Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
36/14.4YRLSB.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
ÓNUS DA PROVA
DEVER DE INFORMAÇÃO
COMPROMISSO ARBITRAL
VALIDADE
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
EXCLUSÃO DE CLÁUSULA
DECISÃO ARBITRAL
REGIME APLICÁVEL
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ARBITRAL - ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PARTES E TRIBUNAL / PATROCÍNIO JUDICIÁRIO - REVISÃO DE SENTENÇAS ESTRANGEIRAS.
Doutrina:
- Ana Prata, Cláusulas de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, Almedina, p. 178.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 342.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 47.º, N.º 3, ALÍNEA B), 980.º, AL. E).
D.L. N.º 446/85, DE 25-10: - ARTIGOS 1.º, N.º 2, 6.º, 8.º, AL. B).
LEI DA ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA (LAV): - ARTIGOS 30.º, 52.º, 56.º, N.º 1, ALÍNEAS A), E I).
REGULAMENTO DE ARBITRAGEM: - ARTIGO 17.º.
Sumário :
I - As cláusulas inseridas em contratos individualizados, incluída a cláusula compromissória, estão sujeitas ao regime das cláusulas contratuais gerais que consta do DL n.º 446/85, de 25-10, cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.

II - Cumpre a quem considerar que uma cláusula constante de contrato individualizado se subordina ao regime das cláusulas contratuais gerais o ónus de provar (art. 342.º do CC e art. 1.º, n.º 2, do DL n.º 446/85, de 25-10) que o conteúdo dessa cláusula constante de contrato individualizado foi previamente elaborado.

III - O dever de informação incidente sobre cláusulas contratuais gerais incluídas em contratos singulares, designadamente o dever de informação a que alude o art. 6.º do DL n.º 446/85, de 25-10, não coincide com o dever de interpretação; por isso, o reconhecimento da ambiguidade de uma cláusula quanto a certos aspetos, a justificar atividade interpretativa, não implica ipso facto que a cláusula deva ser excluída por violação do dever de informação.

IV - Assim sendo, pressupondo que a cláusula compromissória constante de contrato individualizado se subordina ao regime das cláusulas contratuais gerais, não justifica qualquer dever de informação a cláusula que estipula que “o presente contrato é interpretado de acordo com as leis da Comunidade Europeia, excluindo os seus princípios sobre conflitos de leis, e as partes acordam que qualquer ação, processo judicial ou outro relacionado com o presente contrato será resolvido por arbitragem em Paris perante a Câmara Internacional”.

V - Do teor da cláusula resulta com clareza que as partes se comprometem a dirimir os litígios relacionados com o presente contrato na Câmara Internacional em Paris por Arbitragem.

VI - Dado o teor da cláusula não carece igualmente de ser informado nenhum dos contraentes de que o presente contrato será interpretado de acordo com as leis da Comunidade Europeia, ou seja, aplicando-se as normas comunitárias, não se excluindo, por conseguinte, a aplicação das leis de Estado que integra a União Europeia como é o caso de Portugal, mas excluindo-se as leis de Estado que não integram a União Europeia, tal o caso das Repúblicas da Arménia e da Ucrânia, partes nos aludidos contratos celebrados com a autora.

VII - A sentença proferida pelo Tribunal Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional em Paris, decidindo no sentido de se aplicar aos contratos a lei portuguesa, considerou que a ambiguidade da cláusula residia apenas na questão da identificação do Estado-Membro da União Europeia com ligação mais estreita com os contratos, questão esta de interpretação da cláusula que é diversa do âmbito da informação que a cláusula poderia justificar.

VIII - A convenção de arbitragem não deixa de ser válida pelo facto de não ser designado o direito a aplicar pelos árbitros; não deixa igualmente de ser válida ainda que se suscitem dúvidas sobre o direito que as partes consideraram aplicável, pois em tal circunstância tal como no caso de falta de designação, cumpre ao tribunal arbitral indicar o direito aplicável à luz dos critérios que constam da lei da Arbitragem Voluntária, não se justificando a exclusão da cláusula com base numa deficiente designação quando essa exclusão não se justifica nos casos em que nem sequer há designação.

IX - O conhecimento efectivo que resulta da aludida cláusula – quanto à entidade que irá dirimir os litígios e quanto às leis que constituem o quadro normativo aplicável – basta-se com os termos da aludida cláusula, constatando-se que esse conhecimento efetivo teve efetiva correspondência na realidade, não ocorrendo nenhuma desvantagem para o recorrente.

X - Os princípios da igualdade e do contraditório que devem ser observados no processo (art. 980.º, al. e), do CPC) referenciam-se ao exercício dos atos processuais, não se referenciam às diferenças de natureza pessoal, designadamente às qualidades de desempenho dos intervenientes no processo, diferenças inerentes à condição humana; por isso, aceite pelo tribunal arbitral que o patrocínio forense seja exercido por profissional não forense, na sequência da posição da própria parte que decidiu prescindir dos serviços de advogado, optando por se fazer representar pro administrador, a posição de igualdade entre as partes está assegurada visto que tal entendimento vale de modo igual para todas as partes, não relevando a diferença qualitativa da representação que, se ocorreu, é da responsabilidade da recorrente.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1. AA. Ltd., sociedade comercial matriculada na República da Arménia, com sede na Rua …, …, Yerevan 0035, Yerevan, Arménia, e BB, sociedade de direito comercial matriculada na Ucrânia, com sede em …/… …, 65058 Odessa, Ucrânia, demandantes no processo arbitral abaixo identificado, vieram requerer contra CC Trading Internacional, sociedade comercial matriculada em Portugal, com sede na Rua ..., …, n…., 2750- Cascais, demandada nesse processo arbitral, a revisão e confirmação da sentença proferida, em 02/10/2013, no processo n.º 18580/GZ/MHM da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, que condenou a demandada, ora requerida, a pagar às demandantes, ora requerentes, determinadas quantias, conforme consta da referida sentença (cujo original se encontra por linha junto aos autos, bem como a sua tradução para português, e que se encontra a fls. 6 a 94), por força do incumprimento de dois contratos de compra e venda, celebrados, cada um deles, pela demandada com cada uma das demandantes, acrescidos de juros de mora sobre os valores da condenação.

