Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1376/16.3T8CSC.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
Data do Acordão: 01/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / ACTIVIDADE DO TRABALHADOR / INVALIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO / PRESTAÇÃO DE TRABALHO / DURAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO / LIMITES DE DURAÇÃO DE TEMPO DE TRABALHO / FALTAS / RETRIBUIÇÃO E OUTRAS PRESTAÇÕES PATRIMONIAIS.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS / PRESUNÇÕES – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.
Doutrina:
- Aníbal de Castro, IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS, 2ª edição, p. 111;
- António Monteiro Fernandes, DIREITO DO TRABALHO, 7º edição, 1991, p. 96, 111 e 117 ; 17ª edição, p. 114, 115, 121, 128, 131, 133 e 134.
- Inocêncio Galvão Teles, CONTRATOS CIVIS, BMJ, 83º, p. 165;
- Maria do Rosário Palma Ramalho, TRATADO DE DIREITO DO TRABALHO, PARTE II - SITUAÇÕES LABORAIS INDIVIDUAIS, 6ª edição, p. 26, 27, 38, 39, 45, 97 e 98;
- Pedro Romano Martinez, CÓDIGO DO TRABALHO ANOTADO, 2016, 10ª edição, p. 130 e 131 ; DIREITO DO TRABALHO, 2015, 7ª edição, p. 324 a 328;
- Rodrigues Bastos, NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, vol. III, p. 247.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO/2003 (CT/2003): - ARTIGOS 12.º, 127.º, N.ºS 1 E 2 E 170.º, N.º 1.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 120.º, ALÍNEA D), 123.º, N.º 1, 124.º, 211.º, N.º 1, 254.º, 255.º, N.ºS 1 E 2, 260.º, N.º 1, ALÍNEA B) E 261.º, N.ºS 1 E 3.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, 349.º E 1154.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 05-04-1989, IN BMJ 386, P. 446;
- DE 23-03-1990, IN AJ, 7º/90, P. 20;
- DE 31-01-1991, IN BMJ 403º, P. 382;
- DE 12-12-1995, IN CJ, 1995, III, P. 156;
- DE 18-06-1996, IN CJ, 1996, II, P. 143;
- DE 15-01-2014, PROCESSO N.º 32/08.0TTCSC.S1;
- DE 15-04-2015, PROCESSO N.º 329/08.0TTCSC.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 10-12-2015, PROCESSO N.º 67/13.1TTBCL.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

1- Para efeitos da presunção estabelecida no art. 12º do Código do Trabalho de 2003, face ao disposto no art. 342º do CC, cabe ao trabalhador alegar e provar os factos demonstrativos de que está na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e que realiza a sua prestação sob as ordens, direção e fiscalização deste, mediante retribuição.

2- Feita esta prova, presume-se que o contrato é de trabalho, cabendo ao beneficiário da atividade provar os factos suscetíveis de ilidir aquela presunção de laboralidade.

3 - Tendo-se provado que o horário do A., “instrutor de ginástica”, era elaborado pela R. tendo em consideração a indicação de disponibilidade manifestada por aquele; que não exercia a atividade em regime de exclusividade; que geria diretamente as marcações (horários/disponibilidade) dos clientes por si angariados; que os clientes angariados pela R. para serviços de treino personalizado podiam ser aceites ou recusados pelo A; que a remuneração era paga de acordo com as horas efetivamente prestadas, mediante a emissão de recibos comumente designados de “recibos verdes”; que o A. se podia fazer substituir por outro instrutor em caso de ausência; que podia agendar as suas férias, sendo apenas desaconselhada tal marcação nos meses de janeiro, maio, junho, setembro e outubro e que não recebia remuneração por subsídio de férias e de Natal, mostra-se ilidida a presunção estabelecida no art. 12º do Código do Trabalho de 2003.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])

1 - RELATÓRIO

AA intentou contra BB, S.A, a presente ação, pedindo que seja:

a) Reconhecida a relação estabelecida entre si e a R. entre 15 de agosto de 2007 e 28 de maio de 2015 como consubstanciando um contrato de trabalho, por ali trabalhar em exclusividade durante todo o período de duração do contrato;

b) A R. condenada a pagar-lhe os montantes correspondentes à retribuição de maio/junho de 2015, bem como os montantes correspondentes a subsídios de natal e subsídios de férias, no período indicado na alínea anterior, proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, respeitantes a 2015, tudo no montante de € 29.021,93 (vinte e nove mil, vinte e um euros e noventa e três cêntimos), acrescidos dos respetivos juros moratórios vencidos, os quais ascendem presentemente a € 3.896,73 (três mil oitocentos e noventa e seis euros e setenta e três cêntimos), e bem assim os juros moratórios vincendos, até efetivo e integral pagamento;

c) Julgada ineficaz a cessação do contrato de trabalho, por decisão unilateral pela R. e, em substituição da reintegração, ser esta condenada a pagar-lhe uma indemnização não inferior a € 16.029,65 (dezasseis mil, vinte e nove euros e sessenta e cinco cêntimos), acrescida dos juros moratórios que se vierem a vencer desde a citação até efetivo e integral pagamento.

   Como fundamento alegou que foi admitido ao serviço da R. em 15 de agosto de 2007 como instrutor de ginástica, funções que exerceu sob as ordens direção e fiscalização desta. Cumpria horário de trabalho, desempenhava as suas funções nas instalações da R., usava instrumentos desta e tinha de justificar e comunicar-lhe as ausências, a qual organizava a marcação das aulas e controlava a sua atividade. No dia 8 de maio de 2015 foi impedido de exercer as suas funções, tendo-lhe sido comunicada a cessação do contrato de trabalho com efeitos a 28.05.2015. Não lhe foram pagas as quantias peticionadas, nada tendo recebido de férias ou subsídio de férias.

A R. contestou por exceção e por impugnação.

Por exceção, defendeu que a pretensão do A. configura abuso do direito porquanto desempenhou as suas funções de 2007 a 2015 e nunca exigiu o seu enquadramento jurídico como seu trabalhador.

Por impugnação, sustentou que não manteve com o A. qualquer relação laboral.

Concluiu pedindo a sua absolvição do pedido e a condenação do A. como litigante de má-fé.

 O A. respondeu pugnando pela improcedência do pedido de litigância de má-fé e peticionando a condenação da R. como litigante de má-fé.

Saneado o processo e realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença julgando a ação totalmente improcedente e absolvendo a R. do pedido.

Inconformado, o A. apelou, requerendo a alteração da decisão sobre a matéria de facto, na sequência do que foi proferida a seguinte deliberação:

«Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência revogar a sentença nos termos seguintes:

- Modificar o ponto 59 do acervo fá[c]tico;

- Reconhecer que a relação estabelecida entre o A. e a R. entre 15/08/2007 e 28/05/2015 consubstancia um contrato de trabalho;

- Condenar a R. a pagar ao A. os montantes, a liquidar, correspondentes aos subsídios de férias e de Natal no período acima indicado e proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal respeitantes a 2015, bem como os 20 dias de Maio de 2015;

- Condenar a R. a pagar ao A. uma indemnização em substituição da reintegração em montante a liquidar;

- Absolver a R. do mais que vem pedido.

Custas por ambas as partes, na proporção de 2/10 para o Apelante e 8/10 para a Apelada.

Notifique.»

Desta deliberação recorre a R. de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão recorrido.

O recorrido contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado.

Recebido o recurso e cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, o Exmº Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido da concessão da revista, repristinando-se a sentença da 1ª instância.

Notificadas, as partes não responderam.

Formulou a recorrente, após convite à sua síntese, as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

A) Das normas jurídicas violadas

I. Nos presentes autos discute-se a natureza jurídica do contrato que vigorou entre as partes, nomeadamente se este negócio jurídico seria um contrato de trabalho previsto no art. 1152° do Código Civil e art. 10º do Código de Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto, ou um contrato de prestação de serviços tal como previsto no art. 1154º do Código Civil.

II. O Tribunal da Relação de Lisboa, face à matéria provada, considerou o regime aplicável à relação jurídica entre as partes a prevista no art. 1152º do Código Civil e art. 10º do Código de Trabalho, ou seja entendeu existir um contrato de trabalho.

III.    A Recorrente discorda deste entendimento por considerar que não foi realizada uma correta aplicação do direito aos factos provados, pois entende que o enquadramento jurídico deveria ter resultado na subsunção dos fa[c]tos ao regime do contrato de prestação de serviços previsto no art. 1154º do Código Civil.

IV.    Invoca-se, assim, o erro na determinação da norma aplicável, pois deveria ter sido aplicável o previsto no art. 1154º do Código Civil à relação jurídica dos autos, sendo esta a violação da norma jurídica que serve de fundamento ao presente recurso, ou seja, a do art. 1154º do Código Civil.

V. Acresce que a Recorrente também discorda da aplicação do direito, no que diz respeito à presunção prevista no art. 12° do Código de Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto, nos termos do qual presume-se a existência de um contrato de trabalho quando se verifiquem cumulativamente os seguintes indícios:
i. O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as orientações deste;
ii. O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da atividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido;
iii. O prestador de trabalho seja retribuído em função do tempo despendido na execução da atividade ou se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da atividade;
iv. Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da atividade;
v. A prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a 90 dias".

 VI. A Recorrente discorda da aplicação deste normativo pois não resulta da matéria provada a verificação de todos os indícios previstos na presunção legal.

VII. Invoca-se, também, a violação do art. 342º nº 1 do Código Civil, pois ao não se verificar todos os indícios estabelecidos na presunção legal de laboralidade, ao Recorrido impendia o ónus de alegar e provar estarem preenchidos os elementos constitutivos do contrato de trabalho, através da demonstração dos pertinentes índices de laboralidade, mediante factos que os integrem, o que não logrou fazer,

VIII. E bem assim, a violação do art. 350º do Código Civil, pois ainda que se verificassem os índices em questão estabelecidos na presunção do art. 12º, ainda assim, a Recorrente, conforme tudo o acima exposto, teria ilidido a presunção de laboralidade, ou seja, provado factos reveladores da existência de uma relação jurídica de trabalho autónomo.

IX. A Recorrente invoca, ainda, a violação do art. 607º nº 4 do CPC, por não ter sido levado em consideração na decisão recorrida factos provados por documentos juntos aos autos, designadamente, o facto de o Recorrido ter prestado a sua atividade a outras entidades que não a Recorrente, o que está provado pelas declarações de IRS juntas pelo Recorrido aos autos.

X. Subsidiariamente, e sem conceder de tudo o alegado no presente recurso, a Recorrente invoca também a violação do art. 334º do Código Civil, pois ainda que (por absurdo) se considerasse verificada a relação laboral alegada pelo Recorrido, sempre se diria que o mesmo estaria a exercer o direito de vir exigir o pagamento das quantias peticionadas em manifesto abuso de direito, excepção peremptória impeditiva do direito alegado pelo Recorrido.

XI. Mais uma vez sem conceder, ainda que se considerasse a existência de uma relação laboral entre as partes, não podia a Recorrente ser condenada ao pagamento de créditos laborais, e indemnização nos termos em que decidiu o Tribunal da Relação, pois não foram considerados provados nos autos os valores auferidos pelo Recorrido, invocando-se, para este efeito, a violação do art. 609º, nº 2 do CPC.

