Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4951/19.0T8CBR-A.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: INQUÉRITO JUDICIAL
SOCIEDADE COMERCIAL
PRESSUPOSTOS
DIREITO À INFORMAÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 01/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - O art. 1048.º, n.º 1, do CPC dispõe que «O interessado que pretenda a realização de inquérito judicial à sociedade, nos casos em que a lei o permita, alega os fundamentos do pedido de inquérito, indica os pontos de facto que interesse averiguar e requer as providências que repute convenientes.».
II - Na base do pedido do inquérito judicial a uma sociedade por quotas está: (i) a recusa de informação; (ii) ou a prestação de informação presumivelmente falsa; (iii) ou prestação de informação não esclarecedora.
III - Impende sobre o requerente do inquérito judicial o ónus de provar os factos constitutivos da pretensão formulada.
Decisão Texto Integral:

PROC 4951/19.0T8CBR-A.C1.S1

6ª SECÇÃO

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I AA. intentou inquérito judicial contra POLÍBIO ALVES DA CUNHA, LDA e BB., pedindo a averiguação da regularidade da situação económico-financeira da requerida e da sua conexão com os desequilíbrios verificados com a atividade desenvolvida pelo seu gerente; a auditoria às contas dos exercícios dos últimos 10 anos; a análise económico-financeira comparativa inter anual, sectorial e percentual dos últimos 10 exercícios e respetivos comentários; o levantamento plurianual das rubricas relacionadas com aquisições e vendas de imóveis, bem como os negócios realizados através de permutas, despesas não documentadas e quaisquer outras rubricas de carácter duvidoso e respetivas conclusões; a averiguação de todas as estruturas de custo atribuídas à gerência, incluindo ordenados, subsídios, ajudas de custo e outras concessões, como carros, combustíveis, refeições, deslocações, telemóvel, seguros, cartões de crédito e quaisquer outras despesas pagas com análise comparativa inter anual e respetiva evolução; a análise dos últimos 10 anos dos movimentos relacionados com as contas de passivos e suprimentos, autorizações das assembleias gerais, suporte documental, meios e critérios de pagamento; a análise detalhada de compras e vendas, comparando com preços de mercado e restantes condições alternativas; a averiguação da correspondência entre as receitas efetivamente recebidas pela Requerida e as constantes da contabilidade e das existências.

Alegou para tanto, em síntese, que a Autora e o segundo Réu foram casados (entre 1994 e 2016) e são os únicos sócios, desde a sua constituição (em 25 de Julho de 2007), da sociedade Políbio Alves da Cunha, Lda., tendo sido sempre seu gerente o segundo Réu e nunca tendo sido permitido à Autora acompanhar os negócios da sociedade, sendo que este, desde o divórcio, tem vindo a esvaziar o conteúdo da sociedade, procedendo à venda de grande parte do seu património e exercendo atividade concorrente através de outra sociedade com sede na mesma morada da sociedade requerida.

Os Réus contestaram, pugnado pela improcedência da acção.

A final foi produzida sentença a determinar a realização de inquérito judicial à sociedade Políbio Alves da Cunha, Lda, a fim de averiguar da efetiva entrada nos cofres da sociedade ré da quantia de € 250.000,00, proveniente de empréstimo da mãe do Réu BB., entre o dia 1 de Janeiro de 2008 e o dia 30 de Abril de 2009, bem como das disponibilidades financeiras existentes na sociedade em Agosto de 2018, quando esta quantia foi levantada, tendo decretado a suspensão do Réu BB. das funções de gerente da sociedade Políbio Alves da Cunha, Lda.

Inconformado com tal decisão, interpôs o segundo Réu recurso de Apelação o qual veio a ser julgado procedente, com a absolvição dos Réus do pedido formulado.

Recorre agora a Autora, de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

- O aqui recorrido pediu a reapreciação da prova produzida quanto à matéria de facto, designadamente, que os pontos 19 e 41 dos factos provados passassem a ter diferente redação. O Tribunal da Relação considerou que apenas assistia ao aqui recorrido razão no que ao ponto 19 diz respeito.

- O Tribunal da Relação procedeu à retificação deste ponto dos factos provados, sendo que considerou que a sua redação devia passar a ser a seguinte: “o segundo réu foi questionado pela requerente na Assembleia Geral, que se iniciou a 16 de maio de 2019, acerca do destino daquelas quantias e foi designada nova data para continuação da Assembleia, que se veio a realizar em 24 de junho de 2019”, por considerar que a parte retirada deste facto incutia a ideia errada que o documento depois de apresentado à ora recorrente teria sido entretanto e posteriormente elaborado.

- Acontece que de acordo com a sentença a quo o facto constante do ponto 19 foi considerado assente por acordo das partes, dado que não foi impugnado pelos Réus.

- A admissão de factos por acordo ocorre quando factos relevantes para a ação ou para a defesa não forem impugnados nos termos do art.º 574º, n.º 1 do CPC.