2. O Tribunal da Relação julgou procedente a pretensão formulada pelas requerentes AA, Co Ltd e BB, confirmando a decisão arbitral proferida em 2 de outubro de 2013, no processo n.º 18580/GZ/MHM da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, com original junto aos autos e tradução em língua portuguesa a fls. 6 a 49, que condenou a requerida CC Trading Internacional nos termos referidos sob o ponto 1, a) da fundamentação de facto, que passará a ter eficácia na ordem jurídica portuguesa.

3. Da concedida revisão da sentença arbitral estrangeira recorre CC Trading International para o Supremo Tribunal de Justiça, assim concluindo a minuta de recurso:

a) As cláusulas 8.as do contrato dos autos são cláusulas contratuais gerais, sendo inválidas por violação do dever de informação previsto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85

b) No tocante ao dever de informar, não se pode presumir que a parte tenha conhecimento dos seus aspetos relevantes

c) Tanto mais que, como é entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência, é a parte que pretende prevalecer-se da cláusula contratual geral que tem o ónus da prova do seu conhecimento efetivo pela aderente

d) No caso dos autos, não pode considerar-se que, por exemplo, a requerente cumpriu o dever de informação relativamente às leis da Comunidade Europeia que iriam ser utilizadas para interpretar o contrato.

e) A requerente não informou a requerida acerca dos aspetos relevantes concernentes à entidade que iria dirimir eventuais conflitos emergentes dos contratos dos autos

f) Designadamente não a informou acerca da impossibilidade de recorrer a apoio judiciário e de ser nomeado um advogado em caso de insuficiência económica

g) As cláusulas da arbitragem dos contratos dos autos devem, por aplicação do artigo 8.º da Lei n.º 446/85, ser consideradas inválidas e excluídas dos contratos singulares

h) Em consequência deve ser recusado o reconhecimento da sentença arbitral estrangeira

i) A requerida, a partir de determinada altura, em virtude de não poder pagar os elevados custos associados ao patrocínio da causa, prescindiu dos seus advogados ao passo que os requerentes sempre estiveram patrocinados por mandatário forense

j) O que inevitavelmente influenciou o desfecho da lide e importa uma violação dos princípios do contraditório e da igualdade

k) Decidindo, como decidiu, o Tribunal recorrido violou designadamente as normas dos artigos 5.º,6.º a 8.º,alínea b) e Decreto-Lei n.º 446/85, 20.º e 13.º da Constituição, 3.º-A e 980.º, alínea e) do C.P.C. e 30.º, 49.º e 56.º, n.º1, alínea a),III  e IV da Lei de Arbitragem Voluntária.

4. Factos provados:

1- a) A Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional proferiu em 02 de outubro de 2013, no processo n.9 18580/GZ/MHM, a sentença que se encontra traduzida a fls. 6-49, constando da parte decisória o seguinte:

"Consequentemente, com base no exposto, o Tribunal Arbitral pronuncia a seguinte sentença:

A demandada incumpriu os Contratos ao não fazer a entrega das mercadorias (bananas) às demandantes nos termos dos Contratos;

A demandada é condenada a pagar à Primeira demandante o valor global de USD 230.000 (duzentos e trinta mil Dólares Americanos) como reembolso da primeira tranche liquidada pela primeira demandante à demandada nos termos do Primeiro Contrato; ademais, a demandada é condenada a pagar juros sobre o referido valor à taxa de 0,24835 por cento por ano a partir do dia a seguir à data desta sentença até  pagamento integral;

A demandada é condenada a pagar à primeira demandante o valor de USD 1.695 (mil seiscentos e noventa e cinco Dólares Americanos) de juros anteriores à sentença; a demandada é condenada a pagar à segunda demandante o valor global de USD 220.000 (duzentos e vinte mil Dólares Americanos) como reembolso da primeira tranche liquidada pela segunda demandante à demandada nos termos do Segundo Contrato; ademais, a demandada é condenada a pagar juros sobre este valor à taxa de 0,24835 por cento por ano a partir do dia a seguir à data desta sentença até pagamento integral;

A demandada é condenada a pagar à segunda demandante o valor de USD 1.622 (mil seiscentos e vinte e dois Dólares Americanos) de juros anteriores à sentença;

O pedido de indemnização das demandantes é rejeitado;

O pedido das demandantes de juros sobre o valor de indemnização é rejeitado;

Entre as Partes, as demandantes suportam 50,5% dos custos de arbitragem, fixados pela Corte da CCI em 26 de Setembro de 2013 e a Demandada suporta 49,5% desses custos; a demandada é assim condenada a pagar às demandantes o reembolso desses custos no valor de USD 37.125 (trinta e sete mil cento e vinte e cinco Dólares Americanos);

A demandada é condenada a pagar às demandantes o valor global de EUR 2.265 (dois mil duzentos e sessenta e cinco Euros) relativos às despesas legais e dos custos de arbitragem da outra parte incorrido pelas demandantes neste processo arbitral;

Improcedem todos os outros pedidos e requerimentos das Partes nesta arbitragem."

2. No que concerne à tramitação processual seguida consta da sentença arbitrai o seguinte:

PROCESSO ARBITRAL PRIMEIRA FASE

3 - Em 21 de Março de 2012 (data de recepção pelo Secretariado da Corte), as demandantes apresentaram o seu Requerimento de Arbitragem ("Requerimento") com data de 19 de Março de 2012.

4 - Através da referida carta de 21 de Março de 2012, o Secretariado da Corte acusou a recepção da taxa de USD 3.000 liquidada pelos demandantes e pediu que as demandantes entregassem as cópias em falta do Requerimento e dos documentos.

5 - Através da carta de 2 de Abril de 2012, o Secretariado da Corte convidou uma vez mais as demandantes que fornecessem as cópias em falta do requerimento e dos documentos.

