Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
560/19.2PATVD.L1-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ERNESTO VAZ PEREIRA
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
IDENTIDADE DE FACTOS
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
INJÚRIA
QUEIXA
ACUSAÇÃO
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: VERIFICADA A OPOSIÇÃO DE JULGADOS
Sumário :
I. Constituem pressupostos formais da admissibilidade do Recurso para uniformização de jurisprudência, (i) legitimidade e interesse em agir do recorrente; (ii) tempestividade; (iii) invocação e identificação de um único acórdão fundamento, com junção de cópia; (iv) trânsito em julgado dos dois acórdãos de tribunais superiores conflituantes, ambos do STJ; ou ambos da Relação;, ou um da Relação, o recorrido, de que não seja admissível recurso ordinário e o outro, o fundamento, do STJ, salvo se a orientação perfilhada no recorrido da Relação estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo STJ; (v) justificação, de facto e de direito, da oposição.

II. Como pressupostos de natureza substancial identifica a jurisprudência os seguintes: (i) proferimento dos dois acórdãos, sob o domínio da mesma legislação 437, nº 3; (ii) as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito; 437, n-º 1; (iii) as decisões em oposição sejam expressas; (iv) as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico sejam idênticos em ambas as decisões.

III. Posição da Relação no acórdão recorrido a que, no para aqui pertinente, se pode dar este sumário:

Tendo sido o arguido acusado pela prática de crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152 do CP, com base em factos atentatórios da dignidade, da integridade física e da honra da ofendida, apesar de o arguido não ter sido condenado por falta de elementos típicos de tal crime, o arguido não pode ser condenado pela prática de crime de injúria, p e p. no artigo 181 do CP, pese embora se tenham dado como provados todos os seus elementos típicos, porque, mesmo tendo em conta que a ofendida, em tempo próprio, apresentou queixa, se constituiu assistente, acompanhou a acusação pública e persiste em vontade inequívoca de prosseguimento dos autos, falta a acusação particular. Falta essa que retira legitimidade ao ofendido e ao MP para prosseguirem a acusação num crime de natureza particular.

IV. No para aqui pertinente, poderíamos sumariar o resultado do acórdão fundamento da outra Relação no seguinte:

Tendo sido o arguido acusado pela prática de crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152º do CP, com base em múltiplos factos atentatórios da dignidade pessoal, da integridade física e da honra da ofendida, apesar de o arguido não ter sido condenado por falta de elementos típicos de tal crime, o arguido pode ser condenado pela prática de crime de injúria, uma vez que se deram como provados todos os seus elementos típicos e inexiste obstáculo processual a tanto dado que a ofendida, em tempo próprio, apresentou queixa, se constituiu assistente, acompanhou a acusação pública e persiste em vontade inequívoca de prosseguimento dos autos. O que, mesmo sem acusação particular deduzida, confere legitimidade ao ofendido e ao MP para prosseguirem a acusação num crime de natureza particular.

V. Recorrido e fundamento assentaram, pois, em soluções de direito opostas, no domínio da mesma legislação, sobre situação de facto idêntica. Com os idênticos factos e o mesmo direito aplicável decidiram contraditoriamente. Pelo que este Supremo terá de decidir, em termos de uniformização da jurisprudência, se, verificadas as supracitadas circunstâncias fácticas o direito aplicável impõe a exigência de acusação particular, a conferir legitimidade ao assistente e ao Ministério Público, para condenação do arguido pela prática de crime de injúria p. e p. no artigo 181, nº 1, do Código Penal; ou se a dispensa, mantendo-se a legitimidade do assistente e do MP, para condenação do arguido pela prática do mesmo crime.

Decisão Texto Integral:

Acordam os juízes da 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

I - RELATÓRIO

I.1. AA, Assistente nos autos à margem referenciados, não se conformando com o acórdão proferido em 13 de outubro de 2022 pela Relação de Lisboa, acórdão recorrido, do mesmo, em 28 de novembro de 2022, veio interpor recurso extraordinário para FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 437.º e seguintes do CPP. Traz como Acórdão fundamento o proferido em 25 de setembro de 2017, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do proc. n.º 505/15.9GAPTL.G1, publicado in www.dgsi.pt, ambos transitados em julgado.

I.2. A assistente apresentou as seguintes conclusões:

“1. A assistente recorre nos termos do n.º 2 do art. 437.ºe ss, do CPP e dá por integralmente reproduzida a motivação que antecede.

