Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
118/09.4YFLSB
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: SANTOS BERNARDINO
Descritores: MARCAS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
SECONDARY MEANING
CAPACIDADE DISTINTIVA
EXCLUSIVIDADE DO DIREITO À MARCA
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/10/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1. A nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 668º do CPC verifica-se quando há um vício real no raciocínio do julgador – a fundamentação aponta num sentido, a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.

2. Fala-se de secondary meaning quando um sinal, originariamente privado de capacidade distintiva, se converte, por consequência do uso e de mutações semânticas ou simbólicas, num sinal distintivo de produtos ou serviços, reconhecido como tal, no tráfico económico, através do seu significado secundário.

3. O vocábulo “Caixa”, desacompanhada de outros elementos, tem capacidade distintiva, satisfazendo a função distintiva da marca exigida pelo n.º 1 do art. 222º do CPI (aprovado pelo Dec-lei 36/2003, de 5 de Março).

4. Além disso, pelo uso intenso e reiterado que lhe tem sido dado, desde há muitos anos, pela Caixa Geral de Depósitos, e tendo em conta que esta é a maior instituição bancária nacional, conhecida pela generalidade da população, que a expressão Caixa é utilizada, pela generalidade das pessoas adultas, referenciada à CGD, que a CGD tem feito investimentos frequentes, sérios e avultados, na publicitação e promoção da sua marca Caixa, e que, na perspectiva da livre concorrência, não existe a necessidade de manter livremente disponível, de modo isolado e com finalidade distintiva, o sinal Caixa, para que todos os concorrentes da CGD no sector bancário o possam utilizar, sempre poderia a CGD também invocar o secondary meaning, o significado secundário, para justificar o reconhecimento do seu direito exclusivo ao uso da marca “Caixa”.

5. Do direito à marca, enquanto direito exclusivo, oponível erga omnes, que reserva ao seu titular a utilização económica do correspondente sinal, resulta não só que o seu titular se pode opor à sua utilização por terceiros, como também que um terceiro não pode utilizar o sinal que constitua a marca de outrem de modo a lesar o correspondente direito.

6. Qualquer uso de marca alheia por terceiro para referenciar os seus próprios produtos ou serviços, seja como sinal distintivo dos mesmos, seja a outro título, nomeadamente publicitário, afronta o exclusivo do titular da marca, constituindo acto ilícito. Tal decorre do disposto no art. 258º e, a contrario, do art. 260º, ambos do CPI.
7. A sanção pecuniária compulsória é um mecanismo coercitivo cujo campo de acção está limitado às obrigações de facere e de non facere cujo cumprimento exige a intervenção insubstituível do devedor, um processo subsidiário aplicável onde a execução específica não tenha lugar. Graças ao constrangimento que ela exerce sobre a vontade do devedor rebelde, o credor pode obter a originária prestação infungível a que tem jus sem ter de cingir-se e resignar-se à execução por equivalente.

8. O juiz goza de certa liberdade na fixação da sanção compulsória, devendo, em função das circunstâncias do caso concreto, e segundo critérios de razoabilidade, decretar uma sanção compulsória que possa ser eficaz na consecução das finalidades a que aquela se acha votada – levar o devedor a respeitar a injunção judicial e a cumprir a obrigação a que está adstrito.
Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

AA, S.A. intentou, em 25.02.2005, no Tribunal Judicial da comarca da Golegã, contra BB, CRL, acção com processo ordinário, pedindo que a ré fosse condenada
a) a abster-se de usar e a cessar o uso da expressão CAIXA DA CHAMUSCA, nomeadamente no exterior ou no interior dos seus estabelecimentos, em publicidade e quaisquer outros documentos ou materiais de carácter comercial e/ou promocional;
b) a pagar-lhe, a título de sanção pecuniária compulsória, € 500,00 por cada dia de atraso no cumprimento do pedido anterior, desde a data da citação e até prova de total cumprimento, nos termos do art. 829º-A, n.os 1, 2 e 3 do Cód. Civil;
c) a pagar-lhe, a título de responsabilidade civil extracontratual, a indemnização que se liquidar em execução de sentença, acrescida de juros vencidos e vincendos.
Alegou, para tanto, que a ré utiliza, na fachada do seu estabelecimento, na Chamusca, a expressão CAIXA DA CHAMUSCA, tendo também utilizado a mesma expressão em publicidade num jornal regional, o que constitui uso ilegal de firma ou denominação, viola o direito à marca, traduz concorrência desleal e publicidade enganosa, pois que a autora é a titular do registo da marca nacional n.º 0000000 “CAIXA” e figura, e do registo da marca nacional 0000000 para serviços e negócios bancários, sendo que a utilização daquela expressão, pela ré, induz os consumidores a pensar que os seus estabelecimentos são agência da autora ou estão de alguma forma ligados a esta.