6 - Em 6 de Abril de 2012, as demandantes apresentaram as cópias em falta do Requerimento e dos documentos (recebidos pela Corte em 10 de Abril de 2012) e pediram à Corte a nomeação de um árbitro único nos termos do artigo 12 do Regulamento.

7 - Por carta de 11 de Abril de 2012, o Secretariado da Corte notificou a Demandada do Requerimento, estabelecendo um prazo de 30 dias para a Resposta ao Requerimento ("Resposta")- e pediu à Demandada que, querendo, apresentasse as suas observações relativas ao número de árbitros, ao local de arbitragem e ao idioma do processo arbitral

8 - Em 11 de Abril de 2012, o Secretariado da Corte enviou uma carta semelhante às demandantes pedindo que, querendo, apresentassem as suas observações relativas ao local de arbitragem e ao idioma do processo arbitrai e comunicando às demandantes que o Secretário-Geral tinha fixado uma provisão provisória de USD 22.000 para cobrir os custos da arbitragem até que os Termos de Referência estivessem estabelecidos com base no valor em disputa, quantificado parcialmente em USD 910.000 e tendo em conta um único árbitro.

9 - Por carta de 19 de Abril de 2012, as demandantes propuseram Paris, França, como o local de arbitragem e a língua Inglesa como a idioma do processo arbitral.

10 - Por carta de 10 de Maio de 2012 enviada às Partes, o Secretariado da Corte acusou a recepção do valor de USD 19.000 da demandante e confirmou que a provisão provisória tinha sido integralmente liquidada.

11 - Por carta de 14 de Maio de 2012, a demandada pediu a prorrogação de 10 dias para a apresentação da Resposta e propôs (i) a nomeação de um árbitro único nos termos do artigo 12 do Regulamento, (ii) a designação de Paris, França como local de arbitragem e, (iii) a escolha da língua Inglesa como o idioma do processo arbitral.

12 - Por carta de 14 de Maio de 2012 às Partes, o Secretariado da Corte concedeu a prorrogação pedida pela demandada e confirmou que as Partes concordavam (i) em ter árbitro único, (ii) que o local de arbitragem seria Paris, França, e, (iii) que a língua inglesa seria o idioma do processo arbitral.

13 - Em 23 de Maio de 2012, a demandada apresentou a sua resposta (com esclarecimentos adicionais feitos em 1 de Junho de 2012).

14 - Por carta de 7 de Junho de 2012, a Corte comunicou às Partes que, na sua sessão de 7 de Junho de 2012, a Corte tomou as medidas necessárias para a nomeação de um Árbitro Único (n.° 3 do artigo 13) e fixou a provisão para os custos em USD 70.000, sem prejuízo de reajustes (n.° 2 do artigo 36). A Corte fixou a provisão segundo o seu critério com base no valor em disputa, parcialmente quantificado em US$ 910.000 e tendo em conta um único árbitro.

15 - Por carta de 21 de Junho de 2012, a Corte comunicou às Partes que, na sua sessão de 21 de Junho de 2012, a Corte nomeou o Sr. Gediminas Dominas Árbitro Único, com base na proposta do Comité Nacional da Lituânia (artigo 13(3)) e já que a provisão provisória havia sido integralmente liquidada, a Corte iria enviar os autos do processo para o Tribunal Arbitral no mesmo dia (cláusula 16).

2. TERMOS DE REFERÊNCIA

16 - Em 14 de Julho de 2012, a demandada comunicou ao Tribunal Arbitral que tinha solicitado a demissão dos seus mandatários, Srs. Drs. DD, EE, FF e GG e Associados, e que ele próprio iria representar a demandada.

17 - Em 19 de Julho de 2012, as demandantes pediram ao Tribunal que ordenasse as medidas cautelares nos termos do artigo 28 de modo a facilitar e assegurar que a sentença final do Tribunal Arbitral seja susceptível de ser aplicada.

18 - Em 20 de Julho de 2012, a demandada apresentou o seu Resumo da Posição Revista, que foi apresentada com o intuito de expor os seus comentários sobre a Minuta dos Termos de Referência. Neste Resumo da Posição Revista, a Demandada apresentou também um pedido reconvencional contra as demandantes no valor de USD 1.050.000 e pediu ao Tribunal Arbitral que aplicasse as medidas cautelares de protecção a todos os activos e contas bancárias das demandantes nos termos do artigo 28.

19 - Em 23 de Julho de 2012, o Tribunal Arbitral organizou uma conferência telefónica sobre a condução do processo de modo a discutir e a acordar os Termos de Referência, definir o cronograma do processo nos termos do artigo 24, e discutir as regras processuais.

20 - Durante a conferência sobre a condução do processo, foi comunicada à Demandada que a indemnização exigida constituía um pedido reconvencional e que, em conformidade com o Regulamento de Arbitragem da CCI, esse pedido reconvencional implicaria custos adicionais e que o Secretariado iria contactar as Partes com o pedido de provisão adicional para os custos. Isto não se encontrava em linha com as expectativas da demandada e a sua intenção de não incorrer em custos adicionais relacionados com o presente processo de arbitragem. A demandada, no entanto, adiou dar uma resposta sobre se queria prosseguir com o pedido reconvencional.

21 - Durante a conferência de condução do processo, as Partes acordaram de que uma ronda de alegações escritas (petição inicial e contestação) seria suficiente e que não queriam apresentar alegações adicionais.

22 - Em resultado da conferência de condução do processo, as Partes e o Tribunal Arbitral (...) os Termos de Referência de 23 de Julho de 2012 e, em 23 de Julho de 2012, o Tribunal Arbitral emitiu a Ordem Processual N.° 1 fixando o cronograma do processo e algumas regras processuais. O referido cronograma definiu duas datas possíveis para a audiência probatória: 25-27 de Setembro de 2012 ou 23-24 de Outubro de 2012.

23 - O prazo inicial para a prolação da Sentença Final foi definido como 23 de Janeiro de 2013.

24 - Em 1 de Agosto de 2012, o Tribunal Arbitral emitiu a Ordem Processual N. ° 2 relativa a medidas cautelares, indeferindo tanto o pedido das demandantes como o da demandada para a aplicação de medidas cautelares.