- O aqui recorrido em momento algum das alegações de recurso refere que tal ponto foi assente por acordo das partes, omitindo, propositadamente, tal circunstância. Referindo que o mesmo foi impugnado e contraditado no seu art.º 26º da contestação e, ainda, por prova documental e testemunhal, o que não corresponde à verdade. Mas, o que consta do ponto 19 é que à data da primeira Assembleia Geral “não existiam nos documentos contabilísticos da sociedade requerida que justificassem a saída de quantias tão avultadas”, tanto que o documento 11 junto com o requerimento inicial prova que aquando da realização da primeira Assembleia Geral não se encontrava na contabilidade qualquer prova documental que justificasse a saída de tal montante. Pois todas as entradas e saídas de capitais numa sociedade têm que estar devidamente justificados com faturas ou recibos, ou seja, com prova documental, que neste ponto em concreto não existia na contabilidade, daí que a Assembleia tenha sido suspensa e retomada após a entrega dos documentos solicitados pela ora recorrente.

- Tanto mais que o documento 11 junto com o requerimento inicial traduz-se num e-mail enviado pelo gabinete de contabilidade da sociedade, datado de 5-06-2019 (após a data da primeira Assembleia Geral), onde se pode ler: “envio documentos que o sr. BB. aqui deixou ficar, para si.” Ou seja, tais documentos, declaração de quitação e declaração de dívida, encontravam-se na posse do gerente da sociedade e não na contabilidade. Tudo isto de acordo com o ponto 19 dos factos provados da sentença a quo.

- E note-se que esse foi um dos vários pontos assentes por acordo, pois na sua contestação não procedeu à impugnação dos mesmos, o que devia e podia ter feito!

- De referir, ainda, que tal ponto se encontra assente por acordo, nunca tendo o ora recorrido nas suas alegações colocado em causa tal circunstância, não podendo tal matéria de facto ser alterada por violação do n.º 1, do art.º 662º do CPC a contrario.

- Assim, não podemos concordar com a reapreciação da decisão de facto que neste ponto foi feita pelo Acórdão ora em análise, por se tratar de uma das situações em que o legislador entendeu que a decisão da matéria de facto não pode ser alterada pela Relação, uma vez que a prova produzida não impunha decisão diversa nos termos do n.º 1, do art.º 662 do CPC a contrario.

- Com efeito, estamos perante uma violação das regras de prova dado que os elementos fornecidos pelo processo impuseram decisão diversa insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas.

- O n.º 2, do art.º 574º do CPC estatui que são considerados admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, o que aconteceu no ponto em questão, e para além disso não integra uma das exceções previstas naquele preceito.

- Se o ora recorrido não exerceu o seu ónus de contestar ou de impugnar, quando tinha condições de autorresponsabilidade para o fazer, leva a que se tenha por verdadeira a “afirmação feita pela contraparte; e fá-lo com base numa regra da experiência - a de que, na generalidade dos casos, à manifestação de desinteresse em impugnar uma afirmação corresponde a verdade desta” - Lebre de Freitas, in “A Confissão no Direito Probatório”, p. 547/8.

- Com efeito, “… a admissão constitui mesmo uma prova pleníssima (e não apenas plena) porquanto os factos em causa ficam definitivamente provados no processo, não podendo o Réu vir posteriormente negá-los. A admissão identifica-se, assim, com uma presunção inilidível…” – Luís Filipe Pires de Sousa, in “A prova testemunhal”, p. 204.

- Tanto mais que da leitura do relatório pericial, que entretanto foi concretizado e junto aos autos, o qual se requer desse já a sua junção por se averiguar de extrema relevância, podemos constatar que não era possível existirem documentos contabilísticos da sociedade requerida que justificassem a saída de quantias tão avultadas, pois apesar de constar uma conta de outros credores intitulada “CC.” com saldo no valor de € 258.000,00 pode-se ler naquele que “(…) o saldo da conta de abril de 2009, não poderia ser exatamente 258.000,00€, mas sim, algo estimado como 248.025,00€, pese embora esta estimativa de valor não esteja solidamente documentada.” Mais dizendo este relatório que “Provar a entrada de fundos monetários nas contas da sociedade, ou eventualmente, o pagamento por terceiros de obrigações contratuais dessa mesma sociedade, parece-me tão elementar quanto a apresentação do correspondente documento provatório do fluxo financeiro.” Bastando “simplesmente apresentar os documentos que suportam os fluxos financeiros, que evidenciam a sua origem e o seu destino.”

- Ao proceder à reapreciação da matéria de facto o Acórdão ora em análise violou a lei substantiva por erro de aplicação nos termos da al. a), do n.º 1, do art.º 674º do CPC, que comina numa nulidade nos termos da al. d), n.º 1, do art.º 615, impondo-se a sua revogação.

- O recorrido pugnou pela nulidade da sentença a quo em virtude de fazer incidir o inquérito em objeto diverso do pretendido pela recorrente nos termos do art.º 615º, n.º 1, al. e) do CPC.

- Os Ex.mos Desembargadores consideraram, e bem, que a sentença a quo não padecia do vício de nulidade.

- Não podemos esquecer que estamos perante um processo de jurisdição voluntária em que predomina o princípio da prevalência dos juízos de equidade, Não estando, portanto, sujeito a critérios de legalidade estrita. Pelo que não podemos deixar de considerar que a meritíssima juíza a quo atuou nessa conformidade quando limitou os pontos objeto do relatório pericial.

- Da nulidade do acórdão por excesso de pronúncia

- Veio o Acórdão proferido considerar que a ora recorrente não demonstrou “uma qualquer causa de pedir que justifique a realização do inquérito judicial, razão pela qual, não tendo cumprido o seu ónus probatório (art. 324º/1 do C.Civil), não pode ser determinada a realização de inquérito judicial, tendo assim a apelação que ser julgada procedente.”

