Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
842/17.8T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
CULPA IN CONTRAHENDO
NEXO DE CAUSALIDADE
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 12/06/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Na intermediação financeira, para além dos deveres de informação derivados do princípio geral da boa-fé, o legislador (CVM) consagrou deveres específicos de informação, atenta a natureza da actividade, sobretudo no caso de um investidor não qualificado, porque a lei exige uma declaração livre e esclarecida, sendo que o dever específico de informação incide também sobre o risco do próprio produto financeiro (princípio da transparência e da protecção do investidor).

II - Responde civilmente o Banco, intermediário financeiro, por violação dos deveres de informação, ao propor a subscrição de um produto financeiro, assegurando tratar-se de capital garantido, em tudo igual a um depósito a prazo, levando a que o cliente ( investidor não qualificado) anuísse à aplicação nesse pressuposto, sem que tivesse sido previamente informado qual o tipo de produto e a natureza da obrigação, nomeadamente em que consistiam as obrigações subordinadas e as respectivas consequências.

III - Cabe no âmbito da responsabilidade pré-contratual tanto a violação culposa dos deveres específicos de informação aquando da celebração do contrato de intermediação financeira, como as situações de indução negligente em erro através do fornecimento de informações inexactas.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I - RELATÓRIO


1.1.- A Autora AA BB, instaurou acção declarativa, com processo comum, contra, a Ré - BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A.

Alegou, em resumo:

A A. era cliente do R. (BPN), na sua agência de ..., com a conta à ordem nº ...01, onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efectuava poupanças;

O gerente do Banco Réu da agência de ..., em 11 de

Outubro de 2004, disse à A., que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada.

O dito funcionário do Banco Réu sabia que a A. não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente. E que por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, sendo que até essa data, sempre o aplicou em  depósitos a prazo.

Sucede que o seu dinheiro – 50.000,00€, viria a ser colocado em obrigações SLN Rendimento Mais 2004, sem que a A. soubesse em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa.

De todo o modo, e o que motivou a autorização, por parte da A., foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias.

A verdade é que a A., actuou convicta de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco. Se a A. tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN Rendimento Mais 2004, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria, pois nunca foi intenção sua investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu

O Réu sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia  de um depósito a prazo.

Em Maio de 2015, data o Banco Réu deixou de pagar os juros respectivos, imputando aa responsabilidade pelo pagamento à SLN, entidade que a A. nem sabia existir.

Sendo certo que, como se referiu, nem sequer foi informada sobre a compra das obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004.

E nunca o gerente ou funcionários do R., nem ninguém, leu ou explicou à A. o que eram obrigações, em concreto, o que eram obrigações SLN Rendimento Mais Pelo que sendo nulas as cláusulas principais e essenciais, é nulo todo o negócio, nos termos dos artigos 5º e seguintes do DL. 446/85 de 15/10, o que

expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.

Na data de vencimento contratada, o R. não lhe restituiu o montante que a A. lhe confiou, na agência do R. lhe diziam que era melhor esperar até à maturidade das obrigações. Também não tem cumprido o pagamento dos juros acordados, uma vez que contrataram uma taxa de 4,5% ao ano ilíquida e foram pagos juros na ordem de 1%, desde Maio de 2009 e até Maio de 2015.

Assim, deve o Réu ser condenado a pagar à A. imediatamente o capital de €50.000,00 e os juros legais desde a mora até efectivo e integral pagamento, e, que,neste momento – 05/06/2017, ascendem ao montante de 7.000,00€, o que perfaz o total de 57.000,00€, acrescido dos juros vincendos sobre essa quantia desde a citação até efectivo e integral pagamento;

A A., por efeito do incumprimento do Réu, quanto à garantia de capital e juros que tinha dado para data certa, ficou impedida de usar o seu dinheiro como bem entendesse. Além disso, com a sua actuação, o Réu colocou a A. num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver, ou de não saber quando ia reaver o seu dinheiro.

Devendo tal dano não patrimonial ser indemnizado num mínimo de € 3.000,00.