3. PRIMEIRA RONDA DE ALEGAÇÕES QUANTO À CAUSA

25 - Em 15 de Agosto de 2012, as demandantes apresentaram a sua Petição Inicial, conjuntamente com os depoimentos das testemunhas HH e II.

26 - Em 31 de Agosto de 2012, a demandada pediu uma prorrogação do prazo para a apresentação da sua contestação.

27 - Em 4 de Setembro de 2012, as demandantes pediram uma vez mais a aplicação de medidas cautelares contra a demandada.

28 - Em 5 de Setembro de 2012, o Tribunal Arbitral emitiu a Ordem Processual N.° 3 em que concedeu à demandada uma prorrogação do prazo para a apresentação da sua Contestação (por 17 dias) e indeferiu, pela segunda vez, o pedido das demandantes relativo a medidas cautelares.

29 - Em 21 de Setembro de 2012, a demandada apresentou um documento intitulado contestação. Os pedidos apresentados neste documento pela demandada incluía, entre outros, um pedido de indemnização por lucros perdidos no valor de USD 1.050.000.

4. IMPUGNAÇÃO DO ÁRBITRO

30 - Em 5 de Outubro de 2012, as demandantes apresentaram uma peça intitulada "Impugnação o Tribunal Arbitral", impugnado o árbitro único.

31 - Em 12 de Outubro de 2012, o Tribunal Arbitral emitiu a Ordem Processual /V.° 4 determinando o cancelamento da audiência probatória e da teleconferência pré-audiência devido à impugnação pendente do Árbitro Único e de acordo com os pedidos de todas as Partes para a suspensão do processo.

32 - Em 30 de Outubro de 2012, a Corte indeferiu a impugnação do Sr. JJ enquanto Árbitro Único (n.° 3 do artigo 14).

5. LIQUIDAÇÃO DA PROVISÃO PARA OS CUSTOS DA PROVISÃO PARA OS CUSTOS E SUSPENSÃO DOS TRABALHOS

33 - Entretanto, o saldo remanescente da provisão para os custos não havia sido liquidado pelas Partes. Em 2 de Novembro de 2012, o Secretariado pediu uma vez mais às Partes que liquidassem o saldo remanescente da provisão para os custos até 12 de Novembro de 2012.

34 - Em 7 de Novembro de 2012, as demandantes comunicaram ao Tribunal que tinham pedido ao Secretariado que consolidasse o presente caso arbitral com outro processo arbitral e, assim, pedindo ao Secretariado que concedesse uma prorrogação do prazo para a liquidação da provisão para os custos.

35 - Em 13 de Novembro de 2012, o Secretariado comunicou às Partes que o prazo limite para a liquidação da provisão para os custos era 20 de Novembro de 2012.

36 - Em 20 de Novembro de 2012, as demandantes pediram ao Secretariado a fixação de provisões separadas nos termos do artigo 36 do Regulamento.

37 - Em 29 de Novembro de 2012, as demandantes pediram ao Tribunal Arbitral que lhes proporcionasse a oportunidade de replicar à Contestação/Reconvenção da demandada. Com o consentimento da demandada, essa prorrogação foi concedida.

38 - Por sua vez, a demandada pediu ao Tribunal Arbitral a oportunidade de apresentar uma tréplica à réplica das demandantes até 12 de Janeiro de 2013.

39 - Em 14 de Dezembro de 2012, o Tribunal Arbitral emitiu a Ordem Processual N.°. 5,confirmando a prorrogação, bem como o facto de que havia recebido, a 12 de Dezembro de 2012, a réplica das demandantes à Contestação/Reconvenção da demandada de 21 de Setembro de 2012. Ademais, por meio da Ordem Processual N.° 5, concedeu à demandada a autorização de apresentar a sua tréplica à réplica das demandantes de 12 de Dezembro de 2012; essa tréplica teria que ser apresentada até 12 de Janeiro de 2013.

40 - Em 19 de Dezembro de 2012, a Corte fixou provisões separadas (de acordo com o pedido das demandantes) e fixou um novo prazo para a liquidação do saldo remanescente da mesma - 8 de Janeiro de 2013.

41 - Em 27 de Dezembro de 2012, as demandantes apresentaram um Requerimento de Medidas Cautelares indicando que a posição financeira da demandada estaria mal e pedindo que se ordenasse à demandada ou a qualquer pessoa afiliada que fornecesse garantias para todos os valores em disputa por meio de caução ou garantia bancária ou de qualquer outra forma e nos termos que o Tribunal Arbitral considerasse adequados.

42 - Em 2 de Janeiro de 2013, a demandada apresentou a tréplica à réplica das demandantes de 21 de Setembro de 2012.

43 - Em 14 de Janeiro de 2013, o Secretariado comunicou às Partes que não tinha sido recebido o pagamento do saldo remanescente da provisão para os custos e que as provisões separadas aplicavam com o prazo limite de 30 de Janeiro de 2013.

44 - Em 15 de Janeiro de 2013, a demandada apresentou uma resposta ao Requerimento de Medidas Cautelares das demandantes.

45 - Em 23 de Janeiro de 2013, o Secretariado comunicou ao Tribunal e às Partes que, na sua sessão de 17 de Janeiro de 2013, a Corte havia prorrogado o prazo para a prolação da sentença final até 30 de Maio de 2013.

46 - Em 24 de Janeiro de 2013, o Tribunal Arbitral emitiu a Ordem Processual N.6 em que considerava justificado o pedido para medidas cautelares apresentado pelas demandantes, relativamente aos seus pedidos de restituição, e ordenou à demandada que prestasse às demandantes garantias bancárias pelo valor dos pagamentos recebidos pela demandada, US$ 230.000 a favor da primeira demandante e US$ 220.000 a favor da segunda demandante.

47 - Em 4 de Fevereiro de 2013, o Secretariado concedeu às Partes uma prorrogação do prazo para a liquidação das provisões para os custos até 20 de Fevereiro de 2013.

