Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
23235/19.8T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: LEONOR CRUZ RODRIGUES
Descritores: PENSÃO DE REFORMA
BANCÁRIO
CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
Data do Acordão: 09/29/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I – O número 3.º da cláusula n.º 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho para o sector bancário de 2011, ao referir no seu segundo segmento “entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza”, pretende significar que os trabalhadores, na situação de reforma, só têm a obrigação de entregar as quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social referentes ao período de tempo em que exerceram a sua atividade bancária e em que efetuaram descontos para a Segurança Social, na sequência da extinção da Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.

II - As expressões utilizadas na referida cláusula, e bem assim da cláusula 94ª do ACT para o sector bancário de 2016, com redacção idêntica, na parte final do n.º 1 “a diferença entre o valor desses benefícios”, no segundo segmento do n.º 2 “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou Serviços de Segurança Social”, e na parte final do n.º 3 “benefícios da mesma natureza”, referem-se tão só às pensões na parte proporcional ao tempo de contribuições para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário, não resultando dos respetivos textos a introdução de um fator de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efetuadas.

Decisão Texto Integral:


Proc.º nº 23235/19.8T8LSB.L1.S1

4ª Secção

LCR/JG/CM

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1 - Relatório

1. No Juízo do Trabalho ... do Tribunal Judicial da Comarca ... AA propôs contra “BANCO BPI, S.A.” acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma comum, pedindo a condenação do Réu:

a) a reconhecer à autora o direito a receber a pensão completa do Centro nacional de Pensões, deduzida do valor de 7/46 avos correspondente à percentagem de 15,22%, correspondente a 7 anos de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhadora bancário;

b) a restituir à A. a quantia de € 11 143,05 correspondente ao total do diferencial mensal com que o R. indevidamente se locupletou até à data da propositura da acção e os correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos;

c) condenar o R., na pendência da acção e de ora em diante, a descontar nas pensões mensais vincendas devidas à A. apenas o valor de 7/46 avos correspondente à percentagem de 15,22% da pensão paga a esta pelo CNP, acrescida de juros moratórios à taxa legal, calculados sobre cada uma das prestações que se vierem a vencer e até ao seu efectivo e integral pagamento;

Para tanto invocou a., em síntese:

- Foi admitida ao serviço do Réu com antiguidade reportada a 21.11.1973, tendo passado à situação de reforma, nos termos da cláusula 95ª do ACT para o Sector Bancário, publicado no BTE, 1ª Série, nº 29, de 8.8.2016, em 28.9.2017, passando a auferir uma pensão de reforma de € 1 412,60, actualizada em Janeiro de 2019 para € 1 422,99, acrescida de € 404,665 de diuturnidades, sendo este valor actualizado em Janeiro de 2019 para € 404,66;

-  Posteriormente, por carta do Centro Nacional de Pensões datada de 2.5.2019, foi informada de que o requerimento de pensão foi deferida e que a pensão por velhice teria início em 1.10.2017, no valor actual de € 506,69;

- Por carta datada de 14.6.2019 o Réu comunicou-lhe que passaria a descontar na pensão de reforma em pagamento o valor mensal de € 472,55 decorrentes das contribuições para a segurança social efectuadas pelo Banco no período compreendido entre 1.1.2011 e 28.9.2017, e que iria proceder à dedução dos retractivos desde a data da atribuição da pensão do CNP, no valor de € 10 734,64;

- O Réu, nos termos da cláusula 94ª do ACT, apenas tem direito a fazer seu o valor resultante da proporção correspondente aos 7 anos da CAFEB integrada no ISS, o que equivale a uma percentagem de 15, 22% (correspondente a 7 dos 46 anos ) do período contributivo da A., por ser esse o coincidente entre o Regime da Segurança Social e do Sistema Bancário como previsto na cláusula 94º, nº 2, e  descontou indevidamente 98,10% do valor da pensão do CNP, pelo que desde 1.10.2017 se apropriou indevidamente a quantia total de € 11 143,05 pertencente à A. que deve restituir-lhe;

- A A. é associada do sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas desde 11.12.1975.