Concluiu com os seguintes pedidos:

a) Ser o Réu condenado a pagar à A. o capital e juros vencidos e garantidos que, nesta data, perfazem a quantia de 57.000,00€, bem como os juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento;

Ou assim não se entendendo:

b) Ser declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado os 50.000,00€ que a A. entregou ao R., em obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004;

c) Ser declarado ineficaz em relação à A. a aplicação que o R. tenha feito desses montantes;

d) Condenar-se o R. a restituir à A. 57.000,00€ que ainda não recebeu dos montantes que entregou ao R. e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento;

E, sempre,

Ser o R. condenado a pagar à A. a quantia de €3.000,00, a título de dano não patrimonial;


O Banco Réu contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação.


1.2.-Realizada audiência de julgamento, foi proferida (22/3/2019) sentença que decidiu

“Julga-se a presente acção procedente por provada e condena-se o Banco Réu a pagar à Autora a quantia a fixar em execução de sentença que corresponde ao investimento de € 50.000,00 menos o valor de juros recebidos pela Autora enquanto rendimento daquela aplicação financeira, absolvendo-se o Ré do demais peticionado”.


1.3.- O Réu recorreu de apelação e a Relação do Porto, por acórdão de 10/10/2019, confirmou, sem voto de vencido, a sentença:

“Pelo exposto o tribunal, não alterando a matéria de facto, julga a presente apelação improcedente por não provada e por via disso confirma a sentença recorrida.

Custas da apelação a cargo da apelante (…)”.


1.4. O Banco Réu recorreu de revista excepcional, que foi admitida, com as seguintes conclusões

1) O douto acórdão da Relação do Porto violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L.69/2004 de25/02 e daDirectiva2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2) A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado à Autora (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, configura a prestação de uma informação falsa.

3) Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4) Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado à A., sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso…

5) O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente, ou seja, corresponde ao chamado risco geral de incumprimento.

6) A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se a todos, os contratos!

7) A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

8) A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

9) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

10) O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo sua obrigação assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

11) A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

12) O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

13) No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pela Autora, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança. Apesar de a Autora não ser investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

14) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

15) A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

16) O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E. São estes e apenas estes os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

17) O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa.

18) Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ouavaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

19) Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

20) O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

21) Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida à A. e o acto de subscrição.

22) No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

23) Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei.

24) Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso a A. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato.

25) A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

26) O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

27) O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético). Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações e que é essa causa do seu dano.

28) Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

29) E nada disto foi feito. A origem do dano da A. reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio.

30) Não se vislumbra que o R. pudesse ter qualquer interesse real, directo e objectivo próprio no cumprimento dessa obrigação pois, apesar de integrar o mesmo grupo, a aportação de capitais à SLN em nada beneficiava o Réu Banco, sendo antes e apenas útil à cadeia hierárquica societária que estava a montante daquela.

31) Tratando-se de uma fiança, estaria a mesma sujeita à mesma forma exigida para a obrigação principal, nos termos do art. 628º do C.C. A garantia a, para ser válida, teria necessariamente que constar do documento de subscrição. Não constando, mais não resta do que concluir que a mesma é NULA, nos termos do art. 220º do C.C.

32) Não foi feita a prova de que a declaração em causa - capital garantido - não fosse mais do que uma mera caracterização do produto - que até era! Falta, em suma, a prova de que o Banco, ou o seu funcionário em seu nome, se queria vincular a uma obrigação jurídica.

33) Não havendo declaração negocial, bem ou mal emitida, não pode haver obrigação jurídica - seja ela qualquer for - de fonte contratual, pelo que não pode, em qualquer circunstância, entender-se que o Banco assumiu uma obrigação de reembolso ou que a afiançou.


A Autora contra-alegou no sentido da improcedência do recurso.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1.- Delimitação do objecto do recurso

As questões submetidas a revista são as seguintes:

A intermediação financeira e a responsabilidade civil do Banco – a ilicitude, por a violação dos deveres de informação;

O nexo de causalidade.