XII. Por fim, sem conceder de todo o exposto no presente recurso, sempre deverá ser considerada que a interpretação do art. 12º do Código de Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto, realizada pelo Tribunal a quo no sentido de que o Recorrido beneficia a seu favor de uma presunção de existência de contrato de trabalho sempre violaria o princípio da igualdade consagrado no art. 13° da Constituição da República Portuguesa,

XIII. Invocando-se a violação do art. 13º da CRP, e a interpretação que é realizada ao art. 12º do Código de Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto nos termos acima referidos.

B) Do Recurso

XIV. O Tribunal da Relação deveria ter tido diferente entendimento no que diz respeito à caracterização da natureza do vínculo laboral entre a Recorrente e o Recorrido, pois na verdade, salvo melhor opinião, não fez a correta subsunção jurídica da matéria provada.

XV. O art. 12º do Código de Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto, na versão originária (com a retificação nº 15/2003 de 28 de Outubro) estabelecia que: "Presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente:

a)     O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as orientações deste;

b)     O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da atividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido;

c)      O prestador de trabalho seja retribuído em função do tempo despendido na execução da atividade ou se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da atividade;

d)     Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da atividade;

e)     A prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a 90 dias".

XVI. Apenas os índices constantes das alíneas d) e e) é que estão verificados, e que, em concreto, pouco ou nenhum relevo assumem, já que o facto da prestação de trabalho ter sido executada por um período, ininterrupto, superior a 90 dias, não é decisivo, pois também um contrato de prestação de serviços pode perdurar ao longo de anos desde que satisfaça o interesse de ambas as partes,

XVII. E, bem assim, o facto de os equipamentos usados pelo Recorrido assumirem natureza estacionária e dificilmente transportável, como é o caso das passadeiras, bicicletas, prensa, máquinas de remo, etc, acrescendo que a utilização dos instrumentos móveis exige padrões de qualidade, segurança, fiscalização de uso e fiabilidade e de uniformização essenciais à atividade da Recorrente.

XVIII. No que diz respeito à alínea b), no caso dos autos decorre imperativamente da natureza da atividade prestada que esta ocorra nas instalações da Recorrente, o que não assume qualquer relevância, já que quer numa relação laboral, quer numa prestação de serviços, a atividade seria sempre prestada no BB da Recorrente.

XIX. O Recorrido prestava a sua atividade em carga horária variável acordada entre Recorrente e Recorrido, no que diz respeito à atividade de member interation, aulas de grupo e vigilância de piscina, de acordo com a disponibilidade previamente comunicada pelo Recorrido, podendo este aceitar ou não prestar a atividade no horário proposto (art. 22º, 23º, 24º, 25º, 41º, e 42º).

XX. O Recorrido decidia livremente a quem dava treinos personalizados sem qualquer intervenção da Recorrente (art. 28º, 29º e 34º) e geria com plena autonomia os respetivos horários, o que acordava diretamente com o cliente conforme a sua disponibilidade, sem qualquer intervenção da Recorrente (art. 30º).

XXI. Mais resulta provado que o Recorrido não estava sujeito a horário de trabalho, uma vez que podia fazer-se substituir em todas estas atividades em caso de ausência, o que equivale dizer: caso não pudesse, ou, simplesmente, não quisesse realizar tais atividades (art. 53º),

XXII. Não surpreende que a Recorrente tivesse que fixar um horário para as atividades que o Recorrido aceitasse realizar pois o ginásio/BB tem um horário de funcionamento em que é necessário assegurar a rota do ... e as aulas de grupo têm um horário mensal definido.

XXIII. Relativamente ao índice da alínea c), resultou provado que o Recorrido era retribuído em função das horas prestadas em cada uma das atividades (art.56º), recebendo uma quantia mensal correspondente ao número de horas prestadas, o que variava mensalmente.

XXIV. Esta caraterística não é decisiva para a caraterização como contrato de trabalho já que não resultou provado que o Recorrido fizesse sempre o mesmo número de horas por dia, por semana, ou por mês ou, sequer, aproximadamente, ou que tivesse a mesma retribuição ou aproximada todos os meses.

XXV. Como decorre dos rendimentos auferidos/declarados ao longo dos anos juntos aos autos pelo Recorrido, a prestação deste à Recorrente não foi sempre igual, anos havendo com menos rendimentos, o que equivale a menos horas de atividade prestada.

XXVI. Resulta das declarações de IRS juntas aos autos, que o Recorrido declarou rendimentos pagos por outras entidades que não a Recorrente durante o período que prestou serviços à Recorrente, nomeadamente, o Recorrido, à excepção do ano de 2007, prestou serviços a outras entidades durante todo o período em que prestou serviços à Ré (2008 a 2015), pelo que o Acórdão deveria ter levado em consideração o que se encontra provado por documentos idóneos juntos aos autos, tal como impõe o nº 4 do art. 607º do CPC.

XXVII. Para o Recorrido lograr provar a sua dependência económica face à Recorrente teria de ter feito prova de não ter efetivamente outros rendimentos, património ou riqueza pessoal ou familiar, o que não se extrai dos factos considerados provados, nem das declarações de IRS junta aos autos.

XXVIII. Mas, ainda que, por absurdo, não se considere que o Recorrido tivesse outras fontes de rendimento, sempre se dirá que o regime de exclusividade instituído afasta este índice de laboralidade, pois estaria na disponibilidade do Recorrido depender ou não economicamente da Recorrente (art. 50º e 51º).

XXIX. Quanto ao indício da alínea a), resulta da matéria provada que o Recorrido não estava inserido na estrutura organizativa da Recorrente, e, muito menos, que realizasse a sua prestação sob as orientações desta.

XXX. Desde logo, tal como é expressamente dito no Acórdão recorrido, o Recorrido tinha plena autonomia técnica no desenvolvimento da sua prestação.

XXXI. No exercício da atividade de personal trainer, o Autor tinha que angariar os seus clientes, decidia a quem dar treinos, geria com plena autonomia os respetivos horários, o que acordava diretamente com o cliente, e controlava os treinos que os clientes frequentavam, e os que faltavam.

XXXII. O Recorrido, conforme a disponibilidade que manifestava junto da Recorrente, prestava orientações iniciais aos novos sócios, com o objetivo de executar um plano ao cliente, e, em simultâneo, tentar vender os seus serviços de treino personalizado (art. 11º, 12º e 13º).

XXXIII. A Recorrente não controlava a assiduidade do Recorrido, havendo apenas registo das horas de serviços prestados para efeitos de contabilização de honorários, registo este realizado pelo próprio Recorrido (artigos 31º a 33º, 52º e 56º), o que, desde logo, afasta o índice de laboralidade em questão, por inexistir um controlo das presenças e ausências do Recorrido no clube de Recorrente, desconhecendo esta as horas que o Recorrido entrava e saía do seu estabelecimento.

XXXIV. Acresce que o Recorrido podia fazer-se substituir por qualquer outro instrutor, caso não pudesse ou não quisesse realizar determinada atividade, (art. 53º), o que é completamente incompatível com a inserção do prestador em qualquer estrutura organizativa, já que aqui faltaria o intuito personae tão característico e essencial a uma relação laboral, e necessário à inserção numa estrutura hierárquica.

XXXV. Provou-se que o Recorrido apenas teria que utilizar equipamento padronizado na atividade de personal trainer e rotas de sala (Member Interraction) (art. 37º, e 38º), por questões de marketing, organização, uniformização e apresentação de imagem dos colaboradores, servindo para diferenciar dos utilizadores e demais pessoas que frequentem o ginásio, motivo pelo qual na actividade das aulas de grupo, o Recorrido não estava identificado e utilizava o equipamento que bem entendia, uma vez que a actividade em questão decorria isoladamente em estúdio (art. 39º).

XXXVl. No que diz respeito à formação inicial, esta foi paga pelo Recorrido (art. 7º), o que revela que o Recorrido atua por sua conta e risco, como profissional liberal que é, utilizando as formações para sua valorização profissional.

XXXVII. A referida formação inicial de personal trainer (PT CC) era de carácter obrigatório, para uniformização de procedimentos base relacionados com a prestação dos instrutores pois existe um padrão a obedecer em todos os clubes DD, quer a nível nacional, quer a nível internacional de acordo as recomendações da EE(…) sendo a sua adaptação ao caso concreto feita pelo instrutor (art. 3º a 6º).

XXXVIII. Conforme provado no art. 35º cabia ao Recorrido criar os treinos adequados às necessidades do cliente de forma livre, definindo se o treino seria metabólico ou de resistência muscular, e dentro de cada um dos tipos de treinos, adaptava os exercícios consoante a idade, peso, metabolismo e objetivos dos treinandos, fazendo-o de acordo com as suas valências, estilo, sabedoria e experiência adquirida ao longo do seu percurso profissional, quer dentro do DD, quer fora do mesmo.

XXXIX. Sendo, ainda, de referir que as linhas orientadoras que se discute[m] no caso do treino personalizado, existiam por uma questão de segurança, pois deverá ser assegurado, pelo próprio DD ao seus clientes, que os seus serviços são prestados sem qualquer risco para a integridade física e, até, a vida dos clientes.

XL. No que diz respeito às aulas de grupo, o Recorrido tinha plena autonomia técnica, sem necessidade, sequer, de recorrer a formação específica, uma vez, que, cabia a este, dentro do tipo de aula em questão, criar as respectivas coreografias, ritmos, esquemas e músicas pela forma como bem entendesse.

XLI. Esclareça-se que as aulas que "obedeciam a corografias, ritmos, esquemas e músicas cujos direitos eram previamente adquiridos pela Ré?" (art. 26º) dizem respeito a uma pequena parte das aulas de grupo ministradas pelo Recorrido, denominadas "...", as quais têm que obedecer a coreografias, esquemas e regras definidos por entidades que concedem uma licença de utilização de aulas por si criadas, a "...", comercializadas para todos os ginásios da DD do país e outras entidades exploradoras de ginásios., como é o caso das cadeias "S... e "F..."

XLII Estas formações são ministradas diretamente pela "...", com quem os instrutores contratam diretamente, pagando os respetivos custos.

XLIII. Na maioria das aulas ministradas pelo Recorrido, o Autor tinha plena autonomia técnica, como é o caso das aulas referenciadas no art. 15º-- aliás as únicas aulas de grupo que estão provadas nos autos como ministradas pelo Recorrido, pois estas aulas não são compradas à "..." ou a qualquer outra entidade formadora, sendo que o Recorrido criava as aulas como bem entendia.

XLIV. Mais acrescenta ao afastamento deste índice, não ter sido demonstrado que a Recorrente exercesse uma efetiva supervisão e avaliação do Recorrido, pois na verdade, não resulta da matéria provada que a Recorrente, de alguma forma, dirigisse e orientasse a atividade do Recorrido.

XLV. O F… não determinava como é que o Recorrido deveria exercer a sua atividade, cabendo-lhe unicamente a função de coordenar as atividades, estabelecendo os horários destas, consoante a disponibilidade dos instrutores, por forma a assegurar o normal funcionamento do clube (art. 40º e 41º).

XLVI. Repare-se que no art. 46º apenas se consigna que a "ré realizava semanalmente reuniões com os instrutores", mas não refere o que visavam estas reuniões, nem se o Recorrido era obrigado a comparecer às mesmas, e muito menos se se verificava tal comparência.

XLVII. No que diz respeito à suposta avaliação do Recorrido, não se provou que tivesse carácter obrigatório, nem o respetivo objetivo, nem as implicações para o Recorrido caso a referida avaliação fosse positiva ou negativa, o que não é suficiente para demonstrar qualquer índice de subordinação jurídica do Recorrido à Recorrente.