- Ora tal decisão extravasa o objeto e o pedido do recurso intentado pelo ora recorrido nos termos e para os efeitos do art.º 615º, n.º 1, als. d) e e) do CPC aplicável ex vi artigos 685.º e 666.º do CPC.

- O ora recorrido não invoca a causa de pedir nas suas alegações de recurso, apenas cingindo-se à nulidade da decisão por fazer incidir o inquérito em objeto diverso do peticionado. Contudo, veio a Relação pronunciar-se sobre todo o requerimento inicial, considerando que tudo o alegado não tem enquadramento na ratio de um inquérito judicial, determinando a procedência da apelação, quando nesta nenhuma dessas questões lhe foi levantada.

- Mas, tal não lhe era permitido, uma vez que a aquela se devia ter circunscrito ao objeto do que lhe foi pedido, verificando-se, assim, a nulidade do acórdão por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615, n.º 1, als. d) e e) do CPC.

- Constituindo este acórdão para a ora recorrente uma decisão surpresa em violação do princípio do contraditório por falta de audição da ora recorrente, que nunca teve oportunidade de se pronunciar acerca da falta de justificação de causa de pedir para a realização do inquérito judicial.

- A necessidade da contradição, aflorada, em diversas disposições do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, vem genericamente concretizada no artigo 3.º do CPC, surgindo-nos como estruturante e basilar no Processo Civil.

- O direito ao contraditório, decorrência natural do princípio da igualdade das partes, consagrado no art. 4º, na medida em que garante a igualdade das mesmas ao nível da possibilidade de pronúncia sobre os elementos suscetíveis de influenciar a decisão, possui, segundo o ac. do STJ de 27/10/98, processo 98A817 “um conteúdo multifacetado: ele atribui à parte não só o direito ao conhecimento de que contra ela foi proposta uma ação ou requerida uma providência e, portanto, um direito à audição antes de ser tomada qualquer decisão, mas também um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a tomar posição sobre elas, ou seja, um direito de resposta”.

- Assim, nenhuma questão pode ser decidida quer em sede de 1.ª instância, quer em sede de recurso, com um fundamento jurídico diverso até então omitido nos autos e não ponderado pelas partes sem que, antes, as mesmas sejam convidadas a sobre ela se pronunciarem.

- São, pois, proibidas as decisões surpresa, isto é, as decisões baseadas em fundamento que não tenha sido previamente analisado pelas partes. A surpresa que se visa evitar não se prende com o conteúdo, com o sentido da decisão em si, mas com a circunstância de se decidir uma questão não prevista. Visa-se evitar a surpresa de se decidir uma questão com que se não

estava legitimamente a contar.

- Ora face a tudo o exposto, observamos que a decisão da relação constitui uma decisão surpresa, pois foi dada uma solução jurídica sem que à ora recorrente tenha sido dada a oportunidade de se pronunciar sobre a sua causa de pedir.

- Existia o direito da ora recorrente exercer o seu contraditório, não tendo o mesmo sido efetuado pelo facto de a relação a seu bel-prazer analisou e tomou uma decisão sobre a causa de pedir que justifica a realização do inquérito judicial. Concluindo-se que ao não ter sido dada a possibilidade de a ora recorrente se pronunciar acerca da questão da causa de pedir constitui a violação do princípio do contraditório.

- A inobservância do contraditório, e sua consequente violação, mediante a prolação de uma decisão-surpresa, constitui uma nulidade processual nos termos do art.º 195º do CPC, pelo deve tal ser revogado.

Nas contra alegações o Recorrido pugna pela manutenção do Acórdão impugnado.

II Põem-se como questões de direito a resolver no âmbito do presente recurso de Revista as de saber: i) se foi violada alguma disposição legal, máxime a do nº 2 do artigo 574º do CPCivil, ao ser alterada a materialidade factual dada por assente no ponto 19.; ii) se o Acórdão é nulo por excesso de pronuncia e se foi violado o princípio do contraditório.

As instâncias declararam como assentes os seguintes factos:

1. A autora, AA., e o segundo réu, BB., são os únicos sócios da sociedade Políbio Alves da Cunha, Lda.

2. A sociedade Políbio Alves da Cunha, Lda. dedica-se à construção civil, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, venda e administração de imóveis, aquisição de terreno para construção e arrendamento de imóveis.

3. Somente o segundo réu foi nomeado gerente no contrato de sociedade, tendo a mesma sempre sido controlada por aquele.

4. A autora e o segundo réu foram casados entre 23 de abril de 1994 e 6 de dezembro de 2016, data em que foi decretado o respetivo divórcio pelo Tribunal de Família e Menores de ……….

5. Perante o divórcio do casal, dada a relação conflituosa existente, a autora pretendia exercer conjuntamente com o segundo réu a gerência da sociedade, tanto mais que o património mais valioso do casal se encontrava na esfera desta.

6. Perante a recusa do segundo réu, a autora intentou ação especial de convocação judicial de assembleia-geral, processo que correu seus termos no Juiz ……, do Juízo de Comércio do Tribunal Judicial de ……., sob o n.º 8090/17……., no qual o pedido da autora foi procedente.

7. Realizada a Assembleia Geral, com a proposta de inclusão da ora autora como gerente da sociedade, a mesma foi votada desfavoravelmente pelo sócio gerente, ora segundo réu, e assim por não ser possível obter maioria qualificada a deliberação não foi aprovada.