2.2. Os factos provados

1.A A. era cliente do R. (BPN), na sua agência de ..., com a conta à ordem nº ...01, onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efectuava poupanças;

2. O gerente do Banco Réu da agência de ..., em 11 de Outubro de 2004, disse à A., que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada.

3. O dito funcionário do Banco Réu sabia que a A. tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro

4. O dinheiro da Autora – 50.000,00€, viria a ser colocado em obrigações SLN Rendimento Mais 2004, sem que a A. soubesse em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa.

5. O que motivou a autorização, por parte da A., foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias.

6. A A., actuou convicta de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco.

7. Caso a A. tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN Rendimento Mais 2004, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria.

8. A A. sempre esteve convencida que o Réu lhe restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.

9.Os juros da aplicação em causa, cujos juros foram sendo semestralmente pagos.

10. E que manteve até Maio de 2015, data em que o Banco Réu deixou de pagar os juros respectivos.

11. Nunca o gerente ou funcionários do R., nem ninguém, leu ou explicou à A. o que eram obrigações, em concreto, o que eram obrigações SLN Rendimento Mais 2004.

12. Nunca foi fornecido à Autora a cópia do documento relativo à aquisição de tais obrigações SLN Rendimento Mais 2004.

13. Nunca qualquer contrato lhe foi lido nem explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN, nem que contivesse prazos de resolução unilateral pela A.; e nem nunca conheceu a A. qualquer título demonstrativo de que possuía obrigações SLN, não lhe tendo sido entregue documento correspondente.

14. Na data de vencimento contratada, o R. não lhe restituiu o montante que a A. lhe confiou, na agência do R. lhe diziam que era melhor esperar até à maturidade das obrigações;

2.3. – Os factos não provados

1. O Banco não tem cumprido o pagamento dos juros acordados, uma vez que contrataram uma taxa de 4,5% ao ano ilíquida e foram pagos juros na ordem de 1%, desde Maio de 2009 e até Maio de 2015

2. Com a sua actuação, o Réu colocou a A. num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver, ou de não saber quando ia reaver o seu dinheiro;

3. A Autora foi informada que as obrigações eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu – a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.

4. A Autora foi informada que a única forma que tinha do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a uma terceiro interessado mediante endosso.

2.4. A responsabilidade civil do Banco e o contrato de intermediação financeira – violação do dever de informação (ilicitude) e nexo de causalidade.

Problematiza-se no recurso a responsabilidade civil do Banco, intermediário financeiro, nomeadamente por violação dos deveres de informação.

A sentença recorrida, após enquadramento jurídico, julgou a acção parcialmente procedente, relegando para incidente posterior a determinação do valor dos danos patrimoniais e a Relação confirmou a decisão.

Os contratos de intermediação financeira são negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de serviços de intermediação financeira e estão regulados no Código de Valores Mobiliários (CVM ) ( aprovado pelo DL nº 486/99 de 13/11).

Uma vez que o contrato foi celebrado em Outubro de 2004, aplica-se o regime legal então vigente, ou seja, antes das alterações introduzidas pela Lei nº104/2017 de 30/8, que transpôs parcialmente a Diretiva 2014/91/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23/7/2014, sendo de realçar, pela especial relevância no caso, que a Autora se integra na categoria de investidores não qualificados ( art.30).

Como qualquer negócio, também o contrato de intermediação assenta numa declaração de vontade negocial que se revela como um fenómeno ambivalente: enquanto acto de comunicação e enquanto acto determinativo ou normativo. Ora, este fenómeno reflecte-se também no problema da interpretação, tanto assim que o acto de comunicação, destinado a ser conhecido e entendido pelo declaratário, provoca nele a correspectiva confiança, pelo que a declaração de vontade há-de responsabilizar o declarante por esta confiança, dentro da “ordem envolvente da interacção negocial”, ou seja a critérios normativos de razoabilidade e de boa-fé, com uma função integrativa e reguladora das condutas dos contraentes.

