Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
794/20.7T8VCT.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIAS ALTERNADAS
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PROGENITOR
ACORDO
GUARDA DE MENOR
Data do Acordão: 11/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A recente alteração ao artigo 1906.º do código Civil, efetuada pela Lei n.º 65/2020, de 4 de novembro, veio sanar essas divergências quanto à admissibilidade da residência alternada e regime desta, clarificando que a imposição legal prescinde do acordo dos pais, mas não da competência e aptidão dos mesmos na medida em que o fundamento da imposição da residência alternada é sempre a salvaguarda do superior interesse da criança.

II. Numa situação em que não se verificam qualquer incapacidades educativas por parte dos progenitores, em que estes mantêm com o menor uma ligação de afeto e que, atendendo ao seu trabalho por turnos, o progenitor não cuida permanentemente do menor quando o seu turno o não permite, considerando a disponibilidade da progenitora, que presentemente, trabalha num stand de automóveis, deixando de trabalhar por turnos, como o fazia aquando da convivência com o progenitor, deverá a progenitora poder acompanhar mais de perto a educação e os cuidados do seu filho, estabelecendo-se uma a guarda conjunta com alternância da residência do menor, o que se justifica atendendo a que: i) as responsabilidades parentais são exercidas no interesse do menor; ii) o objetivo final é obter o contacto, tão próximo quanto possível, do menor com os seus progenitores, de modo a que o menor possa usufruir em pleno, e em termos paritários, do afeto, apoio e segurança que cada um deles lhe proporcionará.

Decisão Texto Integral:      

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:         



I. Relatório

1. AA instaurou a presente ação contra BB a fim de serem reguladas as responsabilidades parentais relativamente ao filho comum, ainda menor, CC, nascido a ... de Setembro de 2015, pretendendo que o menor fique aos seus cuidados e que a ele compitam as responsabilidades parentais.

Invoca o abandono do lar pela Requerida, a ausência de condições habitacionais da atual morada desta e a circunstância do menor ter estado continuamente ao cuidado da avó paterna desde sempre.

2. Na conferência foi fixado regime provisório.

3. A progenitora manifestou-se no sentido da residência alternada do menor, de sexta a sexta, ou, subsidiariamente, ser fixada junto dela.

Refere que o menor tem estado aos cuidados da avó, inicialmente devido à sua juventude e inexperiência e posteriormente, por imposição daquela e do Requerente, mas, presentemente, está apta e tem o apoio da família para ter o menor a seu cuidado.

4. Realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida a seguinte decisão: Tribunal de 1.ª instância proferiu, a ... de dezembro de 2020, a seguinte decisão:

“1.- Fixamos a residência habitual do menor CC junto do progenitor, AA, competindo a este orientar a vida corrente do mesmo.

2.- As questões de particular importância da vida do menor são da responsabilidade de ambos os progenitores, devendo ambos manter-se informados sobre os aspectos relevantes da vida daquele, designadamente sobre escola e saúde e providenciar para que o menor esteja contactável.

3.- A progenitora estará com o menor sempre que lhe seja possível, mediante combinação prévia com o R.te.

4.- O menor estará com a progenitora em fins de semana alternados, desde o final do horário do jardim/escola de Sexta e até Segunda de manhã, recolhendo-o e entregando-o no estabelecimento por ele frequentado.

Caso não seja possível, a mãe recolherá e entregará o menor em casa da avó paterna.

5.- Do mesmo modo, o menor pernoitará com a mãe uma vez por semana, em dia combinado pelos progenitores. Em caso de discordância, de Quarta para Quinta.

6.- O menor estará com a progenitora na primeira parte das férias de Natal, até ao meio dia de 25 de Dezembro nos anos ímpares e do meio dia de 25/12 até ao final das férias nos anos pares. E ainda uma semana pelas férias da Páscoa, salvo consenso, a primeira nos anos ímpares e a última nos anos pares.

Será considerado o calendário do ensino básico, ou outro, quando o menor completar aquele.

7.- O menor estará com a mãe três quinzenas alternadas pelo verão, de dia 15 até ao último dia, dos meses de Junho, Julho e Agosto.