8. A autora nunca acompanhou os negócios da requerida e a gerência efetuada pelo segundo réu.

9. Em 26/01/2018, a sociedade ré procedeu à venda de um prédio urbano, sito em ……., com o valor patrimonial de € 233.502,32, sendo a venda realizada pelo preço declarado de € 230.000,00.

10. Em 25/05/2018, vendeu um prédio urbano, sito em ……., com o valor patrimonial de € 299.602,73, sendo a venda realizada por € 157.500,00.

11. Em 08/08/2018 foi realizado um contrato promessa de compra e venda de um prédio urbano, no qual a sociedade ré e a sociedade D......., Lda.  declararam ser proprietárias de um prédio e prometeram vender o imóvel, que tem o valor patrimonial de € 233.502,32, pelo preço de € 370.000,00.

12. Em 17/01/2018, a sociedade ré outorgou contrato de permuta através do qual cedeu uma fração autónoma, sita na Rua ….., com o valor patrimonial € 189.346,55, pelo valor de € 130.000,00.

13. Neste último negócio foi também interveniente a sociedade D......., Lda., sociedade esta constituída em 17/10/2017 com o capital social de € 20.000,00, com uma quota pertencente ao segundo requerido no valor de € 19.000,00, e outra quota de € 1.000,00 pertencente à filha mais velha da autora e do réu, EE..

14. Esta sociedade tem como objeto a construção civil, obras públicas e reabilitação urbana, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim.

15. Na data da sua constituição, o segundo réu era também gerente desta sociedade.

16. Atualmente, todos os filhos do ex-casal são sócios da referida sociedade.

17. Esta sociedade tem sede na mesma morada da sociedade requerida.

18. Aparecem nas contas da requerida duas saídas monetárias, uma de € 100.000,00 e outra de € 150.000,00, efetuadas no dia 16 de agosto de 2018, por transferência bancária para a conta do filho mais novo da requerente e segundo requerido, FF., atualmente de 19 anos de idade.

19. O segundo réu foi questionado pela requerente na Assembleia Geral, que se iniciou em 16 de maio de 2019, acerca do destino daquelas quantias e foi designada nova data para continuação da Assembleia, que se veio a realizar em 24 de junho de 2019.

20. No dia 5 de junho de 2019, teve a requerente conhecimento de uma confissão de dívida e declaração de quitação datada de 14 de agosto de 2018, na qual CC. declara “ter recebido naquela data a quantia de € 250.000,00, para pagamento do capital de igual montante que aquela emprestou à referida sociedade, nos termos da confissão de dívida e promessa de cumprimento outorgada no dia 30/04/2009”.

21. Na Assembleia Geral de aprovação de contas realizada em 24 de junho de 2019, confirmou o segundo réu a informação constante deste documento.

22. CC., mãe do segundo réu, é uma pessoa de idade avançada, contando 90 anos de idade.

23. FF. encontrava-se na data das transferências a residir com o pai, padece de uma surdez profunda, e contava então com apenas 18 anos de idade.

24. O requerido continua a receber a sua remuneração mensal de gerência que se cifra nos € 890,00.

25. A sociedade requerida apresentou um volume de vendas no ano de 2017 de € 78.700,00 e no ano de 2018 aumentou para € 518.139,00.

26. Após o divórcio entre a autora e o réu, foi requerido o respetivo processo de inventário para partilha dos bens comuns pertencentes a este dissolvido casal, processo esse que, sob o n.º ….., corre termos através do Cartório Notarial da Dr.ª GG., situado na Rua ……., em ……...

27. Constam da respetiva relação de bens as duas quotas, no valor nominal de € 2.500,00 cada, que integram a totalidade do capital social da sociedade Políbio Alves da Cunha, Lda.

28. No dia 6 de junho de 2016, reuniram na sede da sociedade, em assembleia geral, ambos os sócios, tendo os mesmos, depois de previamente analisados e verificados todos os documentos contabilísticos, aprovado por unanimidade os relatórios de gestão, as contas e os balanços dos exercícios dos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015.

29. A sociedade ré encontra-se formalmente sediada na Rua ….., em ……., como solução de oportunidade e sem encargos, sendo que este local apenas serve a esta como recetáculo de correspondência, dado que é aí que funciona um pequeno estabelecimento autónomo de utilidades domésticas explorado pelo segundo réu, encontrando-se por isso todos os documentos de escrituração da mesma sociedade depositados no gabinete onde são processados os correspondentes registos e assentos contabilísticos.

30. Após o divórcio, a assembleia geral da sociedade reuniu mais uma vez no dia 20 de dezembro de 2017, com a presença dos sócios, assembleia essa que se realizou no escritório de contabilidade do contabilista certificado responsável pelo processamento e certificação da respetiva escrituração.

31. Previamente foram disponibilizados à autora os documentos de prestação de contas, balanço e demonstração de resultados, tendo esta sido tecnicamente assessorada para o efeito.

32. Pela mesma foi solicitada uma análise mais detalhada daqueles suportes documentais, pelo que lhe foram mais uma vez disponibilizados no dia 05.01.2018, a partir das 11 horas, tendo esta e as suas assessoras analisando tudo o que quiseram escrutinar, extraindo fotocópias desses suportes documentais.

33. No dia 1 do mês de março de 2018, pelas 10 horas, reuniu de novo a assembleia geral da sociedade, tendo como ordem do dia deliberar a nomeação da autora como gerente, bem como a alteração do pacto social, designadamente em cumprimento da decisão judicial proferida pelo Juiz …… do Juízo de Comércio do Tribunal Judicial de ……. no Processo n.º 8090/17……...

