Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
666/17.2T8MAI.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
FACTO CONCLUSIVO
DEVER DE LEALDADE
DEVER DE NÃO CONCORRÊNCIA
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 06/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA – RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO / RECURSO DE REVISTA.
DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / PROCESSO COMUM / SENTENÇA / ARGUIÇÃO DE NULIDADES DA SENTENÇA.
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES / CESSAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR / MODALIDADES DE DESPEDIMENTO / DESPEDIMENTO POR FACTO IMPUTÁVEL AO TRABALHADOR.
Doutrina:
- Ana Clara Azevedo de Amorim, A Concorrência Desleal à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça: revisitando o tema dos interesses protegidos – O Prolema dos Trabalhadores, RED, Revista Eletrónica de Direito, junho de 2017, n.º 2.
- António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 18ª edição, Almedina, p. 284 a 285;
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, 6ª edição, Almedina, p. 277 a 287.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 615.º, N.º 1, ALÍNEAS C) E D), 666.º, N.º 1, 674.º, N.º 3, 679.º E 682.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 77.º, N.º 1.
CÓDIGO DO TRABALHO/2009: - ARTIGOS 126.º, N.º 1, 128.º, N.º 1, ALÍNEA F) E 351.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 342.º, N.ºS 1 E 2.
LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ), APROVADA PELA LEI N.º 62/2013, DE 26 DE AGOSTO: - ARTIGO 52.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 15-12-2011, PROCESSO N.º 342/09.9TTMTS.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-05-2012, PROCESSO N.º 240/10.4TTLMÇ.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-04-2014, PROCESSO N.º 260/07.6TVRL.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 29-04-2015, PROCESSO N.º 306/12.6TTCVL.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-09-2015, PROCESSO N.º 477/11.9TTVRL.G1.S1.
Sumário :

I) Prendendo-se o “thema decidendum” com a existência de justa causa para o despedimento do Trabalhador, por violação do dever de lealdade, na vertente de não concorrência, com a sua Empregadora, expressões, como “serviços de proteção e segurança” e “como segurança privado”, não definem o “thema decidendum”, uma vez que através delas não se chega ao motivo que determinou o despedimento do Trabalhador, devem ser mantidas, até porque são conceitos já utilizados na linguagem comum.

II) Entre os deveres do trabalhador devem distinguir-se os acessórios integrantes da prestação principal [prestação do trabalho] e os acessórios independentes da prestação principal.

III) Na segunda categoria incluem-se aqueles deveres do trabalhador que não dependem da prestação do trabalho, pelo que se mantêm nas situações de não prestação de trabalho e nas situações de suspensão do contrato de trabalho, 

IV) Entre estes está o “dever de lealdade”, em geral e, nomeadamente, na manifestação especifica do “dever de não concorrência”.

V) Viola este dever o Trabalhador que, exercendo funções numa empresa cuja atividade consiste na proteção vigilância e segurança de pessoas e bens, faz segurança privada, fora do seu tempo de trabalho, em eventos, na generalidade de cariz partidário, em congressos, campanhas, festas, jantares, arruadas, etc,

VI) Publicando fotos desses eventos na sua página do Facebook, escrevendo expressões, tais como as referidas no ponto 3), deste sumário, nas fotos onde aparecia, em atitudes que intuem que está a fazer segurança privada, comportamentos estes potenciadores de desvio de clientela da Empregadora,

VII) Com este comportamento foi quebrada a confiança entre as partes, pelo que não se torna exigível que a Empregadora o mantenha ao seu serviço, configurando, pois, justa causa para o seu despedimento.

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 6926/15.0T8FNC.L1.S1 (Revista) – 4ª Secção[1]

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

        - Relatório[2]:

           1) AA, patrocinado pelos serviços jurídicos do seu Sindicato, através da apresentação, em 03 de dezembro de 2015, no Tribunal Judicial da Comarca da ..., Juízo do Trabalho, do requerimento em formulário próprio a que aludem os artigos 387º, n.º 2, do Código do Trabalho [doravante CT] e 98º-C e 98º-D, estes do Código de Processo do Trabalho [doravante CPT], iniciou esta ação, com processo especial, de impugnação da regularidade e licitude do seu despedimento, efetuado pela Empregadora “BB, S. A.”

               2) Foi efetuada audiência de partes tendo-se frustrado a conciliação.

               3) Notificada, a Empregadora apresentou o articulado de motivação do despedimento, no qual alega, em suma, que o Trabalhador ao exercer por conta própria serviços de vigilância, em concorrência com ela, que tem idêntica atividade de vigilância, violou a boa-fé exigida, e o dever de lealdade a que estava obrigado, ficando assim abalada a confiança que depositava no Trabalhador.

               Mais alega que se opõe a qualquer reintegração que venha a ser decretada, porque a atuação do Trabalhador não se enquadra nem é própria de uma empresa de segurança privada, pondo em risco a imagem da Empregadora, e os contratos que existem com terceiros, por poderem associar a “CC” à prestação de serviços ilegais e desconformes aos requisitos legais.

               Concluiu, pedindo que o despedimento seja declarado lícito.

                                                                             

               4) O Trabalhador respondeu, sustentando, em síntese, que a Empregadora invocava que, sendo a sua página do “Facebook” de livre acesso, ou seja, pública, podia utilizar os dados que nela constavam contra ele, Trabalhador.

               Alega que não é verdade o que ela invocou, e desde logo, porque das 13 alíneas que consta no artigo 10º, do seu articulado, onze delas referem-se a participações partidárias, e quanto a esta matéria, o artigo 16º do CT é claro, no sentido de que é vedado à Empregadora divulgar aspetos da sua esfera íntima, ou seja, da intimidade da sua vida privada, nomeadamente no que toca às suas convicções políticas.

               Assim, tratando-se de provas ilicitamente obtidas, as mesmas não podem ser atendíveis na apreciação da justa causa que lhe é imputada para o seu despedimento.

               Mesmo que assim não se entendesse, o certo é que as ditas imagens nada provam quanto ao sustentado pela sua Empregadora, pois o por si alegado não passava “de mera gabarolice”.

               Aduz, ainda, que é falso, que tivesse assumido qualquer específica e concreta responsabilidade pela segurança pessoal de qualquer dirigente político.

               Acresce que a proteção constitui um serviço diferente da normal atividade das empresas de segurança, as quais não detêm alvará para essa atividade, e consequentemente não prestam serviços na área da "proteção pessoal".

               Por isso, mesmo que ele, hipoteticamente, exercesse atividades de proteção pessoal não poderia fazer concorrência à Empregadora, nesse âmbito.

               Como qualquer cidadão normal, deu a sua colaboração a eventos políticos e sociais, que não necessitam de formação específica, não recebendo qualquer retribuição por essa colaboração.

               Refere, também, que no documento junto pela Empregadora, com o nº 33, ao seu lado figuram colegas seus em igualdade de condições, e que se saiba, não foram objeto de procedimento disciplinar.