XLVIII. No que diz respeito aos objetivos a que se referem os artigos 8º a 10º dos factos provados, não foi provado que os mesmos implicassem qualquer consequência para o Requerido, quer os atingisse ou não.

XLIX. Desconhece-se se o Recorrido, ao longo de todos estes anos que prestou atividade à Recorrente, atingia os referidos objetivos, e respetivas consequências, desconhecendo-se, inclusivamente, o valor dos alegados objetivos, e os valores atingidos pelo Recorrido.

L. Esclarece-se, que, tal como provado, os clientes de treinos personalizados podiam ser ou não angariados diretamente pelo Recorrido (art. 28º), e quando angariados pela Recorrente, podiam ser recusados pelo Recorrido (art. 34º), pelo que a interpretação dos artigos 8º a 13º não poderá ser no sentido de que o atingimento dos objetivos dependesse das atribuições de orientações iniciais de novos sócios aos instrutores até porque estas orientações podiam ou não ser aceites pelos instrutores, tal como refere o art. 13º.

LI. Assim, não assiste razão ao Tribunal a quo em vir concluir que o Recorrido não exercia a sua atividade com total autonomia, pelo facto de a Recorrente disponibilizar aos instrutores a possibilidade de prestarem orientações iniciais aos novos sócios com vista a venderem treinos personalizados, pois o alcance dos alegados objetivos não dependiam das orientações iniciais, podendo, até, ser atingidos na totalidade pela angariação direta dos instrutores.

LII. Por último, não pode deixar também de acrescentar ao afastamento deste índice de laboralidade o facto de o Recorrido não se encontrar sujeito a um dever de facere característico de uma relação laboral, o que resulta do facto de não ter sido provado que o Recorrido estivesse obrigado a prestar um número mínimo de horas de atividade, nem que fosse obrigado a aceitar todas as propostas da Recorrente para as atividades em questão, fossem elas de vigilância, aulas de grupo ou treino personalizado.

LIII. Não é verdade que no caso dos autos houvesse lugar a férias em períodos convenientes ao beneficiário da prestação, pois o que resultou provado foi, outrossim, que o instrutor "podia agendar as suas férias sendo desaconselhado tal marcação nos meses de janeiro, maio, junho, setembro e outubro" - art. 54º (sublinhado nosso).

LIV. Não se demonstra que o Recorrido não pudesse tirar férias quando queria, mas apenas não ser aconselhável nos referidos meses, por, obviamente, existir uma maior afluência de sócios, que serviria os interesses da Recorrente, e também do Recorrido, pois seriam os meses para si mais rentáveis.

LV. Assim, não se verificando todos os indícios estabelecidos na presunção legal de laboralidade, ao Recorrido impendia o ónus de alegar e provar estarem preenchidos os elementos constitutivos do contrato de trabalho, através da demonstração dos pertinentes índices de laboralidade, mediante factos que os integrem, conforme o disposto no art. 342º nº 1 do Código Civil, o que não logrou fazer.

LVI. Mas, ainda, que, por mera hipótese académica, se verificassem os índices em questão estabelecidos na presunção do art 12º, ainda assim, a Recorrente, conforme tudo o acima exposto, teria ilidido a presunção de laboralidade, ou seja, provado factos reveladores da existência de uma relação jurídica de trabalho autónomo, nos termos do art. 350º do Código Civil.

LVII. Contrariamente ao vertido no Acórdão, alia douto, não resulta dos autos que o Recorrido estivesse sujeito ao poder disciplinar, pois nem sequer se vislumbra existir a hipótese de ver sancionada uma determinada conduta, já que o Recorrido não estava sujeito ao controle, supervisão e direção da Recorrente.

LVIII. Não foi demostrado que o incumprimento de regras implicasse para o Recorrido qualquer consequência, pois este jamais foi ou seria sancionado face a tal cumprimento, o que é revelador da inexistência de subordinação jurídica

LIX. O Recorrido não tinha necessidade de justificar as suas ausências, podendo fazer-se substituir sem necessidade de colher autorização da beneficiária da atividade, o que afasta desde logo qualquer possibilidade de exercício de poder disciplinar.

 LX. Neste pressuposto, inexiste o intuitu personae que é próprio e essencial à relação de trabalho, sendo este o elemento preponderante da relação laboral.

LXI. Nos termos do art. 11º do Código de Trabalho "Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob autoridade destas", prevendo também o art. 10º do Código de Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto, aplicável no caso concreto: "Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas." (sublinhado nosso),

LXII. A jurisprudência dominante do STJ entende que a prestação laboral é infungível, pelo que, o facto do sujeito que presta a actividade ter a faculdade de se fazer substituir por outra pessoa tem obrigatoriamente que significar que a relação jurídica é de prestação de serviços, sendo que em caso de dúvida sobre a qualificação jurídica do contrato, atender-se-á à existência ou não da exigência do carácter pessoal da prestação, nomeadamente, a possibilidade ou não da dita substituição.

LXIII. Acresce o nomen iuris atribuído ao contrato assinado entre as partes, e o consequente regime estabelecido através do mesmo, assim como as obrigações voluntariamente assumidas pelo Recorrido no que diz respeito:

- a estar sujeito ao regime fiscal de trabalhador independente e emitir os competentes recibos verdes;

- a não reclamar ou receber subsídios de férias e de Natal.

 LXIV. Encontra-se provado que o Recorrido, durante a vigência desta relação jurídica, nunca reclamou junto da Recorrente a natureza do contrato, nem o pagamento de subsídio de férias e de Natal.

LXV. Por último deverá ser acolhida a orientação que tem vindo a ser seguida pelos Tribunais quanto à relação de instrutores com ginásios/health clubs, fundamentada no decidido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/12/2015, no âmbito do processo 67/13.1TTBCL qual decidiu em situação análoga aos presentes autos pela não existência de contrato de trabalho, e que foi levada expressamente em consideração pelo Tribunal de Ia instância, por incidir em relação jurídica análoga à dos presentes autos.

LXVI. Pergunta-se, relativamente à referida jurisprudência, quais as "dissonâncias emergentes da matéria de facto" que não permitem "aplicá-la sem margem de ponderação dos concretos termos em que a atividade é exercida no caso concreto", pois a haver dissonâncias, estas resultariam sempre a favor da Recorrente, quando, em rigor, no caso dos autos, nem sequer se verificam índices de laboralidade tão fortes quanto aos do aresto do STJ que decidiu pela não existência de contrato de trabalho.

LXVII. Face ao exposto, facilmente se conclui que o Recorrido não era trabalhador dependente da Recorrente, pelo que andou mal o Tribunal a quo em considerar que entre as partes vigorou um contrato de trabalho, condenando a Recorrente no peticionado.

 LXVIII. Caso assim se não entenda, sem conceder, e por mera cautela (extrema) de patrocínio, ainda que (por absurdo) se considerasse verificada a relação laboral alegada pelo Recorrido, sempre se diria que o mesmo estaria a exercer o direito de vir exigir o pagamento das quantias peticionadas em manifesto abuso de direito.

LXIX. Conforme demonstrado, o Recorrido, durante todo o período em que prestou serviços à Ré, nunca exigiu o seu enquadramento jurídico como trabalhador dependente, nem exigiu o pagamento das quantias que alega ter direito, beneficiando fiscalmente da situação configurada como regime de trabalhador independente, e, bem assim, de toda a autonomia para exercer a sua actividade junto da Recorrente quando e da forma que bem entendesse,

LXX. Pelo que sempre se configuraria um venine contra factum proprium por parte do Recorrido, encontrando-se o mesmo a alegar em pleno abuso de direito nos termos do art. 334º do Código Civil, excepção peremptória impeditiva do direito alegado pelo Autor, invocada pela Ré, ora Recorrente, à qual deveria ter sido dado acolhimento.

LXXI. Por último, e mais uma vez sem conceder, ainda que se considerasse a existência de uma relação laboral entre as partes, não podia a Recorrente ser condenada ao pagamento de créditos laborais, e indemnização nos termos em que decidiu o Tribunal da Relação.

LXXII. Não foram considerados provados nos autos os valores auferidos pelo Recorrido, nem tão pouco foi provado o número de horas prestadas pelo Recorrido e o correspondente valor hora dos honorários pagos pela atividade desenvolvida pelo Recorrido para que fosse possível contabilizar os valores recebidos.

LXXIII. O Recorrido não provou porque não quis, pois dispunha de documentação para o fazer, e tanto assim é, que alegou na sua petição os concretos valores recebidos anualmente, apurando uma média de rendimentos que, na sua teoria, deveria corresponder ao valor base da sua retribuição.

LXXIV. Por fim, salvaguardando mais uma vez o devido respeito, e sem conceder de todo o acima exposto, sempre deverá ser considerada inconstitucional a interpretação do art. 12º do CT realizada pelo Tribunal a quo.

LXXV. Na verdade, esta interpretação no sentido de que o Recorrido beneficia a seu favor de uma presunção de existência de contrato de trabalho sempre violaria o princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição da República Portuguesa.

LXXVI. Apenas estariam demonstrados nos autos uma pequena parte dos índices da presunção, os quais não assumem relevância para a caracterização da natureza do contrato, pelo que a sua verificação jamais deveria implicar que se presumisse a existência de uma relação laboral, pois beneficia infundadamente o Recorrido, nomeadamente no que diz respeito ao ónus da prova.

LXXVII. Pelo que, também por esta razão, deve o presente recurso ser julgado procedente.”

O recorrido formulou as seguintes conclusões:

I-    O douto acórdão recorrido julgou a apelação parcialmente procedente, reconhecendo que a relação estabelecida entre A. e R. entre 15/08/2007 e 28/05/2015 consubstancia um contrato de trabalho, sendo a R. condenada a pagar ao A. os créditos decorrentes da cessação do contrato bem como indemnização em substituição da reintegração;

II-     O recorrido concorda com os termos do douto acórdão proferido, dado que a decisão da 1ª instância infirmava de uma interpretação e extração de conclusões não consonantes com o acervo fáctico dado como provado;

III-    Tendo a relação entre as partes tido início em 15/08/2007 (Doc. de fls. 29 a 36), é-lhe aplicável o regime legal decorrente do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27/08, com as alterações da Lei n.º 9/2006 de 20/03, nos termos do qual o contrato de trabalho era aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, sob autoridade e direção destas (art.º 10º) e presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as ordens, direção e fiscalização deste, mediante retribuição (art.º 12º, na sequência da alteração de 2006, estando em vigor à data de celebração do contrato).

IV-   A qualificação ou nome dado pelas partes ao contrato que celebraram, o "nomen iuris" aposto nos contratos, não é um elemento decisivo na respetiva qualificação jurídica, que deverá antes ser estabelecida em função dos elementos materiais de diferenciação que se encontrem patentes na execução do contrato;

V-     A distinção entre esses dois institutos (contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços), tem sido analisada de forma recorrente, sendo vasta a jurisprudência dos Tribunais Superiores (cfr. diversos acórdãos indicados);

VI- A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço, assenta em dois elementos essenciais: o objeto do contrato (prestação de atividade ou obtenção de um resultado) e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia);

VII-  Frequentemente, não se consegue determinar se a obrigação assumida foi a de "prestar uma atividade intelectual ou manual", própria do contrato de trabalho, ou se consiste em "proporcionar certo resultado do trabalho intelectual ou manual", própria do contrato de prestação de serviço, sendo que em ambas as figuras existe uma alienação de trabalho e ambas visam sempre um resultado, sendo que todo o trabalho conduz a um resultado e este não existe sem aquele. Por isso, em última análise, é o relacionamento entre as partes — a subordinação ou autonomia — que permite atingir aquela distinção.'

