Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
589/13.4TBFLG.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS FUTUROS
DANO BIOLÓGICO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO ESTÉTICO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
Data do Acordão: 12/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
-A. Varela, Código Civil Anotado, 4.ª edição, Volume I, p. 501.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 671.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 20-05-2010, PROCESSO N.º 103/2002.L1.S1;
- DE 11-11-2010, PROCESSO N.º 270/04.5TBOFR.C1.S1;
- DE 06-12-2011, PROCESSO N.º 52/06.TBVNG.G1.S1;
- DE 31-01-2012, PROCESSO N.º 875/05.7TBILH.C1.S1;
- DE 31-05-2012, PROCESSO N.º 14143/07.6TBVNG.P1.S1;
- DE 10-10-2012, PROCESSO N.º 632/2001.G1.S1;
- DE 15-09-2016, PROCESSO N.º 492/10.0TBBAO.P1.S1;
- DE 06-07-2017, PROCESSO N.º 344/12.9TBBAO.P1.S1;
- DE 06-12-2017, PROCESSO N.º 1509/13.1TVLSB.L1.S1.
Sumário :
I - Não se verifica a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista “normal”, nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC, quando, apesar de reconhecido pelas instâncias o direito do autor às indemnizações pelo dano biológico e pelos danos não patrimoniais, o acórdão recorrido reduziu o quantum indemnizatório a pagar pela ré, seguradora, ao autor, subsistindo divergências no tocante ao valor a arbitrar para ressarcimento dos danos em causa.

II - O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.

III - Resultando da factualidade provada que o autor, em consequência do acidente de viação de que foi vítima: (i) sofreu diversas fracturas dos membros superiores e inferiores; (ii) apresenta diversas sequelas, designadamente, rigidez, limitações e cicatrizes nalguns membros; (iii) ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 20 pontos, sendo tais sequelas compatíveis com o exercício da sua actividade habitual mas implicam esforços suplementares; (iv) terá de ser submetido a novas intervenções cirúrgicas à mão direita e ao tornozelo esquerdo e a tratamentos de fisioterapia; (v) tinha 34 anos de idade na data do acidente; (vi) exercia as funções de enfermeiro num centro hospitalar e num hospital privado e auferia, em média, o total de € 2 010 líquidos mensais; (vii) tem dificuldades em levantar, deitar, dar banho e fazer transferência de doentes; (viii) sente dificuldades na condução automóvel e não consegue fazer as caminhadas que antes fazia, e deixou de jogar futebol e de andar de bicicleta, tem-se como adequado e equitativo fixar a indemnização pelo dano biológico em € 90 000.

IV - Ficando, ainda, provado que o autor: (i) teve ser sujeito a diversas intervenções cirúrgicas; (ii) permaneceu diversos períodos internado; (iii), apresenta um dano estético de grau 3, o quantum doloris é fixável no grau 5 e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é de grau 3 (em escalas crescentes até 7); (iv) antes do embate era uma pessoa autónoma, trabalhadora e bem-disposta e agora sente-se limitado, em termos pessoais e profissionais; (v) sabe que o seu estado não melhorará e isola-se em casa, sentindo desgosto por não mais conseguir fazer caminhadas, jogar futebol e andar de bicicleta; (vi) aquando do internamento, e quando se encontrava manietado de pernas e mãos, nasceu o seu filho, sem que lhe pudesse pegar ao colo, tem-se por adequada e quantitativa a indemnização fixada pela Relação a título de danos não patrimoniais no valor de € 30 000.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I. Relatório:

       AA, intentou a presente acção, sob a forma de processo ordinário, contra BB - Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia total de € 249.670,00, sendo € 209.670,00 de danos patrimoniais e € 40.000,00 de danos não patrimoniais, acrescidos dos juros à taxa legal contados desde a citação até efectivo pagamento. Peticionou ainda o pagamento das quantias referentes ao agravamento de IPG (danos patrimoniais e não patrimoniais), operações cirúrgicas futuras, tratamentos fisiátricos subsequentes às mesmas, tratamentos fisiátricos para evitar o agravamento e manutenção de funcionalidade, transportes para tratamentos de fisiatria, danos não patrimoniais inerentes a operações e tratamentos, bem como perdas salariais daí decorrentes, em valor a liquidar ulteriormente.

        Para tanto, alegou que no dia 27 de Maio de 2011, pelas 07:40 horas, na Av. Dr. Ribeiro de Magalhães, ocorreu um acidente de viação exclusivamente imputável ao condutor do veículo "SC" por ter atuado com negligência ao efectuar uma manobra de mudança de direcção e cortar a linha de marcha do veículo conduzido pelo autor quando este estava no entroncamento. Mais alegou que aquele condutor transferiu a sua responsabilidade civil para a ré por contrato de seguro.

Na contestação a ré admitiu a responsabilidade do seu segurado, mas alegou que a indemnização peticionada é exagerada, a qual deveria ser arbitrada em conformidade com a prova produzida.

A final proferiu-se a seguinte decisão:

«Pelo exposto decide-se julgar parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:

a) condenar a ré, BB - Companhia de Seguros S.A., a pagar ao autor, AA, a quantia de € 155.670,00 pelos danos patrimoniais sofridos, acrescido dos juros legais, contados desde a citação até integral pagamento.

b) condenar a ré, BB - Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao autor, AA, a quantia de € 25.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescido dos juros legais, contados a partir da presente data.

c) relegar para liquidação de sentença, o custo das operações cirúrgicas futuras, dos tratamentos fisiátricos subsequentes às mesmas, tratamentos fisiátricos para evitar o agravamento e manutenção de funcionalidade, transportes para tratamentos de fisiatria, danos não patrimoniais inerentes as operações e tratamentos e, bem assim perdas salariais daí decorrentes que o autor venha a sofrer, em conformidade com o disposto nos arts. 566°, nº 3 do C.Civil e 609°, nº 2 do C.P.C..

d) absolver a ré BB - Companhia de Seguros, S.A., do restante pedido contra si deduzido».