Nestes meses e nas quadras de Natal e páscoa ficam suspensas as estadias de fim de semana e a pernoita a meio da semana.

8.- O menor, sendo possível, no dia do seu aniversário tomará uma refeição com pai e outra com a mãe.

9.- A progenitora entregará mensalmente a quantia de €100, a título de alimentos para o menor, através de transferência para a conta do R.te.

10.- O abono de família e as prestações sociais relativas ao menor são recebidas pelo progenitor.”

5. Interposto recurso de apelação pela progenitora, o Tribunal da Relação de ... proferiu Acórdão com a seguinte decisão:

“julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida”.

6. Inconformada com o decidido, a progenitora BB interpôs recurso de revista excecional, que foi admitido pela Formação de Juízes a que alude o n.º3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

A. Vem o presente Recurso interposto da Douta Decisão proferida pelo venerando Tribunal da Relação de ..., na qual, para além do mais, se confirmou a atribuição da guarda ao Pai, consubstanciada, na prática, numa guarda atribuída efectivamente à avó paterna, concedendo-se à mãe visitas quinzenais e uma pernoita semanal.

B. Com o devido respeito, que é muito, a recorrente não pode concordar com o teor do Douto Acórdão, considerando que no mesmo se incorreu numa incorrecta interpretação e aplicação do direito.

C. O menor CC, nascido em .../09/2015, actualmente com cinco anos, é filho da Recorrente e do Recorrido, encontrando-se confiado, através de uma guarda conferida à avó paterna, por interposta pessoa (o Recorrido), como evidenciam os autos, a Douta Sentença e também o Douto Acórdão.

D. Resulta dos factos assentes pelas Instâncias, que o pai “está” com o menor pelo menos nos dias em que tem o horário das 5 às 14 horas, o que demonstra, “a contrario”, que nas semanas em que o horário não é esse, o pai não está com o CC. Semanas nas quais, em cumprimento da Lei e no efectivo prosseguimento do superior interesse do CC, deveria ser confiado à mãe, a Recorrente.

E. Estar com o CC não é ser, na prática, o progenitor guardião do CC, como também evidencia o Douto Acórdão. Se o pai visita o CC em casa da avó deste, é notório que a guarda verdadeira não é por ele detida, mas sim pela avó paterna. O CC reside com a avó, esta vai levá-lo e buscá-lo à escola, o pai visita-o. Trata-se realmente de uma guarda conferida à avó e não ao pai!

F. A Recorrente não se conforma com os termos da guarda, dado que a flexibilidade que caracteriza os processos de Jurisdição Voluntária não afasta a imposição de legalidade que tem de estar subjacente às decisões proferidas, as quais não podem ser contra a Lei (seja a instituída em normas nacionais, seja a plasmada em normas supra-nacionais, designadamente Convenções).

G. A decisão das Instâncias recorridas viola não só o disposto nos artigos 1878.º, 1885.º, 1906.º, todos do Código Civil, como também a Convenção sobre os Direitos da Criança, que determina que «todas as decisões relativas a crianças, adoptadas (…) por tribunais, (…), terão primacialmente em conta o interesse superior da criança», que «os Estados Partes comprometem-se a garantir à criança a protecção e os cuidados necessários ao seu bem-estar, tendo em conta os direitos e deveres dos pais», que «os Estados Partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes», que «os Estados Partes diligenciam de forma a assegurar o reconhecimento do princípio segundo o qual ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança. A responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais».

H. Se nem a Recorrente, nem o Recorrido, possuem incapacidades educativas que os impeçam de ter junto de si o CC, se nada nos factos dados como provados permite concluir que o afastamento do menor da sua Mãe (inerente à confiança encapotada à avó paterna) é benéfico para a criança, impõe-se adoptar outra solução jurídica.

I. O argumento da distância entre residências ou entre a residência da mãe e a escola da criança não merece acolhimento, pois tratam-se de sensivelmente dezasseis quilómetros (de estrada alcatroada).

J. Nos presentes autos, como se extrai das doutas Decisões (primeira e segunda Instâncias), a guarda foi concedida formalmente ao pai, mas, na realidade o CC foi confiado, durante a semana, todas as semanas, à avó paterna, dado que o Recorrido trabalha em turnos rotativos incompatíveis com os horários do menor CC.