               Conclui, pedindo seja reconhecida a ilicitude do despedimento, com a consequente reintegração e o pagamento dos salários vencidos e vincendos.

           Realizado o julgamento, por sentença de 21 de fevereiro de 2018, foi a ação julgada procedente, por provada e, consequentemente, foi:


1. “Declarada a ilicitude do despedimento do Autor promovido pela Ré, por inexistência de justa causa.
2. Condenada a Ré a reintegrar o Autor, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade.
3. Condenada a Ré a pagar ao Autor as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento (3.12.2015) durante o prazo subsequente de 12 meses.
4. Condenada a Segurança Social da área de residência do trabalhador a pagar ao Autor as retribuições que se venceram após o decurso do prazo de 12 dias contados desde 3.12.2015, a efetuar até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento, nos termos do art.º 98º, nº 3 do Código do Processo do Trabalho[3], sem prejuízo das importâncias referidas no n.º 2, do art.º 390º do CPT, por força do n.º 2, do art.º 980º do Código de Processo Civil[4].”


II


                Inconformada com esta decisão, ficou a Empregadora CCque dela interpôs recurso de apelação, impugnando-a quer de facto quer de direito.


               Por acórdão de 26 de setembro de 2018, julgou-se procedente, por provado, o recurso interposto por “CC – …, S, A.” e, em consequência:
               

                a) – Aditou-se à matéria de facto o seguinte:

ü “Nas datas e locais referidos em 1.5. a 1.16. o Autor prestou serviços de proteção e segurança, como segurança privado”.

               b) – Revogou-se a sentença recorrida, considerando ser lícito o despedimento do Trabalhador, e absolvendo a Empregadora de todos os pedidos contra si formulados.


IV

               Inconformado ficou, agora, o Trabalhador que interpôs recurso de revista e arguiu a nulidade do acórdão recorrido, nos seguintes termos:

 

                1) Das nulidades:

                “Considera-se ser indiscutível que o Juiz não pode decidir contra factos que resultem expressa e especificadamente da lei.

               Nem pode utilizar qualificativos legais que não tenham correspondência com o respetivo texto.

               "Serviços de proteção e segurança", bem como "segurança privada" embora possam fazer parte da linguagem corrente (o que nem sequer será totalmente exato), constituem termos legalmente utilizados e a que correspondem conceitos rigorosamente definidos pelo julgador.

               E o mesmo se poderia dizer da expressão, "prestar serviços de proteção e segurança".

                Sucede porém que, quer os termos, quer os conceitos, não obedecem aos critérios definidos pelo legislador.

               Correndo o assumido risco de se ser repetitivo, não se pode deixar de realçar que a atividade de segurança privada se desdobra em várias modalidades para cada uma das quais a empresa deve possuir específicas condições tituladas por algum dos alvarás previstos no art.º 14.º, e, por outro lado, os respetivos trabalhadores apenas exercem, "exclusivamente", uma das atividades definidas pelos artigos 17º e 1º da mesma lei.
*****

                Por outro lado, o Acórdão recorrido consagrou que o A., no momento dos factos em causa adotava uma "postura corporal e facial (sic) própria das assumidas pelos seguranças privados".

               Assim como considerou que o suposto vestuário que imputa ao A. corresponde à farda dos "seguranças privados", pois só assim se perceberá que tendo chegado à conclusão respeitante à sua "postura corporal".

               Atendendo a que as mesmas não constam da matéria de facto que foi considerada como provada, é patente a nulidade da sua inclusão.

                Mas, mesmo que assim não se entendesse, continuaria a verificar-se a mesma nulidade.

                Com efeito, e conforme resulta do art.º 28.º da já referida lei, não existe um tipo de fardamento para a atividade do "segurança privado", mas vários, aos quais corresponderá seguramente uma variada "postura" (o que quer que isso seja...)

                Mas, há mais...

               No caso dos autos e seguindo a teoria da R., os comentários que o A. divulgou no seu “facebook” apenas seriam redutíveis à atividade de proteção e acompanhamento pessoal prevista no art.18º, n.º 4.

               Ora, e tal como se acha estabelecido no art.º 28.º, os profissionais que exercem essa atividade não usam qualquer fardamento.

                E, pelas razões de ser da própria atividade que exercem, não podem (ou não devem, o que é o mesmo) adotar "posturas" que os distingam das demais pessoas com que contactem.

                Face ao exposto era processualmente inadmissível e legal e materialmente impossível a consideração da "postura" do A. como traduzindo o facto de que o A., nos dias e locais em causa, aí se encontrava como sendo um "segurança privado".

               Aliás, a R., na sua apelação, pretendeu que fosse consagrado que o A. tinha desempenhado tarefas de "controlo de acessos, guarda pessoal de personalidades importantes, controlo de entradas, figurando sempre vestido de preto..."

               O Acórdão recorrido, muito naturalmente e sem necessidade de grandes explanações, decidiu que, "trata-se de factos que não foram alegados no seu articulado e não foi acionado o disposto no art.º 72.º, n.º 1, do CPT, pelo que não poderão ser, nesta fase, acrescentados".

                E, muito corretamente tomou tal decisão.

               Porém, tendo-se recusado a apreciar da existência de todos e qualquer um dos factos que poderiam levar à conclusão de que o A. exercia atividades de segurança privado, o mesmo Venerando Tribunal veio a consagrar exatamente uma conclusão quanto àquilo que antes tinha negado.”

                Em conclusão:
a) Tendo o Tribunal conhecido de "factos" que não podia conhecer e sobre os quais assentou todo o seu raciocínio, é nulo o Acórdão em causa, por violação do disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
b) E não admitindo a existência de qualquer prova quanto às atividades que alegadamente teriam sido desenvolvidas pelo A. e dado que veio a consagrar uma conclusão totalmente oposta, incorreu na contradição prevista no artigo 615º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código, que constitui igual causa de nulidade.