Desta decisão apelaram a ré e o autor, este subordinadamente.

O Tribunal da Relação, dando parcial provimento aos recursos decidiu:

«condena-se a ré a pagar ao autor as quantias de € 75.000,00 (dano biológico) e de € 30.000,00 (danos não patrimoniais), com juros à taxa legal desde a decisão da 1ª instância até efectivo pagamento, mantendo-se a decisão recorrida quanto ao mais (designadamente na condenação da ré no pagamento da quantia de € 670,00 com juros desde a citação).

Custas pelos recorrentes na proporção do decaimento».


Inconformado, recorreu o autor de revista, aduzindo na respectiva alegação as seguintes conclusões:

«1 - O presente recurso tem única e exclusivamente que ver com três pontos, a saber:

1 - O valor da indemnização arbitrada ao A. a título de IPG [Dano Biológico];

2 - A data a partir da qual devem ser contados os juros de mora sobre a indemnização fixada a título de IPG;

3 - O valor da indemnização arbitrada ao A. a título de danos não patrimoniais;

2 - Considerou o tribunal ora recorrido ser de reduzir o valor indemnizatório encontrado pelo tribunal de primeira instância para ressarcir o A. pelos prejuízos emergentes da IPG de que ficou a padecer, fixando tal valor nos 75.000,00€ valor que se mostra manifestamente insuficiente para ressarcir o A. em razão da incapacidade de que ficou a padecer.

3 - Desde logo, importa recordar que a IPG não desaparece com o final da vida activa... ela perdura para lá dessa idade acompanhando os sinistrados, no caso o A., até final da sua vida que se estima dure pelo menos até aos 80 anos. - Cfr. Douto Ac. STJ de 16/0Í/2014 in www.stj.pt;

4 - A perda de capacidade de ganho acaba também por se reflectir patrimonialmente após o fim da vida activa dos sinistrados.

5 - A capacidade de ganho do A. sofreu forte afectação quer ao nível da actividade profissional que o mesmo desempenhava na altura quer ao nível de qualquer outra actividade que o mesmo venha a desempenhar, seja ela de carácter profissional ou não.

6 - O A. aos 34 anos, enquanto enfermeiro tinha um ganho líquido superior a 2.000,00€ por mês, ou seja, de pelo menos 28.000,00€ por ano, tendo ficado afectado de uma IPG de 20 pontos que o afecta de forma séria no desempenho profissional obrigando-o a esforços suplementares reduzindo a sua produtividade de forma acentuada.

7 - Recorda-se que, "sendo o direito à integridade física um direito fundamental - e conhecido que é o regime da aplicabilidade directa de tutela de tais direitos mesmo no âmbito das relações jurídico-privadas, sem necessidade de qualquer mediação legislativa ordinária (art. 18º da CRP) - bem se compreende como a autonomização do dano corporal em sentido estrito, no âmbito da dogmática juscivilística, mais não faz, em rigor, que aprofundar uma exigência de matriz constitucional" (Álvaro Dias, Dano Corporal - Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, págs. 399 e 400), não surpreendendo que a lesão do direito que cada um de nós tem à sua saúde e integridade corporal seja fonte de uma obrigação de indemnização autónoma, a suportar pelo autor do facto ilícito e danoso em benefício de quem viu o seu corpo "diminuído", independentemente de quaisquer consequências pecuniárias (que até poderão não existir) ou das dores, do desgosto ou de qualquer outro sofrimento que, com isso, padeça.

8 - Quando ponderamos a reparação da "afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo as familiares, sociais, de lazer e desportivas", estamos a aferir prejuízos que consubstanciam danos não patrimoniais, que se podem resumir na genérica diminuição da capacidade de fruir a vida com a mesma qualidade.

9 - “as dificuldades na avaliação e reparação deste dano são várias e começam a  surgir desde logo no que se refere ao significado de "incapacidade permanente", persistindo ainda alguns equívocos nesta matéria”, sendo fundamental a harmonização da prática dos tribunais com a avaliação do dano feita no âmbito da Medicina Legal, de acordo com a nova Tabela.

10 - Como não patrimoniais, deverão tais danos ser objecto de compensação a fixar com recurso à equidade e tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência (art.ºs 496º, nº 3, e 494º do Cód. Civil), sempre com o objectivo, não de se reconstituir a situação que existiria caso não tivesse ocorrido a lesão - como se impõe fazer ao nível dos danos patrimoniais -, mas antes de se proporcionar uma satisfação adequada ao lesado (ponderando, dentro desse quadro, o factor rendimento auferido pelo lesado).

11 - Assim, apenas o prejuízo funcional que implique uma perda de capacidade de ganho - ainda que meramente previsível - corresponderá a um dano patrimonial, esse sim avaliável em função da remuneração auferida pelo lesado, sendo, portanto, necessário que se autonomize, em termos médico-legais, esse prejuízo.

12 - A aludida autonomização é, agora, feita, em termos médico-legais e de acordo com a referida Tabela, através do denominado "Rebate Profissional", que, como se sublinha no aludido estudo de "Avaliação do Dano Pessoal", corresponde ao rebate do défice funcional no exercício da actividade profissional da vítima à data do evento e (ou) à data da perícia, no caso, compatibilidade com o exercício da actividade profissional mas implicando esforços suplementares no exercício da actividade profissional;

13 - Não é imprescindível que o lesado passe a auferir um salário inferior em consequência da incapacidade sofrida, para que o dano biológico seja indemnizado como dano patrimonial é necessário (e bastante) que tal incapacidade "constitua uma substancial restrição às possibilidades/oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, assim, fonte actual de futuros lucros cessantes", como se escreveu no Ac. da Relação do Porto de 27.02.2012.

