Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
040210
Nº Convencional: JSTJ00000180
Relator: FERREIRA VIDIGAL
Descritores: RECURSO
DESPACHO DE PRONUNCIA
COMPETENCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ199001240402103
Data do Acordão: 01/24/1990
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT E 1 VOT VENC
Referência de Publicação: DR IS 1990/01/24, PÁG. 1795 A 1797 - BMJ Nº 393 ANO 1989 PÁG. 79
Tribunal Recurso: SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Processo no Tribunal Recurso: 39811
Data: 04/12/1989
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Área Temática: DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: CPP29 ARTIGO 377 ARTIGO 663 PAR3 ARTIGO 666 ARTIGO 668.
DL 605/75 DE 1975/11/03 ARTIGO 21 ARTIGO 22.
CPP87 ARTIGO 310 N2 ARTIGO 313 N3.
CPC67 ARTIGO 762 N3 ARTIGO 766 N3.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1985/02/06 IN BMJ N344 PAG337.
ACÓRDÃO STJ PROC39866 DE 1989/04/12.
ACÓRDÃO STJ PROC39672 DE 1989/04/19.
ACÓRDÃO STJ PROC39928 DE 1989/05/03.
ACÓRDÃO STJ PROC39896 DE 1989/05/17.
ACÓRDÃO STJ PROC40077 DE 1989/07/12.
Sumário :
Dos acordãos da Relação proferidos sobre despacho de pronuncia não ha recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quer verse sobre materia de direito quer de facto.
Decisão Texto Integral:
Acordam em sessão plenaria, no Supremo Tribunal de Justiça:

Invocando o disposto no artigo 668 do Codigo de Processo Penal de 1929, o Excelentissimo Procurador Geral Adjunto na Secção Criminal deste Supremo Tribunal interpõe recurso para o seu Pleno do acordão de 12/04/1989, proferido no processo n. 39 811, a folhas 91-95, reproduzido a folhas 12 e seguintes dos presentes autos, com fundamento na existencia de oposição relevante entre esse aresto e o acordão de 06/02/1965, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça n. 344, a paginas 331-337.
O mesmo e digno Magistrado sintetizou a pretensa oposição entre aquelas duas decisões nos termos seguintes:
Enquanto que no acordão fundamento se decidiu que dos acordãos proferidos pela Relação sobre despachos de pronuncia apenas cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quando estiver em causa materia de direito, no acordão recorrido a decisão sufraga o principio de que dos acordãos da Relação sobre o mesmo tema nunca cabe tal recurso, qualquer que seja o seu fundamento, ou seja, quer verse materia de direito ou de facto.
O recorrente no recurso interposto naquele processo n. 39811 acompanha o Ministerio Publico.
No acordão de folhas 26, por unanimidade dos Juizes Conselheiros que constituem a Secção Criminal, decidiu-se, preliminarmente, verificar-se a alegada oposição.
I - O Ministerio Publico produziu notavel parecer acerca da solução a dar ao presente conflito de jurisprudencia, pronunciando-se favoravelmente a tese do acordão fundamento e pedindo, em consequencia, a revogação do acordão recorrido.
Propõe, em conclusão, que se lavre Assento no sentido que preconiza, sugerindo para ele, desde ja, a seguinte redacção:
"Dos acordãos da Relação proferidos sobre recursos interpostos de despachos de pronuncia cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, restrito embora a questão de direito ".
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - O reconhecimento jurisdicional da existencia de oposição entre as decisões postas em confronto não impede que o Tribunal Pleno decida em contrario (artigo 766, n. 3, do Codigo de Processo Civil, aplicavel "ex-vi", artigo 1 paragrafo unico, do Codigo de Processo Penal).
Ora, reexaminando a questão "sub-judice", torna-se obvio que tal oposição ocorre.
Com efeito, os dois acordãos em confronto, que foram proferidos sobre a mesma questão de direito, no ambito da mesma legislação, havendo transitado em julgado o que serve de fundamento ao recurso ou, como tal, se havendo de presumir (artigo 762, n. 3 do Codigo de Processo Civil), concluiram e decidiram em termos da irredutivel contradição. Onde um diz que ha recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dos acordãos da Relação que incidam apenas sobre despachos de pronuncia, ainda que circunscritos a materia de direito, no outro, isto e, no recorrido, entendeu-se que dos acordãos da Relação que versem sobre os ditos despachos nunca e admissivel tal impugnação.
Verifica-se, pois, a indispensavel oposição de decisões para que se justifique o recurso para o Tribunal Pleno, a fim de se obter uniformização de jurisprudencia no ponto controvertido.
Estão os acordãos confrontados em irredutivel oposição, tal como o " sim " o esta do " não ".
III - Salienta o Ministerio Publico que, durante prolongado periodo, foi por este Supremo Tribunal decidido em conformidade com a solução que propõe e pretende fazer vingar. Dessa jurisprudencia, ha numerosos testemunhos, como se pode ver da extensa, mas não exaustiva, enunciação que dela faz.