A ré contestou e deduziu pedido reconvencional, alegando, em síntese, que exerce a sua actividade desde a sua fundação em 1929, e somente nas áreas dos municípios da Chamusca, Constância e Golegã, tendo sido a sua imagem e identidade corporativa, até 2001, a que consta dos documentos 1 e 2 que juntou.
Tendo decidido, no primeiro semestre de 2001, iniciar estudos com vista à modernização da sua imagem e identidade corporativa, com um novo visual, para o que solicitou a uma empresa da especialidade a apresentação de proposta para o desenvolvimento conceptual do “restyling” da identidade corporativa, passou, a partir do início de 2002, a usar a imagem e identidade corporativa também constante dos documentos 3 a 6 juntos com a contestação, com um símbolo ou logotipo, a expressão “Caixa da Chamusca” e a sua denominação social, encontrando-se o símbolo ou logotipo devidamente registado no INPI.
E é este conjunto que se acha inscrito na fachada do seu estabelecimento, e foi utilizado no anúncio, sendo que a ré nunca usa a expressão “Caixa da Chamusca” separada do seu logotipo e da sua denominação social.
Por outro lado, o termo “CAIXA” é uma palavra genérica e de uso corrente, não só no ramo onde a autora e a ré actuam como na linguagem comum e no comércio em geral, pelo que a sua apropriação pela autora viola o disposto na al. d) do art. 223º do Cód. da Propriedade Industrial (CPI). E, por isso, o registo da marca nacional 357.311, contendo somente o elemento nominativo “Caixa”, que não tem eficácia distintiva, é nulo.
Deve, assim – remata a ré – improceder a acção e julgar-se procedente a reconvenção, declarando-se nulo o registo da marca nacional 357.311.

Seguiu-se a réplica da autora, defendendo a improcedência da reconvenção, e a tréplica da ré.

No seguimento da normal tramitação do processo veio a efectuar-se a audiência de julgamento e a ser proferida sentença, que julgou improcedente a acção, absolvendo a ré dos pedidos, e procedente a reconvenção, declarando nulo o registo da marca nacional n.º 000000, de que é titular a Caixa Geral de Depósitos, SA.

Da sentença interpôs a autora o pertinente recurso de apelação.
E fê-lo com sucesso, pois a Relação de Évora, em acórdão oportunamente proferido, julgou a apelação parcialmente procedente e, revogando em parte a sentença recorrida, condenou a ré a abster-se de usar e a cessar o uso da expressão CAIXA DA CHAMUSCA, nomeadamente no exterior ou no interior dos seus estabelecimentos, em publicidade e quaisquer outros documentos ou materiais de carácter comercial e/ou promocional, e a pagar à autora, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 500,00 por cada dia de atraso no cumprimento de tal obrigação, confirmando a mesma sentença na parte em que absolveu a ré do pedido indemnizatório.
Julgou ainda improcedente o pedido reconvencional, absolvendo do mesmo a autora.

Recorre agora a ré, de revista, para este Supremo Tribunal, rematando a sua alegação de recurso com um alargado leque de conclusões, que assim se pode resumir:
1ª - Contra a matéria de facto apurada, o acórdão recorrido fundamenta a sua decisão em pressupostos de facto que não se encontram provados: que a recorrente utiliza a expressão “Caixa da Chamusca” sem qualquer outro elemento; que o uso desta expressão é susceptível de criar confusão com a empresa, os estabelecimentos e serviços da recorrida, constituindo uma violação do direito exclusivo de marca CAIXA e um acto de concorrência desleal, tal como o define o art. 317º, al. a) do CPI; e que a recorrida usa a expressão CAIXA reiteradamente e com intensidade, sendo identificada por essa expressão pela quase totalidade da população nacional adulta;
2ª - Ao fundamentar a decisão recorrida em factos que não foram dados como provados, antes foram tidos como não provados, o acórdão recorrido é nulo nos termos do art. 668º/1, aplicável ex vi do disposto no art. 716º/1, ambos do CPC;
3ª - O sinal CAIXA, registado a favor da recorrida e constante do Registo Nacional n.º 357.311, é constituído somente pelo sinal nominativo CAIXA, sendo tal registo nulo;
4ª - A marca tem por função primordial distinguir o produto ou serviço a que se aplica, e o sinal escolhido deve ser dotado de eficácia distintiva;
5ª - As marcas desprovidas de qualquer carácter distintivo e as constituídas exclusivamente por sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos locais e constantes de comércio são insusceptíveis de apropriação individualizada;
6ª - Os títulos de propriedade industrial são nulos quando o seu objecto for insusceptível de protecção (art. 33º/1.a) do CPI); assim, o termo “Caixa”, que não tem qualquer eficácia distintiva, não pode ser apropriado pela recorrida Caixa Geral de Depósitos, SA;
7ª - Mesmo que não fosse nulo o título de propriedade referido, mesmo assim não teria a recorrida o direito de se opor ao uso do termo “Caixa” por terceiros, incluindo a recorrente, tal como dispõe o art. 260º do CPI;
8ª - O acórdão recorrido errou ao condenar a recorrente no pagamento da quantia de € 500,00, a título de sanção pecuniária compulsória, tal como requereu a recorrida;
9ª - A sanção pecuniária compulsória deve ser fixada segundo critérios de razoabilidade; e, sendo a recorrente uma pequena instituição de crédito, com área de acção limitada e com um pequeno número de operações bancárias, e a recorrida a maior instituição de crédito do País, podendo efectuar todas as operações bancárias, mesmo que houvesse razões para ser aplicada à recorrente tal sanção, a quantia fixada é manifestamente exagerada e nada razoável;
10ª - O acórdão recorrido viola o disposto nos arts. 33º/1.a), 222º/1, 223º, al. a) e d) e 260º, todos do CPI, 829º-A do CC e 264º, 268º e 668º do CPC, pelo que deve ser revogado e substituído por outra decisão, igual à proferida na 1ª instância.