E na medida em que o acto comunicativo se torna juridicamente vinculante, a interpretação negocial não pode deixar de ser sistémica, convocando os princípios, como o da justiça contratual, da boa fé, da segurança, do equilíbrio das prestações.

Na fenomenologia dos contratos, a intersubjectividade vinculante ultrapassa o processo formativo, pois tratando-se de um negócio jurídico bilateral, rectius, um contrato sinalagmático, dele emergem direitos e deveres consubstanciados numa relação jurídica complexa. De tal forma que o direito positivo assevera que todo o negócio jurídico deve ser pontualmente cumprido e no cumprimento das obrigações como no exercício do direito correspondente devem as partes proceder de boa-fé ( arts.406 nº1 e 762 nº2 do CC ).

Sobre a culpa na formação dos contratos, a lei estabelece que quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato, tanto nos preliminares como na formação dele, deve proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos causados à outra parte (art. 227, nº 1 do CC ).

E agir de boa fé é fazê-lo com a lealdade, correcção, diligência e lisura dentro de um padrão de conduta exigível, abrangendo o comportamento integral, segundo o critério da reciprocidade, ou seja, por via de comportamento devido e esperado às partes nas relações jurídicas envolvidas, e a celebração do contrato ou a sua anulação (ou resolução), ou também a sua ineficácia, não afastam o espectro normativo do art. 227 do CC, a qual é aplicável tanto no caso de se interromperem as negociações, como no de o contrato chegar mesmo a consumar-se ( cf., por ex., Eva Sónia da Silva, Da Responsabilidade Pré-Contratual por Violação dos Deveres de Informação, pág.30; Ana Prata, Notas Sobre Responsabilidade Pré-Contratual, pág.36 e segs.).

Sobre as partes impendem, entre outros, os deveres de comunicação, informação e esclarecimento que abrangem, por um lado, a viabilidade da celebração do contrato e os obstáculos a ela previsíveis, e por outro, os elementos negociais e a própria viabilidade jurídica do contrato projectado. Para que exista o dever de informação é necessário que se verifiquem os seguintes pressupostos: a essencialidade da informação, assimetria informacional e a necessidade de protecção da parte não informada, a exigibilidade da transmissão da informação.

Por isso, tanto a doutrina, como a jurisprudência, vêm sustentando que a violação desses deveres de informação e esclarecimento de todos os elementos com relevo directo ou indirecto para o conhecimento da temática do contrato servem de fundamento para a responsabilidade pré-contratual.

Neste sentido, para Sinde Monteiro, “de entre os grupos de casos de responsabilidade por culpa na formação dos contratos, conta-se o da celebração de um contrato não correspondente às expectativas, devido ao fornecimento pelo parceiro negocial de informações erradas ou à omissão de esclarecimento devido” ( Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, págs. 47, 358, 360 ).

E mesmo nas situações de indução negligente em erro, ou seja, no erro provocado negligentemente pela contraparte através do fornecimento de informações inexactas cabe no âmbito da responsabilidade pré-contratual e corresponde obrigação de indemnização ( cf., por ex., Paulo Mota Pinto, “Falta e Vícios da Vontade – O Código Civil e os regimes mais recentes “, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, vol.III, pág.485), Eva Sónia da Silva, As Relações entre a Responsabilidade Pré-contratual por informações e os vícios da vontade ( erro e dolo), o caso da indução negligente em erro, pág.301 e segs.).

Na intermediação financeira, para além dos deveres de informação decorrentes do princípio geral da boa fé, o legislador ( CVM ) consagrou deveres específicos de informação, atenta a natureza da actividade, que inclui “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada” ( art. 312 ), nomeadamente as informações respeitantes aos instrumentos financeiros e aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar (art. 312.º, als. a), b) ) devendo-o fazer de forma completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7) para que a informação possa ser compreendida pelo destinatário médio.

Os deveres de informação do intermediário financeiro costumam ser divididos em dois grandes grupos: os deveres de informação pré-contratual e os deveres de informação contratual.