14 - Nos casos em que não há diminuição do estatuto remuneratório profissional, há que avaliar, em concreto, da previsibilidade da verificação de uma perda patrimonial futura, quer através da repercussão na carreira, nos aumentos de produção e produtividade, quer, ainda, na perda de capacidade competitiva num mercado de trabalho cada vez mais caracterizado pela precariedade do emprego e pela preterição dos mais fracos (leia-se, no que para a determinação da indemnização interessa, mais condicionados por sequelas físicas ou psíquicas decorrentes do sinistro).

15 - "Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais - mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado - constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais" (cfr. Acórdão do STJ de 10.10.2012).

16 - Na medida em que na situação dos autos, o apontado défice funcional de 20 pontos se reporta a sequelas que implicam esforços suplementares no exercício da actividade habitual, face à jurisprudência largamente maioritária nesta matéria, que por questões de uniformização dos julgados deve ser seguida, deve entender-se que as ditas sequelas apresentadas pelo A. permitem, de per si, perspectivar perdas patrimoniais próximas ou previsíveis.

17 - O recurso à equidade não afasta, porém, como se enfatiza no Acórdão do STJ de 11.12.2012, (…)"a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios", sendo, por essa via e na falta de uma referência médico-legal que, nomeadamente, mediante a atribuição de pontos ao "rebate profissional", permita uma mais adequada quantificação dos possíveis lucros cessantes, de acatar a jurisprudência do STJ, que tem afirmado que, "no respectivo cálculo, à luz de um juízo de equidade, devem levar-se em conta, nomeadamente, o salário auferido, a idade ao tempo do acidente, o tempo provável de vida activa, o tempo provável de vida posterior, a depreciação da moeda, o acerto resultante da entrega do capital de uma só vez e, naturalmente, o grau de incapacidade"

18 - Como vimos já, resulta claro da matéria de facto provada que, o A. para desempenhar as mesmas funções que desempenhava antes do sinistro, terá que despender maior esforço e as suas tarefas terão que ser desempenhadas em mais tempo ou seja, o A. irá trabalhar muito mais sem que lhe paguem por esse trabalho extra encontrando-se ainda impossibilitado de aumentar a sua produção e produtividade, é isto que tem que ser também ressarcido.

19 - A IPG deve ser ressarcida como dano patrimonial impondo-se um cálculo com recurso à equidade sim mas, sem pôr de lado fórmulas matemáticas que servem para encontrar um valor de referência a temperar, ou seja, têm um carácter meramente orientador.

20 - Considerando que, o A. ficou a padecer de uma IPG de 20 pontos com uma afectação séria da sua capacidade de trabalho quando tinha apenas 34 anos de idade e auferia um salário anual de pelo menos 28.000,00€ e, bem assim:

a] uma taxa de juros de 1% que é superior à paga aos bancos comerciais para operações de depósitos a prazo.

b] que terá uma vida activa até pelo menos aos 70 anos ;

c] que a afectação patrimonial emergente da IPG se prolongará para além da vida activa, permanecendo até final da vida do A, ou seja, até aos 80 anos,

d] que o valor da remuneração de qualquer trabalhador tem tendência a aumentar com o passar dos anos quer em razão da inflação quer em razão da progressão na carreira e aumentos salariais, temos que o valor indemnizatório fixado se mostra manifestamente reduzido merecendo a sua alteração com reposição do montante arbitrado em sede de primeira instância de 155.000,00 €, o qual se mostra ajustado.

21 - Neste mesmo sentido vêm decidindo os nossos tribunais superiores. Veja-se a título meramente exemplificativo o douto Ac. Do STJ de 07/12/2016 no processo 8514/12.3TBVNG em que foi fixada uma indemnização por IPG de 100.000,00 € para um sinistrado de 57 anos e com um salário de 9.700,00 € por ano que ficou a padecer de uma IPG de 12 pontos apenas. (Recorde-se que o A. tinha um salário líquido de cerca de 28.000,00€ por ano e que ficou a padecer de uma IPG de 20 pontos quando tinha 34 anos apenas}

22 - A indemnização por IPG constitui uma indemnização a título de danos patrimoniais sendo que, o pedido foi liquidado pelo A. com a sua PI e com a citação, entrou a R em mora, momento a partir do qual devem ser contabilizados juros sobre o montante arbitrado, nessa medida se alterando o douto acórdão recorrido. Neste mesmo sentido. Cfr. o douto Ac. Uniformizador de Jurisprudência nº 4/02 de 09/05/2002.

23 - A título de danos não patrimoniais, face à matéria de facto dada como provada, entendeu o tribunal ora recorrido ser de atribuir ao A. uma indemnização de 25.000,00€ apenas, o que se mostra insuficiente para ressarcir o A. pelo padecimento sofrido, que ainda sofre e sofrerá opara o resto da sua vida quer em face de tal matéria dada como provada e, bem assim atendendo as decisões que vêm sendo proferidas pelos nossos tribunais superiores.

24 - Tal como melhor resulta dos autos, o A. ficou a padecer de uma IPG de 20 pontos quando tinha apenas 33 anos de vida, incapacidade que o irá acompanhar para o resto da vida.

25 - Só que a incapacidade traduz não só determinados impedimentos mas, também, conjugada com a demais matéria dada como provada, um enorme sofrimento que perdurará por toda a vida do A. estimando-se que a mesma se estenda até aos 80 anos de idade ou seja por mais 47 anos.

