Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
025801
Nº Convencional: JSTJ00008199
Relator: JOSE COIMBRA
Descritores: CIRCUNSTANCIAS QUALIFICATIVAS
AGRAVANTES
REINCIDENCIA
MEDIDA DA PENA
FURTO
CONCURSO
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ194502060258013
Data do Acordão: 02/06/1945
Votação: MAIORIA COM 3 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS 16-02-1945; RLJ ANO77, 348; BOMJ 5/76
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 1/1945
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CP886 ARTIGO 30 ARTIGO 34 N33 ARTIGO 39 ARTIGO 40 ARTIGO 55 N2 ARTIGO 57 N2 ARTIGO 100 ARTIGO 102 ARTIGO 349 ARTIGO 355 ARTIGO 421 N5 PAR1 PAR2 ARTIGO 425 N1 ARTIGO 426 ARTIGO 428 N1 N2 N3
N4 N5.
CPP29 ARTIGO 64.
L DE 1867/07/01.
L DE 1896/04/03.
D 2 DE 1890/03/29 ARTIGO 3.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1942/01/23 IN BOL OF ANO2 N9 PAG37.
ACÓRDÃO STJ DE 1943/05/21 IN BOL OF ANO3 N17 PAG208.
Sumário :
No concurso de circunstancias qualificativas, que são as agravantes, quer relativas ao facto, quer inerentes ao agente, cujo valor de agravação a lei predetermina, nas ultimas das quais o Codigo Penal inclui a reincidencia, não se somam as penalidades resultantes de cada uma delas, mas agrava-se o crime simples em função da circunstancia qualificativa mais grave e apreciam-se as outras como agravantes de caracter geral.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em sessão de tribunal pleno:

O presente recurso , interposto pelo Ministerio Publico para o tribunal pleno, vem do acordão de folhas 219, por nele, ao conhecer-se de crimes de furto atribuidos ao reu A, tambem conhecido por A solteiro, de 20 anos, natural da freguesia de A-dos-Francos, da Comarca de Caldas da Rainha, se haver decidido que, no concurso de circunstancias qualificativas, entre as quais figurava a da reincidencia, se não deviam somar as agravações relativas a cada uma delas, mas agravar-se o crime simples em função da mais grave, apreciando-se as outras como agravantes de caracter geral, ao passo que nos acordãos de 23 de Janeiro de 1942 e 21 de Maio de 1943, publicados no Boletim Oficial, ano 2, n. 9, pagina 37, e ano 3, n. 17, pagina 208, se tinha julgado que se não somavam as agravações resultantes das circunstancias qualificativas que, como textualmente se diz no primeiro destes dois acordãos, "ocorram na pratica do furto", mas que, como nele tambem se declara, a reincidencia " não qualifica o facto criminoso, qualifica a pessoa do delinquente".


As conclusões da alegação de recurso são do teor seguinte:
"a) As agravações resultantes das circunstancias qualificativas do crime não se somam; b) A reincidencia não e uma circunstancia qualificativa do crime, e, por isso, deve a agravação que lhe respeita acrescer a pena indicada para o crime qualificado; c) No furto qualificado, punido pelo artigo 428 do Codigo Penal, a agravação relativa a reincidencia deve ser feita em harmonia com as regras consignadas nos paragrafos do artigo 421, se o crime for punido com algumas das penas dos ns. 1 a 3 do artigo 428, e conforme as regras fundamentais respeitantes a reincidencia consignadas no artigo 100 do Codigo Penal, na lei de 1 de Julho de 1867 e na lei de 3 de Abril de 1896, se o crime for punido com qualquer das penas dos ns. 4 e 5 do mesmo artigo 428 do Codigo Penal;


Ou, quando assim se não entenda, d) Deve a agravação resultante da reincidencia, em todos os crimes de furto qualificado, ser levada a efeito conforme as regras fundamentais respeitantes a reincidencia estabelecidas no artigo 100 do Codigo Penal, na lei de 1 de Julho de 1867 e na lei de 3 de Abril de 1896".