2. Existem decisões contraditórias, já transitadas em julgado, sobre a mesma questão de direito. O fundamento do recurso prende-se com a legitimidade do acusador em fazer prosseguir o procedimento criminal contra o arguido sob os crimes de injúria e difamação, quando o arguido venha acusado pela prática do crime de violência doméstica e a assistente não tenha deduzido acusação particular.

3. A manifestação da vontade da ofendida (assistente) de persecução da tutela penal dos direitos violados expressa pela dedução de queixa, constituição de assistente, acompanhamento da acusação pública e prestação de declarações em sede de audiência, é suficiente e adequada a assegurar a tutela dos interesses inerentes ao instituto da acusação particular.

4. Ora, no momento em que o Ministério Público deduziu a acusação pública, os factos integradores do crime de injúria e difamação foram englobados nessa acusação, porque os referidos crimes se encontram numa relação de especialidade com o crime de violência doméstica, verificando-se uma situação de concurso aparente de crimes que determinava perda de autonomia.

5. Assim, todos os factos passaram a ser tratados conjuntamente, como um único crime, ao qual seria abstratamente aplicável, verificados os respetivos pressupostos, a pena prevista para o crime de violência doméstica, que tem uma gravidade superior.

6. Pelo que se mostrava, desde logo, vedado ao titular da ação penal determinar a notificação a que se reporta o artigo 285º do CPP.

7. Pois com a constituição de assistente e a dedução, pelo mesmo, de acusação ou com a mera adesão à acusação do Ministério Público (artigo 284.º do CPP), no seio da qual se incluem as condutas lesivas da honra, se assegura a legitimidade deste último para a prossecução da ação penal.       

8. Em 25 de Setembro de 2017, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do proc. n.º 505/15.9GAPTL.G1, foi proferido acórdão que decidiu que tendo a ofendida se previamente constituído assistente e aderido integralmente à acusação pública pelo crime de violência doméstica, em que se continham também os factos que se vieram a provar consubstanciadores do crime particular, a esta nada mais lhe era processualmente exigível.

9. A questão de direito ali apreciada e transitada, ao que aqui interessa, prende-se com o facto não tendo o arguido sido condenado pela prática de um crime de violência doméstica, e estando provados comportamentos que consubstanciam a prática de um crime de injúria e difamação, poderia este ter sido condenado pela prática dos sobreditos crimes, não obstante a falta de dedução de acusação particular pela assistente.

10. Em nosso entender, como é bom de ver, existe manifesta identidade entre a situação e matéria apreciada no acórdão recorrido e a situação e matéria apreciada no acórdão fundamento.

11. Há identidade das situações de facto subjacentes nos dois acórdãos em conflito, sendo perfeitamente possível estabelecer uma comparação que permite concluir que relativamente à mesma questão de direito existe soluções opostas.

12. Entende assim a assistente ser a mais correta a posição defendida no acórdão fundamento, entendimento e jurisprudência que se afigura a mais adequada e proporcionada às situações descritas em ambas os processos, sendo a solução que “melhor se adequa ao espírito da lei, aos princípios em que a mesma se baseia e tem um mínimo de correspondência na sua letra, cfr. artigo 9.º do C. Civil.”

13. Assim, deverá ser uniformizada a jurisprudência nos termos expostos, com a fundamentação descrita e constante do Acórdão Fundamento.

Nestes termos e nos demais de direito, deverá o presente recurso obter provimento, e em consequência seguir a sua tramitação no sentido da resolução do conflito.”

I.3. Respondeu o MºPº e acabou a concluir que:

“Por conseguinte, sou de parecer que ao recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pela assistente AA deve ser dado provimento, julgando-o procedente e fixando-se jurisprudência no sentido da decisão proferida no acórdão fundamento.”

Porque “(…) se houve exercício do direito de queixa, se o ofendido se constituiu assistente e se aderiu à totalidade da acusação pública, estão reunidas as formalidades para assegurar a legitimidade do exercício da ação penal e a prossecução do procedimento criminal.

Pelo que, tendo-se provado factos constantes da acusação pública, à qual o assistente aderiu, e sendo estes, considerados individualmente (ou seja, estando provados os elementos objetivos e subjetivos do tipo), subsumíveis a crime de natureza particular, pode e deve o arguido ser condenado pela prática de tal ilícito criminal.”

I.4. Recebido, foi o processo com vista ao Ministério Público, em conformidade com o disposto no artigo 440º, nº 1, do CPP.

Em resumo, disse o Exmo PGA:

“Os factos são os mesmos;

Assim como essa mesmidade ocorre quanto ao Direito aplicado.