A recorrida CGD apresentou contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso, e pugnando por que seja negada a revista e mantido o acórdão recorrido.
Corridos os vistos legais, cumpre agora conhecer do mérito do recurso.
2.

Vêm, das instâncias, dados como assentes os factos seguintes:
1) A autora é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos que se dedica à actividade bancária nos mais amplos termos permitidos;

2) A autora detém uma rede de balcões que se estende por todo o território nacional, incluindo uma agência na Chamusca e outra na Golegã;

3) A ré é uma caixa de crédito agrícola mútuo;

4) Para além da sua sede na Chamusca, a ré tem também uma delegação na Golegã;

5) A denominação completa da ré é “BB, C.R.L.”;

6) A autora é titular do registo da marca nacional n.º 00000000 “Caixa” e figura, registo requerido ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial em 10.07.2001 e concedido em 25.09.2002 para serviços e negócios bancários, incluindo os serviços de crédito, serviços e negócios financeiros;

7) A autora é titular do registo da marca nacional n.º 0000000 “Caixa”, requerido em 10.07.2001 e concedido em 07.10.2002 para serviços e negócios bancários, incluindo os serviços de crédito, serviços e negócios financeiros;

8) A ré é uma instituição de crédito, sob a forma cooperativa, cujo objecto é o exercício de funções de crédito agrícola em favor dos seus associados, bem como a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária;

9) A ré foi fundada em 1929;

10) A ré exerce a sua actividade somente na área dos municípios da Chamusca, Constância e Golegã;

11) Para além das duas marcas invocadas e referidas em 6) e 7), a autora é titular de muitas outras marcas registadas que incluem a designação CAIXA, em conjunção com um elemento adicional de carácter descritivo ou informativo (como rápida”, “mais”, “directa”):
marca n.º 00000. CAlXAAUTOMÁTICA;
marca n.º 00000 CAIXARÁPIDA;
marca n.º 000000 CAlXAMAIS;
marca n.º00000 CAlXADIRECTA;
marca n.º 00000 CAIXAPOSTAL;
marca n.º 000000 CAlXAELECTRONICA;
marca n.º 000000 CAlXADIRECTA;
marca n.º00000 CAlXARUMOS;
marca n.º 00000 CAlXARADlCAL;
marca n.º 000000 CAlXANET;
marca n.º 000000 CAlXAGOLD;
marca n.º 3000000 CAIXA CLASSIC;
marca n.º000000 CAlXA2000;

12) Na Chamusca, a agência da autora situa-se na mesma rua da sede da ré;

13) A ré utiliza na fachada do seu estabelecimento na Chamusca, a expressão CAIXA DA CHAMUSCA;

14) Em todos os municípios limítrofes da Chamusca, de Constância e da Golegã, existem outras Caixas Agrícolas em funcionamento, pelo que a ré só pode exercer actividade na área daqueles municípios;

15) Até 2001, a imagem e identidade corporativa da ré era a que consta dos documentos 1 e 2 juntos pela ré;

16) No primeiro semestre do ano de 2001, a ré decidiu iniciar estudos com vista à alteração da sua imagem e identidade corporativa, com um novo visual;

17) Para tanto, a ré solicitou no mesmo ano de 2001 a uma empresa da especialidade, Zook Sintra, Design e Comunicação, L.da, uma proposta para o desenvolvimento conceptual do “restyling” da identidade corporativa da ré e respectiva aplicação;

18) Em 2001, a ré, após estudo, decidiu que deveria introduzir uma nova imagem e utilizar símbolos e grafia julgados mais apropriados ou modernos;

19) Esta proposta foi aprovada e concretizada pela ré logo no início de 2002;

20) Passando a partir do início de 2002 a imagem e identidade corporativa da ré a ser a que consta dos documentos que a ré identificou como documentos 3, 4, 5 e 6, com um símbolo ou logótipo, a expressão “Caixa da Chamusca” e a sua denominação social;

21) Na imprensa geral e económica, a autora e os seus serviços são frequentemente identificados pela designação “Caixa”.

3.

Como é sabido, o âmbito do recurso é demarcado pelas conclusões da alegação do recorrente, o que vale dizer que, para além das questões de conhecimento oficioso, o tribunal ad quem só pode curar das que são suscitadas naquelas conclusões.
Vejamos, pois, as questões levantadas nas conclusões da alegação da recorrente.