*****

                2) - Do recurso propriamente dito:

               O Trabalhador motivou o seu recurso, concluindo a sua alegação com as seguintes conclusões:


1) É inadmissível a consagração do "facto", ou, serão "factos" (?) que foi inovatoriamente incluído com a designação de 17-A.
2) Com efeito o mesmo é manifestamente conclusivo.
3) E pronuncia-se diretamente sobre "thema decidendum", "resolvendo" o conflito por essa via.
4)  Além de que não se coaduna com o pacificamente decidido no "ponto 1.17" da sentença da primeira instância.
5) E acha-se em flagrante contradição com o decidido pelo mesmo Acórdão relativamente à pretensão formulada pela R., então apelante, na parte final da sua "conclusão III".
6) Porém, além disso, a decisão em causa afronta diretamente as disposições da Lei n.º 34/2013 de 16/5, das quais resulta uma factualidade radicalmente oposta e que não podia ser ignorada pelo julgador.
7) De igual forma é inadmissível que, no corpo da sentença se tivesse decidido que o A. exibia uma "postura corporal e facial" que "é própria das assumidas pelos seguranças privados".
8) "Facto” esse que é seguidamente repetido e constitui a base fundamental para a decisão que absolveu a R.
9) No entanto, para além de não terem sido integradas na matéria factual, essas afirmações são meramente conclusivas.
10) E desconhece-se em que consistirá a "postura corporal" de um suposto  "segurança   privado",   muito   menos   se  conseguindo perceber o que se terá entendido como "postura facial", a não ser que os ditos "seguranças privados" exibam pinturas de guerra como sucede com as tropas de elite.
11) Por outro lado, não é legalmente admissível a figura de "segurança privado", dado que a essa vaga e genérica expressão correspondem atividades e designações bem concretas e diferenciadas.
12)  E, obviamente, a cada uma dessas atividades corresponde uma "postura" diferente, que se acha expressamente determinada pelo art.º 28º, n.º 2, da Lei inicialmente referida.
13) Sucedendo ainda que, para a atividade de "vigilante de proteção e acompanhamento pessoal" a lei, ao contrário do que sucede com as restantes atividades, não prevê que o seu agente adote uma "postura" diferenciadora do comum dos cidadãos.
14) Face ao exposto, o "facto" consagrado no aludido ponto 17-A e o sub-repticiamente incluído no corpo do Acórdão ofendem disposições expressas da lei, sendo sindicável por este Supremo Tribunal.
15) Porém, se assim não se entender, os referidos factos são nulos, conforme se alega em separado.
16) Independentemente disso, não é correto considerar-se que tenha existido concorrência desleal por parte do A.
17) Desde logo ignora-se quais sejam os sectores de atividade para os quais a R. detenha alvará e exerça atividade.
18) E desconhece-se porque a R., na fase dos articulados nada alegou a esse respeito.
19) Porém, é a própria R. quem por várias vezes afirma que não exerce a atividade de "proteção e acompanhamento pessoal.
20) Ora, as afirmações que o A. comprovadamente colocou no seu “facebook”, a serem interpretadas no sentido que é propugnado pelo Acórdão recorrido, apenas se poderiam reportar a essa atividade.
21)  E, portanto, o A. não pode ser acusado de efetuar concorrência desleal à sua entidade empregadora se nos encontrarmos perante uma atividade económica por esta não era exercida.
22) De qualquer forma, considera-se ser indiscutível que a concorrência deve ser vista em termos exclusivamente comerciais, dado que existem milhentas atividades que o comum cidadão exerce no seu dia-a-dia apesar de corresponderem também à sua atividade profissional por conta de outrem.
23) Dai que, em termos laborais, a concorrência deva ser desleal.
24) Nada se tendo apurado quanto às intenções do A. e se teria consciência (ou deveria ter...) de que estava a proceder deslealmente para com a sua entidade empregadora.
25) Sendo certo que, na matéria em causa, não é necessária a efetividade dos danos, sempre será exigível o elemento "culpa", nada se tendo apurado a esse respeito.
26) A sentença recorrida violou no seu todo o definido pela Lei n.º 34/2013, de 16/5, e mais concretamente violou os respetivos artigos 2.º, 3.º, 14.º, 18,º e 28.º.
27) E fez errada interpretação do artigo 351.º, n.º 1, do CT.

                Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente, e, em consequência, revogando-se ou reconhecendo-se a nulidade do acórdão recorrido, seja repristinada a decisão da primeira instância.

****

                A Empregadora, por sua vez, contra-alegou, concluindo do seguinte modo:


i. Respeitosamente, o recurso interposto pelo Recorrente carece de fundamento, atendendo que a decisão proferida pelo Tribunal a quo limitou-se a aplicar o Direito em conformidade com a matéria de facto dos presentes autos;
ii. Contrariamente ao alegado pelo Recorrente, a decisão sufragada no Acórdão a quo é correta e adequada;
iii. Não obstante o facto incluído com a numeração de 17-A não tem nada de inovador, tratando-se apenas de uma reapreciação da prova documental e testemunhal apresentada no julgamento;
iv. Conforme bem entendeu o Acórdão a quo: "É certo que nem sempre refere de que tipo de trabalho se trata, mas a verdade é que em todas as fotos que junta, aparece vestido da mesma forma, a saber de roupa escura (fato) e com expressões corporais próprias de quem está a fazer segurança" que continua "o autor está sempre perto das personalidades, acompanhando-as, ou posicionando-se em frente ou a ladear portas, em atitude de quem está a controlar as entradas nos respetivos recintos."
v. Pelo que, o Recorrente encontrava-se a exercer as funções de segurança privado e, consequentemente, a violar os deveres de lealdade e concorrência que tinha para com a recorrida;
vi.  Atividade que estava na área de negócio da recorrida;
vii. A posição refletida na decisão posta em crise, constitui o entendimento da Jurisprudência dominante, devidamente elencado no Acórdão “a quo” e que se destaca nos acórdãos citados pelo mesmo: STJ de 20/04/2005, Proc. 05S160, Ac. Relação de Lisboa de 05/03/2008, Proc 7886/2007-4, Ac. Relação de Lisboa de 15/06/2011 Proc 644/09.5 TTFUN.L1-4, os quais a Recorrida respeitosamente subscreve;
viii. Entende ainda a Recorrida que o Recorrente agiu com culpa, tendo praticado atividades em concorrência com a recorrida, sabendo que estaria a assumir um comportamento ilícito, violando os deveres de lealdade e não concorrência para com a recorrida (artigo 128.°, n.º 1, alínea f), CT);
ix. Por todo o exposto, entende a Recorrida que o despedimento foi lícito, como de resto bem entendeu o Tribunal a quo.


                Acaba dizendo que deve ser negado provimento ao recurso, e, consequentemente, confirmada a decisão recorrida.


V

            - Revista - Fundamentação:

           

            - Lei adjetiva aplicável:

            Tendo a instância da ação se iniciado em 03 de dezembro de 2015 e o acórdão recorrido sido proferido em 26 de setembro de 2018, são aqui aplicáveis quer o CPC quer o CPT nas suas atuais versões.

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                - Questões colocadas:

a) O acórdão recorrido é nulo com fundamento em excesso de pronúncia e/ou por oposição entre a decisão e a fundamentação, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alíneas d) e c) do CPC?

b) Deve ser eliminado o ponto 17-A do elenco dos factos provados?

c) O despedimento do Trabalhador deve ser julgado ilícito por inexistir justa causa?

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        - Parecer do Ministério Público:

       Neste Supremo Tribunal, a Ex.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, nos termos do artigo 87º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, emitiu douto parecer no sentido de se eliminar o ponto da matéria de facto 17-A, aditado pelo Tribunal da Relação, nos termos do artigo 607º, n.º 4, do CPC, e de ser concedido provimento ao recurso.

            Notificado às partes, não mereceu qualquer resposta.