As soluções jurídicas são opostas.

Do que se extrai que há oposição de julgados, como pressuposto essencial (material) da previsão do recurso de fixação de jurisprudência.”

I.5.Efectuado o exame preliminar, o processo foi aos vistos e remetido à conferência, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 440.º do CPP.

Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1. Sob a epígrafe “fundamento do recurso” dispõe o artigo 437.º do CPP, no que tange à interposição de recurso extraordinário de fixação de jurisprudência:

«1 – Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.

2 – É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3 – Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

4 – Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.

5 – O recurso previsto nos n.ºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público».

E o artigo 438, sob epígrafe “interposição e efeito”, rege:

“1 - O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

2 - No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.

3 - O recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo.”

II.2. O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência tem por finalidade a obtenção de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça que fixe jurisprudência, “no interesse da unidade do direito”, resolvendo o conflito suscitado (art. 445.º, n.º 3, do CPP), relativamente à mesma questão de direito, quando existem dois acórdãos com soluções opostas, para situação de facto idêntica e no domínio da mesma legislação, assim favorecendo os princípios da segurança e previsibilidade das decisões judiciais e, ao mesmo tempo, promovendo a igualdade dos cidadãos. 

O que se compreende, até tendo em atenção, como se diz no ac. do STJ n.º 5/2006, publicado no DR I-A Série de 6.06.2006, que «A uniformização de jurisprudência tem subjacente o interesse público de obstar à flutuação da jurisprudência e, bem assim, contribuir para a certeza e estabilidade do direito.» Por isso se lhe atribui carácter normativo.

Como o STJ o tem vindo a reiterar a interposição do recurso para fixação de jurisprudência depende da verificação de pressupostos formais e de pressupostos materiais. (cfr acórdãos 23.02.2022, proc. n.º 31/19.7GAMDA-A.C1-A.S, de 23/02/2022, 4/19.0T9VNC.G1-A.S1, de 30/06/2021, proc. nº 9492/05.0TDLSB-J.S1, de 9.10.2013, proc. nº 272/03.9TASX, e de 8.7.2021, 41/17.9GCBRG-J.G1-B.S1  e de 08/07/2021, (Pleno), proc. 3/16.PBGMR-A.G1.S1, em www.dgsi.pt].

Constituem pressupostos formais da admissibilidade do Recurso para uniformização de jurisprudência,
(i) a legitimidade e interesse em agir do recorrente,
(ii) tempestividade
(iii) invocação e identificação de um único acórdão fundamento, com junção de cópia,
(iv) trânsito em julgado dos dois acórdãos de tribunais superiores conflituantes, ambos do STJ; ou ambos da Relação, ou um da Relação, o recorrido, de que não seja admissível recurso ordinário e o outro, o fundamento, do STJ, salvo se a orientação perfilhada no recorrido da Relação estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo STJ;
(v) justificação, de facto e de direito, da oposição 
 

Como pressupostos de natureza substancial identifica a jurisprudência os seguintes:
(i) proferimento dos dois acórdãos, sob o domínio da mesma legislação 437, nº 3;.
(ii) as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito; 437, n-º 1;
(iii) as decisões em oposição sejam expressas;
(iv) as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico sejam idênticos em ambas as decisões.

II -3. Da verificação dos pressupostos formais

Legitimidade e interesse em agir: A assistente recorrente tem legitimidade uma vez que se está perante decisão contra ela proferida, nos termos do artigo 401, nº 1, al. b), e 437, nº 5, do CPP. E tem interesse em agir, uma vez que sai beneficiado com a eventual reversão da decisão.

Tempestividade: Nos termos do art. 438.º, n.º 1, do CPP, o recurso para fixação de jurisprudência deve ser interposto no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido.

O acórdão recorrido foi proferido pelo tribunal da Relação de Lisboa em 13/10/2022, notificado ao MP por termo nos autos em 14/10/2022, e notificado aos mandatários das partes, via eletrónica, em 14/10/2022.

O presente recurso entrou em 28/11/2022, portanto dentro dos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado do mesmo.

O Acórdão fundamento, proferido em 25 de setembro de 2017, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do proc. n.º 505/15.9GAPTL.G1, publicado in www.dgsi.pt, também já se mostrava transitado em julgado.

Assim, o pressuposto da tempestividade mostra-se igualmente preenchido.