Os primeiros estão regulados nos arts. 312.º e segs. do CVM e visam com que o cliente investidor a tomar uma decisão esclarecida e fundamentada sobre os seus projectos de investimento, como também criar o clima de confiança e segurança necessários para o mercado de capitais prosperar.

Os segundos encontram-se previstos nos arts. 323 e segs. do CVM e incidem principalmente sobre os deveres de informação nas operações de execução de ordens e sobre os resultados das operações.

Este dever de informação deve adequar-se ao tipo de investidor, assumindo um conteúdo elástico, nomeadamente em função do maior ou menor grau de conhecimentos e de experiência do cliente, enfim, da sua literacia financeira, e este particular dever de informação por parte do intermediário financeiro visa, antes de mais, a tutela da autodeterminação por parte do investidor (princípio da transparência e da protecção dos investidores). Compreende-se, por isso, a importância da informação, sobretudo no caso de um investidor não qualificado, porque a lei exige uma declaração livre e esclarecida, sendo que, nestes casos, o dever de informação incide sobre o risco do próprio produto financeiro, ou seja, “a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto” ( cf., por ex., Ac STJ de 10/1/2013 ( proc. nº 89/10),  Ac STJ de 10/4/2018 ( proc. nº 753/16), em www dgsi.pt.).

Perante a divergência jurisprudencial sobre as questões do ónus da prova quanto aos deveres de informação e ao nexo de causalidade, o Supremo Tribunal de Justiça em recurso de Uniformização (Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A)  proferiu o AUJ nº 8/2022 , publicado no DR nº 212/2022, Série I de 3/11/2022) e fixou a seguinte orientação:

“1 - No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2 - Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4 - Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”

Na situação dos autos comprovou-se que o Banco assegurou à Autora que o produto financeiro proposto era de capital garantido, ou seja, sem qualquer risco, pois foi nesse pressuposto que a Autora anuiu à aplicação financeira ( obrigações SLN Rendimento Mais 2004) no valor de € 50.000,00. E provou-se que, não obstante o perfil conservador da Autora, o Banco não informou sequer qual era o tipo de produto, que obrigações e implicações, informado trata-se de um produto de capital garantido, sem qualquer risco.

Nunca o gerente ou funcionários do R., nem ninguém, leu ou explicou à A. o que eram obrigações, em concreto, o que eram obrigações SLN Rendimento Mais 2004, nem lhe foi fornecida a cópia do documento relativo à aquisição de tais obrigações SLN Rendimento Mais 2004.

Justificou-se no acórdão – “No caso concreto e face aos factos provados é seguro e evidente que: O teor da pouca informação prestada era erróneo, inverídico e dolosamente não rigoroso (basta a expressão capital garantido e aplicação como deposito bancário);Logo, inadequado para a ré fundar a sua decisão de contratar esse concreto produto. E globalmente inadequado para salvaguardar os interesses patrimoniais dessa cliente”.

Sendo assim, é evidente a violação do dever de informação, o que implica a responsabilidade civil, nos termos do art.314 CVM, consistindo a ilicitude precisamente na violação do dever legal de informação ( informação deficiente) ou seja, na desconformidade entre a conduta devida ( imposta nos arts.7 e 312 CVM) e a actuação do Banco, sendo a culpa presumida, que o Banco não ilidiu, demonstrando-se haver actuado até com culpa grave, pois que sabendo do perfil conservador da Autora  e de que nem sequer pretendia aplicar o dinheiro em produto de risco, não lhe foi explicado em que consistiam as obrigações e muito menos obrigações subordinadas.

Neste sentido, a título de ilustração, por exemplo:

Ac STJ de 26/3/2019 (proc. nº 259/17), em www dgsi.pt – “Considerando o âmbito funcional dos deveres de informação (completa, verdadeira, actual, clara e objectiva) que impendem sobre o intermediário financeiro, determinado pelo grau de conhecimentos e experiência do seu cliente – no caso, um investidor conservador e que, afinal, actuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação com as características de um depósito a prazo, sendo, portanto, não familiarizado com o produto financeiro (obrigação subordinada) em causa –, não cumpre tais deveres o banco que, naquela qualidade, fez crer a este que o capital que lhe propôs investir no produto poderia ser recuperado com rapidez e, sobretudo, que era garantido pelo próprio banco e como um depósito a prazo”.