34. No dia 28 de março de 2018 reuniu novamente a assembleia geral da sociedade, tendo apenas comparecido na mesma o sócio BB..

35. Nessa assembleia foi deliberado aprovar o relatório de gestão e as contas de 2016, bem como proceder à distribuição de lucros pelos sócios, a título de dividendos, em relação à quantia de € 20.000,00, na proporção de cada quota.

36. A ata n.º ….. referente a esta assembleia geral foi enviada à autora, tendo sido concomitantemente convidada a comparecer no escritório de contabilidade do contabilista responsável pela respetiva escrituração, a fim de receber os aludidos dividendos no montante líquido de € 7.200,00, após a retenção na fonte de 28% em sede de IRS.

37. A autora compareceu no referido escritório em 12.07.2018, onde recebeu e assinou o documento comprovativo do pagamento desses dividendos, não tendo suscitado qualquer óbice ou manifestado qualquer reserva face às deliberações neste caso tomadas.

38. A assembleia da sociedade tornou a reunir no dia 10 de abril de 2018, a fim de deliberar sobre o relatório de gestão e contas relativas ao ano de 2017.

39. Tendo o segundo réu votado favoravelmente e a autora contra, justificando esta a sua posição em virtude de não concordar com as despesas apresentadas “por serem na sua perspetiva desproporcionais e injustificadas para a atividade desenvolvida pela sociedade” e também porque considera a remuneração da gerência, na sua ótica, como exagerada.

40. No dia 24 de junho de 2019, reuniu mais uma vez a assembleia da sociedade, tendo como ordem do dia a apreciação e deliberação do relatório de gestão e as contas do exercício de 2018.

41. A autora, assessorada, votou contra, por entender que existem informações falsas no relatório de gestão e nas aludidas contas de 2018, tendo o segundo réu votado favoravelmente por considerar que as mesmas se encontram corretamente elaboradas.

42. A fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente a um armazém situado no lugar  ….…… foi vendida em 25.05.2018, pelo preço de € 157.500,00 porque, durante mais de três anos, não obstante a prospeção que foi desenvolvida através de várias imobiliárias, nunca apareceu um outro interessado a oferecer melhor preço.

Não se provou que:

a) CC. sempre foi uma pessoa de parcos rendimentos, tanto que esteve emigrada em ….. com o seu marido, onde trabalhavam em fábricas, acabando por regressar a Portugal passado poucos anos, passando somente a viver da agricultura.

b) É viúva desde há pelo menos 10 anos, apresentando pouca escolaridade.

c) Vive numa casa com poucas condições de habitabilidade, sendo o seu filho, segundo réu, que lhe vem dando assistência.

d) O irmão do segundo réu confirmou à autora que a sua mãe nunca deteve tais quantias.

e) FF. transmitiu já à mãe que a conta havia sido aberta em seu nome pelo segundo réu e que era este que a movimentava.

f) O segundo réu pretende esvaziar o património da sociedade Políbio Alves da Cunha, Lda. e retirar todos os seus rendimentos para que a autora seja prejudicada.

g) O produto das vendas realizadas deu entrada nos cofres da sociedade.

h) Os movimentos que subjazem à retirada dos € 250.000,00 sempre estiveram patentes na correspondente conta de devedores e credores existentes no sistema de escrituração da sociedade há mais de 10 anos.

i) Conta essa que não só contempla diversas prestações suplementares para efeitos de reforço de capital, como também inclui o empréstimo em dinheiro, no citado valor de € 250.000,00, que a mãe do réu concedeu sem juros à sociedade há mais de 10 anos, designadamente para reforço da respetiva tesouraria, então na sequência de várias aquisições de imóveis realizadas por esta sociedade nos anos de 2008/2009.

j) Razão pela qual foi elaborado em 30 de abril de 2009 o documento de “Confissão de Dívida e Promessa de Cumprimento”.

k) O mencionado capital no valor de € 250.000,00 foi restituído à mãe do réu, Srª. CC., em 14 de agosto de 2018, atentas as disponibilidades financeiras no momento existentes na sociedade, tendo a citada mutuante assinado o correspondente termo de quitação.

l) CC. auferiu proventos significativos no decurso e na sequência da cedência da quota que detinha no capital social de uma anterior sociedade comercial bastante lucrativa e na qual também participava o seu filho BB., na qualidade de sócio.

m) Para além daqueles proventos, a citada CC. tem as suas poupanças pessoais que angariou como emigrante.

n) CC. decidiu doar a quantia no valor de € 250.000,00 que lhe havia sido restituída pela sociedade ré a favor dos seus quatro filhos, filhos do réu BB., tendo por isso dado instruções a este no sentido de tal importância ficar salvaguardada até que os aludidos netos atinjam um grau de maturidade e responsabilidade apreciado de acordo com os seus melhores critérios de avaliação.

o) Motivos pelos quais foi tal importância inicialmente depositada na conta do filho mais novo, FF..

p) Todavia, devido às extravagâncias deste, viu-se o réu obrigado a retirar o dinheiro da referida conta, dado que se o mesmo lá permanecesse estariam e ficariam em sério risco as expectativas dos restantes três irmãos.

q) O segundo réu decidiu ajudar a criar a nova sociedade denominada D......., Lda., a fim de exercer a sua atividade em benefício dos quatro filhos e de salvaguardar o futuro de todos eles.