K. Ou seja, o tribunal afastou o CC da Mãe, aqui recorrente, para o confiar à avó paterna, o que fez contra legem.

L. A Recorrente não se opõe a tais convívios, todavia não pode consentir que os mesmos se façam sacrificando o superior interesse do CC, afastando-o da sua mãe. Os avós, pela sua idade, muitas vezes após o fim da sua vida activa (profissionalmente falando) têm naturalmente mais disponibilidade de tempo para cuidar dos netos. E devem fazê-lo, ajudando os pais, não substituindo-se a eles.

M. Perante os factos dados como provados, designadamente a impossibilidade do pai/Recorrido cuidar do CC durante todos os dias úteis, a guarda partilhada com residências alternadas é a que melhor defende os interesses do CC.

N.  Devendo a Douta Decisão ser Revogada e substituída por outra que contemple o referido regime.

O. Subsidiariamente, na eventualidade de se entender que não é possível optar por um regime de guarda partilhada, deverá o menor ser confiado à Recorrente, sua mãe.

P. A Douta Decisão Recorrida, ao manter, ainda que indirectamente, a guarda atribuída à avó paterna, através do Requerido, sem ponderar verdadeiramente a possibilidade da guarda partilhada com residência alternadas, violou o disposto nos art. 1878º, 1885º, 1906, todos do Código Civil, o art.988.º do Código de Processo Civil, os art. 3º, 9º e 18º da Convenção sobre os Direitos da Criança, e ainda o art. 19º da Constituição da República Portuguesa.

E conclui “deve o Douto Acórdão recorrido ser revogado, e, consequentemente, deve ser alterado o regime relativo ao exercício das responsabilidades Parentais, fixando-se a guarda conjunta, com residências alternadas, dado ser (atentas as concretas circunstâncias), o único regime que acautela o superior interesse do CC.

Assim não se entendendo, subsidiariamente, deverá a guarda do CC ser atribuída à Recorrente, sua mãe, e não à avó paterna, ainda que por “interposta pessoa”.

7. O progenitor AA apresentou resposta, concluindo pela improcedência do recurso, e apresentando as seguintes (transcritas) conclusões:

1ª A situação judicial dos presentes autos, na óptica do recorrido, preenche integralmente a norma do nº 3 do artigo 671 do Código do Processo Civil.

2ª Apesar deste obstáculo legal, vem a recorrente “justificar a REVISTA” invocando, para este seu objectivo, a via excepcional possibilitada pelas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 672 do Código de Processo Civil.

3ª A recorrente, na justificação de admissibilidade recursiva, não deu cumprimento às alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 672 do CPC.

4ª Pelo que não lhe deve ser admitido o presente recurso de revista extraordinária.

5ª O recorrido perfilha o entendimento, salvo melhor opinião, de que o acórdão recorrida não padece do invocado erro de Julgamento - por aplicação contra legem, ao atribuir a guarda do CC ao recorrido, por ser essa a solução que melhor acautela o superior interesse do menor.

6ª O tribunal recorrido entendeu que, não se verificando equivalência de condições oferecidas por cada um dos progenitores, teria de ajuizar sobre quem reunia as melhores condições para acautelar “o superior interesse do menor”.

7ª Estes factos, que subjazem a um juízo decisório, têm de ser concretizados em sede de prova, não podem fundamentar-se em abstracções, convicções, presunções … tem de haver sustentação. E essa prova a recorrente não fez: alega ter disponibilidade, mas não diz em que termos se concretiza, estando provado nos autos que todos os adultos do seu agregado familiar actual trabalham (e não se provou a disponibilidade dos seus pais para efectivar uma rectaguarda familiar no sentido de assegurar ao CC condições de segurança e vigilância).

8ª A decisão sobre a guarda e fixação de residência tem de procurar sustentação para além de factores afectivos e emocionais: “Na decisão ou escolha do progenitor com quem o menor deve residir não podem ser valorizados exclusivamente aspectos ou vertentes puramente emocionais, afectivos ou sentimentais, devendo ponderar-se conjugadamente todas as vertentes do desenvolvimento do menor.” ac. RP supra citado.