26 - O A. foi operado por diversas vezes (quatro) mantendo ainda material de osteossíntese sendo previsível que venha a ser submetido a novas intervenções cirúrgicas, facto que o deixa desgostoso e ansioso.

27 - O A. sofreu dores aquando do sinistro, operações cirúrgicas e tratamentos a que foi submetido durante quase dois anos, dores essas que se mantém e que acompanharão o A. para o resto da sua vida (Quantum Doloris de 5/7] e que o obrigam à toma de analgésicos com regularidade.

28 - Acresce que se manterá com tratamentos de fisioterapia para o resto da vida, em cujo custo foi condenada a R, com o inerente sofrimento vitalício e, viu o seu corpo alterado assim como a sua imagem da qual passou a sentir vergonha (Dano Estético 3/7) assim como se viu obrigado a abandonar as actividades de lazer a que se dedicava e das quais retirava prazer (PAP de grau 3/7).

29 - O grau de afectação não foi, no entanto, restrito à parte física. O A. ficou severamente afectado psiquicamente ao ponto de ver o seu carácter alterado passando a isolar-se e a demonstrar humor depressivo e mau estar psicológico com carácter permanente.

30 - Para determinação do quantum indemnizatório, sempre numa perspectiva de abandono do miserabilismo indemnizatório, deverá o tribunal considerar o grau de culpa do agente assim como a capacidade económica do mesmo (enriquecido pelo valor do capital seguro) e, ainda a função do capital seguro que é a de ressarcir as vítimas.

31 - Mais, deverá ter-se em consideração as decisões que vão sendo proferidas pelos n/ tribunais superiores, destacando-se, a título meramente exemplificativo os doutos acórdãos, todos in www.dgsi.pt:

a) Ac. RP de 16/12/2015 no processo 6244/13.8TBVNG pelo qual, para uma incapacidade de 2 pontos segundo a TNI, foi fixada uma indemnização de 25.000,00€ a título de danos não patrimoniais (Recorde-se que o grau de IPG que resultou para o A. é dez vezes maior, ou seja 20 pontos);

b) Ac. do STJ de 21/01/2016 no processo 1021/11.3TBABT: pelo qual, para um caso "envolvendo sequelas relevantes ao nível psicológico e de comportamento, produzindo as lesões internamento durante 83 dias, quantum doloris de 5 pontos em 7 e dano estético de 2 pontos em 7; ficando com um deficit funcional permanente da integridade físico - psíquica, fixável em 16 pontos, e com repercussão nas actividades desportivas e de lazer, fixável em grau 2 em 7" foi considerada como ajustada uma compensação a título de danos não patrimoniais, a quantia de 50.000,00€

c) Ac. Do STJ de 26/01/2017 no processo 1862/13.7TBGDM. P1 S1, em que foi fixada ao A. uma indemnização a título de Danos não patrimoniais de 30.000,00€ quando para o ali sinistrado resultou uma IPG de 13 pontos. (Recorde-se que no caso dos autos a IPG de que o A. ficou a padecer é de 20 pontos ou seja, praticamente o dobro);

32 - Tendo em conta o exposto, salvo melhor entendimento, deve o douto Acórdão recorrido ser alterado, atribuindo-se ao A. um valor indemnizatório nunca inferior a 40.000,00€ a título de danos não patrimoniais.

33 - O douto Acórdão recorrido viola o disposto nos artigos 496, 562, 564, 566, 805, todos do CC, entre outros».

Concluiu pela procedência do recurso e consequente alteração do acórdão recorrido.

Contra-alegou a ré, pugnando pelo não provimento do recurso.

       

II. Fundamentos:

De facto:

Vêm provados os seguintes factos:

1 - No dia 27 de Maio de 2011, cerca das 07:40 horas, na Av. Dr. Ribeiro de Magalhães, ocorreu um embate entre os veículos "SC-...-..." conduzido por CC, sendo DD o seu dono e o motociclo "...-GF-...", conduzido pelo autor, seu dono.

2 - O autor circulava na aludida via, no sentido Lixa/Guimarães.

3 - O "SC" seguia em sentido oposto e, pretendia virar à esquerda para a Rua das Cegonheiras.

4 - O cruzamento é regulado por sinalização luminosa que, na altura, se encontrava em verde para quem seguisse no sentido do autor.

5 - Em amarelo intermitente para quem virasse à esquerda como era o caso do "SC".

6 - O condutor do "SC" não cedeu a passagem ao autor e, quando este estava no entroncamento, embateu com a sua frente na lateral esquerda do veículo do autor.

7 - Tendo o embate ocorrido sobre a perna esquerda do autor.

8 - Quando este circulava pela sua hemi-faixa de rodagem, a velocidade inferior a 50 Km/hora.

9 - A data do embate, a responsabilidade emergente da circulação do veículo "SC-...-..." encontrava-se transferida para a ré, mediante a apólice n.° 003…6.

10 - Por força das lesões sofridas com o embate, o autor foi transportado ao Hospital de …, tendo-lhe sido diagnosticado:

a)        Fractura dos ossos da perna direita;

b)        Fractura do astragalo esquerdo;

c)         Fractura dos ossos do antebraço;

d)        Fractura do polegar direito;

e)        Escoriações múltiplas no corpo;

- No mesmo dia foi operado e submetido na:

- Mão Direita: osteosíntese do 1º metacarpo da mão direita com fios de Kirshner e osteotaxia com fixador externo no rádio;

- Antebraço esquerdo: osteossíntese do rádio e cúbito esquerdos cm placas metálicas e parafusos;

- Perna Direita: osteossíntese da tíbia direita com aplicação de vareta metálica endomedular aparafusada.

- Pé esquerdo: osteossíntese do astragalo com fios de Kirshner; (art. 18° da p.i.)