1. Da alteração do ponto 19. da matéria de facto

Insurge-se a Recorrente contra a alteração efectuada pelo segundo grau ao ponto 19. da matéria de facto dada como assente, uma vez que, na sua tese, tendo tal ponto sido dado como provado em primeira instância por acordo das partes, nunca tendo o ora recorrido nas suas alegações colocado em causa tal circunstância, não pode o mesmo ser alterada por violação do n.º 1, do art.º 662º do CPCivil a contrario, tratando-se de uma das situações em que o legislador entendeu que a decisão da matéria de facto não pode ser alterada pela Relação, uma vez que a prova produzida não impunha decisão diversa nos termos daquele normativo, estando perante uma violação das regras de prova dado que os elementos fornecidos pelo processo impuseram decisão diversa insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas, sendo certo que o n.º 2, do art.º 574º do CPCivil estatui que são considerados admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, o que aconteceu no ponto em questão, e para além disso não integra uma das exceções previstas naquele preceito e se o ora recorrido não exerceu o seu ónus de contestar ou de impugnar, quando tinha condições de autorresponsabilidade para o fazer, leva a que se tenha por verdadeira a afirmação feita pela contraparte.

Como deflui da sentença de primeira instância, no ponto 19. agora em equação, deu-se como assente, por acordo das partes face á sua não impugnação, o seguinte: «O segundo réu foi questionado pela requerente na Assembleia Geral, que se iniciou em 16 de maio de 2019, acercado destino daquelas quantias e dado que não existiam documentos contabilísticos da sociedade requerida que justificassem a saída de quantias tão avultadas, foi designada nova data para continuação da Assembleia, que se veio a realizar em 24 de junho de 2019.».

Este facto, contudo, acabou por ser posto em causa pelo Réu Apelante em sede de recurso de Apelação, o que fez do seguinte modo, como se extrai da sua motivação:

«Assim, quanto ao referido Ponto 19 da fundamentação de facto, emerge da sentença o seguinte:

•“O Segundo Réu [BB.] foi questionado pela Requerente na Assembleia Geral que se iniciou em 16 de maio de 2019, acerca do destino daquelas quantias [€ 100.000,00 e € 150.000,00] e dado que não existiam no documentos contabilísticos da sociedade requerida que justificassem a saída de quantias tão avultadas, foi designada nova data para continuação da Assembleia, que se veio a realizar em 24 de junho.2019, (sic)”.

Porém, não obstante o Recorrente entender que a primeira parte deste ponto não merece reparo, já o segundo segmento frásico [… e dado que não existiam …,], se afigura manifestamente desvirtuado na medida em que a Mª. Juiz “ a quo” se limitou a transcrever indevidamente todo o teor constante do artigo 20º. da petição inicial, quando no que tange a esta parte foi a mesma impugnada e contraditada quer na contestação [artigo 26º.], quer em sede de produção da prova documental e testemunhal.

SENÃO VEJAMOS:

— Reza o predito artigo 26º. da referida Contestação: “De facto, os movimentos que subjazem àquele valor de 250.000,00€uros sempre estiveram patentes na correspondente conta de devedores e credores existentes na escrituração da sociedade há mais de 10 anos.”».

Este raciocínio foi levado aos pontos I e II das conclusões então apresentadas o que manifestamente deixa plasmado o contraditório efectuado na oportunidade pelo Réu na sua contestação, o que inviabiliza, a se, a procedência do argumentário da Recorrente, pois o apontado facto, na sua integralidade, impunha decisão diversa por não estar admitido por acordo, podendo o mesmo ter sido, como foi, reapreciado pelo Tribunal da Relação nos termos do disposto no artigo 662º, nº 1 do CPCivil, não tendo ocorrido, por isso, qualquer violação do preceituado no artigo 574º, nº 2 do mesmo diploma por banda do segundo grau aquando da correcção da redacção daquele ponto material.

Acrescenta ainda a Recorrente que ao proceder à reapreciação da matéria de facto o Acórdão ora em análise violou a lei substantiva por erro de aplicação nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 674º do CPCivil, que comina numa nulidade nos termos da alínea d), n.º 1, do artigo 615, impondo-se a sua revogação.

Dispõe o artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPCivil que o Acórdão é nulo quando «[d]eixe de pronunciar-se sobre questões  que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.».

A reapreciação da materialidade de facto assente nos termos expostos, com a rectificação da redacção do ponto 19. não configura a apontada nulidade do Acórdão, porquanto, por um lado, conheceu de uma questão que lhe foi suscitada pelo ali Recorrente, aqui Recorrido, e, por outro, tal problemática não envolveu a violação de uma qualquer lei substantiva nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 674º do CPCivil, que aliás nem sequer foi indicada pela Recorrente. 

Improcedem as conclusões quanto a estes particulares.