Simplesmente, a partir de dado momento, operou-se uma alteração no entendimento e compreensão das normas em conflito e enveredou-se pela interpretação que sofre oposição, da qual tambem não são exemplos unicos os acordãos apontados no articulado de folhas
32 e seguintes, muitos mais se podendo indicar no mesmo sentido - v. g. de 12 e 19 de Abril e 3, 17 e 17 de Maio de 1989, proferidos, respectivamente, nos processos 39866, 39672, 39928, 39896 e 39907 -, com a particularidade de terem a adesão de 9 dos 10 juizes Conselheiros que constituem a Secção de Jurisdição Criminal.
Não ha verdades eternas, juizos infaliveis, e aquilo que durante algum tempo se teve como axiomatico não passaria, afinal, segundo nos parece, de um erro de direito generalizado. Quiça, a jurisprudencia formada anteriormente do Decreto-Lei n. 605/75, de 3 de Novembro, tenha criado um estado de inercia, que prejudicou a compreensão das alterações introduzidas por este diploma legal, designadamente pelo seu artigo 21.
E assim se diz porque, na realidade, uma interpretação mais actualizada e atenta da realidade juridica introduzida pelo decreto-lei em referencia parece claramente sugerir que a interposição dos recursos da Relação para o Supremo, que hajam incidido sobre despachos de pronuncia, são inadmissiveis.
E não se diga contra este parecer, que ja se adivinha que vira a ser adoptado, que, em outra visão, e entendimento da tematica em discussão, varios reus viram ser conhecidos numerosos recursos interpostos de acordãos da Relação sobre aqueles despachos, obtendo, por vezes, provimento, e que, futuramente, a outros se negarão identicas possibilidades, o que contraria ja o natural sentimento de justiça relativa. E que pior que ferir tal sentimento, e reconhecer um erro e nele persistir.
Nem se acrescente que a solução a eleger a poucos casos vira a ser aplicada, dada a circunstancia de o Codigo de Processo Penal de 1987 haver revogado o citado Decreto-Lei n. 605/75, ja que, mais do que um criterio de utilidade pratica e de quantidade, o que se demanda em materia de Justiça são soluções conformes ao Direito (ainda) instituido - aquela revogação so vale para o futuro -, seja este de escassa ou lata aplicação.
IV - A pouco se resume a argumentação tendente a demonstrar a inadmissibilidade dos recursos em causa mas tem-se por inatacaveis e decisivos os respectivos fundamentos.
Com efeito:
Estatui o ja nomeado artigo 21 que " dos despachos de pronuncia e não pronuncia cabe apenas recurso para o Tribunal da Relação".
Pretende-se que semelhante regra legal se circunscreva aos recursos quando estiverem em discussão meras questões de facto mas não ja materia de direito.
Ora, a circunstancia de o legislador utilizar a forma exclusiva e excludente, expressa pelo adverbio "apenas", desde logo leva a precaver contra a singeleza de semelhante entendimento, ate porque não se faz no preceito invocado qualquer distinção e "ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus".
Se, ao contrario do que se pensa, a vontade do legislador fosse a de restringir o sentido literal do artigo 21, bastaria te-lo dito, como fez na disposição imediatamente anterior - artigo 20 -, do qual, por certo, não estaria esquecido e onde, com todas as letras, esclareceu que os recursos ai consentidos eram circunscritos "a materia de direito".
V - Mas outras e não menos convincentes razões concorrem a favor da tese que se julga dever merecer aprovação.
Assim:
No corpo do artigo 377 do Codigo de Processo Penal em referencia, dispõe-se que do "acordão da Relação que julgar o recurso interposto do despacho de pronuncia ou não pronuncia, cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça "mas este preceito foi expressamente revogado pelo artigo 22 do mencionado Decreto-Lei n. 605/75.
Simplesmente, o artigo 666 da mesma lei adjectiva penal, cuja aplicabilidade se mantem no ambito do artigo 7, n. 1, do Decreto-Lei n. 78/87, de 17 de Fevereiro, completado pelo preceituado no artigo unico da Lei n. 17/87, de 1 de Junho, antes, durante e depois da vigencia daquele Decreto-Lei n. 605/75, sempre dispos que o Supremo Tribunal de Justiça conhecia de materia de direito e de facto, nas causas que julgue em unica instancia e ainda no caso do paragrafo 3 do artigo 663, pois que, em todos os outros casos, apenas conhecera da materia de direito.
Mas, assim, a valer a jurisprudencia que se pretende salvaguardar com o presente recurso, teriamos de concluir pela inutilidade daquele artigo 21, que seria redundante face a estatuição generica do dito artigo 666 - conferir tambem o artigo 29 da Lei n. 38/87, de 23 de Setembro.