2. Realizada a audiência de partes e frustrada a conciliação o Réu apresentou contestação, pugnando pela improcedência da acção, alegando, em síntese, que, contrariamente ao pretendido pela Autora, a redação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário não autoriza a leitura de que o benefício a descontar pelo Banco seja apurado na base de um critério de proporcionalidade em “regra de três simples pura”. Pelo contrário, entende que tal “pensão de abate” é o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do Banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP.

3. Por sentença de 4.3.2020, foi a acção julgada parcialmente procedente e o Réu condenado:

a) no reconhecimento do direito da autora a receber a pensão de reforma, deduzida do valor de 7/10 avos, correspondente à percentagem de 70% decorrente dos 7 anos de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhadora bancária;

b) a restituir à autora a quantia de € 3 170, 15 (três mil e setenta euros e setenta e cinco cêntimos), desde Outubro 2017 até Outubro de 2019 (inclusive), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações que a integra até efectivo e integral pagamento;

c) a restituir à autora os valores que, após Novembro de 2019, haja deduzido em proporção diversa da definida (7/10 avos, correspondente à percentagem de 70%), acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento.

4. Inconformado com a sentença dela apelou o Réu.

5. Conhecendo do recurso, o Tribunal da Relação da Relação, por acórdão de 25 de Novembro de 2020 julgou-o improcedente.

6. Novamente inconformado com a decisão dela interpôs o Réu recurso de revista excepcional, invocando estar a decisão em causa em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10.10.2016, proferido no processo nº 4150/15.0T8MTS.P1, transitado em julgado, e a violação da cláusula 136ª do Acordo Colectivo de Trabalho do sector bancário, publicado no BTE nº 3, de 22.1.2011, em vigor à data da reforma da Autora, que veio a ser substituída, com redacção similar, pela cláusula 94ª do  ACT do sector bancário, publicado no BTE nº 29, de 8.8.2016, , os artigos 26º e 28º do D.L. nº 187/2007, de 10 de Maio, e o artº 63º, nº 4, da CRP, e formulando, a final, as seguintes conclusões:

1. A interpretação das cláusulas regulativas de convenção colectiva de trabalho deve fazer-se de acordo com as regras de interpretação da lei, em particular de acordo com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, como vem sendo entendimento da Jurisprudência, como recentemente foi defendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2019, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 55, de 19 de Março de 2019.

2. Na interpretação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário, deve atender-se aos seus elementos literal, sistemático, histórico e teleológico.

3. No que respeita ao elemento literal, a redacção da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (cláusula que veio a ser substituída pela cláusula 94ª do ACT do setor bancário) é clara nos dois aspectos que aqui relevam.

4. Primeiro, que nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares - como sucede com a Recorrida, a partir de 1.1.2011, dada a sua integração no regime geral de segurança social por imposição do Decreto-Lei n.º 1-A/2011, de 3 de Janeiro -, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos no ACT – cfr. 2.ª parte do n.º 1 da cláusula 136.ª.

5. Segundo, que o benefício a “abater” é o que decorre de contribuições feitas no período de serviço contado pelo Banco para o cálculo da pensão a pagar por este, pois, como se refere no n.º 2 daquela cláusula estão em causa os benefícios decorrentes de contribuições.

6. A “pensão de abate” é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP.
7. A cláusula 136.ª alude, literalmente, ao benefício decorrente das contribuições com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador.
8. Acresce ainda que, quando no Acordo Coletivo se pretendeu exprimir o critério pro rata temporis tal foi feito de modo particularmente claro e direto (nº 3 da cláusula 98ª) sem qualquer semelhança com a redação da analisada cláusula 94ª;

9. O elemento sistemático é também conducente ao mesmo resultado interpretativo.
10. A norma em causa insere-se no sistema de previdência e, no caso concreto, na conjugação de dois regimes de previdência: o regime de segurança social do sector bancário e o regime geral de segurança social.
11. A cláusula reenvia para as regras de cálculo do regime geral da segurança social a fim de as utilizar e não de aproveitar os seus resultados;