Ac STJ de 9/11/2022 ( proc nº 1965/18), em www dgsi - “Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.°, n.º 1, do CVM”.

Ac STJ de 10/11/2022 (proc nº 7745/17), em www dgsi. - “Vindo provado que os AA. subscreveram obrigações subordinadas SLB apenas porque o funcionário do “BPN”, garantiu ao Autor que aplicava o seu capital e, na data do vencimento, receberia o mesmo, acrescido dos respetivos juros, contabilizados à taxa acordada, assegurando  que o “BPN” garantia o capital e os juros, nos mesmos termos que qualquer depósito a prazo, e que só com esta garantia o Autor aceitou a aplicação proposta, existindo uma confiança tal dos Autores no seu gestor de conta era de tal modo forte, que o Autor marido “subscreveu” o produto financeiro sem ter lido o documento que assinou, e completamente convencido, porque tal lhe foi assegurado pelo “BPN”, que estaria a efetuar a subscrição de um produto financeiro em tudo equiparado a um depósito a prazo a 10 anos, estando o capital investido garantido pelo “BPN”, há ilicitude na prestação da informação relativa ao produto financeiro(…)”.

Por outro lado, a responsabilidade do Banco poderia ainda ser enquadrada no âmbito da chamada “responsabilidade pela confiança”.

Entre as duas modalidades clássicas de responsabilidade – obrigacional/ delitual -, existe um espaço para situações de responsabilidade que não se enquadram neste sistema dualista. É aqui que entra a chamada “responsabilidade pela confiança”, como “terceira via”, desenvolvida por determinado sector da doutrina alemã. Este tipo de responsabilidade situa-se no âmbito mais vasto da tutela jurídica das expectativas, cuja frustração da confiança de outrem é susceptível de conduzir à obrigação de indemnização, exprimindo, na sua essência, a justiça comutativa, na forma específica de justiça correctiva e compensatória.

Não há um tratamento unitário e sistemático para a responsabilidade pela confiança, embora o Código Civil Português contenha apoios juspositivos, sendo o mais importante o constituído pela culpa in contrahendo ( art.227 ), como responsabilidade sui generis, não tipicamente contratual, nem delitual.

Na verdade, tanto a culpa in contrahendo, como as situações de “auto-vinculação sem contrato” ou “acordos de facto”, em que existe uma solidariedade assumida, determinadas práticas negociais modernas (especialmente nos sectores bancários e comerciais) convocam a intervenção da responsabilidade pela confiança. É precisamente a tutela da confiança que justifica a regra do art.227 do CC onde se configura uma relação obrigacional sem dever primário de prestação, e que serve de arquétipo para a resolução de outros casos problemáticos.

A tutela da confiança caracteriza-se por uma situação objectiva de confiança ( uma conduta de alguém entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura); o investimento na confiança ( o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica surgem quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposição ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos, se a confiança legítima vier a ser frustrada) e a boa fé da contraparte que confiou ( cf. J. Baptista Machado, Obra Dispersa, vol.I, pág.415 a 419 ), Carneiro da Frada, Uma “Terceira Via “ no Direito da Responsabilidade Civil? “, 1997, e “Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil”, 2004.)

Pois bem, a subscrição pela Autora (obrigações SLN 2004) foi desencadeada e motivada pelo Banco, que sabia do seu perfil,  informando-a de que a aplicação era em tudo igual a um depósito com capital garantido e e rentabilidade assegurada, e a Autora, agindo de boa fé, confiou, convicta  de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura com as características de um depósito a prazo, com capital garantido, o que não sucedeu.