Invocação, identificação, cópia do acórdão fundamento (só um[1]) e indicação da sua publicação (art. 438, nº 2): Para oposição de julgados como acórdão fundamento[2] a Recorrente invocou o acórdão proferido em 25 de Setembro de 2017, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do proc. n.º 505/15.9GAPTL.G1, transitado em julgado e publicado no sítio da dgsi. E do mesmo juntou cópia.

Com o que preenchido está também este pressuposto de invocação de um único acórdão fundamento.

Trânsito em julgado dos dois acórdãos contraditórios de tribunais superiores: está em causa a contraditoriedade de dois acórdãos de duas Relações e os dois transitaram em julgado (arts 438, nº 1, e 437, nº 4).

Justificação da oposição, de facto e de direito (438, nº 2): A assistente recorrente explicita bem a oposição entre o decidido num e o decidido no outro. E, na concretização  das idênticas situações de facto e na comparação das opostas decisões de direito, resume-a assim: “se, não tendo o arguido sido condenado pela prática de um crime de violência doméstica e demonstrados comportamentos que poderiam enquadrar a prática de um crime de injúria e de difamação, poderia este ser condenado pela prática dos referidos crimes, não obstante a falta de dedução de acusação particular pela Assistente, tratando-se, assim, da mesma questão fundamental de direito.”

Verificado, pois, se mostra o pressuposto da justificação da oposição.

Não se conhece jurisprudência fixada pelo STJ na questão que suscitada vem[3].

E, assim, estão verificados todos os pressupostos formais de que depende a admissibilidade do recurso ordinário para fixação de jurisprudência.

 

II.4. Da verificação dos pressupostos substanciais:

Oposição de dois acórdãos de tribunais superiores tirados sob o domínio da mesma legislação (art. 437, nºs 1 e 2): A oposição tem de ocorrer entre dois acórdãos do STJ tirados em processos diferentes, ou um acórdão da Relação que não admite recurso ordinário e que não tenha decidido contra jurisprudência fixada e outro anterior de tribunal da mesma hierarquia ou do STJ.

Aqui estamos efetivamente na presença de dois acórdãos de diferentes tribunais superiores, o recorrido prolatado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o fundamento proferido pela Tribunal da Relação de Guimarães. A Recorrente descreveu a oposição e delimitou a visada uniformização.  

Os acórdãos em oposição foram proferidos no âmbito da mesma legislação, (437, nº 3) ou seja, durante o intervalo de tempo da sua prolação, não sobreveio modificação legislativa que interferisse, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida. No caso, não houve alteração legislativa nem no que concerne nem ao concurso de crimes, nem no que tange aos pressupostos de procedibilidade, queixa e acusação particular, nem no que toca à norma vigente sobre alteração substancial de factos. Concretizando, na convocação da normação aplicável, no intervalo entre a prolação dos dois acórdãos, não se alteraram, no para aqui pertinente, nem os artigos incriminadores, 152 e 188 do CP, nem os relativos ao pressuposto positivo de punição, artigos 113 e 117 do C.Penal, nem os artigos definidores da legitimidade processual penal, artigos 48 a 50 do CPP,  nem os artigos definidores dos termos da acusação pública ou da acusação particular, artigos 283 a 285 do CPP, nem os artigos reguladores do instituto da alteração substancial, ou não substancial, dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, artigos 358, 359 do CPP. As alterações sobrevindas ao artigo 152 do CP, no intervalo de prolação dos acórdãos, não alteram o que quer que seja de pertinente para o caso sub judicio. Nem a L. 44/2018, de 09/08, nem a L. 57/2021, de 16/08, alteram o abrangente tipo no que toca ao multímodo das acções delituosas que aí cabem. Idem para as alterações sobrevindas ao artigo 283 por via das Leis 33/2029, de 22/05, e 94/2021, de 21/12, que se mostram irrelevantes para este caso.  

Em proferição de decisões opostas (437, nº 1): In casu, as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos consagraram soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito, id est, ditaram “soluções opostas” na interpretação e aplicação das mesmas normas perante factos idênticos. É evidente a consagração de soluções opostas, no acórdão fundamento decidiu-se pelo preenchimento de todos os pressupostos substantivos e processuais para a condenação, dispensando.se o assistente de adicional dedução de acusação particular e acabando a condenar o arguido pela prática de crime particular de injúria; ao contrário o acórdão recorrido não condenou pela prática de crime de violência doméstica mas igualmente recusou-se a condenar pela prática de crime de injúria, pese embora reconhecendo o preenchimento factual do tipo, no objetivo e no subjetivo, recusa sustentada na inexistência de acusação particular pelo assistente por se estar perante crime de natureza particular.   

