Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
067862
Nº Convencional: JSTJ00003702
Relator: OCTAVIO GARCIA
Descritores: APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
MAIORIDADE
REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198007080678622
Data do Acordão: 07/08/1980
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IS 1980/10/21, PÁG. 3535 A 3536 - BMJ Nº 299 ANO 1980 PÁG. 299
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL / DIR FAM.
Legislação Nacional: DL 496/77 DE 1977/11/25 ARTIGO 177.
CCIV66 ARTIGO 122 ARTIGO 130.
DL 314/78 DE 1978/10/27 D.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RP DE 1978/05/26 IN BMJ N279 PAG255.
ACÓRDÃO RP DE 1979/04/24 IN CJ ANOIV T2 PAG578.
Sumário :
O artigo 130 do Codigo Civil, na actual redacção, e aplicavel aos processos pendentes em 1 de Abril de 1978 quanto as acções de regulação do poder paternal a que alude a alinea d) do artigo 146 do Decreto-Lei n. 314/78, de 27 de Outubro.
Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça, em Tribunal Pleno.

O magistrado do Ministerio Publico veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 764 do Codigo de Processo Civil, por haver nitida divergencia doutrinaria sobre a mesma questão de direito entre os acordãos da Relação de Evora, de 6 de Julho de 1978 e de 17 de Outubro do mesmo ano.
Considerou que não havia recurso dos acordãos em conflito, por imperativo do n. 2 do artigo 1 411 do Codigo de Processo Civil, pois o artigo 150 do Decreto-Lei n. 314/78, de 27 de Outubro - Organização Tutelar de Menores - estabelece que os processos previstos neste titulo são considerados de "jurisdição voluntaria". Acresce que o artigo 161 do mesmo diploma consigna que nos casos omissos são de observar, com as necessarias adaptações, as regras de processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores.
Face a nova redacção que o Decreto-Lei n. 496/77, de 25 de Novembro, deu aos artigos 122 e 130 do Codigo Civil, estabeleceu-se divergencia de doutrina no Tribunal da Relação de Evora sobre a questão de saber se tais normativos eram aplicaveis aos processos pendentes, em casos de regulação do exercicio do poder paternal.
Enquanto o acordão de 6 de Julho de 1978 decidiu que a nova redacção dos artigos 122 e 130 se não aplica aos processos pendentes em 1 de Abril de 1978 ("tutelares civeis regulação do poder paternal") por virtude do que prescreve o artigo 177 do Decreto-Lei n. 496/77, ja o acordão de 17 de Outubro de 1978 perfilha doutrina oposta, entendendo que a nova redacção de tais preceitos do Codigo Civil se aplica de imediato, quer exista ou não processo pendente.
As consequencias juridicas foram antagonicas, pois enquanto o primeiro aresto considerou sujeito ao poder paternal A, que contava dezanove anos em 1 de Abril de 1978, o segundo julgou maior - B, com dezoito anos na mesma data.
Foi alegado que os acordãos citados foram proferidos no dominio da mesma legislação, e que não pode ser interposto recurso, tal como exige a parte final do artigo 764 do Codigo de Processo Civil.
Por acordão de folhas 38 e seguinte, ja a Secção se pronunciou pela existencia da invocada oposição; não estando o tribunal pleno vinculado a essa decisão, importa reve-la.
A evidencia da oposição ressalta do que ficou anteriormente relatado, pelo que não ha necessidade de mostrar, mais uma vez, como a lei conduziria a efeitos diametralmente opostos.
Estão verificados os demais pressupostos exigidos para que o tribunal se pronuncie sobre a correcta interpretação da lei.
O magistrado do Ministerio Publico neste Tribunal emitiu douto parecer, concluindo que a norma do artigo 177 do Decreto-Lei n. 496/77, de 25 de Novembro, não exclui a aplicação do artigo 130 do Codigo Civil as acções de regulação do poder paternal pendentes a data da sua entrada em vigor.
O magistrado recorrente fora de opinião contraria, como houve ocasião de referir no acordão da Secção.
A questão reveste grande interesse, pois, a cada pessoa, se torna necessario tomar posição, sobre a correcta interpretação a dar a lei.
O acordão da Relação do Porto, de 26 de Maio de 1978, no Boletim, n. 279, pagina 255, firmou a seguinte doutrina:
"e de aplicação imediata a todos os processos, ainda que pendentes, a disposição do artigo 122 do Codigo Civil que fixou a nova idade em que se atinge a maioridade".
Tambem o acordão da Relação de Coimbra, de 24 de Abril de 1979, na Colectanea de Jurisprudencia, tomo
2, pagina 578, decidiu que e imediatamente aplicavel aos inventarios pendentes o artigo 122 do Codigo Civil, na redacção do Decreto-Lei n. 496/77, que baixou o limite da maioridade para os dezoito anos.
O relatorio do Decreto-Lei n. 496/77, de 25 de Novembro, no numero seis, diz que a antecipação da maioridade para os dezoito anos decorre indirectamente da propria Constituição, na medida em que reflecte o alinhamento com a idade fixada pela lei fundamental para a aquisição da capacidade eleitoral activa e passiva: podendo-se ser deputado com dezoito anos, mal pareceria que continuasse a entender-se que so depois dessa idade se adquira plena capacidade para reger a propria pessoa e dispor dos proprios bens.
Como ai se acentua, o direito comparado aponta no mesmo sentido.
Acresce que o Conselho da Europa recomendou aos paises membros a fixação dos dezoito anos como inicio da maioridade.
A modificação da lei assentou em razões objectivas, gerais e abstractas, como teve ocasião de vincar o magistrado do Ministerio Publico.
O Professor Oliveira Ascensão - O Direito - Introdução e teoria geral - diz, a paginas 422:
"a lei não dispõe so para o futuro, dispõe tambem quanto ao presente: automaticamente atinge situações existentes no momento da sua entrada em vigor".
Alerta-nos depois, em nota, para "a possibilidade de a "facti species" se referir a situações, como a menoridade, e não a factos".
Na parte atinente a sucessão de leis, escreveu:
"no que respeita aos estados pessoais e ao conteudo destes defende-se a aplicação da lei nova".
O Professor Galvão Teles, no Direito das Sucessões, a proposito das situações de execução duradoura, diz, a paginas 277:
"Ha que abrir na vida das situações juridicas permanentes ou periodicas uma separação entre o passado e o futuro. Essa separação e dada pelo momento da entrada em vigor da nova lei, e o que nelas ha de passado pertence ao dominio da lei antiga, mas o que e futuro pertence a orbita da lei nova. Aplicar a lei a tais situações, nas suas manifestações actuais, na sua projecção sobre o futuro não e cometer o pecado juridico da retroactividade como sera no tocante as situações juridicas de execução instantanea".
Ainda o Professor Baptista Machado, em Sobre a aplicação no tempo do novo Codigo Civil, diz, a paginas 91:
"o que ha de especifico na aquisição da maioridade legal e a circunstancia de tal se verificar independentemente de um acto de vontade do sujeito, e, portanto, sem uma contrapartida por parte deste (uma conduta sua conforme a lei com vista a apropriação daquela vantagem conferida pela mesma lei), por um lado, e, por outro lado, justamente o facto de a aquisição do status não se traduzir, por si so, no surgimento de direitos ou deveres para quem quer que seja".
A aplicação rigida do artigo 177 do Decreto-Lei n. 496/77, de 25 de Novembro, levar-nos-ia a resultados intoleraveis, pelo que se impõe a sua interpretação restritiva, para que não se ultrapasse o fim visado pelo legislador (ver Sentido e valor da jurisprudencia, do Professor Manuel de Andrade, pagina 34, e Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis, pagina 149).
Em face do esposto põe-se termo a divergencia de julgados, firmando-se o seguinte assento:
"O artigo 130 do Codigo Civil, na actual redacção, e aplicavel aos processos pendentes em 1 de Abril de 1978 quanto as acções de regulação do poder paternal a que alude a alinea d) do artigo 146 do Decreto-Lei n. 314/78, de 27 de Outubro".
Sem custas.

Lisboa, 8 de Julho de 1980

Octavio Dias Garcia (Relator) - Abel de Campos - Anibal Aquilino Ribeiro - Anibal Ferreira Junior - Rocha Ferreira
- Angelico Sequeira Carvalho - Melo Franco - João Solano Viana - Azevedo Ferreira - Moreira da Silva - Rui Corte Real - Bruto da Costa - Henrique Simões - Costa Soares -
- Rodrigues Bastos - Daniel Ferreira - Santos Vitor -
- Sa Gomes - Furtado dos Santos - Hernani de Lencastre -
- Alves Pinsto - Oliveira Carvalho - Arelo Manso.