto não era um depósito a prazo, como aqueles pretendiam, não era seguro, nem o Banco réu, ante a insolvência da SLN, reembolsou os autores, que perderam o valor investido, o que exprime o prejuízo sofrido de €100.000,00.
Z.  Tendo apenas presente os factos já dados por provados em B), C), D), P), X), AA) e CC) na sentença da 1.ª instância, acrescidos do facto dado por provado em S1 do acórdão recorrido, não é aceitável, que se considere, como considerou o Venerando Tribunal recorrido, que o Banco réu incorreu em culpa levíssima.
AA.           O Venerando Tribunal a quo nem se atreveu a graduar a culpa do Banco réu: admite que houve alguma ligeireza.
BB.           O primeiro autor e a sua falecida esposa deram o seu consentimento a posteriori por terem sido enganados pelo Banco.
CC.          O consentimento do lesado não exclui a ilicitude do comportamento do Banco réu, uma vez que tal comportamento foi contrário a uma proibição legal (as disposições imperativas do RGICSF e do CVM, que regulam a atividade do intermediário financeiro).
DD. De igual modo, tal comportamento é completamente atentatório dos bons costumes, pelo que não pode merecer o beneplácito do tribunal.
EE. Não existe abuso de direito, na modalidade de “venire contra facto proprium”, por parte dos autores.
FF. O tribunal não teve presente que os autores, emigrantes semianalfabetos e de humilde condição social, agiram sempre de boa-fé, permanecendo enganados pelos seus interlocutores do Banco, em quem confiavam.
GG. No caso sub judice estamos perante um flagrante caso de abuso do direito, na modalidade de tu quoque, por parte do banco réu.
HH. He who comes into equity must come with clean hands, aquele que viola uma norma jurídica não pode sem abuso exercer a posição jurídica que essa mesma norma lhe confere.
II.  O tribunal recorrido faz a apologia da falácia do apelo à hipocrisia: o banco réu, depois de ter enganado anos afio o 1º A. e a sua falecida esposa sobre a natureza do produto financeiro “Obrigações SLN 2006” quer agora prevalecer da sua posição contratual contra determinado comportamento daqueles, ocorrido em 2009, originado precisamente pelo embuste em que haviam caído.
JJ. O iter logico percorrido pelo tribunal recorrido é revelador de uma completa insensibilidade (diríamos mesmo desvirtuamento) às regras da boa-fé e ao princípio da proteção do consumidor em geral e do investidor não qualificado em particular.
KK. Quanto à verificação do nexo de causalidade, que no caso sub judice se considerou não existir, incorreu o douto acórdão recorrido em manifesta e ostensiva contradição com o entendimento professado no acórdão fundamento.
LL. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
MM. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a contraparte. O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual, impendendo sobre o intermediário financeiro ou Banco, que age nessa veste, presunção de culpa, nos termos do art. 799.º, n.º 1 do Código Civil, sendo claro o n.º 2 do art. 304.º-A do C.V.M. quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação”.
NN. Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente, a falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade. Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado.
OO. Pese embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro se, no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir, em nome desse relacionamento contratual, também o reembolso do capital investido.
PP. Tendo o Banco réu violado o dever de prestar ao primeiro autor e a sua falecida esposa a informação completa, leal e diligente – que os seus deveres profissionais impunham – é ele responsável pela obrigação de indemnizar o prejuízo causado; não só o réu não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impendia, como ficou plenamente demonstrada nos autos a sua culpa efetiva.
QQ. Existindo ilicitude, culpa e dano, consubstanciado este na não recuperação do valor investido que, afinal, não foi garantido pelo Banco, bem como o nexo de causalidade entre a atuação culposa e inadimplente do Banco réu, estão preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar, nos termos do disposto no artigo 483.º, n.º 1 do C.C..
RR. O ónus probatório deve ser distribuído, não por causa da função que os factos desempenham no processo, mas antes em função do conceito de prova mais fácil, atribuindo-o, especificamente, à parte que está casuisticamente em posição mais favorável de o demonstrar.
SS. Este entendimento faz todo o sentido, uma vez que só deste modo, se estimula a efetiva produção de prova e a procura da verdade material, onerando a parte com maior facilidade probatória, bem como se promove a igualdade material entre as partes, dando a ambas maior igualdade na possibilidade de fazerem valer a posição em juízo.
TT. De facto, a parte com maior facilidade probatória pode sempre demonstrar a versão do facto que lhe aproveita e a parte contrária, apesar de ter menor facilidade em provar, pode sempre beneficiar de uma decisão de ónus da prova, caso a outra parte não consiga realizar a prova.
UU. No plano de direito substantivo, só desta forma será possível repor a equivalência subjetiva entre a prestação e a contraprestação contratualmente fixada pelas partes.
VV. Por sua vez, no plano do direito adjetivo, só deste modo será possível garantir a prossecução do princípio da efetividade, do dever de verdade processual e da justa composição do litígio em prazo razoável, enquanto corolários do princípio da celeridade e da economia processuais.