Os mencionados acordãos de 23 de Janeiro de 1942 e 21 de Maio de 1943 transitaram em julgado e tanto eles como o recorrido foram proferidos no dominio da mesma legislação, e por este ultimo se decidiu, em oposição aqueles, que a reincidencia não devia ser excluida do principio do não adicionamento de penalidades resultantes do concurso de circunstancias qualificativas. Nestas condições, cumpre conhecer do objecto do recurso, cujo prosseguimento ja foi admitido por acordão de folhas 241. Mas o ambito do recurso restringe-se ao aludido ponto de direito em que os acordãos estão em oposição e não abrange a materia a que se referem as alineas c) e d) das conclusões da alegação de folhas 246, pois não ha, quanto a ela, qualquer oposição entre esses acordãos, que unanimemente consideram aplicaveis as disposições dos paragrafos 1 e
2 do artigo 421 a reincidencia, independentemente de concorrerem ou não outras circunstancias que qualifiquem o furto. E sobre aquele unico ponto de direito que a oposição dos acordãos se invoca no requerimento de interposição do recurso, cujo prosseguimento so relativamente a tal questão foi admitido pelo acordão de folhas 241, e nas conclusões da alegação apenas se pode restringir, e nunca ampliar, o objecto do recurso.
Segundo os tres mencionados acordãos, assim como, no concurso de crimes, se não somam, por expressa determinação do artigo 102 do Codigo Penal, as penas relativas a cada um deles, tambem identicamente e ate por maioria de razão, visto as circunstancias não terem valor causal, mas apenas sintomatico, se não devem somar as penalidades resultantes do concurso de circunstancias qualificativas. Mas, contrariamente ao acordão recorrido, excluem a reincidencia do dominio, deste principio os acordãos de 23 de Janeiro de 1942 e 21 de Maio de 1943.


Afirma-se no acordão de 23 de Janeiro de 1942 que so são qualificativas relativamente ao crime de furto "as circunstancias que ocorrem na pratica do furto" e que a reincidencia "não qualifica o facto criminoso, qualifica a pessoa do delinquente". E no acordão de 21 de Maio de 1943 declara-se: "A reincidencia e a sucessão de crimes não são circunstancias qualificativas...., pois que não entram como elementos constitutivos do crime, modificando-o, como diz o artigo 40 do Codigo Penal; são circunstancias pessoais inerentes ao agente e que, por isso, so agravam a responsabilidade deste".


Parece, pois, que a razão fundamental, segundo estes dois acordãos, da inadmissibilidade da reincidencia entre as circunstancias qualificativas devera ser a da sua natureza de "circunstancia pessoal, inerente ao agente".
Mas a uma tal razão logo se opõe, com a irrespondivel eloquencia dos factos, a realidade de um furto que a seu amo faça o criado unanimemente ser classificado de domestico, surgindo-nos assim, em flagrante evidencia, uma circunstancia bem inerente ao agente a qualificar o crime.
E não se replique que tal furto e qualificado de domestico em consequencia do lugar da sua pratica, porque isso seria confundir o preceituado no n. 1 do artigo 425 do Codigo Penal com determinações dos seus ns. 2 e 3. O que, segundo o n. 1 deste artigo, qualifica o furto e a circunstancia de criado subtrair alguma coisa pertencente a seu amo, independentemente do local da subtracção.


Circunstancias qualificativas são as de valor agravativo predeterminado na lei, e se as agravantes tanto podem ser relativas ao facto como inerentes ao agente e se entre estas ultimas se conta, por expressa determinação do n. 33 do artigo 34 do Codigo Penal, a reincidencia, manifesto e que as circunstancias qualificativas, em virtude da sua natureza de agravantes, podem indiferentemente pertencer a qualquer daquelas duas categorias, sem que a reincidencia, como agravante que e, tolere exclusão. E o efeito ultimo de todas as agravantes e, portanto, das que de entre elas tenham valor agravativo predeterminado na lei e da mesmissima natureza, pois consiste, conforme expressamente se estabelece no artigo 30 do Codigo Penal, em agravarem a responsabilidade criminal e, correlativamente, a pena.
E nem o crime, na realidade concreta, e separavel do criminoso; so artificialmente, por exigencias logicas, se faz a separação. A personalidade do delinquente reflecte-se no delito e, assim, as agravantes inerentes ao agente vão influir no crime, aumentando-lhe a gravidade. No sistema do nosso Codigo Penal bem patentemente isto se revela e ate o Codigo de Processo Penal o manifesta em algumas das suas disposições. Assim e que, se num furto de valor não excedente a 500 escudos, a que portanto corresponderia processo de policia, concorrer a circunstancia da reincidencia, logo, por tal motivo, o processo tera de ser correccional e o artigo 64 daquele ultimo Codigo declara que, em tal forma de processo, serão julgados os crimes a que correspondam as penas referidas no mesmo artigo. E aqui esta, pois, segundo a propria letra deste artigo, a reincidencia do criminoso a projectar-se no crime.