2. Da nulidade do Acórdão por excesso de pronúncia e a violação do princípio do contraditório.

A Recorrente impugna ainda a decisão produzida no Acórdão em tela por, na sua óptica extravasar o objeto e o pedido do recurso intentado pelo ora recorrido nos termos e para os efeitos do art.º 615º, n.º 1, aíneas d) e e) do CPCivil, quando considera que não foi demonstrada “uma qualquer causa de pedir que justifique a realização do inquérito judicial, razão pela qual, não tendo cumprido o seu ónus probatório (art. 324º/1 do C.Civil), não pode ser determinada a realização de inquérito judicial, tendo assim a apelação que ser julgada procedente.”, sendo que o Recorrido não invoca a causa de pedir nas suas alegações de recurso, apenas se cingindo à nulidade da decisão por fazer incidir o inquérito em objeto diverso do peticionado, tendo-se a Relação pronunciado sobre todo o requerimento inicial, considerando que tudo o alegado não tem enquadramento na ratio de um inquérito judicial, determinando a procedência da Apelação, quando nesta nenhuma dessas questões lhe foi levantada, nem tal lhe era permitido fazer, devendo-se ter circunscrito ao objeto do que lhe foi pedido; por outro lado, constitui este acórdão uma decisão surpresa em violação do princípio do contraditório por falta de audição da Recorrente, que nunca teve oportunidade de se pronunciar acerca da falta de justificação de causa de pedir para a realização do inquérito judicial.

Preceitua o artigo 615º, nº 1, alínea e) do CPCivil, ainda em sede de nulidade decisória, que o Acórdão é nulo quando se «condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.».

Nesta sede de vícios do Acórdão a Recorrente imputa-lhe o conhecimento de uma questão sobre a qual não poderia ter havido pronunciamento, porque fora do objecto do próprio processo.

O artigo 1048º nº 1 do CPCivil dispõe que «O interessado que pretenda a realização de inquérito judicial à sociedade, nos casos em que a lei o permita, alega os fundamentos do pedido de inquérito, indica os pontos de facto que interesse averiguar e requer as providências que repute convenientes.».

Os fundamentos do pedido de inquérito, encontram-se no tipo social em questão, sendo que, estando nós perante uma sociedade por quotas, importa ter em atenção o artigo 216º do CSComerciais, onde se predispõe.

«1- O sócio a quem tenha sido recusada informação, ou que tenha recebido informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa pode requerer ao tribunal inquérito à sociedade.

2- O inquérito é regulado pelo disposto nos nºs 2 e seguintes do artigo 292º.».

Daqui resulta que na base do pedido do inquérito judicial a uma sociedade por quotas está: (i) a recusa de informação; (ii) ou a prestação de informação presumivelmente falsa; (iii) ou prestação de informação não esclarecedora.

Compreende-se que assim seja, porque o direito à informação é o apanágio da situação jurídica dos sócios, resultando o mesmo do artigo 21º alínea c) da CSComerciais, regulando o artigo 214º do mesmo diploma o âmbito e os limites desse direito à informação dos sócios: «1. Os gerentes devem prestar  a qualquer sócio que o requeira informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade e bem assim facultar-lhe na sede social a consulta da respectiva escrituração, livros e documentos. A informação será dada por escrito, se assim for solicitado.», acrescentando o nº 3 que «Podem ser pedidas informações sobre actos já praticados ou sobre actos cuja prática  seja esperada, quando estes sejam susceptíveis de fazerem incorrer o seu autor em responsabilidade, nos termos da lei.».

Os pedidos efectuados pela Autora, aqui Recorrente consistem em: i) a averiguação da regularidade da situação económico-financeira da requerida e da sua conexão com os desequilíbrios verificados com a atividade desenvolvida pelo seu gerente; ii) auditoria às contas dos exercícios dos últimos 10 anos; iii) análise económico-financeira comparativa inter anual, sectorial e percentual dos últimos 10 exercícios e respetivos comentários; iv) levantamento plurianual das rubricas relacionadas com aquisições e vendas de imóveis, bem como os negócios realizados através de permutas, despesas não documentadas e quaisquer outras rubricas de carácter duvidoso e respetivas conclusões; v) averiguação de todas as estruturas de custo atribuídas à gerência, incluindo ordenados, subsídios, ajudas de custo e outras concessões, como carros, combustíveis, refeições, deslocações, telemóvel, seguros, cartões de crédito e quaisquer outras despesas pagas com análise comparativa inter anual e respetiva evolução; vi) análise dos últimos 10 anos dos movimentos relacionados com as contas de passivos e suprimentos, autorizações das assembleias gerais, suporte documental, meios e critérios de pagamento; vii) análise detalhada de compras e vendas, comparando com preços de mercado e restantes condições alternativas; viii) averiguação da correspondência entre as receitas efetivamente recebidas pela Requerida e as constantes da contabilidade e das existências.

Baseou a formulação de tais pedidos, em apertada síntese, na circunstância de ser sócia da Ré juntamente com o Réu com o qual foi casada entre 1994 e 2016, sendo os seus únicos sócios, desde a sua constituição em 25 de Julho de 2007, tendo sido sempre seu gerente o Réu, nunca tendo sido permitido à Autora acompanhar os negócios da sociedade, sendo que este, desde o divórcio, tem vindo a esvaziar o conteúdo da sociedade, procedendo à venda de grande parte do seu património e exercendo atividade concorrente através de outra sociedade com sede na mesma morada da sociedade requerida, não lhe sendo prestada informação elucidativa, sendo a mesma falsa.