WW. Cabe ao investidor lesado em virtude do incumprimento de um dever de informação por parte do intermediário financeiro, demonstrar a existência desse dever, enquanto sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de que cumpriu cabalmente o dever de informar, de acordo com os padrões enunciados nos artigos 7.º e 312.º do CVM.
XX. A decisão agora posta em crise, para além de consubstanciar uma flagrante injustiça, procede a uma autêntica lavagem, se não mesmo derrogação, do regime da responsabilidade do intermediário financeiro.
YY. Cabe ao Banco algum esforço probatório demonstrativo da irrelevância da omissão do dever de informação na produção dos danos sofridos pelo credor. De outro modo, alimentar-se-ia uma lógica perversa de transferência do risco do negócio do próprio Banco para terceiros a ele alheios; à margem de qualquer vontade livre e esclarecida, situação que o legislador de todo não visou
ZZ. O legislador não visou a instalação da indiferença perante a observância ou a inobservância dos deveres contratuais do Banco.
AAA. Na prática, a decisão recorrida alimenta uma lógica perversa de transferência do risco do negócio do próprio Banco para os clientes, investidores não qualificados, e instala a indiferença perante a observância ou a inobservância dos deveres contratuais do Banco.
BBB. O douto acórdão recorrido, contornando ostensivamente factos notórios vem passar uma esponja e branquear todo um conjunto de crimes perpetrados por OO e PP e companhia.
CCC. A informação prestada pelo Banco/réu, reportada à data em que foi prestada, no que respeita à venda das obrigações da SLN, afinal não era completa, verdadeira, clara nem objetiva, em virtude de já em 2006 a situação do grupo SLN/BPN se encontrar em rutura financeira e os elementos económico-financeiros que apresentavam e serviram de base para a subscrição da emissão de obrigações da SLN eram falsos, estarem viciados e não traduzirem a verdadeira situação económico-financeira do grupo SLN/BPN.
DDD. O impacto da realidade informal, a sua inclusão nas contas da SLN, implicavam capitais próprios negativos, ou seja, o grupo estava tecnicamente falido na data em que foram emitidas as obrigações dos autos.
EEE. Tanto o acórdão recorrido como o suprarreferido acórdão se debruçam sobre a mesma questão fundamental de direito:
FFF. A de saber se existirá culpa levíssima ou, pelo contrário, culpa grave, quando, num caso como o dos autos, o intermediário financeiro vende a um cliente seu obrigações subordinadas da empresa sua dona, instruindo os seus funcionários a entrarem em contacto com os seus melhores clientes, que tivessem dinheiro bastante, para os convidar a subscrever obrigações “SLN 2006”e, posteriormente, a dizerem aos clientes que o produto, não sendo um depósito a prazo, era como se de um depósito a prazo se tratasse, não explicando que se tratava de obrigações subordinadas e nem sequer entregando aos mesmos a nota informativa da operação.
GGG. Coloca-se ainda a questão de saber se, na presença de um acordo entre um Banco e um seu cliente, se deverá presumir a existência de nexo de causalidade entre a ilicitude figurada pela inobservância dos deveres contratuais, nomeadamente, pela violação do dever de informação por parte do 1.º e o dano sofrido pelo 2.º, pela falta de reembolso do capital e dos juros.
Por último, coloca-se também a questão de saber se, no âmbito da responsabilização do intermediário financeiro por violação grosseira dos seus deveres de informação, incide ou não sobre o mesmo o ónus de demonstrar que o dano teria ocorrido ainda que os deveres tivessem sido escrupulosamente cumpridos.
HHH. Os Venerandos Desembargadores que prolataram o acórdão agora posto em crise responderam de modo negativo, enquanto outros deste Colendo Tribunal responderam de modo positivo.
III. Deve presumir-se a existência de nexo de causalidade entre o facto ilícito figurado pela inobservância dos deveres contratuais, nomeadamente, pela violação do dever de informação por parte do Banco e o dano decorrente da falta de reembolso do capital investido e dos juros ao cliente.
JJJ. Num caso como o dos autos (em que temos de um lado um Banco que exerce a intermediação financeira com profissionalidade e, do outro, clientes, investidores não qualificados), as partes, atentos os interesses em jogo e a respetiva condição, não podem ser colocadas em igualdade de posições, no que tange ao esforço probatório de cada uma.
KKK. Demonstrados o dolo e a culpa grave do banco réu, o prazo de prescrição não é o de dois anos, mas sim o de vinte anos.
LLL. O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 581.º, nºs 3 e 4; 607.º, n.ºs 3, 4 e 5 e 662.º, n.º 1 do CPC; 309.º, 312.º; 314.º; 334.º, 340.º, n.ºs 1 e 2; 342.º; 344.º, 376º, n.º 1; 483.º, n.º 1; 563.º e 799.º do Código Civil e nos artigos 7.º; 304.º, n.º 2; 304.º-A; 306.º, 309.º, 310.º, 312.º, 314.º, n.ºs 1 e 2 e 324.º, nº 2, do CVM.
Contra-alegou o Réu pugnando pela improcedência do recurso de revista.
Foi proferido neste Supremo Tribunal de Justiça acórdão da Formação prevista no nº 3 do artigo 672º do Código de Processo Civil, datado de 29 de Setembro de 2020, que admitiu a presente revista excepcional, nos termos do artigo 672º, nº 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil.