Decisões opostas e que expressas se mostram: No caso sub judicio a questão (de direito) em causas foi objeto de decisões expressas contraditórias e que se negam mutuamente, evidenciando claramente a oposição de julgados. (ac, STJ de 11/01/2017, 133/14.6T9VIS.C1-A.S1, de 30/06/2021, 9492/05.0TDLSB-J.S1)

As soluções opostas a partir de idêntica situação de facto mostram-se expressas, tendo, aliás, num caso e noutro merecido prévia enunciação e sequente atenção de estudo e de fundamentação em cada um dos arestos. Oposição de soluções que se refere à própria decisão e não aos seus fundamentos (ac. STJ 30.01.2020, proc. n.º 1288/18.6T8CTB.C1-A.S1,  ac. de 13.02.2013, Proc. 561/08.6PCOER-A.L1.S1).

 Ambos enunciaram e se debruçaram sobre a questão, com remissão até para outros acórdãos que igualmente já a haviam tratado.

E os dois expressamente, com base nos contraditórios entendimentos assim expressos decidiram de maneira oposta. Depois de claramente terem separado até a questão. O acórdão fundamento na enunciação das questões a decidir coloca em “D-” “A possibilidade de prosseguimento dos autos, em lugar do imputado crime de violência doméstica, quanto a um crime de injúria p. e p. pelo artigo 181º do C. Penal;” E o acórdão recorrido interroga-se igualmente, em termos subsidiários, sobre se “Não sendo o arguido condenado pelo crime de violência doméstica, deve ser condenado pela prática de crime de perseguição, previsto e punido pelo artigo 154-A, nº 1, do CPP; e o arguido não sendo condenado por um crime de perseguição, deve ser condenado por um crime de injúria e um crime de difamação previstos e punidos pelos artigos 181, nº 1, e 180, nº 1, do Código Penal;”

Identidade da questão de facto e da questão jurídica: A identidade das situações de facto e de enquadramento jurídico é evidente nos dois acórdãos em conflito, e, nessa comparação, logo se conclui que relativamente à mesma questão de direito existem soluções opostas. (acs do STJ de 03/11/2021, 36/21, 11/07/2019, 167/16, 08/07/2021, 3/16, 21.10.2021, proc. n.º 613/95).

A mesmidade da questão de facto é manifesta. Em ambos os casos o assistente apresenta queixa e se constitui assistente, e, depois de o MP deduzir acusação por factos integrantes de um crime de violência doméstica, em concurso aparente com um crime de injúria, acompanha a acusação pública. Em ambos os casos, soçobra a acusação pública por crime de violência doméstica e o arguido é absolvido da prática de tal ilícito. Num e noutro o tribunal dá como provados factos integrantes do tipo legal de crime de injúria.  Quer no fundamento quer no recorrido falece a acusação particular. Questão de facto idêntica mas que, como se viu, levou a decisões de direito contraditórias.  Sendo que a questão jurídica é idêntica, ou seja, tem a mesma incidência fáctico-normativa.

Para aferir da respetiva identidade de facto e de direito, elenquemos os factos e o direito pertinentes em cada um dos acórdãos:

No acórdão recorrido:

O arguido foi acusado da prática de um crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152, nº 1, al. b), do C. Penal. Na factualidade integrante da acusação cabia uma série de factos delituosos que atentavam contra a dignidade da pessoa, contra a sua integridade física e psíquica mas outrossim contra a honra da ofendida. Tal multitude de factos, face à relação de especialidade entre o crime de violência doméstica e o crime de injúria[4], redundou na acusação só pela prática de crime de violência doméstica.  

A ofendida (ora recorrente) em tempo próprio apresentou queixa, requereu a sua constituição e foi admitida como assistente; declarou aderir à acusação deduzida pelo Ministério Público.

Submetido o arguido a julgamento, foi proferida decisão (i) absolutória no tocante ao crime de violência doméstica e aos três crimes de ameaça agravada e (ii) condenatória no tocante ao crime de detenção de arma ilegal;

A assistente recorreu da decisão suscitando, para além de outras, a seguinte questão/pretensão:

(…)

“Não sendo o arguido condenado pelo crime de violência doméstica, deve ser condenado pela prática de um crime de perseguição, previsto e punido pelo artigo 154º-A nº 1 do Código Penal;

O arguido não sendo condenado por um crime de perseguição, deve ser condenado por um crime de injúria e um crime de difamação previstos e punidos pelos artigos 181.º nº1 e 180.º nº1, ambos do Código Penal;”

Em pretensão subsidiária, pretendia que, a não ter havido condenação por violência doméstica, por falta de preenchimento dos elementos típicos, o arguido fosse condenado pelo crime de injúria, cujos elementos típicos se mostravam verificados. E a tal, processualmente nada obstava, defendia.