Na alegação de recurso ja se admite que agravantes inerentes ao agente possam qualificar o furto, mas nega-se tal eficacia a reincidencia, apesar de ele estar, por lei, enumerada entre aquelas circunstancias.
Textualmente se diz nessa alegação: "As circunstancias inerentes ao agente não tem todas as mesmas consequencias de ordem juridica. A situação de filho em relação a vitima no crime de homicidio do pai e uma circunstancia inerente ao agente, e todavia agrava consideravelmente o crime em si mesmo. O homicidio reveste um caracter mais grave e constitue um crime proprio devido a esta circunstancia, de modo a distinguir-se do homicidio simples. A filiação nesse caso da ate lugar a um crime com nomen juris, a um crime designado por parricidio. Da mesma forma a situação de criado no furto praticado ao patrão e uma circunstancia inerente ao agente, e no entanto determina a existencia de um crime objectivamente mais grave - o furto domestico. Nestes, como em outros casos, os crimes são por eles proprios de maior gravidade do que os crimes simples. Com a reincidencia não acontece o mesmo.... A reincidencia respeita a pessoa do delinquente, tal como a habitualidade. Em caso algum qualifica o proprio crime".


Mas, como ja ficou explanado, o crime e inseparavel do criminoso. A personalidade deste, se, debaixo do aspecto da prevenção, pode dar lugar a medidas de segurança, vai, sob o aspecto da repressão, influir na gravidade do crime, no qual essa personalidade se exterioriza. E forçoso e desfazer a confusão que, no transcrito passo da alegação de recurso, se estabelece entre a influencia das circunstancias em casos de crime qualificado e em casos onde, por virtude delas, aparece um crime sui generis, diverso, por definição, daquele sobre que elas incidiram. Sempre que ao crime simples acresça alguma circunstancia que a lei integre nos seus elementos constitutivos, dando a este conjunto um nomen juris, temos um novo crime. Assim acontece com o parricidio e com o infanticidio, que, em relação ao homicidio, constituem novos crimes. As circunstancias de parentesco e de idade fazem, por determinação da lei, surgir, relativamente ao homicidio, dois novos crimes, que são os de parricidio e os de infanticidio.
Ao contrario disto, o crime qualificado não constitue novo crime em relação ao crime simples; este conserva sempre toda a plenitude da sua autonomia e e a ele, ao crime simples, que todas as circunstancias qualificativas se referem, não para influirem na sua entidade, mas apenas na sua gravidade. E desta forma, não constituindo o crime qualificado, como manifestamente não pode constituir, um novo crime em relação ao crime simples, deixa de ter qualquer sentido a controversia acerca da aplicabilidade ou não aplicabilidade das disposições dos paragrafos 1 e 2 do artigo 421 do Codigo Penal, quando a reincidencia concorra com outras circunstancias qualificativas, porque todas elas tem de ser referidas ao crime simples e nenhuma o pode fazer um crime diverso.