9 ª Da prova produzida resultou claro: “O menor está bem integrado, recebe os cuidados apropriados e não há qualquer justificação para modificação na actual situação”;

10ª Resultou também claro que a mãe (que actualmente voltou para casa de seus pais) não tem condições habitacionais que satisfaçam as necessidades do menor (este não tem sequer uma cama só para si – tem de partilhar uma cama de solteiro com a mãe ou com uma tia), nem dispõe de retaguarda familiar com a qual possa contar, para assegurar a vigilância e segurança do menor fora dos horários lectivos.

11ª Foi acautelado pelo tribunal o direito de visita relativamente ao progenitor que não detém a guarda, garantindo assim a manutenção dos laços afectivos e a referência parental masculina e feminina, que constitui factor de especial relevância para o seu equilibrado crescimento psíquico, afectivo e emocional.

12ª A fixação da residência do menor com o pai,  que mantém grande proximidade à família e conta com a avó paterna para cuidar do menor enquanto está profissionalmente ocupado e o menor não frequente o estabelecimento de ensino- que continuará a ser o mesmo - foi a solução que o tribunal entendeu ser a que melhor garante os interesses do menor

13ª E daí que não se vislumbre de onde possa resultar qualquer atribuição da guarda ao recorrido, contra legem.

14ª – Pelo que entende o recorrido, deverem improceder os pedidos formulados pela recorrente, mantendo-se a decisão recorrida.

E conclui pela improcedência do recurso.

8. Cumpre apreciar e decidir.


II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente, decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

- guarda conjunta, residência partilhada;

- atribuição da guarda do menor à Recorrente (subsidiariamente).


III. Fundamentação

1. A factualidade provada:

1.1. CC nasceu a ... de Setembro de 2015.

1.2. CC é filho de AA e de BB, então com 22 e 17 anos de idade, respectivamente.

1.3. AA e BB viveram juntos desde 2014.

1.4. AA e BB compraram casa em ... (...) trabalhando ele em ... e BB em ... e, desde há meses, em .... .

1.5. Desde 2015 os progenitores têm trabalhado por turnos alternados, das 6:00 às 14:00 e das 14:00 às 22:00 horas.

1.6. Devido aos horários dos progenitores, tem sido, desde 2015 a avó paterna, DD a cuidar do menor durante a semana, dando-lhe as refeições, remédios, levando-o a consultas, ao jardim de infância e tratando-lhe da roupa.

1.7. Com DD tem casa com seis quartos e boas condições e nela vivem outros familiares, totalizando nove pessoas.

1.8. Em casa de DD o menor tem um quarto só para ele, existindo grande proximidade entre ambos.

1.9. Durante a semana os progenitores passavam a casa de DD, em ... (...) e estavam com o menor e este passava o fim-de-semana em casa e aos cuidados dos progenitores, dispondo aí de quarto próprio.

1.10. O menor passou a frequentar o jardim de infância de ... ... e aí tem os amigos, sendo habitualmente levado e recolhido pela avó paterna. O menor apresenta-se cuidado e limpo e com bom comportamento.

1.11. A 18 de Fevereiro de 2020, BB deixou a casa de ... onde vivia com AA e passou a morar em casa de seus pais, em ... (...) tendo esta três quartos.

1.12. AA continuou a estar com o menor em casa da avó e a levá-lo para sua casa ao fim-de-semana.

1.13. AA e BB mantêm ligação de afecto com o menor.

1.14. Os pais de BB trabalham por turnos e a mãe trabalha ainda em limpezas na parte da manhã, indo depois para a fábrica, até à noite.

1.15. BB tem três irmãs, também a viver com os pais.

1.16. Desde que se mudou para casa dos pais, BB não entregou nem o abono nem qualquer quantia, nem ao R.te nem à avó paterna para as despesas do menor.

1.17. E tem estado com o menor em casa da avó paterna.

1.18. O menor tem pernoitado em alguns dos fins-de-semana com BB em casa dos avós maternos, partilhando o quarto com aquela e com tia materna.