Tanto na 1ª instância como na Relação se deram como provados factos reconhecidamente integrantes do ilícito penal de injúria. A 1ª instância absolveu no entendimento de que, na falta de acusação particular, falecia correspondentemente “legitimidade ao acusador para o procedimento criminal”.

Pelo que, via recursiva, a Relação se viu obrigada a enfrentar a questão de saber se não tendo sido o arguido condenada pela prática de crime de violência doméstica o deveria ter sido pela prática de crime de injúria, demonstrado que estava o preenchimento do tipo, tanto objetiva como subjetivamente. A Relação, na linha da primeira instância, respondeu negativamente. Afirmou que, apesar de a ofendida ter apresentado queixa, se ter constituído assistente e ter acompanhado a acusação pública, não tendo sido deduzida acusação particular pelo assistente, o arguido nunca poderia ser condenado. Fundamentou: “Nada processualmente impedia que a assistente tivesse acompanhado a acusação pública em relação ao crime de violência doméstica e, ao mesmo tempo, tivesse deduzido acusação particular, porquanto estas injúria e difamação já constavam da acusação e não eram os únicos factos constantes da mesa para preencher o tipo legal de violência doméstica.” E, “A omissão da assistente não pode ser suprida com o ignorar das normas processuais que sobre a mesma impendem, pois a isso obsta a exigência de um processo justo e equitativo. Em resumo, inexistindo acusação particular por parte da assistente em relação aos crimes de injúria e difamação, não pode o arguido ser condenado por tais crimes.” A Relação julgou, pois, que sem acusação particular deduzida nunca o arguido poderia ser condenado pela prática de crime de injúria, apesar de verificada a respetiva tipicidade.

Posição da Relação no acórdão recorrido a que, no para aqui pertinente, se pode dar este sumário:

Tendo sido o arguido acusado pela prática de crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152 do CP, com base em factos atentatórios da dignidade, da integridade física e da honra da ofendida, apesar de o arguido não ter sido condenado por falta de elementos típicos de tal crime, o arguido não pode ser condenado pela prática de crime de injúria, p e p. no artigo 181 do CP, pese embora se tenham dado como provados todos os seus elementos típicos, porque, mesmo tendo em conta que a ofendida, em tempo próprio, apresentou queixa, se constituiu assistente, acompanhou a acusação pública e persiste em vontade inequívoca de prosseguimento dos autos, falta a acusação particular. Falta essa que retira legitimidade ao ofendido e ao MP para prosseguirem a acusação num crime de natureza particular.

No acórdão fundamento:

O M.P., em processo comum e tribunal singular, na sequência de queixa da ofendida, deduziu acusação contra o arguido imputando-lhe a perpetração de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, 4 e 5 do CP.

No âmbito do processo a ofendida, em tempo próprio, requereu a sua constituição como assistente, o que foi deferido, e declarou aderir integralmente à acusação deduzida pelo M.P. pela prática de tal crime.

O arguido foi submetido a julgamento em primeira instância, em processo comum e perante tribunal singular, tendo a final sido proferida sentença, em 10 de maio de 2017, cujo dispositivo tem o seguinte teor:

“Por tudo o exposto, decide-se julgar a acusação do Ministério Público improcedente por não provada e, em consequência, absolve-se o arguido M. C., da prática do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CP que lhe vinha imputado.”

Apesar de ter considerado não verificada a factualidade integrante do crime de violência doméstica, a sentença deu como provados factos integrantes do tipo legal de injúria, p. e p. no artigo 181, nº 1, do CP.

Não se conformando com tal decisão absolutória, dela interpôs recurso a assistente pedindo o seu provimento e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser o arguido:

– condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal, de que vinha acusado e no pedido de indemnização civil;

– ou, caso assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese se concebe mas não concede, condenado pelo crime de injúrias, p. e p. pelo artigo 181.º do Código Penal.

Em sede de recurso, a não proceder a pretensão primeira, pretendia a assistente subsidiariamente que, na prova dos factos integrantes do crime de injúria, pelo menos o arguido deveria ter sido condenado por aí.