12 - Em 31/05/2011 foi reoperado à mão direita por perda de redução da fractura do 1º metacarpo;

13 - Em 01/06/2011, teve alta do internamento para o domicílio com orientação para a Consulta Externa de Ortopedia;

14 - Em 08/07/2011, transitou para os serviços clínicos da ré no Hospital de … no Porto.

15 - Nesse hospital foi submetido a novos exames complementares de diagnóstico.

16 - Em 20/07/2011, foi novamente operado para extracção dos fios de Kirshner e fixador externo da mão direita tendo tido alta hospitalar em 21/07/2011.

17 - Passou ao regime ambulatório do Hospital de … onde manteve vigilância e controle das fracturas tendo realizado novos exames complementares de diagnóstico,

18 - Em 25/07/2012 foi reoperado ao pé esquerdo para extracção de esquírola óssea que comprometia a articulação astrágalo / calcaneana.

19 - Em 26/07/2012 teve alta do internamento hospitalar para o domicílio,

20 - Prosseguiu tratamento fisiátrico na "Clínica de Reabilitação EE, Lda." por conta da ré.

21 - Mantém o material de osteossíntese no antebraço esquerdo e na tíbia direita.

22 - Em 28/12/2012 teve alta clínica dada pelos serviços clínicos da ré.

23 - Como sequelas, apresenta:

- Membro superior direito: rigidez (acentuada da trapézio metacarpiana do polegar com dor ao nível da articulação; área cicaíricial quase imperceptível na face posterolateral do cotovelo, com 3 cm por 6 cm de dimensão; quatro cicatrizes lineares com 1 cm de comprimento, dispersas no bordo radial do punho e mão;

- Membro superior esquerdo: discreta limitação na supinação do antebraço ( 80° ); cicatriz longitudinal normocrómica na face anterolateral do antebraço, com 12 cm de comprimento; cicatriz longitudinal normocrómica na face posterior do antebraço, com 11,5 cm de comprimento;

- Membro inferior direito: cicatriz mediana no joelho quase imperceptível, com 4 cm de comprimento, dolorosa na região distal com espessamento do tendão rotuliano em relação com a abordagem cirúrgica para osteossíntese da tíbia; sem rigidez e sem derrame; duas cicatrizes lineares na face medial proximal com 1 cm de comprimento cada, sem dismorfia e sem atrofia muscular;

- Membro inferior esquerdo: cicatriz circular na perna no terço proximal, com 1 cm de diâmetro; rigidez no tornozelo (dorsiflexão abolida ; flexão plantar de 20°); perda da inversão/eversão; cicatriz linear normocrómica, na região do maléolo medial, com 4 cm de comprimento, sem edema, cicatriz circular com 1 cm de diâmetro, na região posterior do maléolo peroneal; Fratura médio-diafisária da tíbia sem dismorfia na perna;

- Humor depressivo;

- Mau estar psicológico por saber a sua situação clínica e ter noção das suas implicações quer a nível profissional quer a nível pessoal;

24 - O autor ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 20 pontos, sendo que tais sequelas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

25 - O autor poderá vir a ser submetido a novas intervenções cirúrgicas à mão direita e ao tornozelo esquerdo, sujeitando-se a tratamentos de fisioterapia.

26 - Sendo expectável que o autor, após estas cirurgias, apresente uma situação equivalente a anquilose trapézio-metacarpiana e a anquilose tibiotársica e subastragalina, que já foram valorizadas na incapacidade a que se alude no ponto 24.

27 - O período de défice funcional temporário total é de 8 dias.

28 - O período de défice funcional temporário parcial é de 572 dias.

29 - O quantum doloris é fixável no grau 5/7.

30 - Dano estético permanente de grau 3/7.

31 - Repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer grau 3/7.

32 - Por causa das sequelas o autor tem dificuldade em levantar, deitar, dar banho e fazer transferências de doentes.

33 - O autor despendeu em despesas médicas a quantia de 670,00€.

34 - O autor sofreu dores aquando da queda assim como durante os tratamentos e continuará a sentir dores até final da sua vida, em especial com a execução de esforços físicos, com alterações climatéricas, quando permanece na mesma posição durante mais de 10 minutos.

35 - Tem que tomar frequentemente analgésicos.

36 - O autor, antes do embate, era uma pessoa autónoma, trabalhadora, alegre e bem-disposta.

37 - Por causa das lesões sofridas, o autor sente-se limitado, não apenas em termos profissionais mas também em termos pessoais, facto que muito o deixa desgostoso.

38 - O autor sabe que o seu estado não melhorará.

39 - Isola-se em casa evitando estar com amigos, afastando-se do seu meio social.

40 - Ainda hoje tem medo de andar na estrada.

41 - Não mais andou de mota.

42 - Não mais conseguiu passar no local do embate.

43 - O autor sente dificuldades na condução automóvel e, vê-se impedido de efectuar grandes trajectos sem parar;

44 - O autor não consegue fazer as caminhadas que fazia antes do embate, deixou de jogar futebol com os amigos e de andar de bicicleta (BTT) o que lhe traz desgosto.

45 - Aquando do internamento e quando se encontrava manietado de pernas e mãos, nasceu o seu filho sendo que, nessa altura, não lhe pode pegar ao colo, o que muito desgosto lhe trouxe e traz.

46 - Em 2011, o autor exercia as funções de enfermeiro e auferia, em média, € 1.250,00 mensais líquidos (remuneração base e outros suplementos) no Centro Hospitalar …. E.P.E. e, em média, € 760,00 mensais líquidos (remuneração base e outros suplementos) em hospital privado.

47 - O autor nasceu no dia 23/1/1977.