IV

                                              

            Da matéria de facto:

                As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1) Na nota de culpa datada de 28.10.2015 recebida pelo Autor a 3.11.2015, a entidade empregadora comunicou ao trabalhador em causa que tinha intenção de despedi-lo.

2) Por decisão de 26.11.2015, Ré, na qualidade de entidade empregadora aplicou a Autor a sanção disciplinar de despedimento, tendo sido rececionada por este a 3.12.2015.

3) A Direção de Segurança da Ré comunicou à Administração da Ré que o Autor efetuava serviços de vigilância por conta própria.

4) Analisada a comunicação interna e as informações dela constantes, publicadas pelo Autor na sua página de "facebook" em perfil público e por isso visível por qualquer utilizador desta rede social, determinou a Ré que se iniciasse o procedimento disciplinar contra o Autor.

5) O Autor esteve presente nos dias 10 e 11 de janeiro de 2015 no Congresso Regional do ….

6) O Autor esteve presente no dia 20 de março de 2015 na Festa ...(…), no ….

7) O Autor esteve no dia 22 de março de 2015 na campanha do ... no Parque ....

8) O Autor esteve presente no dia 26 de março de 2015 no jantar de encerramento da campanha do ..., no ....

9) O Autor esteve presente no dia 29 de março de 2015, numa ação de rua do Dr. DD.

10) O Autor esteve presente nos dias 27 e 28 de junho de 2015 no Congresso …..

11) O Autor esteve presente no dia 18 de julho de 2015 no jantar de aniversário do ....

12) O Autor esteve presente no dia 26 de julho de 2015 na festa do ..., no ….

13) O Autor esteve presente no dia 19 de setembro de 2015 no ..., na "...".

14) O Autor esteve presente no dia 26 de setembro de 2015 no ....

15) 15. O Autor esteve presente no dia 1 de outubro de 2015 no jantar de campanha do ..., no ....

16) O Autor esteve presente no dia 4 de outubro de 2015 na sede do ..., no ….

17) Todos estes atos praticados pelo Autor vieram ao conhecimento da Ré através de fotos publicadas pelo próprio Autor na sua página de facebook de livre acesso público, onde o próprio refere textualmente "o meu trabalho", "segurança e proteção pessoal (...)”, "proteção e segurança" e "o meu trabalho - a minha equipa".

17) – A) “Nas datas e locais referidos em 5. a 16. o Autor prestou serviços de proteção e segurança, como segurança privado.[5]

18) O Autor conforme apurou a Ré através da consulta do sistema SIGESP, da responsabilidade da Direção Nacional da PSP não se encontra legalmente habilitado para o exercício das funções de segurança no âmbito pessoal.

19) Autor já sofreu duas sanções disciplinares, uma ocorrida a 18/08/2010, com 10 dias de suspensão e perda de retribuição, e a outra a 17/01/2013, com 7 dias de suspensão com perda de retribuição.

20) O Autor auferia a retribuição base mensal de € 651,56.

21) A presente ação deu entrada neste tribunal a 3.12.2015.”
V

                Do Direito:

                a) Das nulidades previstas nas alíneas d) e c) do n.º 1, do artigo 615º, do CPC:

                Invoca o recorrente, nos termos do artigo 77º, n.º 1, do CPT, a nulidade do acórdão recorrido por ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento e por os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão proferida – artigos 615º, n.º 1, alíneas c) e d), 666º, nº 1, e 679º, todos do CPC.

               Arguiu, pois, a nulidade do acórdão recorrido com fundamento em excesso de pronúncia e por oposição entre a decisão e a fundamentação (artigo 615º, nº 1, alíneas d) e c) do CPC).

               

                Alega, para o efeito, por um lado, que o Tribunal da Relação conheceu de "factos" que não podia conhecer e sobre os quais assentou todo o seu raciocínio [referindo-se ao aditamento do facto 17-A] e, por outro lado, que incorreu em contradição ao consagrar uma conclusão contrária ao que havia decidido previamente ao não admitir a existência de qualquer prova quanto às atividades que alegadamente teriam sido desenvolvidas pelo autor.

               

               A) Nos termos do artigo 615º, n.º 1, al. c), do CPC (norma aplicável à 2ª Instância como decorre do art.º 666º, n.º 1 do mesmo diploma legal), é nula a sentença quando: «os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…)».

                Para que ocorra esta nulidade é necessário que se verifique oposição entre os fundamentos e a decisão e não entre os factos e a decisão, caso em que ocorrerá erro de julgamento e não nulidade da sentença.

               

                Ou seja, esta nulidade respeita apenas à situação em que os fundamentos do acórdão deviam conduzir, lógica e necessariamente, a uma decisão de mérito diversa da que foi expressa no dispositivo da sentença, ou seja, quando os fundamentos estão em contradição com a decisão de mérito.

                O que não se verifica, no caso, pois no acórdão recorrido os fundamentos estão em consonância com a decisão que veio a ser tomada.

*****

               

               B) Por seu lado, o artigo 615º, n.º 1, alínea d), CPC, estabelece que é nula a sentença quando: «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

               O vício a que se reporta este normativo traduz-se no incumprimento, por parte do juiz, do dever prescrito no n.º 2 do artigo 608º, do mesmo código, que estabelece o seguinte: «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».

                Para que se verifique esta nulidade é necessário que o juiz se pronuncie sobre questão que nenhuma das partes suscitou no processo, excedendo-se nos limites por elas pedido e definido, no âmbito da resolução do conflito.

                Ora, no acórdão recorrido, não se vislumbra que o mesmo tenha excedido a pronúncia acerca da matéria de facto.

                Com efeito, esta foi fixada através da livre apreciação, pelo Tribunal da Relação, de toda a prova, formando a sua própria convicção depois de ter ouvido a prova testemunhal produzida e as declarações de parte do Autor, e de ter analisado a prova documental constante do processo [exercício de um duplo e efetivo grau de jurisdição sobre a matéria de facto].

               

               O Tribunal recorrido, além da prova documental e testemunhal, constante nos autos, para dar como provado o ponto 17-A, que aditou à matéria de facto provada, considerou, também, as declarações produzidas pelo Autor “na sua página de Facebook, em que este, num perfil público, reiteradamente, anuncia estar a realizar o seu trabalho, especificando que está a realizar “proteção e transporte do presidente do partido e primeiro-ministro” (cf. fls. 31), “proteção/segurança pessoal ao artista convidado” (cf. fls. 37 vº), “proteção/segurança ao presidente do governo eleito” (cf. fls. 38 vº e também fls. 39 e 39 vº), “proteção/segurança do presidente do partido” (cf. fls. 41 vº e também fls. 42), “Proteção/Segurança pessoal ao presidente do ...” (cf. fls. 42 vº, 43), “o meu trabalho – Festa da herdade ...… A minha equipa” (cf. fls. 43 vº). Dos documentos juntos de fls. 29 vº a 31, 33 vº a 35, 37 vº a 39 vº, 41 vº a 43 vº, 45 vº a 47 vº, todos referentes à sua página de Facebook, resulta o anúncio, durante os meses de dezembro de 2014 a outubro de 2015, de eventos onde o Autor refere ter realizado trabalho. É certo que nem sempre refere de que tipo de trabalho se trata, mas a verdade é que em todas as fotos que junta, aparece vestido da mesma forma, a saber de roupa escura (fato) e com expressões corporais próprias de quem está a fazer segurança. De facto, aparece nos recintos dos eventos que enuncia na sua página, mas não num local qualquer desses recintos. Ao que resulta dessas fotos, o Autor está sempre perto de personalidades, acompanhando-as, ou posicionando-se em frente ou a ladear portas, em atitude de quem está a controlar as entradas nos respetivos recintos.