Vejamos o nexo de causalidade:

Na situação típica da responsabilidade pela omissão, exige-se a comprovação de dois requisitos específicos: a existência do dever jurídico de praticar o acto omitido e que o acto omitido tivesse seguramente ou com maior probabilidade, obstado ao dano. Postula-se, assim, a causalidade da omissão, dado que esta pode juridicamente ser havida como causa de um facto danoso, sem dispensar a prova de que o acto omitido teria obstado ao dano, com certeza ou com a maior probabilidade.

A lei civil ( art.563 do CC) adoptou a teoria da causalidade adequada, ao estabelecer que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que, no plano naturalístico, ele seja condição sem o qual o dano não se teria verificado e depois que, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo (nexo de adequação). Releva a causalidade adequada na sua formulação negativa: a condição deixará de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo, portanto, inadequado para esse dano.

A teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, admitindo não só a ocorrência de outros factos condicionantes, como ainda a chamada causalidade indirecta, na qual é suficiente que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.

Noutra perspectiva, e a propósito da imputação, Claus Roxin refere que quando o legislador permite, à semelhança do que sucede em outras manifestações da vida moderna, ocorra um risco até certo limite, apenas poderá haver imputação se a conduta do autor significa um aumento do risco permitido (Problemas Fundamentais de Direito Penal, pág.152 ). O princípio do incremento do risco adopta o seguinte método: deve, em primeiro lugar, examinar-se qual a conduta que não se poderia imputar ao agente como violação do dever de acordo com os princípios do risco permitido; depois, estabelecer-se uma comparação entre ela e a forma de actuar do agente, para se comprovar, então, se, na configuração dos factos submetidos a julgamento, a conduta incorrecta do autor fez aumentar a probabilidade de produção do resultado em comparação do risco permitido.

Porque a jurisprudência divergiu quanto à questão de saber se existe presunção se causalidade ou se o autor tem o ónus de alegar e provar o nexo de causalidade adequado, o citado  AUJ nº 8/2022  ( DR nº 212/2022, Série I de 3/11/2022) determinou como se apura o nexo de causalidade (“ O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir”)e o respetivo ónus da prova, que incumbe ao investidor.

Considerando a factualidade apurada pode afirmar-se a comprovação do nexo de causalidade adequada ( cf. factos provados de 1 a 8 ), sendo que “ caso a A. tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN Rendimento Mais 2004, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria”.

Sendo assim, está comprovada a causalidade adequada entre a actuação do Banco e o dano (perda do capital e juros), pois que, se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, a Autora não teria investido naquela aplicação, mas noutra que lhe garantisse um retorno seguro, condição que ela colocou para fazer o investimento


2.5. Síntese conclusiva

a) Na intermediação financeira, para além dos deveres de informação derivados do princípio geral da boa fé, o legislador (CVM) consagrou deveres específicos de informação, atenta a natureza da actividade, sobretudo no caso de um investidor não qualificado, porque a lei exige uma declaração livre e esclarecida, sendo que o dever específico de informação incide também sobre o risco do próprio produto financeiro ( princípio da transparência e da protecção do investidor).

b) Responde civilmente o Banco, intermediário financeiro, por violação dos deveres de informação, ao propor a subscrição de um produto financeiro, assegurando tratar-se que era de capital garantido, em tudo igual a um depósito a prazo, levando a que o cliente ( investidor não qualificado) anuísse à aplicação nesse pressuposto, sem que tivesse sido previamente informado qual o tipo de produto e a natureza da obrigação, nomeadamente em que consistiam as obrigações subordinadas e as respectivas consequências.

c) Cabe no âmbito da responsabilidade pré-contratual tanto a violação culposa dos deveres específicos de informação aquando da celebração do contrato de intermediação financeira, como as situações de indução negligente em erro através do fornecimento de informações inexactas.


III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:


1)


Julgar improcedente a revista e confirmar o acórdão recorrido.

2)


Condenar o Banco recorrente nas custas.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 6 de Dezembro de 2022.


Os Juízes Conselheiros

Jorge Arcanjo ( Relator )

Isaías Pádua

Manuel Aguiar Pereira