Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1078/20.6T8FNC.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: PROCESSO EXECUTIVO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DESPACHO LIMINAR
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
ÓNUS DE CONCLUIR
ACORDÃO FUNDAMENTO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERE-SE A RECLAMAÇÃO, MANMTENDO-SE A DECISÃO DO
RELATOR
Sumário :
I - Não é admissível recurso de revista, a coberto do art. 854.º, (2.ª parte), do CPC, do acórdão da Relação que em processo executivo aprecia uma decisão da 1.ª instância proferida ao abrigo do art. 734.º do CPC.

II - O art. 629, n.º 2, al. d), deve ser interpretado restritivamente no sentido de que que o recurso de revista só tem aplicação às decisões que ponham termo ao processo ou apreciem o mérito da causa, nos termos do art. 671.º, n.º 1, do CPC. Contudo, para a sua aplicação não basta a contradição de acórdãos, pois a norma estabelece uma recorribilidade para acórdãos que são recorríveis nos termos gerais, e irrecorríveis por exclusão legal.

III - Não tendo o recorrente aquando do requerimento de interposição do recurso, dado cumprimento ao ónus previsto no art. 637.º, n.º 2, do CPC, nomeadamente o de individualizar o acórdão-fundamento e a junção da respectiva cópia, para efeitos do art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, não fica, a coberto do art. 655.º, n.º 1, do CPC, legitimado a suprir o ónus que lhe impendia aquando da interposição da revista, pois os pressupostos formais da admissibilidade são os existentes no momento do requerimento de interposição do recurso.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – RELATÓRIO



1.O exequente AA – instaurou acção executiva, para pagamento de quantia certa, com forma de processo comum, contra o executado – BB.

Alegou, em síntese:

“O executado, BB, é devedor da quantia de 477.000,00€ (quatro centos e setenta e sete mil euros), referente a diversas quantias mutuadas pelo seu irmão, ora exequente, AA, entre os anos de 1999 a 2016.

A 9 de Junho de 2016, por documento particular autenticado – que se junta como doc. n.º1 e que se dá por integralmente reproduzido para todos e os devidos efeitos legais – o executado confessou tal dívida, comprometendo-se a liquidar no prazo de noventa dias, após a interpelação para pagamento realizada pelo exequente.

Nessa senda, a 16 de Outubro de 2019, o executado foi interpelado – cfr. doc. n.º2 que aqui se junta – para realizar, de forma voluntária, o pagamento do valor em dívida, não tendo feito até à presente data, encontrando-se em incumprimento definitivo.

Posto isto, a dívida é certa, líquida e exigível, pelo o exequente vê-se obrigado a recorrer ao presente Requerimento Executivo para se ressarcir do capital mutuado, acrescido dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral e efectivo pagamento e, ainda, todos os encargos judiciais. Os demais factos pertinentes constam do título executivo, pelo que está o exequente dispensado a invoca-los”.

Requereu o pagamento da quantia de 483.794,34 € (quatrocentos oitenta e três mil setecentos e noventa e quatro euros e trinta e quatro cêntimos) com juros de mora vincendos.


1.2. Por despacho de 15/10/2021, decidiu-se:

“O executado veio suscitar a falta de título executivo e de causa de pedir. Estas últimas matérias constituem defesa de embargos à execução, pois põem em causa os próprios pressupostos da acção executiva.

Encontrando-se decorrido o prazo para deduzir embargos de executado, está vedado ao executado arguir defesa desse incidente seja no âmbito de outro incidente que corra por apenso seja nos próprios autos de execução.

O decurso do prazo para a dedução de embargos tem efeitos preclusivos, conduzindo à impossibilidade da prática do acto respectivo.

Contudo, deve ser conhecida oficiosamente, nos termos do disposto no artigo 734° do Código de Processo Civil, a manifesta insuficiência do título executivo, mesmo que impulsionada pelo executado, corolário da prevalência do mérito sobre a forma. Desde que ainda seja possível proceder a tal conhecimento oficioso que, no caso dos autos, ocorreria com a primeira transmissão de bem ou entrega de bens penhorados ao exequente. Uma vez que ainda não ocorreu qualquer transmissão de bem poderá ainda haver lugar a conhecimento oficioso de falta de pressupostos da acção executiva.