De direito:

O presente recurso, delimitado que está pelas conclusões da alegação do recorrente (artigos 635º n.º 4 e 639º n.º 1 do Código de Processo Civil), tem por objecto as questões que passam a enunciar-se:

- admissibilidade do recurso;

- valor da indemnização a arbitrar  a título de IPG (Dano Biológico);

 - valor  da  indemnização  arbitrar  a  título   de  danos  não patrimoniais.


1. Da admissibilidade do recurso:

Previamente à apreciação do mérito do recurso, importa analisar, prima facie, se o mesmo é admissível ou se, como sustenta a ré, aqui recorrida, existe dupla conforme impeditiva do recurso de revista “normal”.

Argumenta a ré que está unicamente em causa a medida da obrigação de indemnizar, nas vertentes do dano biológico e dos danos não patrimoniais, questão já decidida em sentido convergente pelas instâncias no sentido estar a mesma obrigada a indemnizar o autor.

Vejamos.

A sentença da 1ª instância condenou a ré a pagar ao autor as quantias de € 155.000,00 e de € 25.000,00, a título de indemnização pelo dano biológico e pelos danos não patrimoniais, respectivamente.

No recurso de apelação a ré pugnou pela atribuição de € 65.000,00 para a indemnização do dano biológico, acrescidos dos juros respectivos a contabilizar desde a data da prolação da decisão da 1ª instância.

O acórdão recorrido fixou em € 75.000,00 a indemnização devida pelo dano biológico e em € 30.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais, com juros à taxa legal desde a decisão da 1ª instância até efectivo pagamento, confirmando no mais a sentença proferida na 1ª instância.

Do exposto decorre claramente que as instâncias dissentiram na quantificação daqueles danos, tendo o acórdão recorrido reduzido o quantum indemnizatório a pagar pela ré, seguradora, ao autor, o qual reagiu inconformado com tal diminuição do montante da indemnização fixado pela 1ª instância.

A divergência decisória, da qual apenas a ré saiu vencedora, não permite concluir, face à previsão do nº 3 do artigo 672º do Código de Processo Civil, pela verificação de dupla conforme susceptível de obstar ao recurso de revista “normal, cumprindo, pois, dele conhecer, porquanto, apesar de reconhecido pelas instâncias o direito do autor às peticionadas indemnizações, subsiste divergência no tocante ao valor a arbitrar para ressarcimento dos danos em causa.


2. Do valor da indemnização a arbitrar a título de dano biológico:

No caso vertente, as instâncias convergiram, com a aceitação das partes, quanto à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual enunciados no artigo 483º do Código Civil, concluindo que a ocorrência do acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na ré e reconhecendo o seu direito às indemnizações peticionadas com base na violação da sua integridade física e nos sofrimentos decorrentes.

Pretende o autor a reposição dos montantes indemnizatórios fixados na sentença proferida na 1ª instância, ou seja, € 155.00,00 para o dano biológico e € 40.000,00 para os danos não patrimoniais. Pugna ainda pela condenação da ré no pagamento de juros moratórios a contar da data da citação no tocante àquela primeira indemnização e não apenas a partir da data em que foi proferida a sentença na 1ª instância.

Como já escrevemos no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Julho de 2017, proferido no proc. nº 344/12.9TBBAO.P1.S1, igualmente relatado pela ora relatora, o Supremo Tribunal, enquanto tribunal de revista, conhece, por regra, unicamente de matéria de direito (artigo 46.º da Lei da Organização do Sistema de Judiciário e artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, ambos do Código de Processo Civil).

O Tribunal da Relação socorreu-se da equidade na fixação daqueles montantes indemnizatórios, em harmonia com o estatuído no artigo 566.º nº 3 do Código Civil, segundo o qual, não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.

O julgamento de acordo com a equidade envolve um juízo de justiça concreta e não um juízo de justiça normativa, razão por que a determinação do quantum indemnizatório não traduz, em rigor, a resolução de uma questão de direito.

Ainda assim, na fixação da indemnização por danos ocorridos em sede de responsabilidade civil extracontratual com recurso à equidade, o princípio da igualdade, constitucionalmente tutelado no artigo 13º nº 1 da Constituição, impõe que as decisões judiciais tomem em consideração os critérios jurisprudenciais generalizadamente adoptados por este Tribunal em casos idênticos por forma a obter, tanto quanto possível, uma interpretação e aplicação uniforme do direito – artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil.

Neste contexto, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça deve reservar-se à formulação de um juízo crítico de proporcionalidade dos montantes decididos em face da gravidade objectiva e subjectiva dos prejuízos sofridos (cfr. neste sentido o Acórdão deste Supremo Tribunal proferido em 15.09.2016, proc. n.º 492/10.0TBBAO.P1.S1, subscrito pela ora relatora).

A sua apreciação cingir-se-á, por conseguinte, ao controle dos pressupostos normativos do recurso à equidade e dos limites dentro dos quais deve situar-se o juízo equitativo, nomeadamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes à razoabilidade do valor encontrado.

Está em causa a lesão corporal sofrida pelo autor em consequência de um acidente de viação, a qual integra o chamado dano biológico, traduzido no esforço acrescido que o autor terá de desenvolver, mas que se não se repercute directamente na sua capacidade de ganho, uma vez que manteve as funções que exercia até à data do acidente e o respectivo salário.

De harmonia com o estatuído no artigo 562º do Código Civil, «quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação». A indemnização tem por escopo reconstituir a situação hipotética que existiria não fora a lesão sofrida.

A quantificação de um dano desta natureza revela-se complexa, porquanto não é possível avaliá-lo concretamente. De todo o modo, o dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial (cfr., entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 11.11.2010, proc. nº 270/04.5TBOFR.C1.S1, de 20.05.2010, proc. nº 103/2002.L1.S1, e de 06.12.2011, proc. nº 52/06.TBVNG.G1.S1).