VIII- Várias vezes, a fronteira entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços mostra-se muito ténue, quer quanto ao maior ou menor ao grau de autonomia do alegado trabalhador, quer quanto à possibilidade de inserção do mesmo na organização empresarial do dador de trabalho e/ou da possibilidade de sujeição daquele a alguma ingerência, com maior ou menor intensidade, deste na atividade daquele, designadamente a nível de orientações e fiscalização, que não são totalmente incompatíveis com a existência de um contrato de prestação de serviços como, por vezes, acentuado pela jurisprudência, pelo que poderão recortarem-se situações em que poderá ter cabimento a aplicação da presunção do artigo 12° do Código do Trabalho de 2003.

IX-    Este é o caso dos presentes autos;

X-     Nos termos do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, em 08/06/2017 (processo n.º 3761/16, Relator Moisés Silva): "Ainda que as partes qualifiquem a relação negocial como prestação de serviços, esta qualificação não pode prevalecer se as caraterísticas reais demonstram que a relação existente constitui antes um contrato de trabalho. Assim, a vinculação a horário e local de trabalho, o controlo de atividade e subordinação jurídica, aliadas à titularidade dos instrumentos de trabalho e à atribuição de uma retribuição certa calculada em virtude do tempo de trabalho, são caraterísticas que, se verificadas, demonstram a existência de uma relação laboral que deve ser qualificada como tal, não admitindo outro tipo. No particular, fica demonstrado que a trabalhadora desempenhou diariamente a atividade de acompanhamento e apoio aos idosos, observando as horas de início e de termo definidas peia empregadora, assegurando regularmente turnos por dias consecutivos organizados em escala. Estava ainda, obrigada a informar da necessidade de trocas de serviço e dependente quer dos equipamentos utilizados que lhe eram fornecidos, quer economicamente de uma quantia monetária mensal. Verificando-se ainda a subordinação jurídica com que a trabalhadora exercia a sua atividade, está consubstanciada uma efetiva prestação de trabalho, não se podendo manter o contrato de prestação de serviços por ficar demonstrado que a relação jurídica existente constitui um contrato de trabalho".

XI-   O Autor exerceu funções de personal trainer (treino personalizado) e de instrutor de aulas de grupo, e estas funções englobavam trabalhos de pesquisa, preparação e organização de estudos, projetos e eventos, preparação de aulas, e frequência de formações específicas;

XII-  Para qualificação do contrato, terá de se proceder à análise do condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da atividade no âmbito daquela relação jurídica, prevalecendo a execução efetiva em caso de contradição entre o acordado e o realmente executado, havendo que interpretar os indícios suscetíveis de permitirem, casuisticamente, uma indagação de comportamentos em conformidade, perseguindo os indícios negociais internos e externos, prevalecendo o que conjugadamente resulte preponderante, sendo realizado um juízo final de globalidade;

XIII- O laço de subordinação jurídica resulta da circunstância de o trabalhador se encontrar submetido à autoridade e direção do empregador que lhe da ordens, enquanto na prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se apenas o resultado da atividade. A subordinação jurídica que carateriza o contrato de trabalho decorre precisamente daquele poder de direção que a lei confere à entidade empregadora (art.º 150º) a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador (art.º 121º, n.ºs 1 al. d) e 2);

XIV- Se no plano teórico esta questão parece fácil, na prática é difícil de concretizar, tanto mais quando o trabalhador (como se reveste o caso dos autos) detém autonomia técnica. Tal como consta inclusivamente da sentença de primeira instância, e como é jurisprudência uniforme, impõe-se que recorramos a indícios reveladores da existência de subordinação jurídica (elemento de excelência caracterizador do contrato de trabalho);

XV-  A subordinação jurídica (ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador) e a subordinação económica são relevantes. O nomen iuris do contrato terá de ser valorado, mas isto quando houve uma negociação detalhada, ponderada e refletida, o que não sucedeu no caso concreto. Será irrelevante se, na execução do contrato, o comportamento das partes e o enquadramento em que o mesmo se desenvolve, permitir decidir por outra qualificação;

XVI- As aulas de grupo (que o Autor ministrava) tinham horários fixos, e para além do treino personalizado que também ministrava, tinha rotas de ginásio definidas ("member interation"), com um número mínimo de horas fixado, e também orientações iniciais, atribuídas pela Ré, conforme o número de inscrições que existissem em determinado período;

XVII-              Apesar de todas as testemunhas referirem que detinham alguma liberdade funcional, o que é certo é que não podiam exercer as mesmas funções em ginásios concorrentes, fora do Grupo DD (podia ministrar aulas de grupo, noutros ginásios do Grupo DD, mas no que respeita ao treino personalizado, só podia exercer essas funções no DD de ...);

XVIII- O autor, no caso sub judice, obrigou-se a prestar serviços de instrutor de ginástica, mediante a solicitação da Ré, a qual lhe exigiu a frequência de uma formação inicial para o efeito com vista à uniformização de procedimentos base relacionados com a atividade dos instrutores;

XIX- E, no âmbito daquilo a que se obrigou o Autor, como "personal trainer", efetuou a vigilância da piscina e ministrou aulas denominadas ...(OFT), treinos individualizados a vários clientes do ginásio ("personal training"), prestava as denominadas "orientações iniciais" a alguns clientes aquando da sua inscrição no ginásio e deu apoio à sala de exercício ("...");

XX-  Resultou provado que o a ré estabelecia objetivos mensais para cada um dos seus ginásios, objetivos que eram transmitidos pelo "Gym Manager" aos instrutores (e onde se incluía o autor);

XXI- Existiam normas /diretrizes que tinham de ser cumpridas pelo autor, não só as referentes ao padrão base da empresa, como também a forma de prestação das funções;

XXII- Existiam superiores hierárquicos: Gym Manager; Fitness Manager; Master Trainer e Trainees, a quem o Autor reportava. Era efetuado um controle das aulas, do cumprimento das coreografias e havia uma avaliação regular. Havia reuniões semanais regulares para que fossem debatidas questões diversas e acima de tudo fixados os objetivos e as estratégias para que os mesmos fossem cumpridos;

XXIII- A autonomia técnica não constitui um óbice, por si, à qualificação da situação jurídica no âmbito laboral. Poderíamos até equiparar, em termos de lógica de raciocínio, a autonomia técnica do A., em parte do exercício das suas funções (nomeadamente na prescrição dos treinos adequados à constituição física do cliente; aos objetivos deste ou até à limitações por via de saúde ou idade) a outras tipologias de funções tais como: fisioterapeutas; professores; advogados; médicos; arquitetos, técnicos comerciais, etc.

XXIV- As diferentes tipologias de horários que poderão existir numa relação laboral decorrentes da própria Lei do Trabalho, as diferentes formas de organização do período normal de trabalho, e as diferentes tipologias de contrato que a lei prevê, permitem cada vez mais, uma maior abrangência de análise e de enquadramento, da qual não nos poderemos alhear, (veja-se Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 26/09/2016, Proc. 40/16.8T8PNF.P1, Relator Paula Leal de Carvalho);

XXV-              A matéria de facto provada e a análise crítica da prova efetuada, permitem concluir no sentido da verificação, em termos factuais, dos pressupostos base para a existência de um contrato de trabalho:

- Inserção do prestador da atividade na estrutura organizativa do beneficiário;

- Realização da prestação sob as ordens e direção e fiscalização deste (estava subordinado às instruções da Ré, exercia a sua atividade na organização desta);

- Recebimento de retribuição e dependência daquele em relação a este;

- A atividade era prestada sob as ordens e direção da Ré: existência de um horário de trabalho que, conquanto parcialmente acordado com a Ré, uma vez estabelecido, deveria ser cumprido, (embora não seja totalmente incompatível com a existência de um contrato de trabalho que aquele, ou suas alterações, sejam acordadas entre as partes da relação contratual);

- Houve também a imposição de farda e era efetuado o agendamento das férias;

- A remuneração em função do tempo de trabalho é também admitida no contrato de trabalho;

- O facto de se encontrar inscrito na Segurança Social como trabalhador independente, não tem relevo significativo, nem é determinante da existência de um contrato de prestação de serviços, pois em caso de existência de contrato de trabalho, o mais que se poderá dizer é que consubstancia incumprimento das obrigações legais em matéria de Segurança Social;

XXVI- Com vista à realização e cumprimento dos objetivos que estabelecia, a Ré disponibilizava um plano de treino ao cliente, aquando da sua inscrição no ginásio, plano que distribuía pelos instrutores que manifestavam disponibilidade para as aulas de treino personalizado;

XXVII- Bem concluiu o douto acórdão recorrido, ao decidir pela existência de um contrato de trabalho, dado que a atividade não era exercida com total autonomia por parte do autor. Nomeadamente:

XXVIII- A prestação do A. desenrolava-se nos períodos de tempo que a Ré organizava em mapa mensal (apesar de esta levar em consideração as indicações de disponibilidade comunicadas previamente pelos instrutores);

XXIX- As aulas de grupo obedeciam a coreografias, ritmos, esquemas e músicas cujos direitos eram previamente adquiridos pela Ré, cabendo assim a esta a definição do tipo de aulas a ministrar pelo A.;

XXX-              Os treinos personalizados (treinos individualizados ou "personal training"), podiam ser angariados pelo autor ou pela ré, havendo uma componente de autonomia na marcação/ agendamento dos treinos (cfr. disponibilidades), mas esta autonomia era algo mitigada por pressupor a anotação dos treinos que aqueles frequentavam e comunicação dos mesmos à R., que processava o preço das aulas aos clientes e pagava ao A. o valor acordado;

XXXI- Sem prejuízo da autonomia do autor (em consequência da necessidade do próprio cliente - nomeadamente se um treino era metabólico ou de resistência muscular; adaptando os exercícios consoante a idade, peso, metabolismo e objetivos das pessoas a quem ministrava os treinos), existia um padrão a obedecer em todos os Clubes DD;

XXXII- No exercício das suas atividades o autor usava meios / instrumentos (máquinas / instalações) disponibilizados e fornecidos pela Ré e usava equipamento (roupa / vestuário) em conformidade com as regras existentes na mesma, que permitia a sua identificação;

XXXIII- Existia um coordenador de atividades e vigilância sobre a piscina e aulas de grupo com os instrutores. Ao Fitness Manager /Wellness Manager cabia a função de coordenar as atividades de "...", vigilância de piscina e as aulas de grupo, elaborando um mapa mensal com toda a atividade de "..." do Clube, indicando horários e instrutores às mesmas adstritos nesse mês;

XXXIV- O autor estava sujeito a avaliação (fazia exames escritos anuais, elaborados pela Ré, os quais incidiam sobre as metodologias de treino e anatomia exigindo como satisfatório um valor superior a 80%;

XXXV- No ginásio de ... existia um "Master Trainer", a quem cumpria avaliar as metodologias adotadas pelos "personal trainers" no decurso dos treinos, controlando conexamente os serviços, incluindo avaliação qualitativa;

XXXVI- Face a todos os elementos enunciados, o acórdão recorrido concluiu "tendo-se o apelante vinculado à prestação de uma determinada atividade, mediante retribuição, parece certo que o vínculo que assumiu se desenvolveu num quadro de sujeição à autoridade da contraparte. (...) emerge a submissão a controlo mediante a vigilância de aulas e atividades de piscina, bem como a sujeição a avaliações, o que é indício da presença de poderes de autoridade sobre o prestador da atividade. O mesmo se pode dizer acerca do estabelecimento de objetivos.