3.1. Sustenta esta, antes de mais, a nulidade do acórdão, nos termos do n.º 1 do art. 668º do CPC, por fundamentar a decisão em factos que não foram dados como provados.
Mas não tem razão.
A nulidade que a recorrente tem em vista é, presumivelmente (1), a prevista na al. c) daquele n.º 1: a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Inclui-se aqui a contradição real entre a os fundamentos e a decisão e não os casos de mera contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. Como refere o Prof. ANTUNES VARELA, nos casos abrangidos pela norma indicada, há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente (2).
Ora, não é este o vício que, a partir da argumentação da recorrente, se vislumbra no caso em apreço. Não é que os fundamentos invocados pelo julgador devessem conduzir logicamente a resultado oposto ao expresso na decisão; o que aconteceu, segundo a recorrente, foi que a Relação, para chegar à decisão que proferiu, se valeu de fundamentação de facto de que não podia lançar mão, por não se achar provada.
Ora, isto pode traduzir erro de julgamento, mas não envolve, seguramente, a nulidade em causa, que se verifica “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.
A recorrente afirma, efectivamente, para fundar a existência da nulidade invocada, que a recorrida não provou factos fundamentais para a sua pretensão, que tinha alegado: não provou que a recorrente usasse somente a expressão “Caixa da Chamusca” (quesito 4º), nem que com o uso da denominação incompleta “Caixa da Chamusca”, a recorrente praticasse actos susceptíveis de criar confusão com empresas, estabelecimentos e serviços dos concorrentes, nomeadamente os da própria recorrida, e os de outras instituições de crédito, como as “caixas económicas” (quesito 7º); não provou que os prejuízos causados à recorrida se consubstanciariam no desvio de clientela potencial e nos danos causados à imagem e reputação da recorrida (quesito 9º), nem que pelo uso da expressão “Caixa da Chamusca” os consumidores são induzidos a pensar que os estabelecimentos da recorrente, nomeadamente os da Chamusca e os da Golegã, são agências da recorrida ou estão de algum modo relacionados com a recorrida (quesito 10º); e a matéria dos quesitos 18º e 19º, também alegada pela recorrida não mereceu senão as respostas restritivas que constam dos números 21) e 20) dos factos assentes.
Esta indigência probatória por parte da recorrida – sustenta a recorrente – devia conduzir a decisão oposta à proferida pelo acórdão recorrido, já que àquela cabia o ónus da prova dos factos que servem de fundamento aos pedidos que formulou. Todavia, ainda na tese da recorrente, o que a Relação fez foi fundamentar a sua decisão em pressupostos de facto que não se verificam nem se acham provados, a saber:
- que a recorrente utiliza a expressão “Caixa da Chamusca” sem qualquer outro elemento;
- que o uso da expressão “Caixa da Chamusca” é susceptível de criar confusão com a empresa, os estabelecimentos e serviços da recorrida, constituindo uma violação do direito exclusivo de marca CAIXA e constituindo, assim, um acto de concorrência desleal, tal como definido no art. 317º, al. a) do CPI;
- que a recorrida usa a expressão “Caixa” reiteradamente e com intensidade, e que é identificada por essa expressão pela quase totalidade da população nacional adulta.
E é por ter fundamentado a decisão recorrida em factos que não resultaram provados que, no dizer da recorrente, a Relação incorre no vício da apontada nulidade.
Como vimos, porém, não é certa a asserção da recorrente. A nulidade não tem essa configuração, e, portanto, não vicia o acórdão recorrido.