12. A inserção sistemática da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário impõe a sua interpretação no sentido da aplicação das mesmas regras que servem para o cálculo da pensão do CNP.
13. Ao invés, não há qualquer elemento do sistema que aponte para a interpretação que defende a Recorrida, ou seja, não há qualquer norma no sistema em que se insere a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 94.ª que lhe sucedeu, que contenha norma para o cálculo de benefícios de pensão em razão de qualquer critério de pro rata temporis.
14. O montante da pensão do CNP é igual ao produto da remuneração de referência pela taxa global de formação da pensão e pelo factor de sustentabilidade., como resulta do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio.
15. E a remuneração de referência é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40.
16. São estas as regras do sistema a que apela a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e que, com recurso ao elemento sistemático, devem aplicar-se no apuramento da parte da pensão a pagar pelo CNP que há-de ser entregue pela Recorrida ao Recorrente.
17. E são essas as regras aplicadas pelo Recorrente, para apuramento da “pensão de abate”.

18. Por fim, o elemento teleológico é particularmente relevante na tarefa interpretativa, pois a norma da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário tem por fim coordenar o percebimento de benefícios por trabalhadores submetidos a ambos os regimes de forma a impedir que, por força do mesmo período contributivo, o trabalhador possa ver-lhe atribuídos benefícios cumulados.

19. É uma expressão do princípio da não acumulação de prestações plasmado no artigo 67.º, n.º 1 da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro).

20. A não acumulação de prestações não pode alcançar-se com recurso, para a repartição da pensão a pagar pelo CNP, a um critério de “regra de três simples pura”.

21. Tal conclusão ofende diretamente o fim a que se propõe a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 94.ª que lhe sucedeu, que é, precisamente, abater à pensão paga pelo Banco Recorrente, a pensão (ou parte de pensão) que for paga à Recorrida pelo CNP que respeite ao tempo de Banco.

22. O entendimento do Recorrente é, de resto, o que conduz a um resultado mais equitativo.

23. É bom notar que a carreira extra-banco pode ser mais favorável ao trabalhador, o que sucede no caso de as remunerações registadas nesse período serem superiores às registadas na carreira ao serviço do Banco.

24. Por isso, acrescenta-se, a este propósito, que o entendimento do Recorrente assegura, inclusivamente, que nesses casos, em que a pensão teórica extra-banco seja mais favorável ao pensionista (por as remunerações auferidas nesse período serem superiores), não veja este o seu benefício penalizado.

25. A questão não é meramente teórica, tendo sido objeto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2017, disponível em www.dgsi.pt.

26. Como sucedeu no caso julgado no referido douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2017, em que estava em causa uma pensão da Caixa Geral de Aposentações e em que o Banco ali Réu reconhecera parte da carreira na CGA, verificou-se que as remunerações auferidas pelo trabalhador no período extra-banco eram superiores àquelas que auferira no período que o Banco lhe contará, tendo o Tribunal concluído que não era aplicável a regra de pro rata temporis, que aquele Banco aplicara.

27. O Tribunal da Relação de Évora acolheu o entendimento aqui defendido pelo Recorrente que, naquele caso, era favorável ao pensionista…

28. O elemento teleológico da norma não consente, assim, outra interpretação que não seja a que lhe dá o Recorrente.

29. A interpretação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e da cláusula 94.ª que lhe sucedeu, com recurso aos elementos de interpretação literal, sistemático e teleológico, conduz ao resultado alcançado pelo Recorrente.

30. A interpretação preconizada pelo douto Acórdão recorrido olvida que para o cálculo do beneficio pago pelo CNP concorre, nos termos do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n. 187/2007, de 10 de Maio, não só o tempo (por via da taxa de formação a pensão) mas também as remunerações (por via da remuneração de referência que é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40).

31. Em suma: porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como a cláusula 94.ª do atual ACT do setor bancário) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas respeitantes a cada um dos períodos em causa e, em função desses resultados, repartir o benefício pago pelo CNP.

32. Entendimento que foi sufragado pelos doutos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10/10/2016 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/09/2017, que se juntaram aos autos.

33. Mais recentemente e já posteriormente à mencionada douta Jurisprudência do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, foi também este o entendimento versado nas três doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Judicial da Comarca  ……, Juízo do Trabalho  ...,  Juiz …, de  20/02/20 e de 01/10/2020, e Juiz 2 de 25/04/2020, já juntas a estes autos.