               Não mereceram qualquer credibilidade as suas declarações quando afirma que o que escreveu na sua página do Facebook se tratou de “gabarolice”, porque o que é facto é que esteve em todos os eventos referidos nessa página, como foi corroborado pelas testemunhas inquiridas, que, aliás, revelaram, na sua maioria, grandes dificuldades em explicar a presença do Autor nos eventos em causa, como veremos infra.

               Por outro lado, não é minimamente verosímil que o Autor aparecesse em todos os eventos como fazendo parte da organização de forma voluntária e como simpatizante de pessoas ou partidos políticos tão diversos, ou como estando a auxiliar na montagem e desmontagem de material musical num evento desta natureza, mas vestido de camisa e fato completo.

               Por outro lado, ainda, toda a postura corporal e facial do Autor é própria das assumidas pelos seguranças privados.”

*****

 

               

               Por fim, o Tribunal “a quo”, por acórdão de 05.12.2018, proferido em conferência, conheceu dessa arguição e julgou-as inexistentes, com os seguintes fundamentos:


- “Relativamente ao referido em A e B do requerimento, que suscita e sustenta a nulidade do acórdão, constata-se que o Autor considera que este tribunal decidiu incorretamente quando acrescentou ao elenco dos factos provados, o facto 17-A., e considera também que fundamentou incorretamente a matéria de facto, e que não considerou as normas legais aplicáveis, tudo pelas razões que constam do seu requerimento. Não se trata da arguição de qualquer nulidade do acórdão, antes expressando o requerimento do Autor a existência de um erro de julgamento, que este tribunal não pode colmatar dado que se esgotou o seu poder jurisdicional. Tai discordância será suscetível de justificar a interposição de recurso, caso seja admissível, mas não de enquadrar qualquer causa de nulidade ou justificar a reforma do acórdão.”

               Concorda-se quer com estes fundamentos quer com a decisão.

               Conclui-se, assim, que, o acórdão recorrido não é nulo, por não se verificarem as nulidades que lhe são atribuídas pelo recorrente.


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               b) Deve o ponto 17-A da matéria de facto provado ser eliminado do elenco dos factos provados:

               

               Refere o Trabalhador que “os supostos “factos” consagrados” no ponto 17-A, aditado pelo Tribunal da Relação, se “revestem de carácter exclusivamente conclusivo e “respondem” à questão de fundo que deveria ser apreciada, que por essa via foi resolvida”.

                Esse ponto da matéria de facto provada tem o seguinte teor:

-  “Nas datas e locais referidos em 5. a 16. o Autor prestou serviços de proteção e segurança, como segurança privado.”
               
                Segundo o Recorrente, tal ponto da matéria de facto, pelos motivos referidos, deve ser eliminado.

           

            Ora, salvo casos excecionais legalmente previstos, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito [artigo 52º, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto – LOSJ].

            Nessa conformidade, como tribunal de revista, a regra é a de que o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado [artigo 682º, n.º 1, do CPC].

           Excecionalmente pode, também, sindicar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa cometido pela Relação se houver ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova [artigos 674º, n.º 3, e 682º, n.º 2, ambos do CPC].

           Em consequência, o erro na apreciação das provas e a consequente fixação dos factos materiais da causa, isto é, a decisão da matéria de facto baseada nos meios de prova livremente apreciáveis pelo julgador excede o âmbito do recurso de revista.

*****

               Diferente é a questão de se saber se determinada matéria de facto é conclusiva e se contém juízos de valor.

              Ora, por se tratar de matéria de direito, o Supremo Tribunal de Justiça pode fazer essa apreciação.

              

              Neste sentido decidiu o acórdão de 29.04.2015,[6] do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1[7].
               A este respeito, nele consta que [a] seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos.
              
Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante.
              
A bondade dessa operação de expurgação, quando realizada pela Relação, é suscetível de apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça, por constituir matéria de direito”.

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Refere, ainda, o mesmo acórdão, que “[n]ão podendo o Supremo Tribunal de Justiça apreciar a bondade da decisão de facto, proprio sensu, é-lhe lícito, contudo – por se tratar já de matéria jurídica – verificar se determinada proposição, retida como facto provado, reflete (…) indevidamente e em que medida uma questão de direito ou um juízo de feição conclusiva ou valorativa.

               Em suma: a matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, seja, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica, devendo as questões de direito que constarem da seleção da matéria de facto considerar-se não escritas.”
              
               Consequentemente deve conhecer-se da questão em causa.


*****

            
Ora, o “thema decidendum”, nesta ação, prende-se com a existência ou não de justa causa para a Empregadora despedir o Trabalhador.

               No caso concreto, a justa causa consubstancia-se na violação, por parte do Trabalhador, do seu dever de lealdade para com a sua Empregador, na vertentea proibição da concorrência com o empregador – Artigos 126º, n.º 1, e 128º, n.º 1, alínea f), ambos do CT/2009.

             
Assim, expressões, como “serviços de proteção e segurança” e “como segurança privado”, não definem o “thema decidendum”, uma vez que através delas não se chega ao motivo que determinou o despedimento do Trabalhador, ou seja, esse facto não integra a matéria do tema a decidir nestes autos, porquanto este prende-se com a existência, ou não, de justa causa para o despedimento.
              Com efeito, tais expressões, desacompanhados de outros factos não nos levam a concluir que o Trabalhador, com essa atividade, estava a fazer concorrência à sua Empregadora.
           Por outro lado, o ponto 17-A, em causa, contém um substrato factual que integra conceitos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum [“serviços de proteção”, “serviços de segurança” e “serviços de segurança privada”], podendo, pois, subsistir como facto material a considerar.
              Deve, assim, manter-se o ponto 17-A da matéria de facto provada, aditado pelo Tribunal da Relação, por não ser conclusivo e por não conter juízos de valor.

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c) O despedimento do Trabalhador deve ser julgado ilícito por inexistir justa causa:

           

               

1) Regime do exercício da atividade de segurança privado:


              O regime do exercício da atividade de segurança privado consta da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio.
              Dispõe o seu artigo 1º, n.º 2, que “a atividade de segurança privada só pode ser exercida nos termos da presente Lei e de regulamentação complementar e tem uma função subsidiária e complementar da atividade das forças e serviços do Estado”.