Foi dada a hipótese ao exequente para se pronunciar sobre esta questão, tendo vindo pugnar pela existência regular de título executivo e indicar prova. Contudo, não estamos perante acção declarativa. A existência ou não de título executivo não é passível de ser provada por prova oral, pois logo ficaria em causa a própria função do título executivo. A questão é clara: ou existe título executivo ou não existe por não revestir uma das formalidades prescritas na lei para que possa assumir tal função.

(…)

Para que se considere que um determinado documento constitui um documento autenticado carece de obedecer a determinadas formalidades.

Uma dessas formalidades consiste justamente em ser o termo de autenticação registado na natureza e espécie “documentos particulares”. A inscrição do registo na natureza e espécie “tradução e certificação de tradução de documentos” afasta-se claramente dessa natureza de documento particular. Logo, constituindo formalidade essencial à autenticação do acto, não se pode concluir que o documento dado em execução traduza um documento autenticado e, por conseguinte, não se reconduzindo a qualquer um dos outros documentos reconhecidos pela lei como título executivo, não assume as vestes de título executivo.

Face ao exposto, absolve-se o executado da instância executiva por falta de título executivo e, consequentemente, ordena-se o cancelamento das demais penhoras.

Custas pelo exequente, fixando-se o valor da causa no montante indicado no requerimento executivo.

Registe.

Notifique, incluindo o(a) Ex.mo(a) Solicitador(a) de Execução”


3. O exequente recorreu de apelação e a Relação de Lisboa, por acórdão de 10/3/2022, decidiu julgar procedente a apelação, revogar a decisão recorrida e ordenar o prosseguimento dos autos.


4. O executado interpôs recurso de revista, ao abrigo dos arts.627, 629, 631, 638 nº1, 671 nº1, 674 nº1 a) e c) CPC, pedindo a revogação do acórdão da Relação por entender inexistir título executivo.


5. No STJ, por despacho de 15/11/2022, considerando não ser admissível recurso de revista, determinou-se a audição das partes.


6.- O executado alegou, em síntese:

No despacho a que se responde, é suscitada a questão da inadmissibilidade deste recurso, por aparentemente não estarem preenchidos os pressupostos previstos no art. 854 do CPC

Salvo o devido respeito por outro entendimento, considera o Recorrente que, materialmente, o tema em debate no recurso interposto situa-se no âmbito de uma verdadeira oposição deduzida contra a execução, sendo por isso admissível recurso de revista ao abrigo do referido artigo 854 do CPC.

 De facto, ainda que a questão da inexequibilidade do título dado à execução não tenha sido deduzida em sede de embargos de executado, a verdade é que se trata precisamente de um dos fundamentos possíveis da dedução de oposição à execução, como decorre do artigo 729.º, al. a), aplicável por via do artigo 731.º, ambos do CPC, segundo o qual é fundamento da oposição, inter alia, a “inexistência ou inexequibilidade do título”.

Como tal, seria manifestamente iníquo negar ao Recorrente a possibilidade de recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça de uma decisão que materialmente recai sobre um dos fundamentos da oposição à execução, apenas porque, formalmente, tal tema foi tratado no próprio processo de execução e não num apenso de embargos de executado.

Termos em que deverá o recurso interposto ser admitido por estarmos perante um recurso de uma decisão que recaiu materialmente sobre uma oposição deduzida contra a execução.

Mas, ainda que assim não se entenda, terá que se considerar que estamos perante um caso em que sempre seria admissível recurso para o Supremo Tribunal de  Justiça, ao abrigo do disposto no art 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, porquanto estamos perante um Acórdão da Relação que está em contradição com outro Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (“TRC”), tendo ambos sido proferidos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de  direito.

De facto, como se invocou em sede de alegações de recurso o Acórdão recorrido está em contradição com o Acórdão do TRC proferido em 21.01.2020, no processo n.º 4388/18.9T8VIS-A.C1.

Como tal, caso se considere que do Acórdão recorrido não cabe recurso ordinário por conta do disposto no artigo 854.º do CPC (ou seja, por motivo estranho à alçada do tribunal), o recurso sempre seria admissível ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, al. d), do CPC.


7.- Por decisão singular de 4/1/2023, não se admitiu o recurso de revista, condenando-se o Executado nas custas, com 2 Ucs de taxa de justiça.