  
II – FACTOS PROVADOS.
Encontra-se provados nos autos que:
A) O 1.º A. e a sua falecida esposa eram, há mais de 15 anos, clientes do então BPN, através da agência de ... onde eram titulares de uma conta bancária.
B) Os A.A. são emigrantes em ..., onde residem e trabalham.
C) O 1.º A. e a sua falecida mulher emigraram para ... há quase quatro décadas e lá nasceram os três filhos do casal, ora 2.º, 3.º e 4.º A.A..
D) O 1.º A. e a sua falecida esposa eram pessoas de humilde condição social e com pouca instrução escolar, não tendo, qualquer deles, mais do que o ensino primário completo.
E) Até Novembro de 2008 o BPN – Banco Português de Negócios, S.A. era uma instituição bancária autorizada pelo Banco de Portugal a exercer a sua atividade, funcionando como instituição de crédito e como intermediário financeiro.
F) Até Novembro de 2008 a totalidade do capital social do Banco em causa era detida pela sociedade “BPN, SGPS, S.A.”, a qual, por sua vez, era detida, na íntegra, pela sociedade então denominada “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”.
G) A “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”, hoje denominada “Galilei, SGPS, S.A.” apresentou, no Tribunal da Comarca ..., um Processo Especial de Revitalização, o qual corre seus termos pela ... Secção de Comércio - J4, com o número 22922/15...., tendo sido logo proferido o despacho a que alude o artigo 17.º-C, n.º 3, al. a) do C.I.R.E. e tendo já sido proferida sentença que, declarando encerrado o processo negocial, sem aprovação do Plano de Recuperação, determinou o encerramento do Processo de Revitalização, nos termos do disposto no artigo 17.º-G, n.º 1 e n.º 4 do C.I.R.E.
H) O 1.º A. e a sua falecida esposa depositaram na conta de que eram titulares no banco R. a quantia de €138.750,00 no dia 4 de Abril de 2006.
I) No dia 4 de Abril de 2006 o A. apôs a sua assinatura no documento/impresso do banco BPN, intitulado “Depósitos a prazo e de poupança”.
J) Do referido documento constavam as menções “Curto prazo” e “100.000,00”.
L) Constava ainda do aludido documento, como data de constituição do depósito, o dia “5/4/2006”.
M) No dia 5 de Abril de 2006, foram debitadas na conta de depósitos à ordem do primeiro autor e da sua falecida esposa duas aplicações, uma de €42.749,99 e outra de €99.999,99.
N) Com a data de 10 de Abril de 2006 foi subscrito em nome do 1º A. suas obrigações SLN 2006 no valor nominal de €50.000,00, cada uma.
O) A quantia referida na alínea anterior foi debitada na conta do A. no banco R. no dia 8 de Maio de 2016.
P) O Boletim de subscrição referido em N) não se mostra assinado pelo 1º A. e no local destinado à assinatura do cliente consta “..., 10 de Abril de 2006” e a menção “Conforme Instruções Anexas”.
Q) Os referidos títulos encontram-se, ainda hoje, depositados na carteira de títulos do 1.º A., junto do Banco R..
R) Em 10 de Novembro de 2009, o 1º A. subscreveu o documento junto a fls. 93v, cujo teor se dá por reproduzido.
S) A operação a que se reporta a presente ação foi lançada em Abril/Maio de 2006.
T) A “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.” pagou os juros referentes às obrigações “SLN 2006” Até abril de 2015.
U) O A. sempre recebeu um extrato mensal onde lhe apareciam essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos.
V) A subscrição das obrigações SLN 2006 foi efetuada pelo 1º A. com o conhecimento de que se tratava de obrigações da SLN, a dona do banco, produto com garantia de capital, juros semestrais, com prazo de 10 anos e liquidez por endosso.
X) Foi dito ao A. que não sendo um depósito a prazo era como se de um depósito a prazo se tratasse.
Z) Foi o A. informado que a única forma de obter liquidez, no caso da subscrição das obrigações e se pretendia antes da data do respetivo reembolso, era vender as mesmas endossando-as a um terceiro.
AA) Não foi dada ao 1.º A. ou à sua falecida esposa a nota informativa da operação.
BB) Os documentos necessários à concretização da operação foram assinados pelo 1º A. antes deste ir para ..., após o funcionário do banco em abril de 2006 o ter informado da operação e explicado em que consistia.
CC) Não foi explicado ao 1º A. que se tratava de obrigações subordinadas.
DD) O funcionário do Banco informou o A. de que se tratava de um produto seguro.
Foi dado como não provado que:
O) Todos os funcionários do Banco R. que lidavam com o 1.º A. e a sua falecida esposa sabiam que estes nunca tinham investido na Bolsa, nunca tinham adquirido a qualquer Banco qualquer produto diverso de depósitos a prazo e nunca haviam comprado ou vendido obrigações.
P) E também tinham perfeita consciência de que o 1.º A. e a sua falecida esposa, nunca aceitariam subscrever um produto como aquele caso lhe tivessem explicado as condições de reembolso e a garantia do capital;


III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.