Da materialidade assente, não se vislumbra que tenha havido por banda da sociedade Ré e/ou do Réu, qualquer sonegação de informações sobre o giro social à Autora, aqui Recorrente, nem tão pouco que a mesma tenha sido impedida pelo Réu de acompanhar a gerência, bem como lhe tenham sido prestadas informações falsas e/ou incorrectas ou pouco esclarecedoras, sendo que, no que diz respeito a estes precisos particulares, apenas se apurou que no referente aos relatórios de gestão e contas dos exercícios de 2017 e 2018 aquela votou contra em AG realizadas nos dias 10 de Abril de 2018 e 24 de Junho de 2019 por entender, respectivamente, quanto à primeira que as despesas apresentadas eram desproporcionadas e injustificadas para a actividade desenvolvida pela sociedade e também por considerar a remuneração da gerência exagerada e no que tange à segunda AG, votou igualmente contra por entender que existiriam informações falsas, conforme pontos de facto 38. a 41., nada resultando, contudo, quanto  a eventuais solicitações por si feitas previamente a tais assembleia cujas respostas falsas/incorrectas e/ou pouco esclarecedoras por parte da sociedade ou do Réu tivessem originado, quiçá, aquela sua tomada de posição.

No demais, relativamente aos anos anteriores – 2012 a 2015 – a Autora votou favoravelmente os relatórios de gestão, as contas e os balanços, ponto 28., sendo certo que analisou todos os documentos contabilísticos, e, subsequentemente lhe foram disponibilizados documentos de prestação de contas, balanços de demonstração de resultados, pontos 30. a 37., nada mais resultando em termos factuais que permita concluir pela bondade do peticionado, antes resultando que sempre lhe foi concedida, quando solicitada, a informação pretendida, não se verificando qualquer amputação ao seu  direito a ser informada, o qual, a ser coarctado, justificaria, eventualmente, um inquérito social.

O Acórdão recorrido, ao analisar a impugnação formulada pelo Réu, aqui Recorrido, em sede de recurso de Apelação, a qual incidiu essencialmente sobre a apontada inexistência de prova sobre as situações de facto concretas conducentes à asserção de que o direito à informação da Autora/Recorrente tenha sido violado, além do mais porque a sentença de primeiro grau ao decidir pela realização do inquérito nos moldes ordenados - averiguação da efetiva entrada nos cofres da sociedade Ré da quantia de € 250.000,00, proveniente de empréstimo da mãe do Réu BB., entre o dia 1 de Janeiro de 2008 e o dia 30 de Abril de 2009, bem como das disponibilidades financeiras existentes na sociedade em Agosto de 2018, quando esta quantia foi levantada – se fundou em simples dúvidas sobre a veracidade da informação, sendo que as meras suspeitas sobre a ocorrência de uma dada situação justificam o recurso ao procedimento suscitado.

Quer isto dizer que o Acórdão recorrido fundou a sua convicção jurídica na ausência de demonstração (leia-se prova) sobre a causa de pedir justificativa do inquérito judicial, a qual teria de ser sempre assente em indícios que permitissem concluir que a informação fornecida era presumivelmente falsa, o que não ocorreu no caso sujeito, daí o ter concluído «não demonstrou a requerente uma qualquer causa de pedir que justifique a realização de inquérito judicial, razão pela qual, não tendo cumprido o seu ónus probatório (art. 342.º/1 do C. Civil), não pode ser determinada a realização de inquérito judicial, tendo assim a apelação que ser julgada procedente.».

Contrariamente ao que a Recorrente arvora, o Aresto impugnado não sustentou o seu dispositivo na ausência de causa de pedir, antes tendo decidido a questão colocada e embora não tivesse considerado nula a decisão de primeiro grau, como deflui inequivocamente do raciocínio expendido a propósito, sic, «Não é que o que foi determinado averiguar configure a nulidade de sentença invocada na conclusão V – incidir o inquérito judicial à sociedade sobre objeto diverso do pretendido, o que consubstanciaria, segundo o recorrente, a nulidade de sentença do art. 615.º/1/d)/2.ª parte do CPC – uma vez que, sendo tantos e tão amplos os pedidos (os pontos de factos a averiguar) formulados pela requerente, nada verdadeiramente haverá que lá não possa ser incluído/considerado como estando pedido: entre muitas coisas, a requerente indicou como ponto de facto a averiguar as contas de passivos dos últimos 10 anos, podendo dizer-se que cabe aqui (sem prejuízo dos 10 anos não serem totalmente respeitados) a “averiguação da efetiva entrada nos cofres da sociedade ré da quantia de € 250.000,00, proveniente de empréstimo da mãe do réu BB., entre o dia 1 de janeiro de 2008 e o dia 30 de abril de 2009”.», concluiu pela ausência de indícios que permitissem fundar a convicção de que a informação prestada seria «presumivelmente falsa», em consonância com a peticionada absolvição do pedido então formulada pelo Apelante em sede de alegações e conclusões de recurso as quais foram notificadas à Apelada, aqui Recorrente, a qual não ofereceu na altura as suas contra alegações.

Quer isto dizer que tendo sido dada a oportunidade à Recorrente para se pronunciar sobre as questões suscitadas pelo Recorrido no recurso de Apelação por si interposto, artigo 638º, nº 5 do CPCivil, pelo que não se mostra violado o princípio do contraditório plasmado no artigo 3º do CPCivil.

Claudicam, pois, todas as conclusões.

III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão ínsita no Acórdão impugnado.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2021

Ana Paula Boularot (Relatora)

(Tem o voto de conformidade dos Exºs Adjuntos Conselheiros Fernando Pinto de Almeida e José Rainho, nos termos do artigo 15º-A aditado ao DL 10-A/2020, de 13 de Março, pelo DL 20/2020, de 1de Maio).

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).