8.- O Executado reclamou para a conferência, concluindo, em resumo:

a) Considera o Recorrente que, materialmente, o tema em debate no recurso interposto situa-se no âmbito de uma verdadeira oposição deduzida contra a execução, sendo por isso admissível recurso de revista ao abrigo do referido artigo 854.º do CPC.

b) De facto, ainda que a questão da inexequibilidade do título dado à execução não tenha sido deduzida em sede de embargos de executado, a decisão que recaiu sobre tal questão é materialmente um dos fundamentos da oposição à execução.

c) O recurso de revista interposto foi sobre uma decisão que recaiu materialmente sobre uma oposição deduzida contra a execução, pelo que deverá o mesmo ser admitido.

d) Caso assim não se entende, o recurso interposto deverá ser admitido ao abrigo do art.629º, nº 2 al. d) do CPC, por o Acórdão recorrido estar em contradição com outro, de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito e estarem preenchidos os requisitos gerais (valor da causa e sucumbência) e especiais para admissão do recurso (irrecorribilidade por exclusão legal).

e) Como se invocou nas alegações de recurso, o Acórdão recorrido está em contradição com o Acórdão do TRC proferido em 21.01.2020, no processo n.º 4388/18.9T8VISA.C1.O Acórdão fundamento foi identificado pelo número de processo e data, assim como, foi feito constar que estava disponível no site da DGSI.

f) Não tendo sido junta cópia do mesmo com as alegações, ao abrigo do princípio da cooperação, artigo 7º do CPC, deveria ter sido o Recorrente convidado à sua junção sob pena de rejeição, o que não aconteceu.

g) No caso concreto, o douto acórdão impugnado e o acórdão fundamento apresentam os mesmos pressupostos, tendo sido proferidos na sequência da interposição de recurso jurisdicional de decisões que apreciaram a consequência legal do registo de ato – autenticação de documento particular -, conforme está previsto no nº 3 do artigo 38º do DL nº 76-A/2006, de 29 de Março e regulado pelos artigos art.ºs 1.º, 3.º e 4.º da aludida Portaria nº 657-B/2006.

h)  Verifica-se oposição direta de julgados, entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento (bem como com os demais acórdãos indicados pela recorrente), sobre as mesmas bases normativas, que conduz a de interpretações normativas distintas acerca da mesma questão fundamental de direito, o que deverá determinar a admissibilidade do recurso de revista, ao abrigo da al. d) do n.º 2, do art. 629.º, do CPC.

i)Deve a decisão singular ser revogada e substituída por douto acórdão que conheça do objeto do recurso interposto pela ora recorrente, por admissível.



II - FUNDAMENTAÇÃO



2.1. – A decisão singular contém a seguinte fundamentação


“A 1ª instância, ao abrigo do art.734 CPC decidiu oficiosamente absolver o executado da instância por falta de título executivo e ordenar o cancelamento das penhoras.

A Relação revogou a decisão da 1ª instância e ordenou o prosseguimento da execução, com fundamento 

Problematiza-se não o mérito do recurso de revista, mas a sua admissibilidade legal, em face do regime específico dos recursos em sede executiva.

Neste contexto, o art.852 CPC remete, também no caso de revista, para as disposições gerais reguladoras do processo de declaração.

Mas na execução o recurso de revista tem um espectro mais restritivo do que no processo declarativo, em face da regra específica do art.854 CPC, ao limitar a sua admissibilidade aos acórdãos da Relação proferidos em determinados procedimentos – liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, verificação e graduação de créditos e oposição deduzida contra a execução -, o que significa, a contrario, que não é admissível revista de quaisquer acórdãos da Relação proferidos no procedimento executivo e nos apensos declarativos que não sejam os especialmente contemplados na norma, respeitem estes a decisões interlocutórias ou finais, estando esta interpretação consolidada na jurisprudência do Supremo ( cf., por ex., Ac STJ 11/7/2019 ( prc. Nº 4696/17), Ac STJ de 31/1/2019 ( proc. nº 19920/13), Ac STJ de 26/1/2021 ( proc. nº 1060/14 ), disponíveis em www dgsi.pt ).