34. E é também a douta opinião dos SENHORES PROFESSORES DOUTORES BERNARDO LOBO XAVIER e MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO expressa nos doutos Pareceres de Direito juntos aos autos.

35. O entendimento sufragado pela Recorrida, viola também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República.

36. Ao remeter-se o cálculo da “pensão de abate” para uma “regra de três simples” está a Recorrida, inevitavelmente, a transferir para si, como pensionista, parte do benefício que o Banco deve abater à mensalidade que está obrigado a pagar, potenciando, ilegalmente e em afronta àquele comando constitucional, o benefício que a pensionista teria a receber se isoladamente lhe fosse considerada apenas a carreira contributiva extra-banco.

37. O efeito de tal entendimento é, efetivamente, a violação do preceito constitucional vertido no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República que determina que “Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de atividade em que tiver sido prestado.”.

38. A interpretação dada pela Recorrida à cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e à cláusula 94.ª do atual ACT do setor bancário, é, assim, materialmente inconstitucional por violação do artigo 63.º, n.º 4 da Constituição.

39. O douto Acórdão recorrido deve, pelos fundamentos expostos, ser revogado, concedendo-se provimento à Revista e, consequentemente, absolvendo-se o Recorrente dos pedidos.
40. Ao decidir como decidiu, o douto Acórdão violou o disposto na cláusula 136.º do Acordo Coletivo de Trabalho do setor bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 – data de distribuição: 24/01/2011) cláusula que veio a ser substituída, com redação similar, pela cláusula 94.º do Acordo Coletivo de Trabalho do setor bancário (BTE n.º 29 de 08/08/2016), os artigos 26.º  e 28.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio e, bem assim, violou também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa”

7. A Autora não apresentou contra-alegações.

8. A revista excepcional foi admitida, tendo sido reconhecida a existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento, concluindo-se que na interpretação da cláusula 136º o ACT do sector bancário um dos acórdãos, o acórdão recorrido, atende apenas ao factor tempo, ao passo que o outro atende também ao valor das retribuições efectuadas naquele período

9.  Cumprido o disposto no artº 87º, nº 3, do C.P.T., a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência da revista, parecer que, tendo sido notificado às partes, foi objeto de resposta pelo Réu/recorrente.

II

2. Delimitação objectiva do recurso

Delimitado o objecto do recurso pelas questões suscitadas pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3, e 639º, nº 1, do CPC, a questão trazida à apreciação deste Supremo Tribunal é a de saber se a dedução da pensão a que se refere a cláusula 136ª do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário, publicado no BTE, 1ª Série, nº 8, de 29 de Janeiro de 2011, com as alterações publicadas no BTE, 1ª Série, nº 8, de 29 de Fevereiro de 2012, que veio a ser substituída pela cláusula 94ª do ACT do sector bancário, com redacção semelhante,  publicado no BTE, 1ª Série, nº 29, de 8.8.2016, deve ser feita apenas com base no critério do tempo de contribuições para a Segurança Social ou considerando também o montante das retribuições que serviram de base às contribuições efectuadas durante aquele período.