              Para efeitos da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, determina o n.º 3, do mesmo artigo, que se considera atividade de segurança privada:
a) “A prestação de serviços a terceiros por entidades privadas com vista à proteção de pessoas e bens, bem como à prevenção da prática de crimes;
b) A organização, por quaisquer entidades e em proveito próprio, de serviços de autoproteção, com vista à proteção de pessoas e bens, bem como à prevenção da prática de crimes.”

              No artigo 2º define-se

- «Empresa de segurança privada» toda a entidade privada, pessoa singular ou coletiva, devidamente autorizada, cujo objeto social consista exclusivamente na prestação de serviços de segurança privada e que, independentemente da designação que adote, exerça uma atividade de prestação de serviços a terceiros de um ou mais dos serviços previstos no n.º 1 do artigo 3.º - alínea a);
- «Pessoal de segurança privada» as pessoas integradas em grupos profissionais ou profissões que exerçam ou compreendam o exercício das funções de pessoal de vigilância e diretor de segurança previstas na presente lei – alínea i);
- «Pessoal de vigilância» o trabalhador, devidamente habilitado e autorizado a exercer as funções previstas na presente lei, vinculado por contrato de trabalho a entidades titulares de alvará ou licença – alínea j);
- «Proteção pessoal» a atividade de segurança privada de acompanhamento de pessoas, efetuada por vigilante de proteção e acompanhamento pessoal, para sua defesa e proteção - alínea n):
-  «Serviço de autoproteção» os serviços internos de segurança privada que qualquer entidade pública ou privada, pessoa singular ou coletiva, devidamente habilitada, organiza em proveito próprio, com recurso aos próprios trabalhadores, no âmbito das atividades de segurança privada previstas na presente lei - alínea o).

               

São, entre outros, serviços de segurança privada os seguintes – artigo 3º:


1. Os serviços de segurança privada referidos no n.º 3 do artigo 1.º compreendem:
a) A vigilância de bens móveis e imóveis e o controlo de entrada, presença e saída de pessoas, bem como a prevenção da entrada de armas, substâncias e artigos de uso e porte proibidos ou suscetíveis de provocar atos de violência no interior de edifícios ou outros locais, públicos ou privados, de acesso vedado ou condicionado ao público;
b)  A proteção pessoal, sem prejuízo das competências exclusivas atribuídas às forças de segurança;”

                […]”


              Determina o artigo 17º, n.º 3, que a profissão de segurança privado compreende as seguintes especialidades:

3 – “A profissão de segurança privado compreende as seguintes especialidades:

a) Vigilante;
b) Segurança-porteiro;
c) Vigilante de proteção e acompanhamento pessoal;
d)  Assistente de recinto desportivo;
e) Assistente de recinto de espetáculos;
f) Assistente de portos e aeroportos;
g) Vigilante de transporte de valores;
h)  Fiscal de exploração de transportes públicos;
i) Operador de central de alarmes.
[…]

Por fim, estabelece o artigo18º que são funções da profissão de segurança privado:

1. “O segurança privado exerce exclusivamente as funções do conteúdo funcional das especialidades para que se encontra autorizado e habilitado nos termos da presente lei.
2. O vigilante exerce exclusivamente as seguintes funções:
a) Vigiar e proteger pessoas e bens em locais de acesso vedado ou condicionado ao público, bem como prevenir a prática de crimes;
b) Controlar a entrada, a presença e a saída de pessoas e bens em locais de acesso vedado ou condicionado ao público;
c) Prevenir a prática de crimes em relação ao objeto da sua proteção;
d) Executar serviços de resposta e intervenção relativamente a alarmes que se produzam em centrais de receção e monitorização de alarmes;
e) Realizar revistas pessoais de prevenção e segurança, quando autorizadas expressamente por despacho do membro do Governo responsável pela área da administração interna, em locais de acesso vedado ou condicionado ao púbico, sujeitos a medidas de segurança reforçada.”

*****
            
          2) Dever de lealdade – dever de não concorrência:

            
O Trabalhador foi despedido, com justa causa, pela Empregadora imputando-lhe a violação do dever de lealdade, na configuração do dever de não concorrência.

             Entre os deveres do trabalhador devem distinguir-se os acessórios integrantes da prestação principal e os acessórios independentes da prestação principal.
             Na segunda categoria incluem-se aqueles deveres do trabalhador que não dependem da prestação do trabalho, pelo que se mantêm nas situações de não prestação de trabalho e nas situações de suspensão do contrato de trabalho
             Entre estes está o “dever de lealdade”, em geral e, nomeadamente, na manifestação especifica do “dever de não concorrência.

             Ensina Maria do Rosário Palma Ramalho[8] que  o dever de lealdade, embora seja referido na lei sem particular relevo, “[é] a par do dever de obediência, o mais importante dos deveres acessórios do trabalhador.
              […]
              Enquanto dever independente da prestação principal, o dever de lealdade surge com a celebração do contrato de trabalho e mantém-se ao longo da respetiva execução, incluindo nas situações de não prestação da atividade do trabalho, seja em sede de execução normal de trabalho, seja em situações da suspensão do contrato.
              […]
              Na dimensão restrita contemplada no artigo 128º, n.º 1, f), o dever de lealdade concretiza-se essencialmente no dever de não concorrência (…).
              Nesta concretização, o dever de lealdade impõe restrições à liberdade que assiste ao trabalhador de exercer outra atividade profissional fora do tempo de trabalho passado na empresa (…), pelo que só haverá incumprimento deste dever quando se observe uma efetiva concorrência entre as duas atividades em questão, ou porque se inserem na mesma área e desde  que a atividade suplementar seja suscetível  de  vir a prejudicar o negócio do empregador, ou porque aquela atividade desvia ou pode desviar clientes ao empregador - nosso sublinhado.    
****       
              Para António Monteiro Fernandes[9] “[a]quilo que a lei veda ao trabalhador é que ele negoceie por conta própria ou alheia em concorrência com a entidade empregadora.
               […]
              A abstenção de concorrência não atinge apenas as situações em que o trabalhador efetua «negócios», isto é, transações comerciais em concorrência com o empregador. A formulação da lei abrange, necessariamente, todas as atividades profissionais que, exercidas por conta própria ou em regime de subordinação a um outro empregador, sejam suscetíveis de influir negativamente na posição que o primeiro empregador tem no respetivo mercado.
               O que está aqui em causa «é a necessidade de prevenir que, do exercício da atividade profissional para um segundo empregador, possa resultar (ou resulte) uma limitação do volume de negócios e de proveitos do primeiro, E o fenómeno assim visado é, claramente, o desvio de clientela».
               [,,,]
               E a primeira observação a fazer, embora evidente, é que não concorrência e exclusividade não são noções coincidentes. O dever de não concorrência pressupõe a admissibilidade do pluriemprego – isto é, a possibilidade da prestação de trabalho a mais de um empregador, sem que qualquer destes possa arrogar-se, sem mais, o direito de exigir essa prestação em exclusivo.
              Quando a lei proíbe ao trabalhador atividades concorrenciais, não está, seguramente, a impor-lhe a exclusividade da prestação de trabalho a um empregador.
               Depois, é obviamente necessário não perder de vista que a abstenção de concorrência, como expressão de lealdade, corresponde a um comando votado à defesa do interesse económico e empresarial do empregador.
               Trata-se, com efeito, de salvaguardar um bem particular que é a posição ocupada pelo empresário atuando no mercado. Por outras palavras, trata-se de evitar que a atuação de um trabalhador por ele empregado contribua para o desvio da sua clientela atual ou potencial para outro empresário atuando no mercado.
              Para que possa realizar-se com a adequação e legitimidade o confronto de uma situação concreta com o dever de não concorrência é, pois, necessário ter em conta, mais do que a identidade ou a semelhança dos bens ou serviços produzidos pelas empresas consideradas, e muito mais do que o facto de pertencerem ao mesmo «ramo», «género» ou «sector» de atividade económica, este requisito elementar da hipótese de concorrência: a possibilidade factual do desvio de clientela” – nosso sublinhado
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              Por sua vez, a jurisprudência tende a identificar a violação do dever de lealdade do trabalhador com a Concorrência Desleal.