Também para Abrantes Geraldes “ficam excluídos do recurso de revista, em regra os acórdãos d Relação proferidos no âmbito do incidente de oposição deduzida contra a penhora, da comunicabilidade das dívidas dos cônjuges, de remição e demais incidentes ou procedimentos declarativos não enunciados no preceito” (Recursos em Processo Civil, 6ªed., pág. 584 ).

Ora não se está perante acórdão da Relação proferido em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução, e só estes admitem revista, desde que verificados os pressupostos gerais. Daqui resulta que não tem aplicação o art.854 ( 2ª parte ) do CPC.

No entanto, o art.854 ( 1ª parte ) CPC ressalva as situações em que é sempre admissível recurso para o STJ ( “ Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (…)”), o que convoca as hipóteses do art.629 nº2 a), b), c), e d), e as do art.671 nº2 b) CPC.

Não se verificando quaisquer das alíneas a), b), C do nº2 do art.629, nem a alínea b) do nº2 do art.671 CPC, resta apurar se o recurso tem apoio no art.629 nº2 alínea d) CPC.

O recorrente, aquando da notificação para efeitos do art. 655 CPC, veio dizer que o recurso de revista é admissível, nos termos do art.629 nº 2 d) CPC, alegando que o acórdão recorrido está em contradição com o Ac RC de 21/1/2020 (proc. nº 4388/18.9T8VIS-AC1), ou seja, o acórdão-fundamento.

O art. 629 nº2 d) estatui – “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.

O art.629 nº2 d) deve ser interpretado restritivamente no sentido de que que o recurso de revista a coberto desta norma só tem aplicação aos recursos de revista que ponham termo ao processo ou apreciem o mérito da causa, nos termos do art. 671 nº1 CPC.

Contudo, para a sua aplicação não basta a contradição de acórdãos, pois a norma estabelece uma recorribilidade para acórdãos que são recorríveis nos termos gerais, e irrecorríveis por exclusão legal.

A lei exige ( art. 637 nº2 CPC) que no requerimento de interposição de recurso, o recorrente invoque a contradição jurisprudencial, devendo juntar, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada do acórdão-fundamento.

Verifica-se que nas alegações do recurso de revista, o executado citou dois acórdãos da Relação. O Ac RP de 1/8/2018, e o Ac RC de 21/1/2020, sem indicar qual o acórdão fundamento, e muito menos a junção de cópia com nota do trânsito.

Não é legítimo confrontar o tribunal com vários acórdãos para efeitos de escolha por parte do tribunal, visto que o recorrente tem o ónus de indicar o acórdão-fundamento ( cf., por ex., Ac STJ 30/4/2019 ( proc nº 2822/18 ) em www dgsi.pt ).

Para efeitos do art.629 nº2 d) CPC o recorrente, nas alegações do recurso, tem o ónus de indicar o acórdão fundamento, anteriormente transitado em julgado, e juntar cópia, o que não fez. Por isso mesmo, no despacho de 15/11/2022, se afirmou “Não se tratando de uma situação em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução”.

Só agora, quando notificado nos termos do art.655 CPC, é que o executado/recorrente veio invocar como acórdão fundamento o Ac RC de 21/1/2020, juntando cópia retirada da publicação no site do ITIJ, e posteriormente certidão com nota do trânsito.

Acontece que o recorrente foi notificado para se pronunciar quanto à inadmissibilidade legal da revista, não estando, a coberto do art.655 nº1 CPC, legitimado a suprir o ónus que lhe impendia aquando da interposição da revista, pois os pressupostos formais da admissibilidade são os existentes no momento do requerimento de interposição do recurso, tanto assim que o art.637 nº2 CPC comina a imediata rejeição (cf., por ex., Ac STJ 6/6/2019 ( proc. nº 143/11), em www dgsi.pt ).

Neste contexto, o recurso de revista não é admissível nos termos do art.629 nº2 d) CPC.

Note-se ainda, como reforço argumentativo, que devendo a contradição jurisprudencial ser apurada segundo os critérios semelhantes aos do art.629 nº2 c), do art.672 nº2 c) ou do art. 688 nº1 (recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência ) CPC, tal implica , além do mais, o requisito da identidade, não sendo suficiente, para tanto, que em ambos os acórdãos se aborde o mesmo instituto ou regime jurídico, sendo indispensável que a subsunção jurídica em ambas as decisões radique no mesmo “núcleo factual”, ou seja, uma “identidade substancial”.