Objetivava a assistente (subsidiariamente) que, na impossibilidade de subsunção dos factos considerados provados na previsão do tipo legal de crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, nº 1 al. b) e nº 2 do C. Penal, os autos prosseguissem para condenação quanto a um crime de injúria p. e p. pelo artigo 181º, nº 1, do C. Penal, uma vez que a factualidade típica da injúria tinha sido dada como provada. E a tal nada obstava, defendia, porque todos os pressupostos legais procedimentais se verificavam já que tinha apresentado queixa, tinha-se constituído assistente, tinha acompanhado a acusação do MP e persistia na vontade inequívoca de prosseguimento dos autos.

O acórdão fundamento acaba a considerar que “os factos considerados provados não são suficientemente desvaliosos por forma a fazerem incorrer seu autor na perpetração do tipo legal de crime de violência doméstica, podendo antes integrarem a perpetração de um crime de menor densidade axiológica, como é o crime de injúria.”

E, descartando a condenação por crime de violência doméstica, coloca na mesa a possibilidade de prosseguimento dos autos quanto a um crime de injúria p. e p. pelo artigo 181º, nº 1, do C. Penal, acabando o acórdão fundamento por optar por aquilo que chama “terceira posição” jurisprudencial, que reconhece o cumprimento dos requisitos de legitimidade do ofendido (e do MºPº) no caso de aquele se ter previamente constituído como assistente e aderido à acusação pública pelo crime de violência doméstica — em que se continham também os factos que se vieram a provar, consubstanciadores do crime particular. Dispensando-se mesmo para o prosseguimento dos autos o cumprimento do preceituado nos artigos 358° ou 359° do C.P.P.

Na sequência, dando como provados os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime de injúria do artigo 181º, nº 1, do C. Penal, condenou o arguido pela prática de tal ilícito criminal.

Sustentou-o assim: “Na verdade, não tendo resultado provados, em julgamento, factos suscetíveis de integrar a perpetração de um crime de violência doméstica, o certo é que a ofendida, no tempo próprio, apresentou queixa, constituiu-se assistente e o M.P. deduziu acusação pela prática de um crime de violência doméstica, acusação esta que a assistente declarou acompanhar.”

A tese do acórdão fundamento, em sumário do próprio relator, é esta:

“I) As condutas previstas e punidas no artº 152º do CP, são de várias espécies: maus tratos físicos, ou seja, ofensas corporais simples, maus tratos psíquicos, isto é, humilhações, provocações, molestações, ameaças mesmo que não configuradas em si crime de ameaça.

II) Atualmente para a verificação do crime de violência doméstica e de maus tratos não se exige a reiteração de condutas, sendo suficiente a ocorrência de um único ato ofensivo de tal intensidade, ao nível do desvalor da ação e do resultado, que seja apto e bastante a lesar o bem jurídico protegido – mediante ofensa da saúde psíquica, emocional ou moral, de modo incompatível com a dignidade da pessoa humana.

III) No caso dos autos, os factos considerados provados não são suficientemente desvaliosos por forma a fazerem incorrer seu autor na perpetração do tipo legal de crime de violência doméstica, integrando antes a perpetração de um crime de menor densidade axiológica, como é o crime de injúria.

IV) Não tendo resultado provado, em julgamento, factos suscetíveis de integrar a perpetração de um crime de violência doméstica, o certo é que a ofendida, no tempo próprio, apresentou queixa, constituiu-se assistente e o M.P. deduziu acusação pela prática de um crime de violência doméstica, acusação esta que a assistente declarou acompanhar, pelo que a esta nada mais lhe era processualmente exigível.

V) O crime de injúria constituiu um minus relativamente ao imputado crime de violência doméstica cuja factualidade não se demonstrou em julgamento, pelo que não existe nenhum elemento de surpresa que justifique a atribuição ao arguido de uma maior amplitude de defesa caso se provem, como foi o caso, apenas factos já constantes da acusação suscetíveis de integrar um crime de injúria. E, nessa medida, não há lugar ao cumprimento do disposto no artigo 358º, nº 3 do C.P.Penal.”

Em resumo, vindo o arguido acusado de prática de um crime de violência doméstica na multitude de actos que o integram, se vier a ser absolvido da prática de tal crime, mas se se derem como provados factos integrantes de crime de injúria p e p no artigo 181, nº 1, do CP, crime de natureza particular, nada obsta ao prosseguimento dos autos com a condenação do arguido pelo crime de injúria, desde que o assistente, em tempo próprio, tenha apresentado queixa, se tenha constituído assistente e tenha acompanhado aquela acusação pública e persista em vontade inequívoca de prosseguimento do processo.    