             Contudo, não se deve confundi-las porque a violação do dever de lealdade do trabalhador constitui uma modalidade de concorrência ilícita, que incide sobre o próprio exercício da atividade económica, proibindo-a ou restringindo-a.
             Por outro lado, não concorrênciae exclusividade também não são conceitos idênticos, uma vez que, relativamente ao trabalhador, não é proibida a situação de pluriemprego, a não ser que as partes tenham estipulado uma cláusula de exclusividade.
             Sobre esta temática debruçou-se Ana Clara Azevedo de Amorim[10] que refere que, “segundo o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho, o trabalhador deve “guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios”.
             A norma integra um dever acessório autónomo da prestação principal, fundado na relação de confiança entre as partes, que restringe a liberdade do trabalhador, atenta a necessidade de proteção do empregador contra os atos suscetíveis de lesar os seus interesses, nomeadamente, mediante desvio de clientela.       
             Este dever de lealdade do trabalhador coincide a final com o dever geral de cumprimento pontual dos contratos, enunciado no n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil, não se confundindo com a proibição de atos desleais prevista nos artigos 317.º e 318.º do Código de Propriedade Industrial [doravante CPI], de natureza extracontratual.
             Ora, a jurisprudência tende a identificar a violação do dever de lealdade do trabalhador com a Concorrência Desleal. No acórdão de 22 de março de 2007 (processo n.º 06S4609), o STJ afirmou que “a concorrência desleal praticada no local de trabalho, dentro do horário de trabalho e com recurso aos equipamentos da entidade empregadora constitui justa causa de despedimento”. No acórdão de 12 de setembro de 2012 (processo n.º 492/08.0TTLMG), considerou igualmente que a participação do trabalhador em sociedade com objeto social idêntico ao da entidade patronal é “suscetível de configurar concorrência desleal”. E, mais recentemente, no acórdão de 9 de setembro de 2015 (processo n.º 477/11.9TTVRL), que “a capacidade profissional, as aptidões do trabalhador e os seus conhecimentos devem ser colocados ao serviço da entidade patronal por força do contrato de trabalho celebrado”, sob pena de integrar Concorrência Desleal.
             No entanto, a violação do dever de lealdade do trabalhador constitui uma modalidade de concorrência ilícita, que incide sobre o próprio exercício da atividade económica, proibindo-a ou restringindo-a. Não deve, por isso, ser confundida com a Concorrência Desleal, ainda que subsistam algumas semelhanças ao nível do regime jurídico, sobretudo se o pressuposto do ato de concorrência enunciado no n.º 1 do artigo 317.º do CPI for entendido no sentido de limitar a aplicabilidade da disciplina às atividades desenvolvidas no mesmo sector, uma vez que também relativamente ao trabalhador não deve ser proibida a situação de pluriemprego, a não ser que as partes tenham estipulado uma cláusula de exclusividade.
              A alusão à lealdade na alínea f) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho coincide com um dever de origem contratual, fundado na relação de confiança entre as partes, como demonstra desde logo o facto de não persistir após a extinção do vínculo laboral, exceto havendo pacto de não concorrência, segundo a posição adotada pela doutrina nacional.
              Neste sentido, pronunciou-se também o STJ no acórdão de 14 de dezembro de 1994 (processo n.º 085741), relativo ao exercício de atividade pelo trabalhador numa empresa concorrente quatro meses após a cessação do contrato. Uma vez extinto o vínculo laboral, pode o trabalhador vir a praticar um dos atos desleais previstos nos artigos 317.º e 318.º do CPI relativamente ao seu anterior empregador, que assume agora a qualidade de concorrente.
             Assim, como o STJ reconheceu no acórdão de 17 de fevereiro de 2009 (processo n.º 08A3836), a propósito das regras de competência material dos tribunais, terminado o contrato de trabalho, o trabalhador readquire a sua plena liberdade de trabalho e de empresa, podendo, por conseguinte, iniciar, licitamente, uma nova atividade, por conta própria ou alheia, diretamente concorrente com o seu anterior empregador, mas sempre dentro dos limites legais impostos pela proibição da concorrência desleal”.
             Em suma, a disciplina da Concorrência Desleal, de natureza extracontratual, não visa a proteção do empregador na relação com o trabalhador, pelo que algumas decisões apenas se podem justificar atenta a confusão terminológica gerada pela alínea f) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho.”
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              3) Despedimento – Justa causa:

           Dispõe o artigo 351º, n.º 1, do CT/2009, que constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

               No seu n.º 3, determina-se que na apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.

A justa causa de despedimento define-se segundo duas linhas marcantes: de um lado, a existência de um comportamento culposo do trabalhador, traduzido na violação grave dos seus deveres pessoais e profissionais; de outro, a imediata impossibilidade prática de subsistência do vínculo laboral com o empregador.

                São requisitos da justa causa de despedimento:


a. Um elemento subjetivo – traduzido num comportamento culposo do trabalhador por ação ou omissão;
b. Um elemento objetivo – traduzido na impossibilidade de subsistência da relação de trabalho;
c. Um nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.

               Na ação de impugnação de despedimento, cabe ao trabalhador alegar e provar a existência de um contrato de trabalho e a sua cessação ilícita por iniciativa do empregador, como factos constitutivos do direito por si alegado (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).   

               Por outro lado, compete ao empregador alegar e provar, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil, os factos por si invocados na decisão de despedimento, uma vez que a justa causa constitui um facto impeditivo do direito à reintegração e demais prestações indemnizatórias peticionadas pelo trabalhador.

