Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A3861
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
OPOSIÇÃO
PETIÇÃO INICIAL
COMPENSAÇÃO
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
NULIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: SJ200612140038616
Data do Acordão: 12/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I. Não tendo o executado na oposição à execução de letra alegado o fundamento de oposição consistente na inexistência da obrigação decorrente da relação subjacente à emissão daquela letra, não pode alegá-lo apenas nas alegações do recurso do despacho que julgou improcedente a mesma oposição.
II. A compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contra-crédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível.
III. O despacho de aperfeiçoamento previsto no art. 508º, do Cód. de Proc. Civil não é vinculado, não dando a sua omissão origem a qualquer nulidade processual.
IV. Esse convite ao aperfeiçoamento não é aplicável à hipótese de o executado não ter alegado o fundamento de oposição consistente na inexistência da relação subjacente à emissão da letra exequenda, mas apenas quando aquele fundamento embora formulado, o tenha sido de forma deficiente.
V. Se se considerasse o mencionado despacho de aperfeiçoamento como um dever processual, a sua omissão corresponderia a uma nulidade processual geral, sanável por falta de arguição no prazo do art. 205º, nº 1 do C. P. Civil. *

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Por apenso à execução de letra para pagamento de quantia certa que no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, Empresa-A move contra Empresa-B, veio esta deduzir oposição pedindo que se declare que a obrigação subjacente à emissão da letra é inexistente, e que, portanto, a exequente é portadora ilegítima da letra.
Mais requer, ainda, a suspensão da instância quer dos termos da presente oposição quer da execução, por pendência de causa prejudicial.
Para tanto em muitíssimo extenso articulado, alega, em resumo, que estando em causa as relações imediatas entre os subscritores da letra em apreço e sendo esta de valor de € 34.600,02, pode aqui ser impugnada a obrigação de pagamento.
Mais refere que é credor da exequente no montante de € 559.825,75 com o que pretende a compensação com o montante exequendo.
A seguir a requerente transcreve uma extensa denúncia criminal contra 32 indivíduos onde refere, em síntese, terem alguns deles, como gerentes da exequente e outros como gerentes da sociedade Empresa-C, conluiados com outros denunciados, então empregados da executada, sobrefacturado as obras que estas sociedades levaram a cabo para a executada como suas subempreiteiras.
Mais alegou factos com que pretende provar a existência de ligação em termos de grupo entre as duas sociedades referidas e a corresponsabilização de ambas nas obrigações de cada uma.
O valor alegado dos trabalhos pagos pela executada à exequente a mais do que foi realizado por aquela é de € 18.094,30, correspondendo o restante montante para o alegado montante do seu crédito sobre a exequenda a sobrefacturação de obras realizadas pela sociedade Empresa-C, de que alega ser a exequente co-responsável.
Mais alega, em consequência, não ter a letra ajuizada qualquer obrigação subjacente, além de pedir a compensação da mesma com os créditos a que se arroga derivados das alegadas sobrefacturações por parte da exequente e da sociedade Empresa-C
Citada a ré-exequente veio esta contestar impugnando toda a factualidade alegada pela executada, além de fazer considerações jurídicas sobre a inadmissibilidade da compensação e da ilegalidade da suspensão da instância da execução e da oposição.
Foi proferido saneador-sentença tendo sido aí decidido não ser admissível a compensação alegada por o crédito da executada não ser exigível, não passando de mera expectativa, dependente de sentença que o declare existente.
Nesta decisão foi ainda indeferido a suspensão requerida quer da instância da execução quer da instância da oposição.
Inconformada a executada, veio interpor recurso daquela decisão que foi recebido como agravo e foi julgado improcedente na Relação.
Ainda inconformada, veio a mesma executada, interpor a presente revista, tendo nas suas alegações formulado muito extensas conclusões que, por isso, não serão aqui transcritas.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.
Como é sabido - arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, a que pertencerão todas as disposições a citar sem indicação de origem -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.