Complementam estes indícios os relativos à utilização de meios e instrumentos pertencentes ao beneficiário da prestação.

Por outro lado, evidenciando-se alguma autonomia ao nível do horário, a mesma não era total. Essa limitação refletia-se também nos períodos de férias. Também não existia autonomia ao nível das aulas ministradas que, conforme dissemos, obedeciam a planos previamente delineados, o mesmo não se verificando quando em presença dos treinos personalizados.

O facto de haver possibilidade de prestação de atividade a terceiros pesa no sentido de uma vinculação distinta do contrato de trabalho.

Mas, sem que se tivesse provado a concretização de tal possibilidade, os indícios presentes apontam de modo mais forte, todos eles no sentido do desenvolvimento de um vínculo mais condicente com o contrato de trabalho, não obstante a liberdade atinente ao desenvolvimento das funções relativas aos treinos personalizados. (...) Concluímos pois que estamos em presença de contrato de trabalho."

XXXVII- Teremos sempre de atender aos seguintes factos dados como provados em sede de primeira instância, nomeadamente: 4. O autor frequentou um curso de formação inicial // 5. O curso de formação inicial era de caráter obrigatório, sendo exigido pela ré // 6. ... Com vista à uniformização de procedimentos base relacionados com a atividade dos instrutores // 8. A ré estabelecia objetivos mensais globais para cada um dos seus ginásios // 14. O autor prestou a sua atividade no DD - …, a partir de agosto de 2007 até 8 de maio de 2015 // 15. O autor, como "personal trainer", efetuou a vigilância da piscina e ministrou aulas denominadas ...(...) // 16. ...E treinos individualizados e vários clientes do ginásio (personal training) //17. Prestava as denominadas "orientações iniciais" a alguns clientes aquando da respetiva inscrição no ginásio e // 18. Apoio à sala de exercício ("...") // 19. O que fez nos períodos de tempo "mapa de horário" que a ré organizava; //20. Designadamente aquando do apoio à sala de exercício // 22. O mapa de horário em que cada um dos instrutores assegurava o apoio à sala de exercício ("... "), era organizado pela ré // 23. Em mapa mensal // 26. As aulas de grupo obedeciam a coreografias, ritmos, esquemas e músicas cujos direitos eram previamente adquiridos pela ré // 27. O autor procedia ainda a treinos personalizados (treinos individualizados ou "personal training") // 28. Os clientes dos treinos personalizados podiam ser angariados pelo autor (diretamente) ou pela ré; //36. No exercício das referidas atividades o autor utilizava os meios / instrumentos (máquinas / instalações) disponibilizados e fornecidos pela ré // 37. E usava equipamento (roupa / vestuário) em conformidade com as regras vigentes na ré, nomeadamente que permitissem a identificação dos instrutores / personal trainers quando desenvolvessem a sua atividade dentro do ginásio // 40. Ao Fitness Manager / Wellness Manager cabia a função de coordenar as atividades de "..." vigilância de piscina e as aulas de grupo com os instrutores, por forma a serem asseguradas estas atividades no clube aos seus sócios //41. O ... elaborava mensalmente um mapa com toda a atividade de "..." do clube e vigilância de piscina, indicando os horários e instrutores às mesmas adstritos nesse mês // 42. No que levava em consideração a disponibilidade manifestada pelos mesmos // 43. O autor fazia exames, escritos e anuais, elaborados pela Ré // 44. Os quais além do mais incidiam sobre as metodologias de treino e anatomia, etc. // 45. Tal exame exigia como satisfatório um valor superior a 80% // 46. A Ré realizava semanalmente reuniões com os instrutores // 47. No Ginásio de ... existia um Master Trainer// 48. A quem cabia avaliar as metodologias adotadas pelos personal trainers no decurso dos treinos // 49. Controlando conexamente os serviços, incluindo avaliação qualitativa prestados pela Ré // 52. A Ré registava as horas de serviços prestados, designadamente para efeitos de contabilização de honorários; (...)"

XXXVIII- Existe, assim, contrato de trabalho porque existe inserção do prestador da atividade na estrutura organizativa do beneficiário; realização da prestação sob as ordens e direção e fiscalização deste (factos provados 4 a 6, 8 e 9, 35, 40, 43, 46, 47 a 49); recebimento de retribuição e dependência daquele em relação a este (documentos 16 a 22 juntos com a petição inicial); prestação da atividade sob as ordens e direção da Ré: existência de um horário de trabalho (factos provados 19, 22, 23, 24, 30, 32, 41, 42) que, conquanto parcialmente acordado com a Ré, uma vez estabelecido, deveria ser cumprido. Aliás, no que se refere ao horário de trabalho, não é totalmente incompatível com a existência de um contrato de trabalho que aquele, ou suas alterações, sejam acordadas entre as partes da relação contratual;

Houve também a imposição de farda (factos provados n.ºs 37 e 38) e era efetuado o agendamento das férias (factos provados n.ºs 54 e 55);

XXXIX- No que se reporta a remuneração, e como bem refere o douto acórdão recorrido, não vemos que a mesma seja incompatível com a existência de contrato de trabalho. A remuneração em função do tempo de trabalho é também admitida no contrato de trabalho (facto provado n.º 56).

XL- Quanto ao facto de se encontrar inscrito na Segurança Social como trabalhador independente (facto provado n.º 58), tal facto não tem relevo significativo, nem é determinante da existência de um contrato de prestação de serviços, pois que, em caso de existência de contrato de trabalho, o mais que se poderá dizer é que consubstancia incumprimento das obrigações legais em matéria de Segurança Social.

XLI- No sentido do presente acórdão recorrido, foi proferida decisão na primeira instância, também no Tribunal do Trabalho de Cascais (Processo n.º 1358/16.5T8CSC - Juiz 3), que apesar de ainda não transitada em julgado, em ação em tudo semelhante, concluiu o seguinte (com relevo):

"(...) Por vezes fazendo apelo à comparação ou paralelismo com outras situações consegue-se mais facilmente apreender a situação que ao caso interessa. Vejamos o exemplo dum eletricísta contratado pela ré para fazer a manutenção das suas instalações no âmbito dum contrato de prestação de serviços. Aceitaríamos como normal que a ré para contratar um eletricista lhe exigisse que ele fizesse uma formação proporcionada pela ré (mas paga pelo eletricista), ou que anualmente exigisse que o eletricista fizesse um teste/exame de avaliação de conhecimentos - como a ré exige aos seus personal trainers? Aceitaríamos como normal que a ré desse ao eletricista um guião de boas práticas, com indicações de como mudar lâmpadas ou substituir fusíveis fundidos - como faz relativamente aos "guidelines" e "templates" com fórmulas de treino? Aceitaríamos como normal que a ré desse ao eletricista indicação para enquanto estivesse a mudar as lâmpadas adotasse determinada postura corporal, por exemplo apoiar a mão na cintura - como dava aos personal trainers a indicação de adotarem a postura de joelho no chão? Aceitaríamos como normal que o chefe de manutenção da ré durante a atividade do eletricista o observasse/fiscalizasse e comentasse a sua prestação e lhe desse conselhos ou orientações e o questionasse porque tinha mudado a lâmpada de determinada maneira e não de outra -como o master trainer e o Fitness Manager fazem com os personal trainers? E o que dizer do eletricista ser convocado para reuniões semanais com o chefe da manutenção para discutir por exemplo medidas para poupar energia?

(...) O Tribunal está em crer que não. Não porque não é normal. O normal num contrato de prestação de serviço é a autonomia do prestador e é a obtenção do resultado contratado. Não é normal na prestação de serviços o beneficiário da atividade impor/sugerir/indicar/orientar a atividade que conduz ao resultado. Não é normal na prestação de serviços o prestador ser convocado para reuniões semanais ou fazer exames anuais ou dever adotar determinada postura corporal durante a prestação da atividade. Sobretudo não é normal estabelecer objetivos comerciais mensais que passem pela venda de produtos ou serviços e convocar para reuniões semanais para debater tais objetivos e estratégias de os alcançar. Assim pelo supra referido, não se pode concluir de outra forma que não pela subordinação jurídica do autor perante a ré durante a execução do contrato. Ora, reconhecendo que a atividade desenvolvida pelo autor para a ré e a forma como o foi se situa numa zona fronteira em que a distinção entre contrato de trabalho e prestação de serviços é ténue, e não desconhecendo que neste Tribunal de Cascais situações aparentemente semelhantes tiveram conclusões diferentes, (...) ainda assim considera o Tribunal que o autor fez prova de estar e sempre ter estado numa posição de subordinação jurídica relativamente à ré e tanto basta para concluir que o contrato que existiu entre as partes foi efetivamente um contrato de trabalho. Assim julgo reconhecida a existência de um contrato de trabalho nos termos pretendidos pelo autor.

XLII- Da análise e conciliação de todos estes aspetos, resultou que o contrato do A. era um contrato de trabalho, no mesmo se evidenciando sujeição à autoridade do empregador, não obstante a presença em simultâneo de elementos de autonomia (decorrentes do tipo de atividade prestada).

XLIII- Nesse sentido (da laboralidade da relação jurídica contratual):

-        Ac. STJ de 28-01-2016 Processo n.º 2501/09.6TTLSB.L2.S1 (Revista) - 4.ª Secção Pinto Hespanhol (Relator) Gonçalves Rocha Leones Dantas;

-        Ac. do STJ de 21-05-2014 Recurso n.º 517/10.9TTLSB.L1.S1 - 4.ª Secção Mário Belo Morgado (Relator) Pinto Hespanhol Fernandes da Silva;

- Ac. do STJ de 18-09-2013 Recurso n.º 2775/07.7TTLSB.L1.S1 - 4.ª Secção Isabel São Marcos (Relatora) Fernandes da Silva Gonçalves Rocha

Ac. do STJ de 25-01-2012 Recurso n.º 805/07.1TTBCL.P1.S1 - 4.ª Secção Pinto Hespanhol (Relator) Fernandes da Silva Gonçalves Rocha

XLIV- Relevante no que concerne ao juízo de "subordinação jurídica" é o Acórdão do STJ de 15-09-2010 Recurso n.º 4119/04.0TTLSB.S1 - 4.ª Secção Vasques Dinis (Relator) Mário Pereira Sousa Peixoto, nos termos do qual:

"l - (...)

II - No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis, sendo indiferente que o respetivo conhecimento se atinja diretamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência.

Ill- (...)

IV - (...)

V - A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço assenta em dois elementos essenciais: o objeto do contrato (prestação de atividade ou obtenção de um resultado); e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).

VI - O contrato de trabalho tem como objeto a prestação de uma atividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador conformar, através de ordens, diretivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou; diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efetiva por si, com autonomia, sem subordinação à direção da outra parte.

VII - A subordinação jurídica, característica basilar do vínculo laboral e elemento diferenciador do contrato de trabalho, implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.

VIII - A determinação da existência de subordinação jurídica e dos seus contornos consegue-se mediante a análise do comportamento das partes e da situação de facto, através de um método de aproximação tipológica.

IX - A subordinação apenas exige a mera possibilidade de ordens e direção e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo, muitas vezes, a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens diretas e sistemáticas da entidade patronal, o que sucede sobretudo em atividades cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador.

X - Nas situações que se situam em zonas de fronteira entre o contrato de trabalho e outras espécies contratuais, para além do critério do relacionamento entre as partes, torna-se necessário proceder à análise da conduta dos contraentes na execução do contrato, recolhendo do circunstancialismo que o envolveu indícios que reproduzem elementos do modelo típico do trabalho subordinado ou de outro, por modo a poder-se concluir, ou não, pela coexistência no caso concreto dos elementos definidores do contrato de trabalho.