48 - Conforme solicitado pelo Tribunal, em 12 de Fevereiro de 2013, as demandantes apresentaram alegações relativas à lei aplicável e ao pré-pagamento efetuado.

49 - Conforme solicitado pelo Tribunal, em 16 de Fevereiro de 2013, a demandada apresentou as suas alegações: Explicações, Argumentação e Provas sobre a Lei Aplicável.

50 - Em 20 de Fevereiro de 2013, conforme o disposto do n.° 6 do artigo 36 do Regulamento, o Secretário-Geral concedeu às Partes um prazo de 15 dias para a liquidação dos valores relativos às provisões para os custos e convidou o Tribunal Arbitral a suspender os trabalhos. Os trabalhos do Tribunal foram suspensos em conformidade.

51 - Em 14 de Março de 2013, o Secretariado comunicou às Partes e ao Tribunal que as demandantes, através das suas comunicações de 4 e 12 de Março de 2013, levantaram objeções à aplicação por parte do Secretário-Geral do n.° 6 do artigo 36 do Regulamento e que essa objecção suspendia o prazo limite fixado pelo Secretário-Geral Ademais, o Secretariado informou que o prazo limite fixado para a demandada havia expirado em 8 de Março de 2013 e que o Secretariado não tinha recebido nem a liquidação pedida da provisão para os custos nem uma objecção por parte da demandada; assim, nos termos do n.° 6 do artigo 36 do Regulamento, os pedidos reconvencionais da Demandada foram considerados retirados a partir de 8 de Março de 2013.

52 - Ademais, na sequencia das outras objecções levantadas pelas demandantes em relação à aplicação do n.° 6 do artigo 36 do Regulamento, na sua sessão de 21 de Março de 2013, a Corte concedeu às demandantes um último prazo até 25 de Março de 2013 para proceder à liquidação do saldo remanescente da provisão separada para os custos relativamente aos pedidos principais.

53 - Em 26 de Março de 2013, o Secretariado comunicou às Partes e ao Tribunal que a provisão separada para os custos relativamente aos pedidos principais tinha sido integralmente liquidada pelas demandantes e convidava o Tribunal a retomar os trabalhos relacionados com os pedidos principais.

6. PROVA PERICIAL RELATIVA à LEI PORTUGUESA

54 - Em 3 de Abril de 2013, o Tribunal Arbitral pediu ao Centro de Especialistas da CCI que propusesse um especialista em assuntos de Lei Portuguesa.

55 - A referida proposta foi feita em 18 de Abril de 2013.

56 - Em 22 de Abril de 2013, o Tribunal Arbitral emitiu a Ordem Processual N.° 7 em que fixou a data (27 de Maio de 2013) e o local da audiência probatória.

57 - Todas as Partes recusaram-se a prestar a caução para os honorários e custos do especialista pelo que o especialista em Lei Portuguesa não foi nomeado pelo Tribunal. Ao invés, em 26 de Abril de 2013, o Tribunal pediu às Partes que produzissem elementos de prova devidamente fundamentados relacionados com certas questões de Lei Portuguesa até ao máximo de 20 de Maio de 2013.

58 - Em 20 de Maio de 2013, as demandantes entregaram o parecer jurídico intitulado "Análise Jurídica da Celebração dos Contratos de Compra e Venda entre, por um lado, a AA, Ltd e a BB e, por outro lado, a CC Trading International" elaborado pelos Srs. Drs. KK e LL da PLMJ Sociedade de Advogados, RL.

59- No mesmo dia, a demandada produziu os seus próprios elementos de prova e comentários sobre as questões levantadas ao abrigo da Lei Portuguesa.

7. AUDIÊNCIA PROBATÓRIA

60- Em 27 de Maio de 2013, a Audiência Probatória teve lugar em Paris, França ("Audiência Probatória") sendo o Sr. II e o Sr. HH ouvidos como testemunhas.

61- Foi dada às Partes a plena oportunidade para interrogarem as testemunhas. A Audiência Probatória foi gravada.

62 - Em 30 de Maio de 2013, o Secretariado comunicou ao Tribunal e às Partes que, na sua sessão de 16 de Maio de 2013, a Corte concedeu uma prorrogação do prazo limite para a prolação da sentença final até 30 de Agosto de 2013.

 8. FASE PÓS-AUDIÊNCIA

63 - No final da Audiência Probatória foi acordado com as Partes que (1) as demandantes produziriam a minuta da transcrição da Audiência Probatória até 3 de Junho de 2013 e que as observações da demandada acerca da mesma seriam apresentadas até 19 de Junho de 2013; (2) as alegações pós-audiência seriam apresentadas pelas Partes o mais tardar até ao fim do horário de expediente em 28 de Junho de 2013.

64 - Em 14 de Junho de 2013, o Tribunal convidou as Partes a apresentar as suas alegações sobre os custos deste processo arbitral conjuntamente com as suas alegações pós-audiência. Os comentários das Partes sobre os custos da outra Parte deveriam ser efectuados até 15 de Julho de 2013.

65 - As demandantes apresentaram um Memorando Pós-Audiência em 28 de Junho de 2013.

66 - A demandada apresentou as suas Alegações Pós-Audiência em 8 de Julho de 2013.

67 - Em 11 de Julho de 2013, o Tribunal comunicou às Partes que nenhuma delas havia apresentado as suas observações sobre os custos de arbitragem.

68 - Em 16 de Julho de 2013, o Tribunal concedeu de forma excepcional a todas as Partes uma prorrogação do prazo para a apresentação das suas observações sobre os custos de arbitragem até 22 de Julho de 2013 bem como as suas observações sobre às observações da outra parte sobre os custos até 26 de Julho de 2013.

69 - A demandada apresentou os seus custos de arbitragem em 21 de Julho de 2013.

70 - As demandantes apresentaram os seus custos de arbitragem em 22 de Julho de 2013.

71 - Em 26 de Julho de 2013, as Partes apresentaram as suas observações sobre os custos da outra.

72 - Em 29 de Julho de 2013, o Tribunal Arbitral emitiu a Ordem Processual N.° 8 em que declarava, em conformidade com o artigo 27 do Regulamento, o encerramento do processo de arbitragem no que dizia respeito aos assuntos que constituiriam o objecto da sentença.