No para aqui pertinente, poderíamos sumariar o resultado do acórdão fundamento no seguinte:

Tendo sido o arguido acusado pela prática de crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152º do CP, com base em múltiplos factos atentatórios da dignidade pessoal, da integridade física e da honra da ofendida, apesar de o arguido não ter sido condenado por falta de elementos típicos de tal crime, o arguido pode ser condenado pela prática de crime de injúria, uma vez que se deram como provados todos os seus elementos típicos e inexiste obstáculo processual a tanto dado que a ofendida, em tempo próprio, apresentou queixa, se constituiu assistente, acompanhou a acusação pública e persiste em vontade inequívoca de prosseguimento dos autos. O que, mesmo sem acusação particular deduzida, confere legitimidade ao ofendido e ao MP para prosseguirem a acusação num crime de natureza particular.

II.5. Temos assim o confronto e o contraditório dos dois acórdãos materializados na exigência ou inexigência da acusação particular, como pressuposto positivo de punição pela prática do crime de injúria p. e p. no artigo 181 do C. Penal.  

Posição do acórdão recorrido: Absolvido o arguido da acusação de violência doméstica, apesar da prova da factualidade integrante do crime contra a honra, da queixa apresentada, da constituição de assistente e da vontade inequívoca de prosseguimento dos autos, o recorrido dá aí por findo o processo por falecendo a acusação particular, pressuposto positivo da punição, faltar legitimidade ao assistente e ao MP, dada a natureza particular do crime de injúria.

Posição do acórdão fundamento: Já o acórdão fundamento, na prova da factualidade integrante do crime de injúria, dispensa a acusação particular e ancorando-se na apresentação da queixa, na constituição de assistente, no acompanhamento da acusação pública pelo assistente, na persistência da vontade de prosseguimento dos autos pelo assistente e na inexistência de afronta aos direitos de defesa do arguido, aceita o prosseguimento dos autos no que toca ao tal minus de factos.   

Recorrido e fundamento assentaram, pois, em soluções de direito opostas, no domínio da mesma legislação, sobre situação de facto idêntica. Com os idênticos factos e o mesmo direito aplicável decidiram contraditoriamente. Pelo que este Supremo terá de decidir, em termos de uniformização da jurisprudência, se, verificadas as supracitadas circunstâncias fácticas o direito aplicável impõe a exigência de acusação particular, a conferir legitimidade ao assistente e ao Ministério Público, para condenação do arguido pela prática de crime de injúria p. e p. no artigo 181, nº 1, do Código Penal; ou se a dispensa, mantendo-se a legitimidade do assistente e do MP, para condenação do arguido pela prática do mesmo crime.

Nestes termos, concluindo-se pela verificação de todos os requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário de jurisprudência deve o presente recurso prosseguir, nos termos do artigo 441, nº 1, in fine, do CPP.

III - DECISÃO

Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, 3.ª Secção, acorda em julgar verificada a oposição de julgados e, em conformidade, ordenar o prosseguimento do recurso, nos termos do artigo 441, nº 1, in fine, do CPP.

Sem custas.

STJ, 10 de janeiro de 2023

Ernesto Vaz Pereira (Relator)

Lopes da Mota (1º Adjunto)

Conceição Gomes (2ª Adjunta)

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[1] É jurisprudência do STJ, na decorrência da literalidade do artigo 438, nº 2, do CPP, que a invocação de mais do que um acórdão fundamento implica a liminar rejeição do recurso – acs de 09/10/2013, proc. nº 272/03.9TASX, de 30-10-2019, proc n.º 2701/11.9T3SNT.L1-A.S1, de 12/10/2022, 2113/21.6T9AVR-A.P1-A.S1 17-06-2021, proc. n.º 701/16.1T9MTJ.L1-A.S1, entre muitos outros. Na doutrina, v. “Recursos em Processo Penal”, Simas Santos e Leal Henriques, 6ª edição, e “Código de Processo Penal Comentado”, 2022, Henriques Gaspar et alii, in nota ao artigo 437.
[2] A oposição de julgados terá de manifestar-se entre dois acórdãos. Não serve este recurso extraordinário para dirimir oposição entre acórdão e decisão sumária, por exemplo.
[3] O ac. de 30/06/2021, proc. nº 9492/05.0TDLSB-J.S1, assinala como fazendo parte do “pressuposto substancial” que “a vexata quaestio não tenha sido objeto de anterior fixação de jurisprudência.”
[4] Para maiores desenvolvimentos, v. “Comentário do Código Penal”, 4ª edição, Pinto de Albuquerque, em nota ao artigo 152.