Das pouco concisas conclusões se vê que a aqui recorrente, para conhecer neste recurso, levanta as seguintes questões:
a) Na petição inicial de oposição da recorrente foi alegada factualidade respeitante á inexistência da obrigação decorrente da relação causal à subscrição da letra exequenda, nomeadamente que foi a sobrefacturação alegada que deu origem á emissão daquele título de crédito ?
b) O crédito alegado pelo recorrente sobre a recorrida é passível de compensação com o crédito exequendo ?
c) Se a petição inicial não contivesse todos os factos concretos necessários para se poder discutir a inexistência da obrigação decorrente da relação casual subjacente à emissão do título de crédito dado à execução, teria o tribunal de convidar a recorrente a corrigir ou a aperfeiçoar a petição ?

Os factos a considerar para a decisão daquelas questões são todos os constantes da petição inicial dado que apesar da impugnação da requerida, e sem necessidade produção de prova, foi a oposição indeferida.
Assim dão-se por reproduzidos os referidos factos alegados naquela petição inicial.
Vejamos agora cada uma das concretas questões acima mencionadas como objecto deste recurso.
a) Nesta primeira questão defende a recorrente ter alegado factos bastantes que, a provarem-se, fariam concluir pela inexistência da obrigação subjacente à emissão da letra exequenda.
Podemos desde já dizer que não estamos de acordo com a pretensão da recorrente.
Pensamos que aquela alicerçou a sua oposição à execução apenas na pretendida compensação e, talvez, quando viu tal pretensão ser desatendida na 1ª instância, veio nas alegações do recurso defender ter alegado a inexistência de obrigação decorrente da relação subjacente à emissão da letra, inexistência essa que, repita-se, não alegara no requerimento inicial.
Já o douto acórdão recorrido aludira já a essa falta de alegação - cfr. fls. 417.
Com efeito, analisando cuidadosamente a muito extensa petição inicial não descortinamos onde a recorrente tenha alegado a inexistência da obrigação resultante da relação subjacente, salvo por ter-se extinguido por compensação.
Por um lado, a compensação é incompatível com a inexistência do crédito da exequente, pois, obviamente, se não pode compensar um crédito da executada com um crédito da exequente, quando este não existe.
Poderia, porém, a executada alegar a compensação para o caso de não proceder a alegação de inexistência do crédito exequendo, mas tal não resulta da petição inicial de oposição.
Por outro lado, sendo a exequente a sacadora da letra de câmbio exequenda de que é aceitante a executada, incumbia a esta, porque não atacou o valor cambiário da letra, a alegação e prova da inexistência da referida relação subjacente à emissão daquela, ou da obrigação da mesma resultante.
Percorrendo a extensa petição inicial, vemos que em lado algum a recorrida alega qual a causa da emissão daquela letra, nomeadamente, que a mesma emissão se tenha destinado a pagar os trabalhos de subempreitada realizados pela recorrida para a recorrente que esta ali refere que foram sobrefacturados.
Aquela alegação só veio a ser feita nas alegações de recurso interposto para a Relação e agora nas alegações da presente revista.
Todo o texto da petição inicial vai no sentido que a inexistência da obrigação de pagamento é decorrente da compensação que peticiona.
E desde logo a petição inicial começando por dizer que quer impugnar a obrigação de pagamento, a seguir acrescenta "na verdade ... a embargante é credora da embargada na quantia de, pelo menos, 599.825,75 euros " e passa a expor os requisitos legais da compensação que acaba por pedir. A seguir fala em ter procedido à compensação extrajudicial e verbalmente e para a hipótese de tal não chegar, alega que a pretende fazer na própria petição inicial.
Depois fala em trabalhos que a exequente realizou por subempreitada para a recorrente em que afirma ter havido sobrefacturação, mas referindo também serviços efectivamente prestados por aquela, no âmbito do contrato de subempreitada.
Daqui resulta que a emissão da letra tanto podia ter tido como causa os serviços efectivamente prestados - e como tal devidos na opinião da recorrente -, como podia ter causa nos serviços sobrefacturados, ou seja, a parte que foi facturada indevidamente, na opinião da recorrente - caso em que não seriam devidos.