73 - Em 30 de Agosto de 2013, o Secretariado comunicou ao Tribunal e às Partes que, na sua sessão de 14 de Agosto de 2013, a Corte prorrogou o prazo limite para a prolação da Sentença Final até 30 de Setembro de 2013. Na sua sessão de 19 de Setembro de 2013 a Corte concedeu uma prorrogação adicional do prazo limite para a prolação da Sentença Final até 31 de Outubro de 2013".

Apreciando

5. A recorrente considera (a) que as cláusulas 8 (convenção de arbitragem) dos contratos de compra e venda são cláusulas contratuais gerais que são inválidas por violação do dever de informação incidente sobre as leis da Comunidade Europeia que iriam ser utilizadas para interpretar o contrato e sobre a impossibilidade de recorrer a apoio judiciário e de ser nomeado advogado em caso de insuficiência económica estando, por conseguinte, excluídas dos contratos singulares, impondo-se negar o reconhecimento da sentença arbitral estrangeira; (b) considera ainda que, por não poder pagar os elevados custos associados ao patrocínio da causa, prescindiu de advogado, o que influenciou o desfecho da lide, importando tal situação violação do princípio da igualdade e do contraditório.

6. Considera a recorrente que a invalidade das aludidas cláusulas à luz do disposto no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro obsta ao reconhecimento da sentença arbitral estrangeira face ao disposto no artigo 56.º/1, alínea a), III e IV da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro) que diz:

1 - O reconhecimento e a execução de uma sentença arbitral proferida numa arbitragem localizada no estrangeiro só podem ser recusados:

a) A pedido da parte contra a qual a sentença for invocada, se essa parte fornecer ao tribunal competente ao qual é pedido o reconhecimento ou a execução a prova de que

iii) A sentença se pronuncia sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou contém decisões que ultrapassem os termos desta; contudo, se as disposições da sentença relativas a questões submetidas à arbitragem puderem ser dissociadas das que não tenham sido submetidas à arbitragem, podem reconhecer-se e executar-se unicamente as primeiras; ou

iv) A constituição do tribunal ou o processo arbitral não foram conformes à convenção das partes ou, na falta de tal convenção, à lei do país onde a arbitragem teve lugar.

7. A arbitragem dos autos teve lugar em França (Paris).

8. As referidas cláusulas 8 dizem o seguinte:

" O presente contrato é interpretado de acordo com as leis da Comunidade Europeia, excluindo os seus princípios sobre conflitos de leis, e as partes acordam que qualquer ação, processo judicial ou outro relacionado com o presente contrato será resolvido por arbitragem em Paris perante a Câmara Internacional. Todos os títulos e epígrafes no presente contrato são apenas para facilidade de referência não devendo ser tidos em consideração na interpretação do significado ou da operação das disposições a que se referem".

9. A recorrente considera que esta cláusula é uma cláusula contratual geral e que " os requerentes não prestaram qualquer informação à requerida sobre o conteúdo, alcance e efeitos desta cláusula" e que a recorrente ao assinar o contrato não " teve efetivo conhecimento de quais as leis da Comunidade Europeia que iriam ser usadas para interpretar o contrato dos autos".

10. Concedendo-se, por comodidade de raciocínio, que a aludida cláusula (a) é uma cláusula contratual geral e que (b) o conhecimento da sua invalidade se insere no âmbito das aludidas previsões iii) e iv) da Lei da Arbitragem Voluntária, o dever de informação só se justifica se não for de esperar o seu conhecimento efetivo (artigo 8.º, alínea b) da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais) e se daí, acrescentamos nós, resultar desvantagem para o interessado, pois, se assim não suceder, não se vê qual a justificação da sua exclusão.

11. Ora, no tocante à aludida cláusula, ela é claríssima quanto à sujeição do litígio à Câmara Internacional sita em Paris, constituindo um absurdo sustentar-se que, no caso, importava a " concreta identificação de qual seja a Câmara Internacional que, em Paris, pode decidir um litígio referente a tipo de contrato".

12. Como se salienta no acórdão recorrido ( rel. Maria Adelaide Domingos) " a invocação da requerida não colhe de todo. Tratando-se de uma sociedade comercial portuguesa, matriculada e com efetivo exercício comercial num Estado-Membro da União Europeia, dificilmente se poderá admitir, quanto mais não seja em face das regras da experiência relacionadas com aquela prática comercial e mercantil, que a requerida não tenha perfeitamente compreendido o alcance desse segmento da cláusula".

13. No que respeita à questão da determinação do quadro normativo aplicável à aludida cláusula, o acórdão salientou que " a menção às leis da UE é suficientemente concreta para um destinatário diligente e de boa fé perceber qual o quadro normativo que potencialmente pode ser chamado à colação para dirimir potenciais litígios entre as partes".

14. Não tinha, por isso, de ser prestada informação adicional que passaria por uma interpretação da aludida cláusula que, diga-se, foi feita pelo Tribunal que considerou aplicável ao litígio a lei portuguesa por ser direito do Estado da União Europeia com o qual o objeto do litígio apresenta uma conexão mais estreita (artigo 52.º/2 da LAV).

15. O dever de informação a que alude a lei das cláusulas contratuais gerais não coincide nem corresponde ao suposto dever de interpretação das cláusulas contratuais.

16. Uma cláusula contratual ambígua carece de interpretação - e foi o que no caso sucedeu porque se impunha determinar no quadro normativo aplicável que era o das "leis da Comunidade Europeia" qual a lei do Estado aplicável - mas daqui não se segue que toda a cláusula ambígua seja nula por se exigir um dever de informação tendo em vista a sua interpretação que, diga-se, sempre se impõe ao Tribunal (artigo 52.º da LAV).

17. A referida cláusula não suscitava nenhuma dúvida quanto aos pontos essenciais, quanto a saber que os contratos não se regiam nem pela lei da Arménia nem pela lei da Ucrânia, partes dos contratos, Estados que não integram a União Europeia. E este ponto era do conhecimento efetivo da recorrente, sociedade matriculada em Portugal, por resultar evidenciado na cláusula.