              A justa causa visa sancionar situações laborais que, por razões imputáveis ao trabalhador, tenham entrado de tal modo em crise, que não mais se possam manter

            Assim, existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele importa sejam de forma a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição de empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo laboral represente uma incomportável e injusta imposição ao empregador.

          Por outro lado, para que o comportamento do trabalhador integre a justa causa é necessário que ele seja grave em si mesmo e nas suas consequências.

            Ora, a gravidade do comportamento do trabalhador não pode aferir-se em função do critério subjetivo do empregador, devendo antes atender-se a critérios de razoabilidade, considerando a natureza da relação laboral, o grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, o carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.

         Tanto a gravidade como a culpa deverão ser apreciadas em termos objetivos e concretos, como já sobredito, de acordo com o entendimento de um "bom pai de família" ou de um "empregador normal", em face do caso concreto e segundo critérios de objetividade e razoabilidade.

               

               Deste modo, o comportamento culposo do trabalhador apenas constitui justa causa de despedimento quando determine a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, o que sucederá sempre que a rutura dessa relação seja irremediável, na medida em que nenhuma outra sanção seja suscetível de sanar a crise contratual aberta com aquele comportamento culposo.

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               4) Caso concreto:

              Provou-se que nos dias 10 e 11 de janeiro, 20, 22, 26, 29, de março, 27 e 28 de junho, 18 e 26 de julho, 19 e 26 de setembro, 01 e 04, de outubro, de 2015, o Trabalhador esteve presente, respetivamente, no Congresso Regional do ..., na Festa ...(JP), na campanha do ..., no jantar de encerramento da campanha do ..., numa ação de rua do Dr. DD, no Congresso Regional do PS, no jantar de aniversário do ..., na festa do ..., no ..., na “...” no ..., no ..., no jantar de campanha do ..., e na sede do ..., localidades todas sitas na ..., prestando serviços de proteção e segurança, como segurança privado, ou seja, vigiando e protegendo as pessoas e bens naqueles locais de acesso condicionado ao público.
             Mais se provou que todos estes atos, praticados pelo Trabalhador, foram publicitados, através de fotos publicadas pelo próprio, na sua página de Facebook, que é de livre acesso – acesso público -, referindo que era "o meu trabalho", "segurança e proteção pessoal (...)”, "proteção e segurança" e "o meu trabalho - a minha equipa".
             Todos estes atos vieram ao conhecimento da Empregadora através da página do Facebook do Trabalhador.

           A Empregadora é uma empresa que faz proteção, segurança e vigilância privadas.

               Verifica-se, pois, que o Trabalhador violou o dever de lealdade, na sua dimensão de não concorrência.

                Na verdade, nos dias e locais suprarreferidos, o Trabalhador encontrava-se, naqueles eventos, a prestar serviços de segurança privada.

                       Dúvidas não há, pois, que tais atividades correspondem aos serviços prestados pela Empregadora e que os mesmos foram suscetíveis de limitar a atividade desta, através de desvio de clientela.

               Com efeito, o objetivo deste dever é o de proteger o interesse económico da empresa, nomeadamente ao nível externo, no mercado de concorrência, e os atos praticados pelo Trabalhador foram de molde a criar uma expetativa de uma atividade concorrencial, dadas as expressões colocadas nas fotos que publicou na sua página do Facebook, e a maneira como aparece em todas, vestido com um fato escuro, junto de personalidades, acompanhando-as, posicionando-se à sua frente, ladeando portas, em atitude de controlar entradas, etc.

               

               Violou, assim, o dever de lealdade que, a par com o dever de obediência, é o mais importante dos deveres acessórios do trabalhador.

               Assim sendo, os atos por ele praticados integram justa causa para o seu despedimento.

               Com efeito, tal comportamento culposo, grave em si mesmo e nas suas consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral que o ligava à Empregadora.

                Com este comportamento foi quebrada a confiança entre as partes.

               Não é, deste modo, exigível que a Empregadora mantenha o Trabalhador ao seu serviço.

              Como decidiu este Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 09.09.2015, proferido no Processo n.º 477/11.9TTVRL.G1.S1 – 4.ª Secção:
I. Integra justa causa de despedimento, por violação do dever de lealdade, na dimensão da proibição de não concorrência, o comportamento do trabalhador que se torna sócio de uma sociedade comercial com objeto social idêntico ao do empregador e que prossegue a mesma atividade.
II. A violação do dever de lealdade e a obrigação legal de não concorrência que impende sobre o trabalhador não dependem da verificação, em concreto, de um efetivo prejuízo para o empregador, nem do efetivo desvio de clientela, sendo suficiente a potencialidade desse prejuízo.
III. A quebra da confiança entre empregador e trabalhador não se afere pela existência de prejuízos, podendo existir sem estes, bastando que o comportamento do trabalhador seja apto a gerar no empregador a dúvida sobre a idoneidade da sua conduta futura.
IV. No âmbito da sua relação laboral o trabalhador está vinculado a vários deveres, com destaque, no que aqui releva, para os deveres de lealdade, de transparência e de boa fé, como forma de garantir, proteger e conservar a situação de confiança mútua indispensável à manutenção dessa relação contratual.
Foi, assim, lícito o despedimento do Trabalhador AA.

VI

        - Decisão:

               
- Pelo exposto, delibera-se:
- Indeferir as nulidades arguidas;
- Negar a revista e, em consequência, manter o acórdão recorrido.

- Sem custas dada a isenção prevista no artigo 4º, n.º 1, alínea h), do Regulamento das Custas Processuais.

- Notifique.


                Anexa-se o respetivo sumário.
*****

                                                                                                                                                

                                                                                                                                              Lisboa, 2019.06.05

Ferreira Pinto (Relator)

Chambel Mourisco

Pinto Hespanhol

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[1] - N.º 003/2019 – (FP) – CM/PH.
[2] - Relatório feito com base nos das instâncias.
[3] - Doravante CPT.
[4] - Doravante CPC.
[5] - Facto aditado pelo Tribunal da Relação.
[6] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3f132269445940fa80257e3700345db3?OpenDocument.
[7] - Cf. Também os acórdãos desta 4ª Secção e Supremo Tribunal de Justiça de 14.04.2014, de 15.12.2011 e de 23.05.2012, proferidos, respetivamente, nos processos n.ºs 260/07.6TVRL.P1.S1, 342/09.9TTMTS.P1.S1 e 240/10.4TTLMÇ.P1.S1, todos no sítio www.dgsi-pt.
[8] - Tratado de Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, 6ª edição, Almedina, páginas 277 a 287.
[9] - Direito do Trabalho, 18ª edição, Almedina, páginas 284 a 285.
[10] - “A Concorrência Desleal à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça: revisitando o tema dos interesses protegidos” – “O Prolema dos Trabalhadores”, “RED” - Revista Eletrónica de Direito – junho de 2017, n.º 2