1 – Alegado incumprimento dos deveres de fundamentação da decisão de facto. Pretendida alteração do quadro factual fixado pelo Tribunal da Relação de Lisboa na sequência da impugnação de facto apresentada ao abrigo do disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil. Limitação dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça relativamente à sindicância dos factos, nos termos conjugados dos artigos 662º, nºs 1 e 4, e 674º, nº 3, 1ª parte, 682º, nº 2, 1ª parte, do Código de Processo Civil.
2 – Responsabilidade do intermediário financeiro. Ausência de prova do nexo de causalidade entre o facto praticado pelo Réu e o dano que os AA. acusam. Aplicação do acórdão uniformizador nº 8/2022, proferido no processo nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no Diário da República, Iª Série, de 3 de Novembro de 2022.
Passemos à sua análise:
1 – Alegado incumprimento dos deveres de fundamentação da decisão de facto. Pretendida alteração do quadro factual fixado pelo Tribunal da Relação de Lisboa na sequência da impugnação de facto apresentada ao abrigo do disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil. Limitação dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça relativamente à sindicância dos factos, nos termos conjugados dos artigos 662º, nºs 1 e 4, e 674º, nº 3, 1ª parte, 682º, nº 2, 1ª parte, do Código de Processo Civil.
Entendem os recorrentes que o Tribunal da Relação de Lisboa, na apreciação da sua impugnação de facto que fora apresentada nos termos do artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, não teve em devida conta o depoimento do funcionário do Banco Réu que vendeu o produto financeiro ao A. (a testemunha FF), nem o da testemunha GG (outro funcionário do balcão onde o A. tinha a conta, nem de igual modo valorou um documento fundamental para a economia do processo (o documento nº ...2 junto com a petição inicial) segundo as regras do artigo 376º do Código Civil).
Apreciando:
Contrariamente ao propugnado pelos ora recorrentes, não se vê que o Tribunal da Relação, na tarefa de reapreciação da matéria de facto, tenha cometido qualquer violação no âmbito do direito probatório material, passível de ser conhecida por este Supremo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 674º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Nenhum dos factos dados como provados e não provados, essenciais para o julgamento da causa, implicava a demonstração através de documento dotado de força probatória plena ou tribunal de algum modo contrariou o teor de qualquer documento junto aos autos com tais características e natureza.
Relativamente à apreciação dos depoimentos testemunhais produzidos, a mesma encontra-se subordinada à regra da livre e prudente apreciação do julgador (artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil), sem prejuízo da possibilidade de sua valoração pelo tribunal de 2ª instância que procedeu à audição do registo por gravação daqueles.
Relativamente a esta matéria, e em especial quanto ao mencionado documento nº ...2 junto com a petição inicial (que os recorrentes referem revestir força probatória plena que terá sido desrespeitada pelo Tribunal da Relação), refere-se no acórdão recorrido que:
“Em causa estão os seguintes factos:
«V) A subscrição das obrigações SLN 2006 foi efetuada pelo 1º A. com o conhecimento de que se tratava de obrigações da SLN, a dona do banco, produto com garantia de capital, juros semestrais, com prazo de 10 anos e liquidez por endosso.
«BB) Os documentos necessários à concretização da operação foram assinados pelo 1º A. antes deste ir para ..., após o funcionário do banco em abril de 2006 o ter informado da operação e explicado em que consistia.»
A sentença recorrida, sem discriminar por alíneas, a forma como chegou à sua convicção sobre essa matéria de facto, refere pelo menos o seguinte: «A convicção do tribunal quanto às respostas de teor afirmativo estribou-se na apreciação crítica e conjugada:
«(i) Das declarações das testemunhas
«- FF, que vendeu as Obrigações ao 1º autor, e declarou ter referido a este cliente como referia a todos, que se tratava de obrigações que tinham um risco equivalente a um depósito a prazo. Não sendo um depósito a prazo era como se de um se tratasse e diziam-no porque tratando-se de um produto com capital garantido, remuneração associada, liquidez quado quisessem por endosso, era em semelhante em termos de resultado a um depósito a prazo.
«Diziam que eram obrigações da SLN a dona do banco. Vender SLN era como se fosse o banco.
«A testemunha referiu as concretas circunstâncias em que teve lugar a subscrição do produto, as explicações que forneceu ao 1º autor, o ter sido feita uma aplicação intercalar em abril para que o dinheiro vencesse juros até à compra das obrigações e a assinatura do autor em documentos necessários à concretização da operação sendo que o documento de fls. 92 refere conforme instruções anexas é porque à data a aplicação ainda não estava disponível.
«O 1º autor foi informado e esclarecido e tudo assinou sem problemas e sem qualquer dúvida, confiando que se tratava de um produto seguro.
«A testemunha referiu ainda que para si e para os funcionários do banco o produto era efetivamente tido como um produto seguro sem riscos e um bom produto para aconselhar aos clientes.
«Não se dizia que era uma obrigação subordinada, nem a questão se punha pois tratava-se da SLN; era como estar a vender banco. Disse não se recordar se entregou ou não a ficha técnica sendo certo que só era entregue quando solicitada e sempre que solicitada.