18. Não se justificaria afastar a aludida cláusula - que traduz convenção de arbitragem - ficando-se afinal sem saber que informação importaria à recorrente. Decerto lhe importaria que o litígio fosse decidido à luz da lei portuguesa, lei que a recorrente invoca para que se reconheça a invalidade da convenção de arbitragem; não se vê, assim, qual a informação que faltou que lhe causou desvantagem.

19. Refira-se ainda que os fundamentos invocados pela recorrente são alheios à questão suscitada. Com efeito, não se vê que a sentença arbitral se haja pronunciado sobre " um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem" ou que " contenha decisões que ultrapassem os termos da convenção de arbitragem; tão pouco se vê que se verifique o fundamento invocado "a constituição do tribunal ou o processo arbitral não foram conformes à convenção das partes".

20. Constata-se, sim, que o objetivo do recorrente é o de discutir agora a questão que importa ao artigo 56.º/1, alínea a), i) da LAV, cumprindo-lhe provar que " a convenção não é válida nos termos da lei a que as partes a sujeitaram".

21. Resultando da interpretação da cláusula que a lei aplicável é a portuguesa e sendo ao abrigo da lei portuguesa que a recorrente pretende ver recusado o reconhecimento da sentença arbitral, a omissão do dever de informação - omissão que não existe - nenhuma consequência afinal importa para os interesses do recorrente.

22. Muito embora o acórdão recorrido não tenha discutido a natureza de cláusula contratual geral, certo é que não temos nenhum elemento de facto que nos diga que a cláusula foi inserida nos contratos de compra e venda com conteúdo previamente elaborado que o destinatário não pode influenciar (artigo 1.º/2 do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro).

23. O recorrente não alegou que o conteúdo da cláusula respeitante à convenção de arbitragem tivesse sido importado nos seus precisos termos, uma vez assente que estamos face a contratos individualizados; e esta alegação tanto mais relevava quanto é certo que a cláusula apontava, dados os seus termos, para um quadro normativo em que nenhum dos direitos estaduais das outras partes contratantes poderia ser alguma vez aplicado, importando, assim sendo, vantagem para o ora recorrente.

24. Ora como se refere no Ac. do S.T.J. de 18-2-2014 (rel. Gregório Jesus), revista n.º 1630/06.2YRCBR.C2.S1 - 1.ª Secção "previamente à apreciação da validade de alegadas cláusulas contratuais gerais, à luz do regime jurídico da LCCG, tem de haver a demonstração probatória, a cargo da parte que quer beneficiar da aplicação desse regime, de que se está perante cláusulas contratuais gerais".

25. Resultando do contrato a sua natureza de contrato de adesão ou sendo de presumir essa natureza, o tribunal deve dispensar tal prova (ver Ana Prata, Cláusulas de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, Almedina, pág. 178). Não se verifica, porém, esta situação no caso vertente.

26. O recurso à arbitragem implica despesas superiores às que decorrem do exercício da função jurisdicional pelos tribunais estaduais, sendo certo que quem subscreve convenção de arbitragem, sujeitando-se à administração de justiça não estadual, assume necessariamente as vantagens e os custos inerentes à opção que livremente tomou, não se impondo nenhum dever de informação entre as partes contratantes no que respeita às consequências processuais e aos custos decorrentes da opção assumida.

27. Trata-se, aliás, de questão que não foi posta à consideração do Tribunal da Relação.

28. No que respeita aos custos concretos, variam estes consoante a Câmara de Comércio Internacional. Referenciada na convenção de arbitragem que a Câmara Internacional seria em Paris estava desde logo a requerente em condições de saber quais os custos prováveis de uma demanda nas Câmaras de Comércio que dispõem de Regulamento de Arbitragem que inserem normas atinentes à provisão para custos de arbitragem.

29. Tudo isto, diga-se, foi aceite pelo ora recorrente que, no Tribunal arbitral, se limitou a contestar as despesas apresentadas pelas demandantes, matéria que foi objeto de apreciação, tendo sido adiantados pelas demandantes a provisão dos custos da arbitragem no montante de USD 149.600.

30. Ao contrário do que sucede na jurisdição estadual, o Regulamento de Arbitragem admite que as partes litiguem sem advogado - o artigo 17 do Regulamento de Arbitragem apenas prescreve que " em qualquer momento após o início da arbitragem, o tribunal arbitral ou a Secretaria poderão requerer comprovação dos poderes de representação de qualquer representante das partes".

31. É, pois, vantajosa a situação das partes na arbitragem, visto que podem litigar sem profissional forense, o que lhes está vedado nos tribunais portugueses em que o processo, no caso de renúncia ou de revogação, segue os seus termos contra o demandado apenas com aproveitamento dos atos anteriormente praticados, não se admitindo que as partes se possam fazer representar por profissional não forense (artigo 47.º/3, alínea b) do CPC) e apenas se admitindo em termos muito limitados a intervenção das próprias partes.

32. Esta situação não implica violação do princípio da igualdade das partes - as partes estão exatamente nas mesmas circunstâncias - nem tão pouco violação do princípio do contraditório, pois não se vê, nem a recorrente nada alega em contrário, que o representante da parte, por não ser advogado, visse serem-lhe excluídos poderes processuais que, ao invés, fossem conferidos ao advogado mandatário da parte contrária.

33. Salientou-se no acórdão recorrido a este propósito que "por conseguinte, a possibilidade da requerida ou de qualquer outra parte litigar no processo arbitral sem ser através de mandatário judicial, não significa, só por si, que haja qualquer violação dos referidos dos princípios, que têm de ser seguidos ao longo do processo, já que se trata de princípios estruturantes de qualquer litígio independentemente da natureza do tribunal onde corre o processo (veja-se, assim, o artigo 30.º da LAV). No caso, a requerida esteve representada no processo através de profissionais forenses até determinado momento, mais concretamente, pelo menos, até 14/07/2012, data em que comunicou ao Tribunal Arbitral que passaria a ser representada pelo seu administrador Manuel Fernando Nunes Marques (cf. ponto 6 da sentença)".