XI - É de qualificar como contrato de trabalho o vínculo estabelecido entre uma atleta de alta competição e um clube desportivo quando da factualidade provada resulta que as partes quiseram e atuaram efetivamente um relacionamento em que sempre esteve presente a possibilidade de o clube orientar e dirigir a atividade laboral da atleta, ainda que indiretamente, através de um treinador por ele remunerado ou de técnicos de medicina desportiva por ele designados, com sujeição a normas contidas em regulamento disciplinar do próprio clube, tudo tendo em vista a prossecução dos fins a alcançar com a referida atividade da atleta, por ele, clube, definidos."

XLV - A recorrente vem fazer referência expressa ao Acórdão do STJ de 10/12/2015, o qual decidiu pela existência de um contrato de prestação de serviços, ao invés de contrato de trabalho, relativamente a um professor de educação física, alegadamente à semelhança do que deveria ter ocorrido na situação concreta.

XLVI - O facto de a relatora da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães que esteve na base da decisão atrás referida, ser a mesma que proferiu o acórdão ora recorrido, só demonstra claramente (e ao contrário do que a recorrente pretende) que houve uma análise minuciosa, acrescida e ponderada do caso concreto em análise nos presentes autos.

XLVII - O douto acórdão recorrido inclusivamente refere que: "A tanto não obsta a conclusão extraída do Ac. do STJ de 10/02/2015 (mencionado na sentença e nas contra-alegações) que incidiu sobre acórdão relatado pela ora relatora no âmbito do Proc.º 67/13.1TTBCL (RG) visto as dissonâncias emergentes da matéria de facto não permitirem aplicá-la sem margem de ponderação dos concretos termos em que a atividade é exercida no caso concreto".

XLVIII - A atividade, tal como foi prestada, e apreciada nos autos, foi circunstanciadamente analisada, decidindo-se pela existência de um contrato de trabalho, fundada na existência de subordinação jurídica (depois de sopesados todos os aspetos caraterizadores da relação contratual).

XLIX - Por tudo quanto se expôs entende-se que na apreciação global de todos os indícios, é de qualificar como contrato de trabalho o contrato celebrado entre o Autor e a Ré, como muito bem decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa;

L - No que respeita à alegada discordância por parte da recorrente, do facto de ter sido remetida para liquidação de sentença, o cálculo da indemnização decorrente do despedimento ilícito do A. pela R., outra alternativa não existiu para o Tribunal da Relação, por não ter a sentença da Ia instância feito qualquer menção a esses factos.

A partir do momento que se decidiu pela inexistência de qualquer contrato de trabalho, entendeu que não seria relevante analisar a qualificação do despedimento, nem tão-pouco, qualquer compensação que daí decorresse. ("Não se tendo apurado a existência de um contrato de trabalho, improcedem os pedidos demais formulados nos autos, por dela dependerem.")

LI - No entanto, o A. fez essa análise e menção, tendo juntado os documentos comprovativos dos valores recebidos da R. durante todo o período em que perdurou a relação laboral - cfr. Docs. 16 a 22 juntos com a petição inicial e docs. 1 a 5 juntos com o requerimento do A. de 03/10/2016, Refª Citius 23715213);

LII - Havendo a insuficiência dessa matéria ao nível da decisão da 1ª instância, não colmatada pelo acórdão recorrido, facilmente o aqui recorrido poderá liquidar esses valores se necessário for, a não serem atendidos os valores enunciados na petição inicial, devidamente comprovados documentalmente e constantes do processo;

LIII - Entende a recorrente alegar a violação do princípio da igualdade, previsto no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa, por considerar inconstitucional a interpretação do art.º 12º do Código do Trabalho, efetuada pelo Tribunal recorrido. Feita esta referência, não se percebe, nem está devidamente fundamentada qualquer violação de um princípio constitucional, pois foi efetuada a interpretação dos vários aspetos caraterizadores da relação contratual entre as partes, nomeadamente dos integradores da subordinação jurídica, essencial para a caraterização da natureza do vínculo;

LIV - Não existe qualquer violação do princípio da igualdade, não havendo benefício infundado do recorrido, dado que este fez prova de diversos aspetos constitutivos da relação laboral, e o Tribunal recorrido fez uma interpretação da conjugação de todos esses aspetos / fatores;

LV - A alegação, a final, da violação de um princípio constitucional, constitui um "abrir de portas" a uma maior delonga na resolução definitiva do processo, com o que naturalmente não se pode concordar, sendo manifesta má fé processual por parte da recorrente;

LVI - Deverá, assim, o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se os termos do douto acórdão recorrido.”

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO ADJETIVO

Os presentes autos respeitam a ação declarativa comum intentada em 6.05.2016.

O acórdão recorrido foi proferido em 11.04.2018.

Assim sendo, são aplicáveis:

- O Código de Processo Civil (CPC) na versão atual;

- O Código de Processo do Trabalho (CPT), também na versão atual.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO:

Face às conclusões formuladas, são as seguintes, as questões submetidas à nossa apreciação:

1 - Se a relação jurídica em causa nos autos se desenvolveu como contrato de trabalho;

2 - Se o A. ao intentar a presente ação e ao exigir agora o pagamento das quantias peticionadas, configura abuso de direito;

3 - Se, não se tendo provado os valores auferidos pelo A., podia a Recorrente ser condenada ao pagamento de créditos laborais e indemnização nos termos em que decidiu o Tribunal da Relação;

4 - Se a interpretação do art. 12º do Código de Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto, realizada pelo Tribunal a quo, no sentido de que o Recorrido beneficia a seu favor de uma presunção de existência de contrato de trabalho, viola o princípio da igualdade consagrado no art. 13° da Constituição da República Portuguesa.

4 - FUNDAMENTAÇÃO

4.1 - OS FACTOS

A matéria de facto julgada provada pelas instâncias é a seguinte:

1. A ré dedica-se à atividade de exploração e manutenção de Health Clubs;

2. Autor e ré outorgaram o escrito de fls. 29 a 36 dos autos, intitulado “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS”, no qual o autor figura como segundo contraente, e cujo teor qui se dá por reproduzido, designadamente que «…o segundo contraente se obriga a prestar à 1.ª Contraente, após prévia solicitação desta, serviços de Instrutor de Ginástica, preferencialmente em regime de Treino Personalizado (personal trainer)» e, bem assim, «…mediante solicitação da 1.ª contraente, realizar trabalhos de pesquisa, preparação e organização de projetos e eventos sobre matérias relacionadas com a sua prestação de serviços»;

3. Os clubes da ré obedecem a um padrão, quer a nível nacional quer a nível internacional, possuindo os treinos personalizados orientações de acordo com as recomendações da EE(…) sendo a sua adaptação ao caso concreto feita pelo instrutor;

4. O autor frequentou um curso de formação inicial;

5. O curso de formação inicial era de carácter obrigatório, sendo exigido pela ré;

6. … Com vista à uniformização de procedimentos base relacionados com a atividade dos instrutores;

7. Os custos do curso de formação inicial foram suportados pelo autor;

8. A ré estabelecia objetivos mensais globais para cada um dos seus ginásios;

9. Tais objetivos eram transmitidos pelo “Gym Manager” aos instrutores, incluindo o autor;

10. … E abrangiam o nível de venda de treinos personalizados;

11. Para tal, a ré disponibilizava um plano de treino para o cliente aquando da sua inscrição no ginásio;

12. O qual visava, também, o objetivo de vender sessões de personal training com o instrutor;

13. Plano que posteriormente distribuía pelos instrutores que manifestavam disponibilidade para as aulas de treino personalizado;

14. O autor prestou a sua atividade no DD – Unidade da ..., a partir de agosto de 2007 até 8 de maio de 2015;

15. O autor, como “personal trainer”, efetuou a vigilância da piscina e ministrou aulas denominadas ...(…);

16. … E treinos individualizados a vários clientes do ginásio (“personal training”),

17. Prestava as denominadas “orientações iniciais” a alguns clientes aquando da respetiva inscrição no ginásio e

18. … Apoio à sala de exercício (“...”);

19. O que fez nos períodos de tempo “mapa de horário” que a ré organizava;

20. Designadamente aquando do apoio à sala de exercício;

21. Onde eram, levadas a cabo aulas de grupo;

22. O mapa de horário em que cada um dos instrutores assegurava o apoio à sala de exercício (“...”), era organizado pela ré;

23. Em mapa mensal;

24. No qual (a ré) levava em consideração as indicações de disponibilidade previamente comunicadas pelos instrutores…;

25. Através do diretor de condição física (Fitness Manager ou Wellness Manager);

26. As aulas de grupo obedeciam a coreografias, ritmos, esquemas e músicas cujos direitos eram previamente adquiridos pela ré;

27. O autor procedia ainda a treinos personalizados (treinos individualizados ou “personal training”);

28. Os clientes dos treinos personalizados podiam ser angariados pelo autor (diretamente) ou pela ré;

29. Sem prévia aprovação da ré;

30. Quando angariados pelo autor, este geria diretamente as marcações (horários/disponibilidade) com os clientes;

31. Anotando os treinos que os mesmos frequentavam;

32. Os quais depois comunicava à ré;

33. … Que processava o preço das aulas aos clientes e pagava ao autor o valor com o mesmo acordado;

34. Os clientes angariados pela ré para serviços de treino personalizado podiam ser aceites ou recusados pelo autor;

35. Sem prejuízo do padrão a obedecer em todos os clubes DD, nos treinos personalizados, cabia ao autor criar os treinos adequados às necessidades do cliente de forma livre, a saber, definindo se o treino seria metabólico ou de resistência muscular, e dentro de cada um dos tipos de treinos, adaptava os exercícios consoante a idade, peso, metabolismo e objetivos das pessoas a quem ministrava os treinos;

36. No exercício das referidas atividades o autor utilizava os meios/instrumentos (máquinas, instalações) disponibilizados e fornecidos pela ré;

37. E usava equipamento (roupa/vestuário) em conformidade com as regras vigentes na ré, nomeadamente que permitissem a identificação dos instrutores/personal trainer’s quando desenvolvessem a sua atividade dentro do ginásio;

38. Equipamento que podia ter a marca alusiva à ré ou aos seus patrocinadores;

39. Na atividade de aulas de grupo o autor utilizava o equipamento que entendesse;

40. Ao ... cabia a função de coordenar as atividades de “...”, vigilância de piscina e as aulas de grupo com os instrutores, por forma a serem asseguradas estas atividades no clube aos seus sócios;

41. O ... elaborava mensalmente um mapa com toda a atividade de “...” do clube e vigilância de piscina, indicando os horários e instrutores às mesmas adstritos nesse mês…;

42. No que levava em consideração a disponibilidade manifestada pelos mesmos;

43. O autor fazia exames, escritos e anuais, elaborados pela ré;

44. Os quais, além do mais incidiam sobre as metodologias de treino e anatomia, etc.;

45. Tal exame exigia como satisfatório um valor superior a 80%;

46. A ré realizava semanalmente reuniões com os instrutores;

47. No ginásio de ... existia um “Master Trainer”;

48. A quem cabia avaliar as metodologias adotadas pelos “personal trainers” no decurso dos treinos;

49. Controlando conexamente os serviços, incluindo avaliação qualitativa, prestados pela ré;

50. O autor desenvolveu a sua atividade em regime de não exclusividade, podendo exercer a sua atividade noutros ginásios;

51. Em simultaneidade com as atividades desenvolvidas para a ré;

52. A ré registava as horas de serviços prestados; designadamente para efeitos de contabilização de honorários;

53. O autor podia fazer-se substituir por outro instrutor em caso de ausência;

54. E podia agendar as suas férias sendo desaconselhado tal marcação nos meses de janeiro, maio, junho, setembro e outubro;

55. Fazendo a ré uma escala conforme esquema prévio, cf. fls. 53-53 dos autos;

56. O autor era pago de acordo com as horas por si efetivamente prestadas;

57. Não lhe sendo pagos subsídios de férias ou de natal;

58. Mediante a emissão de recibos comumente designados de “recibos verdes”;

59. A ré subscreveu o escrito de fls. 28, datado de 7 de maio de 2015, endereçado ao autor, nos termos do qual, “vimos, por este meio comunicar, com a observância do pré-aviso de 30 dias, (…) a denúncia do referido contrato. Assim, o referido contrato terminará a 28 Maio de 2015 (…) ”;

60. Cujo teor comunicou presencialmente ao autor;

61. Dispensando-o das suas funções desde tal data;

62. No dia 8 de maio, o autor foi impedido de entrar nas instalações da ré;

63. O autor solicitou a intervenção policial.

4.2 - O DIREITO

Debrucemo-nos então sobre a referida questão que constitui o objeto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([4]).