Por fim, a mencionada petição inicial depois de referir conclusivamente o montante de que se diz credora da exequente, no valor de 599.825,75 euros, acrescenta: "termos em que a embargante nada deve à embargada, antes pelo contrário, é sua credora, do que resulta a absoluta procedência dos presentes embargos. Assim e em resumo: a obrigação subjacente à emissão dos títulos executados inexiste, não há, portanto, qualquer obrigação de pagamento daqueles..."
Dos próprios termos "assim" e "em resumo" resulta que tal inexistência de obrigação resulta da compensação alegada anteriormente.
Desta forma, não poderia ser considerado o meio de oposição à execução consistente na inexistência da obrigação da relação subjacente, por tal meio de defesa não ter sido atempadamente alegada na petição inicial de oposição, como exige o disposto no art. 813º.
Soçobra, por consequência, este fundamento do recurso.

b) Nesta segunda questão, pretende o recorrente que a compensação alegada na petição inicial de oposição pode aqui ser apreciada.
Também aqui pensamos não ter o recorrente razão nesta pretensão formulada.
O que está aqui em apreço é a problemática de saber se o executado, como meio de defesa, pode opor a compensação do crédito exequendo com um seu crédito contra a exequente, crédito este proveniente de um litígio que tem com aquela, e cuja verificação pretende o executado fazer provar na instância da oposição.
Por outras palavras diremos que está aqui em causa a problemática de saber se a compensação só poderá ser arguida se o contra-crédito estiver já reconhecido e não que careça de ser nos presentes autos de oposição de reconhecido judicialmente, ou se a mesma compensação se admite quando o contra-crédito estiver dependente na sua existência do reconhecimento judicial a efectuar nos próprios autos de oposição.
Pensamos que a primeira opinião, que foi seguida nas instâncias, é que é a acertada e é a que este Supremo, tanto quanto pudemos averiguar, tem seguido uniformemente na decisão de vários recursos ao longo dos anos.
Assim, o acórdão de 21-11-2002 proferido no recurso nº 8682/01, na decisão de um caso semelhante ao aqui em apreço, a certo passo refere: " o crédito do que declarar a compensação não pode ser controvertido, tem de existir de facto, embora permaneça ilíquido" .
E mais adiante, referindo-se ao executado-embargante, acrescenta: "Não pode obviamente pretender a compensação aquele que diz ter direito a obter condenação do credor no pagamento de uma indemnização por factos ilícitos de que o acusa".
E ainda menciona adiante referindo-se aos autos de embargo de executado: "Não pode pretender que nessa acção se alargue o âmbito da instância para se conhecer da sua pretensão a uma eventual indemnização por força das regras da responsabilidade civil e o tribunal declare existente o crédito que afirma, procedendo-se, em seguida, à compensação".
Já o acórdão deste Supremo proferido em 27-11-2003 no recurso nº 7520/03 refere " o crédito do executado compensante não pode, assim, ser controvertido. Tem que estar judicialmente reconhecido(...). Permitir que o executado utilizasse os embargos para ver, neles, reconhecido judicialmente o seu contra-crédito, seria abrir o caminho para entorpecer, ou até inviabilizar, a sua actividade de cobrança rápida e eficaz de créditos, como é a específica finalidade da execução para pagamento de quantia certa ."
Também o recente acórdão proferido neste Supremo em 11-07-2006, no recurso nº 06B2342, refere: " Assim, eles - referindo-se aos executados - podiam deduzir nos embargos de executado a inexistência de título executivo ou da obrigação exequenda ou a sua extinção, por qualquer meio, por via de impugnação ou de excepção peremptória. Na sua dinâmica, consubstanciam-se, pois, numa fase eventual da acção executiva tendente a obstar ao seu normal desenvolvimento por via da afectação negativa dos efeitos normais do título executivo, com fundamento em factos de impugnação e ou de excepção. Tendo em conta a sua função essencial no quadro da acção executiva - obstar aos normais efeitos do título executivo - não faz sentido a formulação neles de algum pedido, a não ser o de extinção total ou parcial de acção executiva, com base na afirmação de factos de impugnação ou de excepção (artigos 813º e 815º, nº 1 do Código de Processo Civil )."