34. E prossegue o acórdão recorrido:" trata-se de um ato voluntário, permitido pelas regras que regem o processo arbitral, que a requerida conhecia aquando da aceitação e assinatura dos Termos de Referência (TOR) de 23 de Julho de 2013, em data, aliás, posterior à informação prestada em 14/07/2012 acima referida (cf. pontos 6 e 61 da sentença). Por outro lado, depois desse momento (12/07/2012) participou no processo praticando atos processuais de vária natureza e relevância para o desfecho do processo […] sem que alguma vez tivesse suscitado que os mesmos foram praticados com violação dos princípios acima enunciados".

35. O princípio da igualdade e do contraditório que devem ser observados no processo (artigo 980º, alínea e) do CPC) referenciam-se ao exercício dos atos processuais, não se referenciam às diferenças de natureza pessoal, designadamente às qualidades de desempenho dos intervenientes no processo, diferenças inerentes à condição humana.

36. Finalizando, dir-se-á ainda que a pretensão do recorrente não poderia nunca proceder ainda que se admitisse que a ambiguidade da aludida cláusula quanto à determinação do direito a aplicar impunha um dever de informação tendo em vista o esclarecimento dessa questão. É que a aludida cláusula insere duas estipulações: uma respeitante ao Tribunal onde o litígio iria ser dirimido; outra, respeitante ao direito a aplicar à sua interpretação. Ora se, no tocante ao Tribunal, nada havia a esclarecer - considere-se ou não esta cláusula sujeita ao regime das cláusulas contratuais gerais - a exclusão só valeria para a segunda estipulação. Ela não se estenderia à primeira que da segunda é autónoma. 

Concluindo:

I - As cláusulas inseridas em contratos individualizados, incluída a cláusula compromissória, estão sujeitas ao regime das cláusulas contratuais gerais que consta do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro cujo conteúdo previamente elaborado  o destinatário não pode influenciar.

II - Cumpre a quem considerar que uma cláusula constante de contrato individualizado se subordina ao regime das cláusulas contratuais gerais o ónus de provar (artigo 342.º do Código Civil e artigo 1.º/2 do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro) que o conteúdo dessa cláusula constante de contrato individualizado foi previamente elaborado.

III - O dever de informação incidente sobre cláusulas contratuais gerais incluídas em contratos singulares, designadamente o dever de informação a que alude o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, não coincide com  o dever de interpretação; por isso, o reconhecimento da ambiguidade de uma cláusula quanto a certos aspetos, a justificar atividade interpretativa, não implica ipso facto que a cláusula deva ser excluída por violação do dever de informação.

IV - Assim sendo, pressupondo que a cláusula compromissória constante de contrato individualizado se subordina ao regime das cláusulas contratuais gerais, não justifica qualquer dever de informação a cláusula que estipula que " o presente contrato é interpretado de acordo com as leis da Comunidade Europeia, excluindo os seus princípios sobre conflitos de leis, e as partes acordam que qualquer ação, processo judicial ou outro relacionado com o presente contrato será resolvido por arbitragem em Paris perante a Câmara Internacional".

V - Do teor da cláusula resulta com clareza que as partes se comprometem a dirimir os litígios relacionados com o presente contrato na Câmara Internacional em Paris por arbitragem.

VI - Dado o teor da cláusula não carece igualmente de ser informado nenhum dos contraentes de que o presente contrato será interpretado de acordo com as leis da Comunidade Europeia, ou seja, aplicando-se as normas comunitárias, não se excluindo, por conseguinte, a aplicação das leis de Estado que integra a União Europeia como é o caso de Portugal, mas excluindo-se as leis de Estados que não integram a União Europeia, tal o caso das Repúblicas da Arménia e da Ucrânia, partes nos aludidos contratos celebrados com a autora.

VII - A sentença proferida pelo Tribunal Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional em Paris, decidindo no sentido de se aplicar aos contratos a lei portuguesa, considerou que a ambiguidade da cláusula residia apenas na questão da identificação do Estado-Membro da União Europeia com ligação mais estreita com os contratos, questão esta de interpretação da cláusula que é diversa do âmbito da informação que a cláusula poderia justificar.

VIII - A convenção de arbitragem não deixa de ser válida pelo facto de não ser designado o direito a aplicar pelos árbitros; não deixa igualmente de ser válida ainda que se suscitem dúvidas sobre o direito que as partes consideraram aplicável, pois, em tal circunstância tal como no caso de  falta de designação, cumpre ao tribunal arbitral indicar o direito aplicável à luz dos critérios que constam da Lei da Arbitragem Voluntária, não se justificando a exclusão da cláusula com base numa deficiente designação quando essa exclusão não se justifica nos casos em que nem sequer há designação.

IX - O conhecimento efetivo que resulta da aludida cláusula - quanto à entidade que irá dirimir os litígios e quanto às leis que constituem o quadro normativo aplicável - basta-se com os termos da aludida cláusula, constatando-se que esse conhecimento efetivo teve efetiva correspondência na realidade, não ocorrendo nenhuma desvantagem para o recorrente.

X - Os princípios da igualdade e do contraditório que devem ser observados no processo (artigo 980º, alínea e) do CPC) referenciam-se ao exercício dos atos processuais, não se referenciam às diferenças de natureza pessoal, designadamente às qualidades de desempenho dos intervenientes no processo, diferenças inerentes à condição humana; por isso, aceite pelo tribunal arbitral que o patrocínio forense seja exercido por profissional não forense, na sequência da posição da própria parte que decidiu prescindir dos serviços de advogado, optando por se fazer representar por administrador, a posição de igualdade entre as partes está assegurada visto que tal entendimento vale de modo igual para todas as partes, não relevando a diferença qualitativa da representação que, se ocorreu, é da responsabilidade da recorrente.

Decisão: nega-se a revista

Custas pela recorrente

Lisboa, 9-7-2015

Salazar Casanova (Relator)

Lopes do Rego

Orlando Afonso