1.19. O progenitor tem despesas com o menor.

1.20. AA declara vencimento de mil euros e BB declara vencimento de setecentos euros.


2. Guarda conjunta, com residências alternadas

A Recorrente impugnou o Acórdão recorrido, pretendendo que seja decretada a guarda partilhada com residências alternadas do seu filho menor, designadamente pela verificação da impossibilidade do Recorrido, progenitor, de cuidar do menor durante todos os dias úteis, por ser esse o regime que melhor defende os interesses do menor.

Vejamos da possibilidade/conveniência do estabelecimento de um regime de residência alternada.

Prescreve o artigo 1906.º do Código Civil:

1. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.

2. Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o Tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.

3. O Exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente ou a progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.

4. O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente poder exercê-las por si ou delegar o seu exercício.

5. O Tribunal determinará a residência do filho e os diretos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.

6. Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da prestação de alimentos.

7. Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.

8. O Tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.

9. O tribunal procede à audição da criança, nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.


Como se sabe, os n.ºs 6 e 9 foram aditados pela Lei n.º 65/2020, de 4 de novembro, com entrada em vigor em 1/12/2020 – cf. artigo 3.º.

Nos termos do disposto na segunda parte do nº.2 do artigo 12.º do Código Civil, a nova redação do artigo 1906.º do código Civil aplica-se ao caso presente, na medida em que a lei nova deve aplicar-se às situações jurídicas que se constituíram na vigência da lei antiga e que transitam para o domínio da lei nova.

A questão da residência alternada tem vindo a ser objeto de discussão na doutrina e na jurisprudência.

A recente alteração ao artigo 1906.º do código Civil, efetuada pela Lei n.º 65/2020, de 4 de novembro, veio sanar essas divergências quanto à admissibilidade da residência alternada e regime desta, clarificando que a imposição legal prescinde do acordo dos pais, mas não da competência e aptidão dos mesmos na medida em que o fundamento da imposição da residência alternada é sempre a salvaguarda do superior interesse da criança.


As posições em confronto apontam:

- Os opositores à alternância de residência –

- Que o regime de alternância de residência se revela desajustado no que concerne à consolidação dos hábitos, valores, e ideias na mente do menor, com prejuízo para a formação da sua personalidade, sobretudo em crianças de tenra idade, face ao revezamento sistemático entre casas e pais, com padrões de vida diferentes, saindo o mesmo prejudicado em resultado das separações repetidas relativamente a cada um dos seus progenitores, causadas pela constante mudança de residência:

Podendo causar instabilidade à criança;

Constitui uma fonte de insegurança e de problemas de adaptabilidade;

Compromete a continuidade e unicidade da educação;

É uma situação muito difícil e exigente para a criança;

Promove a hostilidade entre os progenitores.


- Os defensores da alternância da residência –

- O filho volta, com a residência alternada, a ter com os progenitores uma relação o mais próximo possível da que com eles mantinha antes da separação dos pais, evitando quebrar a relação afetiva que antes tinha com ambos, isto é, a residência alternada poderá ser a situação que mais se aproxima daquela que existia quando os pais viviam juntos na mesma casa.

- O objetivo de fixar responsabilidades parentais não deve (salvo casos que o justifique) ser escolher um dos progenitores, mas antes verificar as potencialidades dos dois e organizar a nova relação entre eles e o filho.

- Os laços afetivos constroem-se no dia – a – dia e a fixação da residência junto de um só dos progenitores leva ao progressivo esbatimento da relação afetiva com o outro progenitor, fazendo com que o menor se sinta uma mera “visita” em casa deste, levando a que o progenitor desista de investir na relação por se sentir excluído do dia-a-dia da criança.

Desta forma, o menor sentirá que pertence aos dois lares em igualdade de circunstâncias e que pertence ao novo agregado familiar, que passará a ter um novo espaço para o menor, que o sentirá como um espaço permanente para si e não como espaço provisório.


A regra da alternância de residência “é a modalidade que satisfaz o princípio da igualdade dos progenitores, imposto pelos artigos 36.º, n.º 5 e 13.º da CRP e pelo artigo 18.º da Convenção sobre os  Direitos da Criança. É a forma de organização que melhor se adequa ao princípio de que os filhos não devem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles (artigo 36.º, n.º 6, da CRP).”