3.2. A segunda questão desenhada nas conclusões da alegação da recorrente envolve o sinal “Caixa” registado a favor da recorrida e que constitui o Registo de Marca Nacional n.º 00000– registo que, na tese da recorrente, é nulo.
E é nulo porque, sendo a marca constituída apenas pelo sinal nominativo “Caixa”, não tem este eficácia distintiva, não é idóneo para distinguir a origem do produto ou serviço a que se destina, não satisfazendo a função identificadora que está subjacente ao conceito de marca.
E as marcas desprovidas de qualquer carácter distintivo, bem como as constituídas, exclusivamente, por sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos locais e constantes de comércio (alíneas a) e d) do n.º 1 do art. 223º do CPI) são insusceptíveis de apropriação individualizada, pelo que não pode o nome “Caixa” ser apropriado pela recorrida CGD.
Ora, são nulos (al. a) do n.º 1 do art. 33º do CPI) os títulos de propriedade industrial quando o seu objecto for insusceptível de protecção.
Que dizer?
A marca é um sinal distintivo de produtos ou serviços, um sinal ou signo destinado a diferenciar ou individualizar produtos ou serviços, distinguindo-os de outros idênticos ou afins.
A marca – textua o n.º 1 do art. 222º do CPI (3). – pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
A primeira exigência legal é a de que a marca seja composta por um sinal susceptível de representação gráfica.
Logo a seguir, aponta a lei, como requisito da marca, a capacidade distintiva: a marca deve ser apta, por si mesma, a individualizar uma espécie de produtos ou serviços – ela serve para distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas. Um sinal, para ser protegido como marca, tem de possuir capacidade distintiva para assinalar determinados produtos ou serviços.
Esta capacidade distintiva, sendo um pressuposto essencial da função da marca, concretiza-se e garante-se, mas não se esgota, nas proibições expressamente consagradas na lei. As situações mais frequentes em que o sinal não dispõe de capacidade distintiva constam do n.º 1 do art. 223º.
Todavia, como refere LUIS M. COUTO GONÇALVES no parecer junto aos autos, quando se analisa a capacidade distintiva de uma marca, não pode deixar de ter-se em conta o efeito dinâmico que o uso reiterado possa, eventualmente, ter produzido na capacidade distintiva do sinal.
Um sinal originariamente sem capacidade distintiva pode adquirir um carácter distintivo pelo uso que dele foi feito. Fala-se, a este respeito de secondary meaning, querendo aludir-se ao particular fenómeno de conversão de um sinal originariamente privado de capacidade distintiva num sinal distintivo de produtos ou serviços, reconhecido como tal, no tráfico económico, através do seu significado secundário, por consequência do uso e de mutações semânticas ou simbólicas (4).
E este fenómeno pode ocorrer em duas situações distintas: antes do registo ou depois do registo, sendo que ambas estão contempladas na nossa lei. Com o CPI de 1995 “passou a ser possível, no momento do registo, aferir o uso de uma marca para justificar a aquisição da capacidade distintiva de um sinal de outra forma indistintivo, por descritivo ou usual”, solução que o Código de 2003 manteve (cfr. art. 238º/3); e este Código consagrou ainda, no seu art. 265º, n.º 2 – aproveitando a faculdade prevista no art. 3º, n.º 3 da Directiva Comunitária sobre Marcas n.º 89/104/CEE, de 21.12.88 – a relevância do secondary meaning para o efeito de impedir a declaração de nulidade do registo de uma marca constituída por um sinal que, embora desprovido de capacidade distintiva no momento em que foi registada, o adquiriu pelo uso que, entretanto, daquele foi feito.
O princípio do secondary meaning contempla os sinais desprovidos de qualquer carácter distintivo (art. 223º/1.a)), descritivos (idem, al. c)) e usuais (idem, al. d)) – cfr. n.º 2 do mesmo artigo, e ainda os arts. 238º/3 e 265º/2.
Postos estes princípios, avancemos para a sua aplicação ao caso concreto.
A marca nominativa “Caixa”, de cujo registo é titular a recorrida CGD, desde 07.10.2002, para serviços e negócios bancários, incluindo os serviços de crédito, serviços e negócios financeiros, é – como se refere no acórdão recorrido – composta por um vocábulo único comum, que é utilizado no dia-a-dia das pessoas para designar várias realidades.
Trata-se, inequivocamente, de um sinal nominativo susceptível de representação gráfica, que cabe no elenco de sinais contemplados no n.º 1 do art. 222º.
No que concerne à capacidade distintiva, importa, antes de mais, indagar se se trata de sinal integrado entre as excepções com assento no n.º 1 do art. 223º: se se trata de sinal genérico de produto ou serviço (al. a)), ou de sinal descritivo (al. c)), ou de sinal usual (al. d)).
Ora, como se demonstra no parecer junto aos autos, a cuja fundamentação também nesta parte aderimos, o vocábulo “Caixa” é uma palavra comum, podendo designar várias realidades, diversas entidades ou múltiplas actividades : instituições financeiras, cooperativas, assistência aos servidores do Estado, etc.
Será um sinal genérico do produto ou serviço?
Valendo-nos, mais uma vez, do autor que vimos seguindo, diremos que sinal genérico é o sinal nominativo que, no seu significado originário e próprio, designa exclusivamente o nome do género de produtos ou serviços marcados ou, ainda, o sinal, bi ou tridimensional, que representa unicamente a forma comum e ordinária do produto marcado; ou, noutra definição, esta reproduzindo a fórmula da jurisprudência americana, o sinal que designa o género de produtos ou serviços a que pertence, como uma das espécies, o produto ou serviço que se pretende diferenciar através de uma denominação.
Não se trata, assim, o vocábulo “Caixa”, de uma expressão genérica, porque não corresponde ao nome originário dos serviços bancários que visa distinguir.
E será um sinal descritivo do produto ou serviço?
O conceito de sinal descritivo não suscita divergências na doutrina nacional e estrangeira.
É normalmente a denominação que indica, exclusiva e directamente, a produção (espécie, lugar e tempo), qualidade, quantidade, destino, valor, ou qualquer outra característica do produto ou serviço – ou seja, o sinal cuja constituição se acomoda, exclusivamente, às características referidas na al. c) do n.º 1 do art. 223º.
Importa relevar este aspecto: a marca só é efectivamente descritiva se for exclusiva e directamente descritiva. Ela pode ser distintiva designadamente se, sendo composta por elementos descritivos e não descritivos, for distintivo o conjunto assim formado.
Voltando ao sinal “Caixa”, não se trata de um sinal descritivo porque não indica, directa, exclusiva e inequivocamente, os serviços bancários. Não cabe, pois, na excepção contemplada na al. c) citada.
Mas não estaremos perante um sinal ou indicação usual – recte, que se tornou usual na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio?
Podem configurar-se três espécies de sinais usuais:
1ª - Os sinais usuais verbais ou figurativos indicadores dos produtos ou serviços, de que costumam indicar-se, como exemplos clássicos, entre outros, Bica, Fino, Imperial (no caso de sinais verbais) e, no caso de sinais figurativos, as figuras da lebre para artigos de caça ou do peixe para artigos de pesca.
O caso em apreço não é recondutível a esta hipótese: a expressão “Caixa” não é um sinal nominativo que, pelo uso reiterado, se tenha tornado um sinal usual identificativo, exclusivamente, de serviços bancários. As pessoas não utilizam a dita expressão para se referirem aos Bancos em geral, como usam a expressão bica para se referirem ao café ou as expressões fino e imperial para aludirem à cerveja.
2ª - Os sinais usuais descritivos de características de produtos ou serviços
Seria, v.g., o caso – aponta o autor que vimos seguindo – das marcas figurativas descritivas de origem dos produtos: Chaminé do Algarve e Galo de Barcelos, ou das marcas Lights e Slims para tabaco, estas por se tratar de expressões usuais e correntes na linguagem e nos hábitos leais e constantes do comércio para descrever tipos de tabaco (leve, no 1º caso, e delgado, no 2º).
Ora, considerada isoladamente, a expressão “Caixa” é uma expressão comum, de significação vária, que designa várias actividades e realidades, não se tratando de um sinal – repete-se e sublinha-se, quando isoladamente considerada – que se haja tornado usual para descrever actividades relacionadas com a actividade bancária.
E é esta variedade significativa que faz do dito vocábulo um sinal nominativo registável, “porque não se pode afirmar que tenha uma utilização corrente para descrever uma, e só uma, realidade concreta e, no caso presente, para descrever, exclusivamente, a actividade bancária.”
3ª - Os sinais usuais banais esvaziados de conteúdo diferenciador e descritivo pelo uso generalizado e indiscriminado em relação a qualquer tipo de produto ou serviço.
Aqui se incluem expressões como “Super”, “Extra”, “Superfino”, etc.
São sinais que, pelo uso, perderam o originário significado descritivo: não servem para descrever produtos ou serviços, mas antes para os promover e publicitar.
Não é, manifestamente, o caso.
E, feito este excurso, estamos em condições de concluir que a expressão ou vocábulo “Caixa”, desacompanhada de outros elementos, tem capacidade distintiva, satisfazendo a função distintiva da marca exigida pelo n.º 1 do art. 222º, ao contrário do que sustenta a recorrente.
O registo da marca da recorrida não sofre, pois, de nulidade.
Mas ainda que fosse de concluir que, desacompanhada de outros elementos, se trata(va) originariamente de uma expressão usual na linguagem corrente, sem capacidade distintiva, nem por isso seria de considerar, no caso em apreço, que o registo da marca Caixa enferma do vício de nulidade.
Tal só sucederia se não fosse de relevar aqui o fenómeno, já acima caracterizado, que a doutrina designa por secondary meaning.
Trata-se, pois, de saber se a designação Caixa, pelo uso intenso que lhe tem sido dado, e como lhe tem sido dado, pela CGD, adquiriu ou não um segundo significado distintivo, um secondary meaning.
De saber, isto é, se em resultado desse uso, aquela designação – originariamente sem capacidade distintiva – se tornou num sinal distintivo de produtos ou serviços, reconhecido, como tal, no tráfico económico, pelos meios interessados, através do seu significado secundário.
E, continuando a seguir, de perto, o parecer junto aos autos, e considerando os factos notórios (já afirmados pela Relação, e que este Tribunal deve ter em conta, face ao disposto no art. 722º/2) que vão ser indicados, ou seja,
- que a CGD usa aquele vocábulo de forma reiterada e intensa há muitos anos;
- que a CGD é a maior instituição bancária nacional, conhecida pela generalidade da população, e que a expressão Caixa é utilizada, pela generalidade das pessoas adultas, referenciada à CGD;
- que a CGD tem feito investimentos frequentes, sérios e avultados na publicitação e promoção da sua marca Caixa; e
- que, na perspectiva da livre concorrência, não existe a necessidade de manter livremente disponível, de modo isolado e com finalidade distintiva, o sinal Caixa, para que todos os concorrentes da CGD no sector bancário o possam utilizar,
não é ilegítimo concluir que a CGD pode também invocar o secondary meaning “porque prova, por excesso, que o sinal Caixa atingiu, pelo seu prestígio, fiabilidade, quota de mercado relevante, investimento publicitário e ausência de dano concorrencial, um segundo significado distintivo directo e individualizado dos seus serviços, junto do público interessado”.
Vale, assim, concluir de tudo quanto vem de ser exposto, que o registo nacional n.º 357.311, constituído unicamente pelo sinal nominativo Caixa, efectuado a favor da recorrida CGD, não enferma do vício de nulidade que lhe imputa a recorrente.