4.2.1 – Se a relação jurídica em causa nos autos se desenvolveu como contrato de trabalho.

Vem provado que autor e ré outorgaram o escrito de fls. 29 a 36 dos autos, intitulado “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS”, no qual o autor figura como segundo contraente, e cujo teor qui se dá por reproduzido, designadamente que «…o segundo contraente se obriga a prestar à 1.ª Contraente, após prévia solicitação desta, serviços de Instrutor de Ginástica, preferencialmente em regime de Treino Personalizado (personal trainer)» e, bem assim, «…mediante solicitação da 1.ª contraente, realizar trabalhos de pesquisa, preparação e organização de projetos e eventos sobre matérias relacionadas com a sua prestação de serviços».

Mais vem provado que o autor prestou a sua atividade no DD – Unidade da ..., a partir de agosto de 2007 até 8 de maio de 2015.

Assim, aquando da celebração do contrato estava em vigor o Código do Trabalho de 2003 (doravante apenas CT), com as alterações introduzidas pela Lei 9/2006 de 20/03, sendo este, por isso, o regime aplicável à qualificação jurídica do contrato dado que, de acordo com os factos provados, o contrato se desenvolveu sem alteração até 8 de maio de 2015.

Estabelece o art. 12º do CT: “Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição.”

Nos termos do art. 349º do Código Civil (CC), “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.

Assim, para que aquela presunção legal seja aplicável, terá a parte que dela beneficia que fazer a prova dos factos subjacentes.

Por conseguinte, tendo em consideração o disposto no art. 342º do CC, cabe ao prestador provar os factos demonstrativos de que está na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e que realiz[a] a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição.

Feita esta prova, presume-se que o contrato é de trabalho ([5]), cabendo ao beneficiário da actividade provar os factos suscetíveis de afastar a presunção de laboralidade, ou seja, de que apesar da dependência e inserção do prestador na sua estrutura organizativa e da realização da prestação sob as suas ordens, direcção e fiscalização e mediante retribuição, o contrato não é de trabalho.

O CT no seu art. 10º, reeditando com pequenas alterações a definição que era dada no art. 1º da LCT (DL 49 408 de 24.11.1969) e que reproduzia a consignada no art. 1152º do CC (que se mantém), define contrato de trabalho como sendo […] aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas”.

E o CC no art. 1154º define o contrato de prestação de serviço como “[…] aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.

Embora pela formulação legal a distinção entre os dois contratos pareça revestir-se de alguma simplicidade, na prática nem sempre o será.

Das transcritas definições emerge como primeiro traço diferenciador o objeto do contrato, que no contrato de trabalho é a atividade do trabalhador, e no de prestação de serviço é o resultado dessa atividade.

Mas nem sempre este elemento de distinção é linear e de fácil identificação, uma vez que “todo o trabalho conduz a algum resultado e este não existe sem aquele” ([6]). O resultado da atividade não é de todo indiferente à entidade empregadora na execução do contrato de trabalho. Exemplo disso são os casos em que a remuneração do trabalhador está total ou parcialmente dependente da sua produtividade (art. 261º/1/3 do CT), dos prémios dos bons resultados obtidos pela empresa (art. 260º/1/b), do trabalho por objetivos, entre outros ([7]).

“No contrato de trabalho […] o que está em causa é a própria actividade do trabalhador, que a outra parte organiza e dirige no sentido de um resultado que (aí) está por seu turno fora do contrato[…] ([8]).

 “A referenciação do vínculo [laboral] à actividade assume […] o significado de que o trabalhador não suporta o risco da eventual frustração do resultado pretendido pela contraparte”([9]).

Todavia, também no contrato de prestação de serviço pode a atividade do prestador em si mesma, ou a forma ou os meios como o resultado é alcançado, não ser indiferente ao credor ([10]).

Mas o elemento verdadeiramente diferenciador é, sem dúvida, o da subordinação jurídica - “sob as ordens, direcção e fiscalização” do recebedor da prestação.

“O único critério legítimo está em averiguar se a actividade é ou não prestada sob a direcção da pessoa a quem ela aproveita, que dela é credora. Em caso afirmativo, promete-se o trabalho em si, porque à outra parte competirá, ainda que porventura em termos bastante ténues, dirigi-lo, encaminhando-o para a consecução dos resultados que se propõe” ([11]).

“A subordinação jurídica consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem” ([12]).

Nas palavras de Maria do Rosário Palma Ramalho “a subordinação pode ser meramente potencial, no sentido de que para a sua verificação não é necessária uma actuação efectiva e constante dos poderes laborais, [bastando] a possibilidade de exercício destes poderes. […C]omporta graus […] é jurídica e não técnica […nem] económica […e] tem uma limitação funcional, […devendo] os poderes do empregador […] conter[-se] dentro dos limites do próprio contrato” ([13]).

Consistindo a subordinação jurídica um conceito-tipo, terá que se recorrer a indícios (método tipológico ou indiciário) que, de alguma forma, permitem demonstrar que a atividade é prestada “sob as ordens, direcção e fiscalização” do credor da prestação, devendo cada um dos indícios ser valorado de acordo com “a função que desempenha no quadro da situação a qualificar…[e] os índices apurados… encarados globalmente, compondo uma ‘imagem’ confrontável com os tipos em alternativa, para o efeito de se verificar a maior proximidade a um deles” ([14]).

Do art. 12º do CT “retira-se que o legislador tem em consideração certos indícios para a existência de subordinação jurídica. Os indícios da subordinação jurídica são, assim: 1) dependência do prestador da atividade; inserção na estrutura organizativa do beneficiário da atividade; 3) realização da atividade sob as ordens, direção e fiscalização do respetivo destinatário” ([15]).

Como “indícios de subordinação” temos, entre outros, a “vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa…, [a] modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), [a] propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, [a] disponibilidade dos meios complementares da prestação…, a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios do trabalho por contra de outrem([16]), a assunção do risco pelo credor da prestação, a dependência económica ([17]), a exclusividade, o gozo de férias remuneradas e o pagamento do respetivo subsídio e do subsídio de Natal e a sindicalização do prestador ([18]).

Na averiguação dos indícios deverá também atender-se ao comportamento assumido pelas partes na execução do contrato, ao por elas clausulado e, nomeadamente, ao nomen iuris que no mesmo inseriram ([19]), pese embora este não seja vinculativo para o tribunal, nem decisivo.

Como dissemos, para que opere a presunção de laboralidade estabelecida no art. 12º do CT, basta que o prestador, no caso o A. prove os factos demonstrativos de que desempenhou a atividade na dependência e inserido na estrutura organizativa da Ré e que realiz[ava] a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização dest[a], mediante retribuição.

Debrucemo-nos então sobre o caso dos autos.

Perante a presunção estabelecida no art. 12º do CT, importa antes de mais averiguar se o A. prestava a sua atividade inserido na estrutura organizativa da R.

Vem provado que a R. se dedica à atividade de exploração e manutenção de Health Clubs e que outorgou com o A. um contrato que denominaram “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS”, nos termos do qual o A. se obrigava a prestar à R., após prévia solicitação desta, serviços de instrutor de ginástica, preferencialmente em regime de treino personalizado (“personal trainer”) e, bem assim, a realizar trabalhos de pesquisa, preparação e organização de projetos e eventos sobre matérias relacionadas com a sua prestação de serviços (1 e 2).

Os clubes da R. obedecem a um padrão, quer a nível nacional quer a nível internacional, possuindo os treinos personalizados orientações de acordo com as recomendações da EE (…) sendo a sua adaptação ao caso concreto feita pelo instrutor (3).

O A. frequentou um curso de formação inicial, de carácter obrigatório, sendo exigido pela R. com vista à uniformização de procedimentos base relacionados com a atividade dos instrutores (4 a 7).

O A. prestou a sua atividade no DD – Unidade da ..., a partir de agosto de 20… até … de … de 20… (14) e como “personal trainer”, efetuou a vigilância da piscina e ministrou aulas denominadas “….” (…) (15) e treinos individualizados a vários clientes do ginásio (“personal training”) (16).

A R. estabelecia objetivos mensais globais para cada um dos seus ginásios que eram transmitidos pelo “Gym Manager” aos instrutores, incluindo o A. e abrangiam o nível de venda de treinos personalizados (5 a 10). Para tal, a R. disponibilizava um plano de treino para o cliente aquando da sua inscrição no ginásio, o qual visava também o objetivo de vender sessões de personal training com o instrutor, plano que posteriormente distribuía pelos instrutores que manifestavam disponibilidade para as aulas de treino personalizado (8 a 13).

O A. prestava as denominadas “orientações iniciais” a alguns clientes aquando da respetiva inscrição no ginásio e apoio à sala de exercício (“...”) (17 e 18). Exercia estas funções nos períodos de tempo “mapa de horário” que a ré organizava, em mapa mensal, em que cada um dos instrutores assegurava o apoio à sala de exercício (“...”) (19, 20, 21, 22 e 23) e no qual a R. levava em consideração as indicações de disponibilidade previamente comunicadas pelos instrutores (24), através do diretor de condição física (Fitness Manager ou Wellness Manager) (25).

O A. procedia ainda a treinos personalizados (treinos individualizados ou “personal training”) (27), cujos clientes podiam ser angariados diretamente pelo A., sem prévia aprovação da R., ou por esta (28 e 29).

Quando os clientes eram angariados pelo A., este geria diretamente as marcações (horários/disponibilidade) com os clientes (30), anotando os treinos que os mesmos frequentavam (31), os quais depois comunicava à R. (32) que processava o preço das aulas aos clientes e pagava ao A. o valor com o mesmo acordado (33).

No exercício das referidas atividades o A. utilizava os meios/instrumentos (máquinas, instalações) disponibilizados e fornecidos pela R. (36), e usava equipamento (roupa/vestuário) em conformidade com as regras vigentes na R., nomeadamente que permitissem a identificação dos instrutores/personal trainer’s quando desenvolvessem a sua atividade dentro do ginásio (37) e que podia ter a marca alusiva à R. ou aos seus patrocinadores (38). Na atividade de aulas de grupo o A. utilizava o equipamento que entendesse (39).