As circunstancias qualificativas como que gravitam, passe o modo de dizer, em torno do crime simples, para, visto que as penalidades resultantes de cada uma delas se não somam, lhe aderir, com todo o valor do seu poder de agravação, a mais grave, funcionando então as outras como agravantes de caracter geral. E, assim, alem de passar ao rol de pseudo problema a irresolvivel controversia relativa ao dominio de aplicação dos preceitos dos paragrafos 1 e 2 do mencionado artigo 421, recorrida fica tambem a macula de incoerencia que nestes textos legais se via por, supostamente, se lhes atribuir o enorme defeito de tornarem a reincidencia mais agravativa em casos de furto simples do que nos de furto qualificado, por estes ultimos, ou, pelo menos, parte deles (os dos ns. 4 e 5 do artigo 428), estarem fora da sua alçada e sujeitos a de disposições em que se estabeleciam menores agravamentos.
E entre uma doutrina que, para se poder sustentar, tem de supor os textos legais incoerentes e desconexos e outra que os da como bem logicos e perfeitamente concatenados, não sera esta ultima a que, num tal confronto, pode julgar-se de pior partido.
E forçoso e ainda notar que, como no crime de furto, as circunstancias qualificativas referentes ao facto apenas, em regra, actuam agrupadas, o concurso de circunstancias qualificativas so, normalmente, se vem a estabelecer entre um grupo dos dessa natureza e a da reincidencia, e, assim, a exclusão desta ultima do dominio do principio do não adicionamento de penalidades resultantes de circunstancias qualificativas logo inutilizava o mesmo principio, porque o privava de todo, ou quasi todo, o seu poder de eficiencia.
E assim e que cometidos dois crimes de furto, do simples valor de 2050 cada um deles, por mais de uma pessoa, de noite e com arrombamento, escalamento ou chaves falsas em casa não habitada nem destinada a habitação, os seus autores incorreriam, em virtude deste grupo de circunstancias, nas sanções do n. 5 do artigo
421 do Codigo Penal, mas, se algum deles fosse reincidente, embora em consequencia de furto do mais infimo valor, ja se lhe tornavam aplicaveis as dos ns. 3 dos artigos 55 e 57, e, por causa da acumulação de crimes, teriam finalmente de se lhe aplicar as dos ns. 2 dos mesmos artigos, que são as fixadas no artigo 349 para os assassinos. E se se tratasse de segunda reincidencia, logo, por tal motivo as penas seriam as dos ns. 2 dos citados artigos 55 e 57 e a acumulação de crimes determinaria a aplicação das dos ns. 1 destes mesmos artigos, que são as mais graves de toda a escala penal, as que o artigo 355 estabelece para os parricidas. E nem se diga que um tal resultado bastante se modificaria se a agravação da reincidencia se fizesse nos termos do artigo 100 do Codigo Penal e leis de 1 de Julho de 1867 e 3 de Abril de 1896, e não nos dos paragrafos 1 e 2 do artigo 421, porque, assim, apenas se diminuia, e em bem pouco, o valor de uma das varias parcelas de semelhante soma, e, portanto, o total não viria a acusar alteração sensivel.
Tão perturbantes resultados seriam de molde a causar maior alarme social do que qualquer crime de furto, ainda que de montante bem superior aos dos apontados.
E se as leis representam juizos de valor, e inadmissivel que delas possa resultar tão clamorosa subversão de valores.
E efectivamente não resulta, porque, com as circunstancias qualificativas são agravantes, e por isso mesmo tanto podem pertencer a classe das relativas ao facto como a das inerentes ao agente, e como a reincidencia, por expressa disposição de lei, figura entre estas ultimas, manifesto e que tal circunstancia não admite exclusão do dominio do incontestado principio de não adicionamento de penalidades resultantes do concurso de circunstancias qualificativas.
Assim, pelos fundamentos expostos, mantem o acordão recorrido e estabelecem o seguinte assento:
No concurso de circunstancias qualificativas, que são as agravantes, quer relativas ao facto, quer inerentes ao agente, cujo valor de agravação a lei predetermina, nas ultimas das quais o Codigo Penal inclue a reincidencia, não se somam as penalidades resultantes de cada uma delas, mas agrava-se o crime simples em função da circunstancia qualificativa mais grave e apreciam-se as outras como agravantes de caracter geral.