3.3. Defende ainda a recorrente que, a não ser nulo o registo da marca em causa, ainda assim não teria a CGD o direito de se opor ao uso por terceiros, incluindo a própria recorrente, do termo “Caixa”. Funda-se no disposto no art. 260º.
Dispõe este preceito:
Os direitos conferidos pelo registo da marca não permitem ao seu titular impedir terceiros de usar, na sua actividade económica, desde que tal seja feito em conformidade com as normas e os usos honestos em matéria industrial e comercial:
a) O seu próprio nome e endereço;
b) Indicações relativas à espécie, à qualidade, à quantidade, ao destino, ao valor, à proveniência geográfica, à época e meio de produção do produto ou da prestação do serviço ou a outras características dos produtos ou serviços;
c) A marca, sempre que tal seja necessário para indicar o destino de um produto ou serviço, nomeadamente sob a forma de acessórios ou peças sobressalentes.
Mas não cremos que tal preceito valha à recorrente.
O direito à marca é um direito sobre um sinal, i.e., sobre um bem imaterial, cujo conteúdo é a exploração económica exclusiva desse sinal, com vista a distinguir a proveniência empresarial de determinado produto ou serviço. Objecto do direito não é o sinal a se, mas a relação entre esse sinal e os produtos ou serviços que visa assinalar.
O direito à marca é um direito exclusivo, oponível erga omnes, que reserva ao seu titular a utilização económica do correspondente bem imaterial.
Do carácter exclusivo do direito à marca emergem duas consequências: a primeira, a de que o seu titular se pode opor à sua utilização por terceiros; a segunda, a de que um terceiro não pode utilizar o sinal que constitua a marca de outrem de modo a lesar o correspondente direito.
Na verdade, de acordo com o preceituado no art. 258º, o registo de marca confere ao seu titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal igual, ou semelhante, em produtos ou serviços idênticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada, e que, em consequência da semelhança entre os sinais e da afinidade dos produtos ou serviços, possa causar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor.
Decorre deste normativo que a proibição de terceiro utilizar sinal igual ou semelhante, confundível com marca registada para produtos ou serviços idênticos ou afins se reporta apenas ao uso em actividade económica («no exercício de actividades económicas»).
Mas, como refere CARLOS OLAVO (5) , não parecendo correcto considerar que a lei reserve ao titular toda e qualquer utilização, em actividade económica, do sinal correspondente à marca – o que redundaria na concessão de um monopólio sobre esse sinal – também não será adequado considerar que o exclusivo do titular se reporta apenas e só à utilização do sinal enquanto marca, ou seja, enquanto sinal identificador de produtos ou serviços, com vista à indicação da sua proveniência.
Assim, para este autor, “o exclusivo do titular deve abranger todas as situações em que a utilização do sinal seja susceptível de afectar as funções da marca, maxime a sua função de indicação empresarial de produtos ou serviços.
Por isso, tem-se entendido que o exclusivo abrange qualquer utilização do sinal enquanto sinal distintivo de produtos ou serviços.”
E CARLOS OLAVO vai ainda mais longe, considerando que mesmo esse conceito pode revelar-se excessivamente restritivo, pois que o art. 258º reserva ao titular da marca o uso exclusivo do correspondente sinal enquanto referência para produtos ou serviços, seja qual for a modalidade que tal referência revista.
O que significa que qualquer uso de marca alheia por terceiro para referenciar os seus próprios produtos ou serviços, seja como sinal distintivo dos mesmos, seja a outro título, nomeadamente publicitário, afronta o exclusivo do titular da marca, constituindo acto ilícito.
E tal decorre, a contrario, do art. 260º, a que a recorrente se arrima. “Se uso da marca fosse apenas o “uso marcário”, este artigo seria, em bom rigor, inútil, uma vez que as utilizações nele previstas não se reconduzem à indicação da proveniência empresarial dos produtos ou serviços de terceiro.
Ademais, a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades também não favorece a pretensão das recorrentes.
De acordo com essa jurisprudência, o titular de uma marca registada pode proibir o uso, por terceiro não autorizado, de um sinal idêntico à sua marca, quando utilizado no âmbito de uma actividade de prestação de serviços idênticos ou afins, de tal modo que se possa estabelecer um nexo entre o sinal que constitui o nome comercial e os serviços por este prestados e, por esta forma, seja susceptível de prejudicar a função distintiva da marca.
Ora, como se refere no parecer aludido, o uso do nome Caixa da Chamusca, que se reporta, sem margem para dúvidas, à actividade exercida, atinge a função distintiva da marca “Caixa” pertencente à recorrida, que exerce uma actividade similar, para mais com um balcão existente na mesma rua, criando na mente do consumidor o risco de confusão quanto à origem dos serviços prestados, e inserindo-se, assim, no âmbito do art. 258º.