«- GG, funcionário do BPN que não vendeu estas Obrigações, mas vendeu outras e referiu que dizia aos clientes as mesmas coisas que a anterior testemunha referiu, esclarecendo que referiam capital garantido querendo dizer que no fim do prazo o cliente tinha direito ao capital que tinha investido, como se fosse um depósito a prazo.
«Mais referiu que não se dizia expressamente que o banco é que ia pagar.
«O depoimento das testemunhas que eram funcionários do banco afigurou-se-nos credível, sóbrio, prestado de forma clara, sem subterfúgios, explicando que naquele tempo não duvidavam da solidez do produto, da SLN ou do banco. Os próprios funcionários acreditavam que se tratava de um produto, seguro, sem riscos, um bom produto, com bons resultados. Não quiseram enganar os clientes, agiram de boa-fé.»
Os Recorrentes entendem que os factos agora em menção deveriam ser dados por não provados, porque o boletim de subscrição das obrigações SNL 2006 não foi preenchido pelo A., ou pela sua falecida esposa, mas por alguém do banco, que apôs a menção “Conforme Instruções Anexas” (doc. ...3 da p.i.).
Por outro lado, o documento n.º ...1, intitulado “Depósitos a prazo e poupanças” foi subscrito pelo 1.º A., mas seria abusivo dar por provado que o A. deixou assinados todos os documentos necessários à concretização da operação antes de se ausentar para ....
O Recorrido limita-se a realçar que os factos dados por provados resultaram diretamente do depoimento da testemunha QQ, que aos minutos 24:00 do seu depoimento disse: «Não é verdade que eu o tenha enganado, e também é verdade que ele deixou os documentos assinados antes de se ausentar para ...» (v.g. transcrição a fls 241 verso – pág. 27).
E, de facto, é com base neste depoimento testemunhal que se pode sustentar a matéria de facto visada impugnar pelos Recorrentes, conjugado precisamente com os documentos de fls 91 verso (que os Recorrentes agora identificam como doc. n.º ...1, mas que sobre o mesmo apuseram o n.º 12) e fls 92 (doc. ...3 da petição inicial).
Aliás, mesmo na versão apresentada pelos A.A. na petição inicial, estes não põem em causa que se conformaram com as operações, embora sustentem que as mesmas foram realizadas à sua revelia. Assim, o que este depoimento testemunhal vem evidenciar é apenas o facto de, não só o A. queria subscrever o produto financeiro em causa, como não seria verdade que a subscrição foi feita à sua revelia. Pelo contrário, a subscrição resultou duma operação por si conhecida e querida realizar, tendo para o efeito deixado instruções assinadas, traduzidas nomeadamente no documento de fls 91 verso. Portanto, temos suporte documental e testemunhal dos factos provados, não se justificando alterar nessa parte a matéria de facto provada na sentença recorrida”.
Ora, esta desenvolvida e convincente explicação, tal como foi devidamente explanada no acórdão recorrido, afasta, por si só, qualquer possibilidade de o documento referenciado (nº 12 junto com a petição inicial) impor imperativamente prova diversa daquela que foi afirmada em 1ª instância e confirmada pelo Tribunal da Relação em sede de reapreciação da matéria de facto.
De resto, a total e absoluta conformação dos AA. com a subscrição dos produtos financeiros em causa – que lhes trouxeram consideráveis proventos ao longo de anos, no que diz respeito à sua especial rentabilidade – afasta naturalmente a conclusão que os recorrentes pretendiam extrair do teor do documento mencionado.
Quanto ao mais, os recorrentes pretendem fundamentalmente que o Supremo Tribunal de Justiça aprecie, fiscalize e censure, modificando, a reapreciação do conjunto dos factos dados como provados e não provados que foi oportunamente realizada pelo Tribunal da Relação de Lisboa no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662º do Código de Processo Civil, na sequência do conhecimento (e improcedência) da impugnação de facto apresentada nos termos do artigo 640º do Código de Processo Civil.
Ora, o Supremo Tribunal de Justiça não detém poderes para operar tal sindicância conforme expressamente resulta dos artigos 662º, nºs 1 e 4, e 674º, nº 3, 1ª parte, 682º, nº 2, 1ª parte, do Código de Processo Civil.
Havendo o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão recorrido, reanalisado criticamente toda a prova produzida junto do juiz a quo, servindo-se para o efeito dos elementos constantes dos autos (testemunhais e documentais), tendo de forma conclusiva emitido o seu juízo de facto autónomo, haverá que concluir que a 2ª instância actuou no pleno exercício dos seus poderes jurisdicionais em matéria de facto, sendo assim o seu veredicto neste particular definitivo e insindicável.
 Pelo que improcede a revista neste ponto.
2 – Responsabilidade do intermediário financeiro. Ausência de prova do nexo de causalidade entre o facto praticado pelo Réu e o dano que os AA. acusam. Aplicação do acórdão uniformizador nº 8/2022, proferido no processo nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no Diário da República, Iª Série, de 3 de Novembro de 2022.