De resto e de acordo com a regra hermeneutica inserta no artigo 9 do Codigo Civil, ha sempre que atender a que a interpretação da lei não deve cingir-se a sua letra, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema juridico, as circunstancias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo em que e aplicada, alem do que" não pode, porem ser considerado pelo interprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um minimo de correspondencia verbal, ainda que imperfeitamente expresso".
Ora, o unico pensamento legislativo que encontra correspondencia na letra do artigo 21 e o da exclusão de todo o recurso para este Supremo Tribunal de despachos de pronuncia, o que nenhum elemento extrinseco impede - vide parte final do acordão recorrido.
Mas ha mais:
Diz-se que a parte final do n. 4 do preambulo do Decreto-Lei n. 605/75 favorece a tese a que o Ministerio Publico da guarida, enquanto ai se ponderou que
"na medida em que o despacho de pronuncia visa a existencia de indicios suficientes, não se ve razão para que do acordão da Relação que o aprecie se possa recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, por natureza destinado a apreciação do direito".
Mas contrapõe-se eficazmente no acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.07.1989, no processo 40077:
"Quanto ao preambulo aludido, esta ele bem longe de ser inequivoco para pressionar o sentido literal do texto legal, porque a parte desse preambulo bem podera entender-se no sentido de que, visando o recurso, no fundo e na maior parte dos casos, a existencia de indicios suficientes, não se justifica que dele possa conhecer o Supremo Tribunal de Justiça".
Ora, a experiencia dos Tribunais confirma abundantemente que assim e, e, por isso, em homenagem a celeridade processual, não ha razão para admitir mais um recurso para o Supremo.

Trata-se, de resto, de decisões (despachos) de natureza interlocutoria e provisoria e não finais, e dai que o recurso deles para a Relação satisfaça ja plenamente a exigencia do 2 grau de jurisdição universalmente aceite como garantia indispensavel e suficiente. Ir mais longe que isto parece ser cautela excessiva e, por isso, não justificavel.
Tenha-se presente que o novo Codigo de Processo Penal de 1987 estabelece a irrecorribilidade em 1 grau da decisão instrutoria que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministerio Publico, bem como dos despachos que designam dia para o julgamento (conferir artigos 310, n. 2 e 313, n. 3)".
VI - Conclusão:
Por tudo quanto se expos, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se o acordão recorrido.
Em consequencia, lavra-se o Assento seguinte:
"Dos acordãos da Relação proferidos sobre despachos de pronuncia não ha recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quer verse sobre materia de direito quer de facto".

Lisboa, 24 de Janeiro de 1990

Ferreira Vidigal - Solano Viana - Almeida Ribeiro - Licinio Caseiro - Gomes dos Santos - Manso Preto - Jose Meneres Pimentel - Alcides Almeida - Maia Gonçalves
- Soares Tome - Salviano de Sousa - Joaquim Gonçalves
- Brochado Brandão - Amaral Aguiar - Cura Mariano -
- Castro Mendes - Ferreira da Silva - Jose Saraiva - Eliseu Figueira - Mario Afonso - Barbosa de Almeida - Mendes Pinto - Vasco Tinoco - Baltazar Coelho -
- Sousa Macedo - Pinto Ferreira - Barros de Sequeiros - Jorge Vasconcelos - Lopes de Melo - Ferreira Dias - Joaquim Carvalho - Cabral Andrade - Villa Nova (Vencido conforme declaração de voto junta).
Declaração de Voto:
Votei no sentido dos dois acordãos da Relação proferidos sobre recursos interpostos do despacho de pronuncia haver recurso para este Supremo Tribunal, embora restrito a materia de direito.
Com efeitos le-se, no n. 4 do relatorio do Decreto-Lei n. 605/75:
"Na medida em que o despacho de pronuncia visa a existencia de indicios suficientes, não se ve razão para que do acordão da Relação que o aprecie so possa recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, por natureza destinado apenas a apreciação do direito".
Esclarecido, assim, o sentido da lei, ha que interpretar restritivamente o artigo 21 daquele Decreto-Lei: o que ai se quer dizer e somente que, quanto a materia de facto - na medida desta - cabe apenas recurso para a Relação.
Diz-se, em contrario, que, a ser assim, o citado artigo 21 seria completamente inutil, uma vez que este Supremo Tribunal não conhece da materia de facto, mas são conhecidas as redundancias, que, por vezes, as leis apresentam.
De resto, este Supremo Tribunal decidiu, uniformemente e desde ha muito tempo, no sentido aqui defendido e uma mudança de orientação numa altura - em que, com a entrada em vigor do novo Codigo de Processo Penal, foi concomitantemente revogado o Decreto-Lei n. 605/75 (artigo 2, n. 2, do Decreto n. 78/87, de 17 de Fevereiro)
- não deixa de constituir uma injustiça relativa quanto ao caso dos autos e, porventura, ou de poucos outros, que surjam
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