- Jorge Duarte Pinheiro, Estudos de Direito das Famílias e das Crianças, AAFDL Editora, 2015, pp. 338/339 –


Importa também ter presente que o superior interesse da criança integra uma orientação para o julgador perante o caso concreto, no sentido de que a primazia deve ser dada à figura da criança, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores.


No caso concreto.

Vejamos se estão verificadas as circunstâncias que possibilitem a residência alternada, sendo certo que a medida em causa não pode ser uma medida para satisfação de um dos pais, mas uma medida que potencie um melhor desenvolvimento e educação da criança.


Dos factos provados não resulta que algum dos pais tenha qualquer incapacidade educativa que os impeçam de estar com o filho; nada neste sentido foi apontado pelas instâncias.

Desde 2015 os progenitores trabalhavam por turnos alternados, das 6 horas às 14 horas e das 14 horas às 22 horas, sendo que presentemente só o progenitor do menor continua a trabalhar por turno, em ... e a progenitora trabalha em ... em stand de automóveis.

Quando tinham vida em comum, os progenitores, devido aos seus horários de trabalho por turnos, decidiram que a avó paterna cuidaria do menor durante a semana, dando-lhe as refeições, remédios, levando-o a consultas, ao jardim de infância e tratando-lhe da roupa.

E durante a semana os progenitores passavam pela casa da avó paterna e estavam com o menor e este passava o fim-de-semana em casa e aos cuidados dos progenitores, dispondo de um quarto próprio.

Após a separação dos progenitores, o progenitor continuou a estar com o menor em casa da avó paterna e a levá-lo para a sua casa ao fim-de-semana, nos termos em que anteriormente o fazia.


Assim, verifica-se que o menor, em determinados períodos, atento o trabalho por turnos do seu progenitor, não pode ser acompanhado pelo seu progenitor, sendo que se mostra aos cuidados da sua avó paterna.

E esta presta os cuidados devidos, apresentando-se o menor cuidado e limpo e com bom comportamento.

Contudo, e dado que os progenitores, como se encontra provado, mantêm uma ligação de afeto com o menor, e apesar da forma como o menor é cuidado pela sua avó paterna, é com os progenitores que os filhos devem estar (a não ser em casos justificados), porquanto é a estes que compete velar pela segurança e saúde dos filhos, sustentá-los, dirigir a respetiva educação dos filhos, representá-los e administrar o seu património (artigos 1877.º, 1878.º, 1905.º, 1906.º, 1911.º e 1912.º do Código Civil) e é no convívio com os pais que o menor crescerá mais feliz, com melhor educação, recebendo os impulsos de orientação dos dois lados da família alargada.

Deste modo, tendo em consideração que não se verificam qualquer incapacidades educativas por parte dos progenitores, bem como os mesmos mantêm com o menor uma ligação de afeto e que, atendendo ao seu trabalho por turnos o progenitor não cuida permanentemente do menor quando o seu turno o não permite manter-se em contacto com o menor, a disponibilidade da progenitora, que presentemente, trabalha num stand de automóveis, deixando de trabalhar por turnos, como o fazia aquando da convivência com o progenitor, deverá a progenitora poder acompanhar mais de perto a educação e os cuidados do seu filho.


O Recorrido invoca alguns argumentos para se opor à alternância da residência, que se pode apresentar como o local de residência da progenitora e as condições de habitação que esta pode oferecer ao menor.


Assim, encontra-se provado que o menor passou a frequentar o jardim de infância de ... e aí tem amigos, sendo habitualmente levado e recolhido pela avó paterna.

O progenitor vive em ... (...) e a progenitora em ... (...).

E o facto de a mãe do menor residir em ... (...) não será impeditiva de o menor residir com a progenitora, pois, como se refere na sentença proferida, “no caso presente deve ser ponderada a relativa proximidade geográfica (moram em municípios contíguos)” e, assim sendo, sem deixar de se ponderar que o menor terá de efetuar essa viagem, pois atendendo à integração do menor no ambiente escolar não deve abandonar essa escola (até por, a admitir a alternância de residência, a questão se colocaria quando o menor residisse com o pai), com a possibilidade de ter de se preparar para a escola mais cedo, mas é um pequeno contratempo que o menor sofre, e que resulta da separação dos seus progenitores.