III

A - Fundamentação de facto

Foi considerada a seguinte factualidade:
1. A autora foi admitida ao serviço da ré com antiguidade reportada a 21 de Novembro de 1973, data da sua admissão no “Banco Borges & Irmão”, posteriormente adquirido pela ré em Outubro de 1996.
2. A autora passou à situação de reforma em 28 de Setembro de 2017, nos termos da cláusula 95.a e integrada no nível 12 o ACT para o Sector Bancário, publicado no BTE n.° 29, de 8 de Agosto de 2016, então com a categoria de gerente e com último local de trabalho na agência da ré, sita no Príncipe Real, em Lisboa.
3. A partir de 28 de Setembro de 2017, a autora passou a auferir da ré uma pensão de reforma, paga 14 vezes por ano, composta pela mensalidade base de € 1.412,40 (atualizada em Janeiro de 2019 para a quantia de € 1.422,99) e acrescida de € 401,65, de diuturnidades (atualizada em Janeiro de 2019 para a quantia de € 404,66).
4. Datada de 15 de Fevereiro de 2017 e recebida pela autora, a ré endereçou- lhe missiva, sendo o seguinte o seu teor:
«(...)
Passagem à situação de reforma
Exma. Senhora,
No seguimento dos contactos estabelecidos sobre o assunto, confirma-se a sua passagem 's situação de reforma, nos termos da cláusula 95.a do ACT do sector bancário (ACT), com início em 28-09-2017, com direito às mensalidades e diuturnidades estabelecidas nessa cláusula e na cláusula 97.a do ACT.
Para efeitos do Anexo IV, ser-lhe-á contada a antiguidade bancária de 43 anos, tendo a sua pensão de reforma a seguinte composição:
Período único (100%)
Mensalidades por inteiro correspondentes ao nível 12 (tabela de pensões), acrescidas de 4 diuturnidades do tipo B.
Informa-se que, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.° l-A/2011, de 3 de Janeiro, que procedeu à integração dos trabalhadores bancários, inscritos na CAFEB, no Regime Geral de Segurança Social (...), com efeitos a 01- 01-2011:
é da responsabilidade do Centro Nacional de Pensões (CNP) a atribuição da pensão de reforma por velhice referente ao período de serviço prestado no sector bancário após aquela data;
o tempo de serviço anterior a 01-01-2011 prestado no sector bancário é reconhecido pelo RGSS para preenchimento do prazo de garantia (tempo mínimo para adquirir o direito à pensão) e para cumprimento, no âmbito deste regime, das condições de acesso à pensão antecipada ou bonificada, atribuída ao abrigo do regime de flexibilização da idade de pensão por velhice, assim como para determinar o fator de redução ou bonificação correspondente ao cálculo da carreira contributiva.
Em face do exposto, deverá requerer a pensão de reforma por velhice junto do CNP com uma antecedência de três meses relativamente à data em que, nos termos da legislação em vigor, o possa fazer sem redução de valor e remeter cópia do respetivo requerimento à Direção de Recursos Humanos do BPI.
Logo que tome conhecimento do deferimento da pensão terá que informar o Banco por escrito, remetendo fotocópia do documento do CNP com o descritivo dos cálculos da pensão.
A partir da data em que lhe seja atribuída a pensão pelo CNP ou a partir da data em que tal pudesse ocorrer sem aplicação do fator de redução ou do fator de sustentabilidade, ao montante da pensão a cargo do Banco será deduzido, nos termos da cláusula 94.a do ACT, o montante da pensão atribuída, ou que devesse ser atribuída, pelo CNP, decorrente de períodos que tenham sido considerados pelo Banco no cálculo da sua antiguidade. (...)».
5. Por carta datada de 2 de Maio de 2019, o CNP comunicou à autora que o requerimento da pensão apresentado fora deferido e que a pensão por velhice teria início com efeitos a 1 de Outubro de 2017, no valor atual de € 506,69 mensais (devidos desde 1 de Janeiro de 2019 e no anterior valor de € 498,71, devido desde 1 de Outubro de 2017).
6. A autora enviou cópia dessa missiva da CNP à ré, como solicitado.
7. Por missiva datada de 14 de Junho de 2019, recebida pela autora, a ré comunicou-lhe como segue:
«(...)
Dedução da pensão de reforma da Segurança Social
Exma. Senhora,
Acusa-se a receção do documento do Centro Nacional de Pensões (CNP) que remeteu com a comunicação do deferimento da sua pensão de reforma por velhice, com início em 01-10-2017, que se agradece.
No seguimento dos anteriores contactos sobre o assunto informa-se que, nos termos da cláusula 94.a do ACT do sector bancário, ao montante da pensão de reforma do BPI passará a ser deduzido, a partir do processamento do mês de Junho e com efeitos reportados a 01-10-2017, o valor atual de 472,55 € decorrente das contribuições para a segurança social efetuadas pelo Banco no período compreendido entre 01-01-2011 e 28-09-2017, que lhe foi reconhecido na antiguidade para efeitos de reforma (detalhe em anexo).
Mais se informa que no mesmo processamento o Banco procederá à dedução dos retroativos desde a data da atribuição da pensão do CNP, no valor total ilíquido de 10.734,64 (detalhe em anexo).