Cumpre, em primeiro lugar, salientar que, sobre a temática em apreço (responsabilidade do intermediário financeiro na promoção e venda de obrigações do BPN/SLN aos seus clientes) foi proferido o acórdão uniformizador nº 8/2022, no processo nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no Diário da República, Iª Série, de 3 de Novembro de 2022, rectificado conforme Declaração de Rectificação nº 31/2022, publicada no Diário da República, 1ª Série, de 21 de Novembro de 2022, no sentido seguinte:
«1 — No âmbito da responsabilidade civil pré -contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º, n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto -Lei n.º 357 -A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.
2 — Se o Banco, intermediário financeiro — que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em ‘produtos de risco’ — informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o ‘reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco’), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.
3 — O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.
4 — Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.»
Ora, entende-se dever seguir e perfilhar a doutrina firmada neste acórdão, aceitando e aplicando a jurisprudência assim uniformizada à situação sub judice, com todas as inerentes consequências no plano jurídico.
Discute-se nos autos precisamente a responsabilidade de um determinado intermediário financeiro – O BNP e actualmente o BIC – relativamente à forma concreta como e colocou junto dos seus clientes, ora AA., determinado produto financeiro – “Obrigação SLN 2006” -, levando-os à sua aceitação (pela conformação prática) no pressuposto de que existiria garantia de reembolso do capital.
Nos termos do artigo 289º do Código de Valores Mobiliários, na versão aplicável:
“1 – São actividades de intermediação financeira:
a) Os serviços de investimento em valores mobiliários;
b) Os serviços auxiliares dos serviços de investimento;
c) A gestão de instituições de investimento colectivo e o exercício das funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições.
2 – Só os intermediários financeiros podem exercer, a título profissional, actividades de intermediação financeira”.
O regime que regula a actividade do intermediário financeiro consta do Código de Valores Mobiliários, sendo aplicável in casu a versão anterior à do Decreto-lei nº 357-A/2007, de 31 de Outubro, atendendo a que os produtos financeiros foram subscritos em 4 e 10 de Abril de 2006.  
Esta responsabilidade do intermediário financeiro assenta fundamentalmente, portanto, em termos gerais, no preceituado no artigo 304º-A, do Código de Valores Mobiliários, vigente à data da subscrição do produto financeiro – em 2006 – (e correspondente ao artigo 314º, na versão original do Código), revestindo natureza contratual.
Previa-se nesse preceito:
«1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.».   
Por sua vez, o artigo 321º do Código de Valores Mobiliários (CVM), destinado aos denominados investidores não qualificados, estipula relativamente ao regime a que se encontram submetidos os contratos de intermediação financeira:
“1 - Nos contratos sujeitos a forma escrita que sejam celebrados com investidores não qualificados, só estes podem invocar a nulidade resultante da inobservância de forma.
2 - Para o efeito de aplicação do regime sobre cláusulas contratuais gerais, os investidores não qualificados são equiparados a consumidores.
3 - Nos contratos de intermediação celebrados com investidores não qualificados residentes em Portugal, para a execução de operações em Portugal, a aplicação do direito competente não pode ter como consequência privar o investidor da protecção assegurada pelas disposições do presente capítulo e da secção III do capítulo I sobre informação, conflito de interesses e segregação patrimonial”.
Já no que concerne à qualidade da informação ao prestar ao investidor, o artigo 7º, do Código de Valores Mobiliários (CVM) , segundo a versão então vigente, referia que:
“1 - Deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.
2 - O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.
3 - O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.
4 - À publicidade relativa a valores mobiliários e a actividades reguladas neste Código é aplicável o regime geral da publicidade”.
Segundo, ainda, o disposto no artigo 305º do Código de Valores Mobiliários (CVM):
“1 - No exercício da sua actividade, o intermediário financeiro deve assegurar elevados níveis de aptidão profissional.
2 - O intermediário financeiro deve manter a sua organização empresarial equipada com os meios humanos, materiais e técnicos necessários para prestar os seus serviços em condições adequadas de qualidade e de eficiência e por forma a evitar procedimentos errados ou negligentes”.
Estabelece, por seu turno, o artigo 312º do Código de Valores Mobiliários (CVM):
“1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:
a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;
b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;
(...)
2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral”.
Acresce que nos termos do artigo 304º do Código de Valores Mobiliários (CVM), então vigente:
«1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. 3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar. (...)
5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efetivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das atividades de intermediação».
O que significa que sobre o intermediário financeiro impendem especiais e qualificados deveres que decorrem dos princípios gerais boa-fé, nomeadamente no que se refere aos imperativos de lealdade e transparência.
Finalmente, o artigo 324.º, n.º 1, do Código de Valores Mobiliários (CVM) determina que: “São nulas quaisquer cláusulas que excluam a responsabilidade do intermediário financeiro por actos praticados por seu representante ou auxiliar”.
Complementa este quadro geral de protecção dos direitos dos investidores em geral, o disposto no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (vulgo RGICSF), onde pode ler-se:
 “As instituições de crédito devem assegurar, em todas as actividades que exerçam elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência” (respectivo artigo 73º).
Nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados” (respectivo artigo 74º).
 “Os membros dos órgãos de administração das instituições de crédito, bem como as pessoas que nelas exerçam cargos de direção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos depositantes, dos investidores e dos demais credores” (respectivo artigo 75º).