No mesmo sentido de que o reconhecimento do contra-crédito do executado com que este pretende compensar o crédito exequendo, não pode estar dependente do reconhecimento nos próprios autos de embargos de executado, vão também os acórdãos deste Supremo Tribunal de 21-02-206, proferido no recurso nº 15/06 - 1ª secção e de 22-06-2006, no recurso nº 610/06 - 2ª secção.
Assim, tal como resulta do exposto, a compensação admitida nos arts. 847º e segs. do Cód. Civil, para ser usada em processo de embargos de executado - agora denominados oposição à execução, na terminologia introduzida pela reforma da acção executiva do Dec.-Lei nº 38/2003, de 8 de Março - tem de ter como fundamento um contra-crédito do executado já reconhecido judicialmente, mas não pode esse crédito carecer de reconhecimento judicialmente a efectuar nos próprios autos de embargos ou oposição.
Soçobra, desta forma, este fundamento do recurso.

c) Resta a última questão levantada pela recorrente no sentido de que se a petição inicial enfermasse de deficiências no tocante ao alegado meio de oposição de inexistência da obrigação resultante da relação subjacente ao título de crédito exequendo, deveria o tribunal convidar a executada a suprir tais deficiências.
Também aqui e de forma mais evidente improcede esta pretensão.
O art. 508º e seu nº 1 al. b) prescreve que findos os articulados o juiz profere despacho destinado a convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados nos termos dos números seguintes.
O seu nº 2 refere que o juiz convidará as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo, designadamente quando aqueles careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa. E o seu nº 3 prescreve que o juiz pode convidar as partes a suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.
Ora tal como doutamente decidiu o acórdão deste Supremo de 1-04-2003, no recurso nº 3873/02, este convite só tem lugar quando haja meras imprecisões ou insuficiências e não quando a omissão se traduza em falta do núcleo essencial da causa de pedir ou de defesa por excepção a que se reportam os arts. 193º, nº 2, al. a) e 489º.
Por outro lado, acrescenta o mesmo acórdão que tal convite não corresponde a qualquer dever vinculado, pelo que, acrescentaremos nós, o tribunal é livre de o formular sem possibilidade de a sua omissão ser sindicável em recurso.
Daqui resulta que no caso dos autos não haveria lugar à prolação de despacho de aperfeiçoamento, pois a recorrente, como vimos na decisão da questão da alínea a), não levantou, mesmo de forma deficiente, aquela causa de oposição - inexistência da obrigação resultante da relação subjacente à emissão da letra exequenda -, pelo que nada haveria a aperfeiçoar, sendo a formulação daquele fundamento de oposição pelo executado livre, mas cuja omissão, obviamente, não era passível de convite nos termos da disposição legal citada.
Por outro lado, a não prolação do despacho de aperfeiçoamento, se fosse caso abrangido na previsão do citado art. 508º - e acabamos de ver que não era -, não daria lugar a qualquer censura, pois tal convite é da livre iniciativa do juiz, não vinculada.
Finalmente, se adoptassemos a opinião que tal despacho correspondia a uma obrigação legal, ainda assim, improcederia a pretensão do recorrente.
É que, a considerar, hipoteticamente, tal regime legal, não proferindo o julgador tal despacho, incorreria numa nulidade geral, nos termos dos arts. 201º e segs., e nos termos do art. 205º, nº 1 teria aquela de ser arguida no prazo de dez dias a partir do conhecimento da prática do mesmo, o que no caso teria ocorrido na data da notificação do despacho saneador - pois então o recorrente tomou conhecimento da omissão da prolação do citado despacho de aperfeiçoamento -, sendo a nulidade sanada, pelo decurso do prazo respectivo, pois a recorrente apenas fez a arguição da falta nas alegações do recurso de agravo para a Relação, quando estava já decorrido o referido prazo de dez dias.
Por tudo o exposto, improcede também este fundamento do recurso e com ele toda a revista.

Pelo exposto, nega-se a revista peticionada.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 14 de Dezembro de 2006.
João Camilo ( Relator )
Fernandes Magalhães
Azevedo Ramos.