Atendendo a que o BPI procedeu ao pagamento do 14.° mês no passado mês de Abril, informa-se que, no próximo mês de Julho, mês em que ocorrerá o pagamento da referida prestação pelo CNP, o Banco procederá à respetiva regularização.
De futuro, a dedução do montante correspondente ao 14.° mês ocorrerá em Abril de cada ano.
(...)».
8. O que veio a suceder - dedução - conforme consta do aviso de crédito de remuneração correspondente ao mês de Junho de 2019, onde esse montante de menos € 10.734,64 brutos é deduzido (mediante o processamento das verbas negativas aí lançadas de menos € 465,11; menos € 9.339,40 e menos € 930,22) e ao qual também acresceu, por igual título, a dedução de menos € 472,55, sobre a pensão de reforma de € 1.422,99 paga pelo Banco relativamente a esse mês de Junho de 2019.
9. A ré debitou na conta bancária da autora da qual é depositante, no mês de Junho de 2019, a quantia líquida de € 8.607,58.
10. Datada de 27 de Junho de 2019, que a autora recebeu, a ré remeteu-lhe missiva, sendo o seguinte o seu teor:
«(...)
Dedução da pensão de reforma da Segurança Social
Exma. Sra.
No seguimento da nossa carta de 14-06-2019 relativa à dedução da pensão de reforma da Segurança Social, e dos anteriores contactos sobre o assunto, informa-se que, nos termos da cláusula 94.a do ACT do sector bancário, ao montante da pensão de reforma paga pelo BPI passará a ser deduzido, a partir do processamento do mês de Julho e com efeitos reportados a 01-10-2017, o valor atual de 465,10 € decorrente das contribuições para a segurança social efetuadas pelo Banco no período compreendido entre 01-01-2011 e 28-09- 2017, que lhe foi reconhecido na antiguidade para efeitos de reforma (detalhe em anexo).
Mais se informa que no mesmo processamento o Banco procederá à regularização dos valores deduzidos indevidamente no processamento de Junho no valor ilíquido total de 176,54 (detalhe anexo).
(...)».
11. A autora, durante os anos de 1971 a 1973, ou seja, ainda antes de ter sido admitida ao serviço como bancária, procedeu a descontos para a Segurança Social provenientes de trabalho dependente remunerado, durante 3 anos.
12. Tendo, desde então, enquanto trabalhadora bancária, realizado os descontos obrigatórios para a Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários (CFEB), durante 36 anos.
13. A partir de Janeiro de 2011, passou a realizar descontos sobre as suas remunerações para a Segurança Social, até ao momento da sua passagem à situação de reforma em 29 de Setembro de 2017, por força do DL n.° 1- A/2011, de 3 de Janeiro, por via do qual a CFEB foi extinta por integração no Instituto de Segurança Social, I.P. (ISS), passando os seus beneficiários a serem aqui integrados, o que fez durante 7 anos.
14. A autora é associada do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas desde 11 de Dezembro de 1975.
15. Em consequência da ultima atualização do ACT, o valor atual da pensão, com efeitos a 1 de Janeiro de 2019, é de:
Mensalidade reforma correspondente ao nível 12: € 1.422,99;
Diuturnidades: € 404,66.
16. Ao valor antes referido, a ré deduz, desde Janeiro de 2019, o valor de € 465,10.
17. Conforme carta de 27 de Junho de 2019, o cálculo do valor a deduzir na pensão atribuída pelo Banco, foi efetuado da seguinte forma:
1. Cálculo da pensão com a carreira total no valor de € 498,71, que contempla 10 anos com descontos para o regime de Segurança Social, 7 dos quais no Banco;
2. Cálculo da pensão autónoma da carreira no Banco: € 457,78;
3. Cálculo da pensão autónoma da carreira fora do Banco: € 40.93;
4. Uma vez que não houve qualquer acréscimo pela integração das 2 carreiras (2 + 3=, o valor a deduzir corresponde ao apurado em 2 = € 457,78. Repartição do acréscimo da pensão Segurança Social decorrente da integração das carreiras
Banco e colaborador
A Pensão total RGSS real (carreira completa)----------------- 498,71
B Pensão teórica RGSS isolada só com a carreira anterior ao Banco com totalização dos períodos contributivos----- 40,93 ----------  8,2%
C Pensão teórica RGSS isolada só com a carreira no Banco com totalização dos períodos contributivos-------- 457,78 ---------- 91,8%
B + C - soma das 2 pensões teóricas isoladas - 498,71 -------- 100,0%
D = A - (B+C) acréscimo resultante da integração das carreiras 0,00 ----- 100,0% repartição do acréscimo:
dl - acréscimo decorrente da carreira anterior ao Banco: 0,00 ---- 8,2%
d2 - acréscimo decorrente da carreira no Banco: 0,00--------- 91,8%
B + dl - Pensão total RGSS Colaborador --------- 40,93
C + d2 Pensão total RGSS a deduzir pelo Banco -------- 457,78
18. Os cálculos feitos pela ré tomaram em consideração a carreira contributiva da autora no Regime Geral de Segurança Social que é a seguinte:
Ano
Remunerações
Revalorizadas
1971 €6.092,58
1972 € 10.921,77
1973 €7.900,63
Tempo e remunerações antes de Banco
2011 €40.865,59
2012 €40.052,60
2013 €40.093,00
2014 €40.145,90
2015 €39.882,14
2016 € 41.135,22
2017 €35.608,47
Tempo e remunerações ao serviço do Banco.