Lisboa, 06 de Fevereiro de 1945


- Jose Coimbra - Baptista Rodrigues - Rocha Ferreira -
- Miguel Crespo - Luiz Osorio - F. Mendonça - Teixeira Direito - Baptista da Silva - M. Duque - Oliveira Pires -
- Heitor Martins (vencido. Votei a revogação do acordão recorrido e que se consagrasse, no assento, a doutrina de a reincidencia não ser circunstancia qualificativa do crime de furto do artigo 428 do Codigo Penal, doutrina esta insistentemente proclamada nos acordãos deste Supremo Tribunal de 23 de Janeiro de 1942, 21 de Maio de 1943, 3 de Março de 1944, 10 de Março de 1944, 18 de Julho de 1944, 25 de Julho de 1944, 12 de Dezembro de 1944 e 12 de Janeiro de 1945, assinados pelos Senhores Juizes Crespo, Pereira e Sousa, Baptista Rodrigues,
Teixeira Direito, Rocha Ferreira, Magalhães Barros,
Mendonça, Luiz Osorio, por outros juizes que ja não pertencem ao Tribunal e por mim, devendo, por isso, a reincidencia actuar sobre a pena do crime qualificado nos termos expressos no artigo 429.
Direi, em resumo, as razões deste meu voto.
As circunstancias agravantes, qualificativas, como condições objectivas de punibilidade, podem ter causas reais ou causas pessoais, conforme interessam as condições da execução do facto , a qualidade do agente ou da vitima (ex. artigos 428, 425, n. 1, e 365); mas, sejam quais forem essas causas, elas operam in rem, isto e, influem na qualificação, porque agravam objectivamente o crime, razão por que se comunicam a todos os agentes dele.
Não e so pelo facto de serem predeterminadas na lei que as circunstancias são qualificativas, mas sim, essencialmente, por aumentarem a gravidade objectiva dos crimes, nos casos em que a lei lhes atribue valor qualificativo e, portanto, causal.
A reincidencia não esta nestes casos, não tem valor causal, mas sintomatico, porque so agrava a culpabilidade individual do reincidente e a lei não lhe da aquele valor, razão por que se não comunica a outros agentes.
Objectivamente não tem a reincidencia qualquer acção, porque o crime e precisamente o mesmo, quer para o reincidente, quer para o agente primario.
Aquele, porem, em consequencia da sua periculosidade, ou habitualidade, atribuie a lei maior responsabilidade, agravando-lhe a pena correspondente ao crime praticado, mas não a pena cominada a um crime suposto.
Se a razão fundamental do acordão - predeterminação na lei dos efeito da reincidencia - fosse de aceitar, seria a reincidencia, sempre, uma circunstancia qualificativa de qualquer crime, pois tem ela os seus efeitos predeterminados no artigo 100 do Codigo Penal e na lei de
3 de Abril de 1896; esta logica, porem alem de fantasista, conduziria aos maiores e mais evidentes absurdos, porque os crimes so são qualificados quando e como o estatue categoricamente a lei, e não a vontade do interprete.
Aquela razão, portanto, e inconsistente.
O furto do artigo 428 contem em si o furto simples, e certo, pois não existe sem os requisitos essenciais deste; contem todavia mais alguma cousa que são as circunstancias que o qualificam, lhe mudam para mais grave sua feição, circunstancias estas tão inseparaveis dele como os requisitos do crime-base.
O acordão desarticulou essas circunstancias, multilando por essa forma o crime praticado, que ficou reduzido a expressão de crime simples. Não o podia fazer.
E inquestionavel que as circunstancias do artigo 428 actuam em grupo e so ate onde necessario para qualificarem o crime; as outras circunstancias que porventura se verifiquem actuam como agravantes gerais, e assim a agravação especifica e uma so.
O acordão confundiu todas estas coisas simples, mas diversas, e dai os equivocos em que labora. Mais: o artigo 30 do Codigo Penal não favorece a tese do acordão.
O crime e inseparavel do criminoso e a situação deste projecta-se sobre aquele, porque oa proprias agravantes inerentes ao agente vão aumentar-lhe a gravidade, diz-se.
Pura logomaquia, porque, como resulta daquele artigo 30, e a responsabilidade que se agrava ou atenua, e com ela a pena, mas não o crime.
Ora ninguem dira que a responsabilidade ou a pena seja o crime.
Tambem o artigo 64 do Codigo de Processo Penal lhe não aproveita, porque o mesmo preceituava o artigo 3 do decreto n. 2 de 29 de Março de 1890, e isso não impediu que a lei de 3 de Abril de 1896, ao permitir que, em caso de reincidencia; a prisão correccional fosse elevada a tres anos, mantivesse a respectiva forma de processo. Por ultimo: não diz o acordão como actua a reincidencia nos casos dos ns. 4 e 5 do artigo 428, que, estabelecendo penas especificas, incluem nas suas regras as circunstancias qualificativas previstas no artigo.
Tambem vai incidir sobre o crime simples, aplicando-se-lhe o disposto nos paragrafos do artigo 421.
Mas isso seria, pura e simplesmente, revogar a lei.
A logica, porem, impunha-lhe essa conclusão, e veja - se o resultado.
Um agente primario cometeu o crime qualificado do artigo 428 e por ele foi condenado. Reincide no mesmo crime e, então, ja não pratica o crime daquele artigo, mas sim o de furto simples, sobre o qual vai actuar, unicamente, a reincidencia, passando esta, portanto, a categoria de atenuante privilegiada, pois teve o valor de transformar o crime qualificado em crime simples.
Resultado aberrante, sem duvida.
Desta sintese resulta que a logica abstracta, desprendida da lei e dos principios que a informam, e esteio pouco seguro para aguentar uma solida construção juridica, e por isso a doutrina do acordão ficou, como se ve, periclitante) - Pereira e Sousa (vencido pelas razões expostas no voto que antecede e em vista do disposto nos artigos 40, n. 1, 426 e 428 do Codigo Penal) - Magalhães Barros (vencido pelos fundamentos indicados no primeiro voto vencido e razões constantes dos acordãos deste Supremo de 25 de Julho de 1944 e 12 de Janeiro de 1945).