Nesta linha de pensamento observou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.10.2012 (proc. nº 632/2001.G1.S1) que “a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado - constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais.

(…)

Nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal”.

Não deixará, pois, este dano biológico de assumir-se como dano patrimonial, muito embora o cálculo da respectiva indemnização deva processar-se de acordo com os critérios da equidade em sintonia com o disposto no artigo 566º nºs 2 e 3 do Código Civil (neste sentido os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 23.04.2009 e de 06.12.2017, este proferido no proc. nº 1509/13.1TVLSB.L1.S1).

Posto isto e volvendo ao caso em apreço, para o conhecimento do objecto do recurso, no tocante à valoração do dano consubstanciado na incapacidade permanente geral (IPG) de 20 pontos de que o autor, então com 34 anos de idade (nasceu no dia 23/1/1977), ficou afectado importa recordar a seguinte facticidade:

a) o autor apresenta as seguintes sequelas:

- no membro superior direito: rigidez (acentuada da trapézio metacarpiana do polegar com dor ao nível da articulação; área cicatricial quase imperceptível na face posterolateral do cotovelo, com 3 cm por 6 cm de dimensão; quatro cicatrizes lineares com 1 cm de comprimento, dispersas no bordo radial do punho e mão;

- no membro superior esquerdo: discreta limitação na supinação do antebraço (80°); cicatriz longitudinal normocrómica na face anterolateral do antebraço, com 12 cm de comprimento; cicatriz longitudinal normocrómica na face posterior do antebraço, com 11,5 cm de comprimento;

- no membro inferior direito: cicatriz mediana no joelho quase imperceptível, com 4 cm de comprimento, dolorosa na região distal com espessamento do tendão rotuliano em relação com a abordagem cirúrgica para osteossíntese da tíbia; sem rigidez e sem derrame; duas cicatrizes lineares na face medial proximal com 1 cm de comprimento cada, sem dismorfia e sem atrofia muscular;

- no membro inferior esquerdo: cicatriz circular na perna no terço proximal, com 1 cm de diâmetro; rigidez no tornozelo (dorsiflexão abolida; flexão plantar de 20°); perda da inversão/eversão; cicatriz linear normocrómica, na região do maléolo medial, com 4 cm de comprimento, sem edema, cicatriz circular com 1 cm de diâmetro, na região posterior do maléolo peroneal; fractura médio-diafisária da tíbia sem dismorfia na perna;

b) em consequência das lesões sofridas, o autor ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 20 pontos, sendo que tais sequelas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

c) o autor poderá vir a ser submetido a novas intervenções cirúrgicas à mão direita e ao tornozelo esquerdo, sujeitando-se a tratamentos de fisioterapia.

d) sendo expectável que após estas cirurgias apresente uma situação equivalente a anquilose trapézio-metacarpiana e a anquilose tibiotársica e subastragalina.

e) em 2011, o autor exercia as funções de enfermeiro e auferia, em média, € 1.250,00 mensais líquidos (remuneração base e outros suplementos) no Centro Hospitalar Tâmega e Sousa E.P.E. e, em média, € 760,00 mensais líquidos (remuneração base e outros suplementos) em hospital privado.

f) por causa das sequelas o autor tem dificuldade em levantar, deitar, dar banho e fazer transferências de doentes.

g) sente dificuldades na condução automóvel e vê-se impedido de efectuar grandes trajectos sem parar.

h) não consegue fazer as caminhadas que fazia antes do embate, deixou de jogar futebol com os amigos e de andar de bicicleta (BTT),

Resulta claro destes factos que o autor, sem estar impedido de exercer as suas funções de enfermeiro, sofre relevante limitação no desempenho de actividades que envolvem esforços físicos, dada a dificuldade que passou a ter em levantar, deitar, dar banho e fazer transferências de doentes, tarefas que passará a desenvolver com maior penosidade, o mesmo sucedendo com todas e quaisquer outras, nomeadamente com a condução de veículos automóveis e bicicleta, diminuindo-lhe, em geral, a sua qualidade de vida.

A afectação das suas capacidades funcionais, embora não represente uma incapacidade para o exercício da profissão habitual, representa esforços suplementares no exercício das competências específicas da sua actividade de enfermeiro, penalizando-o em futura progressão na carreira e no exercício concomitante ou alternativo da profissão, com a inerente perda de rendimentos, sendo previsível o agravamento das sequelas, as quais se prolongarão por longo tempo, dada a sua idade à data do acidente (34 anos) e o termo da sua vida activa susceptível de se prolongar, para profissões como a do autor, pelo menos, até aos 70 anos de idade.

Note-se que à data do acidente (2011) o autor exercia, simultaneamente, as funções de enfermeiro no Centro Hospitalar … E.P.E. e num hospital privado.

Tudo ponderado consideramos desadequada, por insuficiente, a indemnização arbitrada no acórdão recorrido a título de indemnização pelo dano biológico consubstanciado num défice funcional permanente de 20 pontos percentuais.

Tendo presente o quadro jurisprudencial mais recente, de que destacamos o citado Acórdão de 06.12.2017 (proc. nº 1509/13.1TVLSB.L1.S1), no qual, considerada uma IPG de 25,6 pontos percentuais para um lesado com 60 anos, foi atribuída indemnização no valor de € 100.00,00, temos como adequado e equitativo fixar a indemnização pelo dano biológico do autor em € 90.000,00.

Esta indemnização considera-se actualizada à data da sentença proferida na 1ª instância, pelo que os juros de mora legais, vencidos e vincendos, serão contabilizados a partir da data em que a mesma foi proferida.


   3. Do valor da indemnização a título de danos não patrimoniais:

Peticionou o autor a este título o montante de € 40.000,00.

O Tribunal da Relação arbitrou-lhe 30.000,00, elevando em € 5.000,00 o valor fixado pela 1ª instância.