Em consonância com os factos dados como provados, pode descrever-se a situação em apreço nos termos seguintes:
 No dia 4 de Abril de 2006 o A. apôs a sua assinatura no documento/impresso do banco BPN, intitulado “Depósitos a prazo e de poupança” e do referido documento constavam as menções “Curto prazo” e “100.000,00”, constando ainda do aludido documento, como data de constituição do depósito, o dia “5/4/2006”.
No dia 5 de Abril de 2006, foram debitadas na conta de depósitos à ordem do primeiro autor e da sua falecida esposa duas aplicações, uma de €42.749,99 e outra de €99.999,99.
Com a data de 10 de Abril de 2006 foi subscrito em nome do 1º A.  obrigações SLN 2006 no valor nominal de €50.000,00, cada uma, quantia que foi debitada na conta do A. no banco R. no dia 8 de Maio de 2016.
O Boletim de subscrição não se mostra assinado pelo 1º A. e no local destinado à assinatura do cliente consta “..., 10 de abril de 2006” e a menção “Conforme Instruções Anexas”.
Os referidos títulos encontram-se, ainda hoje, depositados na carteira de títulos do 1.º A., junto do Banco R..
Em 10 de Novembro de 2009 o 1º A. subscreveu o documento junto a fls. 93v, cujo teor se dá por reproduzido.
A operação a que se reporta a presente acção foi lançada em Abril/Maio de 2006.
A “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.” pagou os juros referentes às obrigações “SLN 2006” até Abril de 2015.
O A. sempre recebeu um extrato mensal onde lhe apareciam essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos.
A subscrição das obrigações SLN 2006 foi efetuada pelo 1º A. com o conhecimento de que se tratava de obrigações da SLN, a dona do banco, produto com garantia de capital, juros semestrais, com prazo de 10 anos e liquidez por endosso.
Foi dito ao A. que não sendo um depósito a prazo era como se de um depósito a prazo se tratasse.
Foi o A. informado que a única forma de obter liquidez, no caso da subscrição das obrigações e se pretendia antes da data do respetivo reembolso, era vender as mesmas endossando-as a um terceiro.
Não foi dada ao 1.º A. ou à sua falecida esposa a nota informativa da operação.
Os documentos necessários à concretização da operação foram assinados pelo 1º A. antes deste ir para ..., após o funcionário do banco em Abril de 2006 o ter informado da operação e explicado em que consistia.
Não foi explicado ao 1º A. que se tratava de obrigações subordinadas.
O funcionário do Banco informou o A. de que se tratava de um produto seguro.
Apreciando:
Perante os factos como provados, concorda-se inteiramente com o acórdão recorrido quando neste se afirma ter ocorrido, por parte do Banco Réu (BPN/SLN) a violação dos deveres de informação, clara e completa, enquanto intermediário financeiro, face ao seu cliente, na qualidade de investidor não qualificado.
Conforme se afirma no aresto:
“Como foi o R. quem tomou a iniciativa de aconselhar o A. na realização deste investimento, inevitável é que deveria fazer como gestor criterioso, preocupado com a salvaguarda do património alheio como se fosse seu, devendo não conduzir os seus clientes para situações que lhes causassem prejuízo, devendo informá-los de todos os riscos relevantes, não fornecendo informações incorretas ou incompletas, por forma a que os mesmos pudessem formar a sua vontade de forma conscienciosa, esclarecida e fundamentada.
Portanto, mesmo que o Art. 312.º n.º 1 do CVM, na sua versão anterior às alterações legislativas introduzidas pelo Dec.Lei n.º 527-A/2007 de 31/10 se pudesse aplicar unicamente ao “contrato-quadro e intermediação” – que o Recorrente denomina de “contrato de cobertura” –, os deveres de informação relativos a investimentos concretos e, em particular, às características e riscos dos produtos financeiros que o R. aconselhou ao A., sempre poderiam ser encontrados nos Art.s 304.º e 305.º, em termos gerais, e no Art. 7.º do CVM, em particular.
Isto sem prejuízo da convocação para o caso do disposto no Art. 762.º n.º 2 do C.C. e nos Art.s 73.º, 74.º e 76.º do RGICFS.
Em suma, houve incumprimento de deveres típicos de intermediação financeira, sendo o comportamento do R. objetivamente ilícito, encontrando-se indiciados os primeiros dois pressupostos da responsabilidade civil em consideração”.
A culpa do intermediário financeiro, tratando, como já referido, de responsabilidade contratual presume-se, nos termos do artigo 799.º do C.C. e do 304.º-A, n.º 2, do Código de Valores Mobiliários na versão então vigente.
Ou seja, encontra-se inequivocamente demonstrado o carácter ilícito e culposo da conduta do intermediário financeiro em causa.
De todo o modo, a constituição da obrigação de indemnizar, no plano contratual, integra um conjunto de pressupostos cumulativos absolutamente imprescindíveis, a saber: a prática do facto imputável ao demandado; o seu carácter ilícito e culposo (culpa que se presume nos termos gerais do artigo 799º, nº 1, do Código Civil); o nexo de causalidade entre o cometimento do ilícito e a produção do correspondente dano para a esfera jurídica do demandante.