3.4. A recorrente aponta ainda um outro erro ao acórdão recorrido, consistente em tê-la condenado no pagamento de uma certa quantia diária (€ 500,00), a título de sanção pecuniária compulsória, tal como havia sido peticionado pela recorrida CGD, no seu articulado inicial.
Lidas as respectivas alegações, verifica-se que a recorrente sustenta que, mesmo que razões houvesse para lhe ser aplicada a sanção compulsória – o que contesta – sempre a quantia fixada seria manifestamente exagerada, não respeitando, por isso, o critério legal.
Vejamos, pois.
De acordo com o n.º 1 do art. 829º-A do Cód. Civil, a sanção pecuniária compulsória aplica-se “nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado (...)”.
Trata-se de um mecanismo coercitivo cujo campo de acção se acha limitado às obrigações de facere e de non facere cujo cumprimento exige a intervenção insubstituível do devedor, um processo subsidiário aplicável onde a execução específica não tenha lugar.
Como refere o Prof. CALVÃO DA SILVA, graças a esse mecanismo, ao constrangimento que ele exerce sobre a vontade do devedor rebelde, “o credor pode alimentar a esperança de obter a originária prestação infungível que lhe é devida – seja contratual ou extracontratual, autónoma ou não autónoma, patrimonial ou extrapatrimonial – sem ter de cingir-se e resignar-se à execução por equivalente (6).”
O fim da sanção pecuniária compulsória não é, pois, o de indemnizar os danos sofridos pelo credor com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, o de o determinar a realizar o cumprimento devido e no qual foi condenado, vencendo a resistência da sua oposição ou da sua inacção.
A sanção pecuniária compulsória só pode ser decretada pelo tribunal, a requerimento do lesado (credor), sem embargo da sanção pecuniária compulsória legal estabelecida no n.º4 do mesmo normativo – o adicional de juros de 5% nas obrigações pecuniárias.
Requerida que foi, no caso em apreço, para constranger a aqui recorrente ao cumprimento da obrigação de non facere em que acaba por ser condenada – a de se abster de usar e a cessar o uso da expressão CAIXA DA CHAMUSCA nos termos impetrados pela autora/recorrida na petição inicial – é seguro que o decretamento da sanção pecuniária compulsória não merece censura.
Quanto à quantia fixada:
O juiz goza de certa liberdade na fixação da sanção compulsória.
A ideia basilar a ter presente, nesta matéria, não pode deixar de ser a seguinte: o juiz deve, em função das «circunstâncias do caso» (n.º 1, in fine) e «segundo critérios de razoabilidade» (n.º 2), decretar uma sanção pecuniária compulsória que possa ser eficaz na consecução dos objectivos a que se acha colimada – levar o devedor a respeitar a injunção judicial e a cumprir a obrigação a que está adstrito(7)..
Ou seja: confia-se ao prudente arbítrio do julgador, ao seu espírito de equidade, ao seu bom senso, ao seu sentido de medida e de proporcionalidade, o mesmo é dizer, ao seu sentido de justiça, a determinação da sanção pecuniária compulsória adequada e eficaz.
E aqui, tal como resulta da lição de P. LIMA/A. VARELA, não podem deixar de ser consideradas as possibilidades económicas do devedor, com vista a calcular o quantum capaz de vencer a sua resistência a cumprir, mas sem deixar de ter em conta o valor do interesse do credor na prestação em dívida.
“É em sanções desta índole, que constituem um convite natural ao arbítrio do juiz, por nenhuma relação terem com o montante do prejuízo sofrido pelo credor, que mais importa o sentido de moderação do julgador” – advertem os dois ilustres mestres de Coimbra (8)..