No ac RC de 21/1/2020 o acto de autenticação do documento particular foi registado no sistema informático legalmente como “reconhecimento simples” e não como documento particular autenticado (não há qualquer menção à autenticação).

Situação diversa é a do acórdão recorrido em que muito embora o registo tenha sido feito no item “tradução e certificação de tradução de documentos” e não no item “autenticação de confissão de dívida”, a verdade é que no mesmo registo se consignou em sede de “observações” – “Termo de autenticação de confissão de dívida”.

Neste contexto, mesmo que o Recorrente tivesse cumprido o ónus de especificação ( e não o fez),  jamais seria admissível a revista com base no art.629 nº2 d) CPC, dada a inverificação da contradição, por ausência do requisito da “identidade””.

        

2.2. – O Reclamante limita-se a reproduzir os argumentos já aduzidos na sequência da audição prévia ao despacho reclamado, pelo que não traz novos fundamentos de impugnação.

O primeiro argumento do Reclamante é no sentido da admissibilidade da revista, nos termos do art.854 ( 2ª parte) CPC, alegando que , muito embora não tenham sido deduzidos embargos de executado, “materialmente, o tema em debate no recurso interposto situa-se no âmbito de uma verdadeira oposição deduzida contra a execução”.

A esta questão, a decisão singular já deu resposta, em conformidade com a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de que a revista só é admissível nos casos expressamente previstos no art.854 CPC, estando, assim, dela excluídos os acórdãos da Relação proferidos no procedimento executivo e nos apensos declarativos que não sejam os especialmente contemplados na norma, respeitem estes a decisões interlocutórias ou finais, incluindo, por isso, as decisões oficiosamente proferidas ao abrigo do art.734 do CPC ( rejeição e aperfeiçoamento ).

Aliás, o art.853 nº3 CPC, reportando-se à Apelação,  preceitua que cabe sempre recurso do despacho liminar do requerimento executivo, bem como do despacho de rejeição do requerimento executivo ao abrigo do disposto no art.734. Contudo, do argumento sistemático que emerge da conjugação do art.852, 853 nº3 e 629 nº3 c) CPC resulta que a  decisão proferida nos termos 734 CPC só admite recurso de apelação.

O segundo argumento invocado pelo Reclamante é o da admissibilidade da revista, nos termos do art.854 ( 1ª parte) e 629 nº2 d) CPC, mas também ele já foi rebatido na decisão singular, na esteira do Ac STJ de 14/7/2022 ( proc nº 575/05, disponível em www dgsi., relatado pelo aqui relator e subscrito pelo 1º adjunto.


2.3. – Síntese conclusiva

a).Não é admissível recurso de revista, a coberto do art.854 ( 2ª parte) CPC, do acórdão da Relação que em processo executivo aprecia uma decisão da 1ª instância proferida ao abrigo do art.734 CPC.

b). O art.629 nº2 d) deve ser interpretado restritivamente no sentido de que que o recurso de revista só tem aplicação às decisões que ponham termo ao processo ou apreciem o mérito da causa, nos termos do art. 671 nº1 CPC. Contudo, para a sua aplicação não basta a contradição de acórdãos, pois a norma estabelece uma recorribilidade para acórdãos que são recorríveis nos termos gerais, e irrecorríveis por exclusão legal.

c).Não tendo o recorrente aquando do requerimento de interposição do recurso, dado cumprimento ao ónus previsto no art.637 nº2 CPC, nomeadamente o de individualizar o acórdão-fundamento e a junção da respectiva cópia, para efeitos do art.629 nº2 d) CPC, não fica, a coberto do art.655 nº1 CPC, legitimado a suprir o ónus que lhe impendia aquando da interposição da revista, pois os pressupostos formais da admissibilidade são os existentes no momento do requerimento de interposição do recurso.



III – DECISÃO


Pelo exposto, decidem:

1)


Julgar improcedente a reclamação e confirmar a decisão singular de 4 de Janeiro de 2023 que não admitiu o recurso de revista.

2)


Condenar o Reclamante nas custas, com 3 Ucs de taxa de justiça.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 28 de Fevereiro de 2023.


Jorge Arcanjo ( Relator )

Isaías Pádua

Manuel Aguiar Pereira