Quanto às condições de habitação.

O menor, quer na casa do progenitor quer na casa da sua avó paterna, dispõe de um quarto próprio, o que não ocorre na residência da mãe, porquanto esta, depois do fim da convivência com o progenitor do menor, passou a morar em casa de seus pais, tendo esta três quartos. O menor, que tem pernoitado em alguns fins-de-semana com a sua progenitora em casa dos avós maternos, partilha o quarto com a progenitora e com a tia materna.

Ora, esta dificuldade da progenitora não é suficiente para afastar a convivência do menor na sua residência, atenta a idade do menor, podendo, contudo, no futuro, a manter-se a situação, acrescentar algum mal estar ao menor (que seguramente a progenitora saberá ultrapassar).

É natural que os progenitores não tenham o mesmo estilo de vida e mesmo de valores, mas essa diferença pode constituir um factor positivo para a formação da criança, porquanto esta tem interesse em conviver com ambos os progenitores, enriquecendo-a a diferença entre eles.

Atendendo a que as responsabilidades parentais são exercidas no interesse do menor, o objetivo final é obter o contacto, tão próximo quanto possível, do menor com os seus progenitores, de modo a que o menor possa usufruir em pleno, e em termos paritários, do afeto, apoio e segurança que cada um deles lhe proporcionará.


No caso presente, a guarda conjunta, com residências alternadas, atentas as circunstâncias concretas: parte do tempo de trabalho do progenitor é por turnos, o que não ocorre, neste momento, com a progenitora, ambos os progenitores mostram afeto pelo menor, e ambos os progenitores não têm incapacidades educativas, e possuem famílias alargadas que possibilitam, uma mais do que outra, a ajuda em cuidar do menor, é a melhor medida para preservar as relações de afeto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os pais, sem dar preferência à sua relação com um deles, em detrimento do outro, o que necessariamente concorrerá para o desenvolvimento são e equilibrado do menor.

Deste modo, e atento o atrás exposto, não existe qualquer obstáculo à guarda conjunta, com residências alternadas, pelo que o recurso terá de proceder.


Pelo exposto, define-se o seguinte regime:

1. O menor é confiado à guarda dos pais.

A sua residência será alternada na residência do pai e na residência da mãe, sendo essa alternância de um mês, iniciando-se pela residência da mãe, se outro regime não for acordado entre os progenitores, atento o facto de o progenitor ter períodos de trabalho por turnos.

2. As questões de particular importância da vida do menor são da responsabilidade de ambos os progenitores, devendo ambos manter-se informados sobre os aspetos relevantes da vida daquele, designadamente sobre escola e saúde e providenciar para que o menor esteja contactável.

3. O menor estará com o progenitor com quem não reside nesse momento em fins de semana alternados, desde o final do horário do jardim/escola de sexta-feira e até segunda-feira de manhã, recolhendo-o e entregando-o no estabelecimento por ele frequentado.

Caso não seja possível, os progenitores recolherão e entregarão o menor em casa da avó paterna.

4. O menor passará os dias 24 e 25 de dezembro com a mãe nos anos ímpares e com o pai nos anos pares.

5. O menor, sendo possível, no dia do seu aniversário, tomará uma refeição com a mãe e outra com o pai.

6. As despesas médicas e medicamentosas, bem como as resultantes da atividade escolar do menor serão suportados pelos pais em partes iguais.

7. O abono de família e as prestações sociais relativas ao menor que os progenitores recebem são repartidas pelos progenitores em partes iguais.


3. O pedido subsidiário formulado pela Recorrente mostra-se prejudicado pelo atrás decidido.


IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em conceder a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, e regulando-se as responsabilidades parentais nos termos supra referidos.

Custas pelo Recorrido.


Lisboa, 30 de novembro de 2021


Pedro de Lima Gonçalves (relator)

Fernando Samões

Maria João Tomé