Perante este quadro factual, afigura-se inquestionável que, efetivamente, o A. prestava a sua atividade inserido na estrutura organizativa da R.

Mas serão os factos provados suficientemente indiciadores de que o A. realizava a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré?

Dito de outra forma, verificar-se-á o indício da subordinação jurídica exigido pelo transcrito art. 12º do CT?

Vem provado que no exercício das referidas atividades o A. utilizava os meios/instrumentos (máquinas, instalações) disponibilizados e fornecidos pela R. (36) e usava equipamento (roupa/vestuário) em conformidade com as regras vigentes na R., nomeadamente que permitissem a identificação dos instrutores/personal trainer’s quando desenvolvessem a sua atividade dentro do ginásio (37) e que podia ter a marca alusiva à R. ou aos seus patrocinadores (38). Na atividade de aulas de grupo o autor utilizava o equipamento que entendesse (39).

Ao ... cabia a função de coordenar as atividades de “...” (como era o A.), vigilância de piscina e as aulas de grupo com os instrutores, por forma a serem asseguradas estas atividades no clube aos seus sócios (40). Elaborava mensalmente um mapa com toda a atividade de “...” do clube e vigilância de piscina, indicando os horários e instrutores às mesmas adstritos nesse mês, no que levava em consideração a disponibilidade manifestada pelos mesmos (41 e 42).

O autor fazia exames, escritos e anuais, elaborados pela ré, os quais, além do mais incidiam sobre as metodologias de treino e anatomia, etc. e exigia como satisfatório um valor superior a 80% (43 a 45).

A R. realizava semanalmente reuniões com os instrutores (46).

No ginásio de ... existia um “Master Trainer”, a quem cabia avaliar as metodologias adotadas pelos “personal trainers” no decurso dos treinos, controlando conexamente os serviços, incluindo avaliação qualitativa, prestados pela ré (47 a 49).

A ré registava as horas de serviços prestados (52).

Resulta destes factos a existência de alguma subordinação do A. à R. no exercício das suas funções.

Mas serão suficientes para permitirem concluir que o A. exercia as funções sob as ordens, direção e fiscalização da R?

Como referido no acórdão desta 4ª Secção de 10.12.2015, proc. 67/13.1TTBCL.P1.S1 (Leones Dantes) (acessível em www.dgsi.pt), «[a] circunstância de o A. dever obediência ao regulamento interno da destinatária da atividade prosseguida e de essa atividade ser enquadrada por esta, não significa, só por si, que existe subordinação jurídica, pois na prestação de serviços quem contrata pode também organizar, vigiar e acompanhar a sua prestação com vista ao controlo do resultado, e o beneficiário da atividade não está inibido de dar orientações quanto ao resultado que pretende obter do prestador». 

Por outro lado, como também se consignou no acórdão desta mesma Secção de 15.04.2015, proc. 329/08.0TTCSC.L1.S1 (Gonçalves Rocha) (acessível em www.dgsi.pt), relativamente a um professor de natação, «a existência de horário para ministrar aulas não é determinante para a qualificação do contrato, uma vez que num complexo desportivo destinado ao ensino da natação, com vários professores e múltiplos alunos em diferentes fases de aprendizagem, é essencial a existência de horários para que as aulas funcionem com um mínimo de organização, independentemente da natureza do vínculo contratual dos professores e monitores que aí prestem serviço. Também não é decisivo que o fornecimento do material didáctico utilizado no ensino da natação competisse à ré, tendo em vista que esses materiais existem em qualquer piscina, cumprindo diferentes finalidades operacionais».

É certo que, a R. organizava o “mapa de horário”.

Nos termos do art. 170.º, nº 1, do CT/2003 compete ao empregador definir os horários de trabalho dos trabalhadores ao seu serviço, dentro dos condicionalismos legais o que pressupõe que não esteja condicionado à disponibilidade do trabalhador.

No caso, relativamente ao horário, importa ter em conta que a R. o elaborava mas levando em consideração as indicações de disponibilidade previamente comunicadas pelos instrutores através do diretor de condição física (...) (24 e 25), o qual elaborava mensalmente um mapa com toda a atividade de “...” do clube e vigilância de piscina, indicando os horários e instrutores às mesmas adstritos nesse mês, no que levava em consideração a disponibilidade manifestada pelos mesmos (41 e 42), entre eles o A., sendo certo que, como também provado, o mesmo não exercia tal atividade em regime de exclusividade para a R. (50 e 51).

Por outro lado, quando os clientes eram angariados pelo A., era este que geria diretamente as marcações (horários/disponibilidade) e não a R. (30).

 E, embora coubesse ao ... a função de coordenar as atividades de “...”, vigilância de piscina e as aulas de grupo com os instrutores, esta coordenação visava assegurar estas atividades no clube aos seus sócios (40).

Vem provado, é certo, que a R. registava as horas dos serviços prestados. Mas também provado que o fazia designadamente para efeitos de contabilização de honorários (52), sendo o A. pago de acordo com as horas por si efetivamente prestadas (56).

Acresce que o A. podia fazer-se substituir por outro instrutor em caso de ausência (53), o que aponta claramente no sentido de que era o resultado da atividade que relevava e não esta em si mesma, como é característica do contrato de trabalho. Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho ([20]), o contrato de trabalho “[é] um contrato intuitus personae, pela essencialidade das características pessoais do trabalhador para o empregador. Esta característica justifica que… a prestação seja infungível, o que inviabiliza a substituição do trabalhador por outra pessoa no cumprimento dos seus deveres contratuais”.

E ao contrário do regime do contrato de trabalho em que as férias são marcadas por acordo entre empregador e trabalhador e na falta deste pelo empregador (art. 127º, nºs 1 e 2 do CT/2003), vem provado que o A. podia agendar as suas férias, sendo apenas desaconselhada tal marcação nos meses de janeiro, maio, junho, setembro e outubro (54).

 E desenvolveu a sua atividade em regime de não exclusividade, podendo exercer a sua atividade noutros ginásios, em simultaneidade com as atividades desenvolvidas para a R. (50 e 51).

Importa ainda ter em consideração que não vem provado que o A. tivesse uma remuneração, total ou parcialmente fixa, sendo, ao invés e como referido, pago de acordo com as horas por si efetivamente prestadas, mediante a emissão de recibos comumente designados de “recibos verdes” (56 e 58).

Por outro lado, durante todo o período em que o contrato vigorou (cerca de 8 anos), nunca foram pagos ao A. subsídios de férias e de Natal (57), e não vem provado que alguma vez, com exceção da propositura desta ação, tivesse manifestado oposição a tal procedimento, certo como é que o percebimento daquelas remunerações constitui um direito do trabalhador no âmbito do contrato de trabalho (arts. 211º/1, 254º e 255º/1/2 do CT).

Como se provou, os clientes angariados pela R. para serviços de treino personalizado podiam ser aceites ou recusados pelo autor (34), situação que não se compagina com a prestação da atividade sob as ordens e direção do empregador.

E quando os clientes eram angariados pelo A., era este que geria diretamente as marcações (horários/disponibilidade) com os clientes (30), anotando os treinos que os mesmos frequentavam (31), os quais depois comunicava à R. (32), que processava o preço das aulas aos clientes e pagava ao A. o valor com o mesmo acordado (33).

Também importa atentar que não vem provado qualquer facto donde se possa inferir que o A. estivesse sujeito ao poder disciplinar da R.

Nos termos dos arts. 120º, al. d), 123º, nº 1, e 124º, do CT, é dever do empregador proporcionar ao trabalhador ações de formação profissional adequadas à sua qualificação e contribuir para a elevação do seu nível de produtividade.

Está efetivamente provado que o A. frequentou um curso de formação inicial de carácter obrigatório, sendo exigido pela R. com vista à uniformização de procedimentos base relacionados com a atividade dos instrutores.

Ora, sendo dever do empregador proporcionar, como referido, a formação profissional adequada à qualificação do trabalhador para o cabal exercício das suas funções e elevação do seu nível de produtividade, será a empregadora a suportar os respetivos custos.

Vem todavia provado que, no caso, sendo embora a formação inicial exigida pela R., os respetivos custos foram suportados pelo A.

Importa, por fim, considerar que o nomen iuris que as partes inseriram no contrato que celebraram foi “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS” e não contrato de trabalho.

Em suma, os factos provados não demonstram que o A. exerceu as funções sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, certo como é que, nos termos do art. 342º do CC, sobre ele impendia o ónus dessa prova, o que basta para afastar a presunção estabelecida no art. 12º do CT, impondo-se, por consequência, a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da sentença da 1ª instância.

4.2.2 – A conclusão a que acabámos de chegar prejudica a apreciação das demais questões equacionadas nos números 2, 3 e 4 do item “3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO”.

5 - DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Conceder a revista repristinando-se a sentença da 1ª instância.

2 – Condenar o A. nas custas da apelação e da revista.

Anexa-se o sumário do acórdão.


Lisboa, 9 de janeiro de 2019

Ribeiro Cardoso (Relator)

Ferreira Pinto

Chambel Mourisco

______________
[1] Relatório elaborado tendo por matriz o constante no acórdão recorrido.
[2] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[3] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2 e 608º, nº 2 do CPC.
[5] Pese embora o legislador aluda a “presunção”, Pedro Romano Martinez defende que os elementos indicados no art. 12º são os “determinantes da existência do contrato de trabalho, pelo que, caso se verifiquem estas três situações, não há que presumir a existência do contrato; já existe contrato de trabalho”, pelo que “do preceito em análise, contrariamente ao que se lê na epígrafe e no respetivo texto, não resulta nenhuma presunção”. CÓDIGO DO TRABALHO ANOTADO, 2016, 10ª EDIÇÃO, pág. 130 e 131, em anotação ao art. 12º.
[6] Inocêncio Galvão Teles, CONTRATOS CIVIS, BMJ, 83º, pág. 165.
[7] Neste sentido Maria do Rosário Palma Ramalho, TRATADO DE DIREITO DO TRABALHO, PARTE II - SITUAÇÕES LABORAIS INDIVIDUAIS, 6ª edição, pág. 27.
[8] António Monteiro Fernandes, DIREITO DO TRABALHO, 17ª edição, págs. 114 e 128.
[9] António Monteiro Fernandes, DIREITO DO TRABALHO, 7ª edição, 1991, pág. 96 e 17ª edição, pág. 115.
[10] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, ob. cit., págs. 26 e 27.
[11] Inocêncio Galvão Teles, ob. e loc. cit. na nota 6.
[12] António Monteiro Fernandes, DIREITO DO TRABALHO, 17ª edição, pág. 121.
[13] Ob. cit., págs. 38 e 39.
[14] António Monteiro Fernandes, DIREITO DO TRABALHO, 7ª edição, 1991, págs. 111 e 117, e 17ª edição, pág. 131 e 133.
[15] Pedro Romano Martinez, CÓDIGO DO TRABALHO ANOTADO, 2016, 10ª EDIÇÃO, pág. 131, em anotação ao art. 12º.
[16] António Monteiro Fernandes, DIREITO DO TRABALHO, 17ª edição, pág. 134.
[17] Maria do Rosário Palma Ramalho, ob. cit., págs. 45.
[18] Neste sentido Pedro Romano Martinez, DIREITO DO TRABALHO, 2015, 7ª edição, págs. 324 a 328.
[19] Neste sentido o ac. STJ de 15.01.2014, proc. 32/08.0TTCSC.S1 (Mário Morgado).
[20] In ob. cit. págs. 97 e 98.