À luz destes princípios, não se afigura excessiva a quantia fixada no acórdão recorrido, que acolheu, posto que sem grandes explicações – a não ser a de esse montante per diem é adequado e proporcionado por estarmos perante instituições financeiras – a proposta pela autora/recorrida.
Trata-se, na verdade, de uma soma que – ponderadas as possibilidades económicas e financeiras da recorrente e as vantagens e lucros que podem resultar do não cumprimento – é adequada e tem virtualidade para a pressionar eficazmente ao cumprimento, vencendo a sua eventual indiferença ou falta de diligência.
E é de ter em conta que, conferindo ao juiz total liberdade, de acordo com o indicado critério da razoabilidade, a lei se guardou de fixar limites mínimos e máximos, parâmetros dentro dos quais o julgador se deva mover, na determinação do valor da sanção.
Ademais, não deve olvidar-se que o próprio devedor tem um meio fácil de obstar às desfavoráveis consequências ligadas a eventuais excessos do prudente arbítrio do juiz: basta-lhe cumprir a obrigação a que se acha adstrito.
Deve, pois, manter-se, nos termos fixados no acórdão recorrido, a sanção pecuniária compulsória imposta à aqui recorrente.

4.

Face a tudo quanto vem de ser exposto, nega-se a revista.
Custas pela recorrente.

*
Lisboa, 10 de Setembro de 2009

Santos Bernardino (Relator)
Bettencourt de Faria
Pereira da Silva

_________________________

(1) - Dizemos presumivelmente porque a recorrente se guardou de indicar a alínea do n.º 1 do art. 668º que tinha em vista.
(2)A. VARELA et alteri, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 690.
(3) Pertencem ao CPI, aprovado pelo Dec-lei 36/2003, de 5 de Março, as normas citadas na exposição subsequente sem indicação do diploma em que se inserem.
(4) Autor citado, Direito de Marcas, 2ª ed., Almedina, 2003, pág. 98.
(5) Protecção Jurídica do Titular da Marca, na Revista do CEJ – 1º semestre 2006, n.º 4 – número especial, pág. 232.
(6) Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra 1987, pág. 450.
(7) Calvão da Silva, ob. cit., pág. 415.
(8) Código Civil Anotado, vol. II, 4ª ed., pág. 105.