Continua o autor a pugnar pela atribuição do valor pedido, que tem por adequado e justo face aos danos não patrimoniais sofridos, afigurando-se-nos que lhe assiste razão.

Neste particular estabelece o nº 1 do artigo 496º do Código Civil que:

“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

Pela sua natureza, estamos face a danos de difícil reparação e quantificação, razão pela qual a indemnização devida, não podendo destinar-se a fazer desaparecer o prejuízo, visa fundamentalmente, na perspectiva do lesado, proporcionar-lhe meios económicos que de algum modo o compensem dos sofrimentos.

A fixação do respectivo montante deverá ser feita segundo critérios de equidade, com apelo a “...todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” (A. Varela, Código Civil Anotado, 4ª ed., vol. I, pág. 501) e tendo em atenção a extensão e gravidade dos prejuízos, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso (artigos 496º nº 3, 1ª parte, e 494º do Código Civil).

Nos parâmetros gerais a ter em conta destacou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 31 de Maio de 2012, (proc. nº 14143/07.6TBVNG.P1.S1), citando o acórdão também deste Supremo Tribunal, de 31 de Janeiro de 2012 (proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), que «os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição.»

No caso em análise, resultaram provados com relevo para a decisão desta questão os seguintes:

Por força das lesões sofridas com o embate, o autor sofreu:

- fractura dos ossos da perna direita, do astragalo esquerdo, dos ossos do antebraço, do polegar direito e escoriações múltiplas no corpo, tendo sido nesse mesmo dia operado e submetido a osteosíntese do 1º metacarpo da mão direita com fios de Kirshner e osteotaxia com fixador externo no rádio na mão direita, osteossíntese do rádio e cúbito esquerdos cm placas metálicas e parafusos no antebraço esquerdo, osteossíntese da tíbia direita com aplicação de vareta metálica endomedular aparafusada na perna direita e  osteossíntese do astrágalo no pé esquerdo.

- foi reoperado à mão direita por perda de redução da fractura do 1º metacarpo em 31/05/2011.

- teve alta do internamento para o domicílio com orientação para a Consulta Externa de Ortopedia, em 01/06/2011, e  transitou para os serviços clínicos da ré no Hospital de …, no Porto, em 08/07/2011, onde foi submetido a novos exames complementares de diagnóstico.

- em 20/07/2011, foi novamente operado para extracção dos fios de Kirshner e fixador externo da mão direita tendo tido alta hospitalar em 21/07/2011.

- passou ao regime ambulatório do Hospital de … onde manteve vigilância e controle das fracturas tendo realizado novos exames complementares de diagnóstico,

 - foi reoperado ao pé esquerdo para extracção de esquírola óssea que comprometia a articulação astrágalo/calcaneana, em 25/07/2012, e teve alta do internamento hospitalar para o domicílio, em  26/07/2012, prosseguindo tratamento fisiátrico na Clínica de Reabilitação EE, Lda.

- teve alta clínica dada pelos serviços clínicos da ré no dia 28/12/2012.

- em resultado das sequelas do acidente ficou com humor depressivo e mau estar psicológico por saber a sua situação clínica e ter noção das suas implicações quer a nível profissional quer a nível pessoal.

- o autor sofreu dores aquando da queda assim como durante os tratamentos e continuará a sentir dores até final da sua vida, em especial com a execução de esforços físicos, com alterações climatéricas, quando permanece na mesma posição durante mais de 10 minutos, tendo de tomar frequentemente analgésicos.

- o quantum doloris é fixável no grau 5/7 e o dano estético permanente é de grau 3/7.

- A repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é de grau 3/7.

- antes do embate era uma pessoa autónoma, trabalhadora, alegre e bem-disposta.

- por causa das lesões sofridas, sente-se limitado, não apenas em termos profissionais mas também em termos pessoais, facto que muito o deixa desgostoso.

- o autor sabe que o seu estado não melhorará e isola-se em casa, evitando estar com amigos e afastando-se do seu meio social.

- ainda hoje tem medo de andar na estrada, não mais andou de mota e não mais conseguiu passar no local do embate.

- traz-lhe desgosto não conseguir fazer as caminhadas que fazia antes do embate, ter deixado de jogar futebol com os amigos e de andar de bicicleta (BTT).

- aquando do internamento e quando se encontrava manietado de pernas e mãos, nasceu o seu filho sendo que, nessa altura, não lhe pode pegar ao colo, o que muito desgosto lhe trouxe e traz.

Considerando, em suma, as intervenções cirúrgicas a que o autor foi submetido, os períodos de internamento, o quantum doloris, as repercussões psicológicas do acidente e, bem assim, a repercussão permanente das sequelas nas suas actividades desportivas e de lazer, quantificada no grau 3/7, com o inerente desgosto que esta situação lhe causa, e ponderando a ausência total de culpa do autor na produção do acidente, a sua idade à data do mesmo e a sua situação económica tem-se por adequada e equitativa, tendo presentes os padrões jurisprudenciais deste Supremo Tribunal, a indemnização fixada pela Relação no valor de € 30.000,00.


III. Decisão:

Nesta conformidade, acorda-se no Supremo Tribunal de Justiça em conceder parcialmente a revista e, em consequência:

- Altera-se o acórdão recorrido, condenando a ré a pagar ao autor a quantia de € 90.000,00 a título de indemnização pelos danos decorrentes do défice funcional de 20 pontos percentuais;

- No mais impugnado, mantém-se o decidido.

- Custas pelo recorrente e pela recorrida na proporção do respectivo decaimento.


Lisboa, 14 de Dezembro de 2017


Fernanda Isabel Pereira (Relatora)

Olindo Geraldes

Maria do Rosário Morgado