Ora, na situação sub judice, não ficou provado que os AA., na sua qualidade de investidores, e uma vez cientes da informação que lhes deveria ter sido prestada (ou se o fosse), tomariam então a decisão de não investir, tal como efectivamente fizeram (no desconhecimento dessa mesma informação omitida).
O que significa que não provaram os AA. que, sendo-lhes fornecida a informação clara e completa acerca do produto financeiro em causa, recusariam nessas circunstâncias aceitá-lo.
Com efeito, refere-se a este respeito no acórdão recorrido, no plano da afirmação da matéria de facto e âmbito do conhecimento da impugnação apresentada pelos AA. ao abrigo do artigo 640º, do Código de Processo Civil, quanto à (in)existência do nexo de causalidade que agora se questiona:
Do facto não provado “p”.
De seguida, os Recorrentes põem em causa o facto não provado que identificámos pela letra “p”, do qual consta que: «E também tinham perfeita consciência de que o 1.º A. e a sua falecida esposa, nunca aceitariam subscrever um produto como aquele caso lhe tivessem explicado as condições de reembolso e a garantia do capital»
Sucede que, de nenhuma das transcrições feitas pelos Recorrentes dos depoimentos das duas testemunhas ouvidas em audiência de julgamento resulta sequer qualquer menção a este facto. Pelo contrário, do depoimento de FF resulta que o mesmo verbalizou ter esclarecido previamente o A. os aspetos essenciais do produto em causa, não decorrendo daí dúvidas sobre o circunstancialismo que rodeou a subscrição das “obrigações”, tal como foi dado por provado”.
Não dispondo o Supremo Tribunal de Justiça poderes para operar a modificação da decisão de facto, por ausência de fundamento legal para a sua sindicância, o juízo de facto autónomo emitido pelo Tribunal da Relação é definitivo e insindicável.
O que é por si só suficiente para se concluir pela ausência de prova da existência de nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, o que constitui um elemento imprescindível para a constituição da obrigação de indemnização.
Ou seja, é inevitável a afirmação de que não se encontram reunidos in casu todos os elementos constitutivos da obrigação de indemnização em que os AA. estribavam a sua pretensão.
É o que resulta aliás directamente da aplicação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 8/2022, de 3 de Novembro, proferido no processo nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no Diário da República nº 212/2022, Série I, de 3 de Novembro de 2022, no qual não se considerou que o nexo causal entre o facto e o dano estivesse abrangido pela presunção do artigo 799º, nº 1, do Código Civil, não competindo, em consequência, ao intermediário financeiro provar, no caso de incumprimento dos seus deveres de informação, que o investidor teria tomada a mesma decisão que, sem essa informação clara e completa, tomou.
(sublinhado nosso)
O que significa que a presunção prevista no artigo 304º-A, nº 2, do Código de Valores Mobiliários, na versão anterior à vigência do Decreto-lei nº 357-A/2007, de 31 de Outubro, é apenas, segundo este entendimento prevalecente no Pleno do Supremo Tribunal de Justiça, uma presunção de culpa e ilicitude, não abrangendo igualmente a presunção do nexo de causalidade.
(No mesmo sentido, seguindo a orientação firmada pelo citado acórdão uniformizador de jurisprudência e provocando a improcedência dos pedidos em acções judiciais absolutamente similares à presente, vide, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 2022 (relatora Ana Paula Boularot), proferido no processo nº 1559/18.1T8LSB.L2.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 2022 (relatora Fátima Gomes), proferido no processo nº 969/18.9T8SRT.E1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 2022 (relator Fernando Batista), proferido no processo nº 1538/17.0T8LRA.C1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 2022 (relatora Graça Trigo), proferido no processo nº 2843/18.0T8VIS.C1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 2022 (relator António Magalhães), proferido no processo nº 90/18.2T8PVZ.P1.S2; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 2022 (relator Manuel Capelo), proferido no processo nº 3328/17.1T8STR.E2.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 2022 (relatora Maria Olinda Garcia), proferido no processo nº 10438/16.6T8LSB.L1.S2; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 2022 (relator Oliveira Abreu), proferido no processo nº 14062/16.5T8LSB.L1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2022 (relator Tibério Silva), proferido no processo nº 3904/19.3T8LSB.L1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Dezembro de 2022 (relator Aguiar Pereira), proferido no processo nº 29121/18.1T8LSB.L1.S1, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2023 (relator Nuno Pinto de Oliveira), proferido no processo nº 761/16.5T8PVZ.P1.S1, todos publicados in www.dgsi.pt).
Em suma, em consonância com o elenco dos factos dados como provados e não provados, os AA. não lograram produzir a necessária prova da verificação da existência de nexo de causalidade entre facto ilícito e culposo em que a Ré intermediária financeira incorreu e o dano sofrido pelos AA. investidores, o que conduz inexoravelmente ao fracasso da sua pretensão.
Pelo que a revista será negada, com a confirmação do acórdão recorrido.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) negar a revista.
Custas pela recorrente.
 
Lisboa, 31 de Janeiro de 2023.

Luís Espírito Santo (Relator)
Ana Resende
Maria José Mouro

                                            
V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.