B - Fundamentação de Direito

A questão trazida à apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça, decidida na sentença recorrida, é a da interpretação da cláusula 136º do ACT para o Sector Bancário, que veio a ser substituída pela cláusula 94ª do ACT do sector bancário, com redacção semelhante, consistindo em saber como se deve calcular o montante devido à Instituição de Crédito, nas situações em que na pensão atribuída ao trabalhador bancário pelo Centro Nacional de Pensões foram tidas em conta duas fases contributivas distintas, em que os valores das remunerações e respectivas contribuições foram diferentes.

Vejamos, pois, se é de sufragar a interpretação da cláusula 136ª do ACT do Sector Bancário, sufragada no acórdão recorrido.

Como é sabido, os trabalhadores bancários beneficiam de um regime específico de segurança social que resulta dos instrumentos de regulamentação coletiva aplicáveis, seja de um subsistema de segurança social estabelecido para o sector bancário em sede de instrumentos de regulamentação colectiva, que remonta ao CCT de 1994, publicado no BINTP, nº 3, de 15.2.44,  no caso dos autos, o Acordo Colectivo de Trabalho para o Sector Bancário, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº 3, de 22.1.2011, com as alterações publicadas no BTE, 1ª Série, nº 8, de 29.2.2012.

A partir de 1 de Janeiro de 2011, por força da extinção e integração da Caixa de Abono da Família dos Empregados Bancários (CAFEB) no Instituto de Segurança Social pelo Decreto-Lei nº 1-A/2011, de 3 de Janeiro, os trabalhadores bancários passaram a estar protegidos pelo regime geral da Segurança Social, na eventualidade de maternidade, paternidade e adopção e na velhice.

A cláusula 136º do ACT para o Sector Bancário, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº 3, de 22.1.2011, dispunha o seguinte:

“1 — As instituições de crédito, por si ou por serviços sociais privativos já existentes, continuarão a garantir os benefícios constantes desta secção aos respectivos trabalhadores, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de segurança social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas será garantida, pelas instituições de crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos neste acordo.

2 — Para efeitos da 2.ª parte do número anterior, apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de segurança social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das cláusulas 17.ª e 143.ª

3 — As instituições adiantarão aos trabalhadores abrangidos pelo regime geral da segurança social as mensalidades a que por este acordo tiverem direito, entregando estes à instituição a totalidade das quantias que receberem dos serviços de segurança social a título de benefícios da mesma natureza”.

O regime específico de protecção dos trabalhadores bancários articula-se, assim, com outros regimes de segurança social que os abranjam, nomeadamente com o Regime Geral, permitindo às instituições bancárias responsáveis pelo pagamento das específicas prestações consagradas a favor destes trabalhadores, o desconto nas prestações por si pagas dos benefícios que os trabalhadores aufiram de outros sistemas, com fundamento na prestação de actividade bancária, para evitar duplicação de benefícios (artigo 136º do ACT).

No que concerne, em traços gerais, ao cálculo das pensões do regime geral de segurança social, o artigo 26º, nº 2, do Decreto-Lei nº 187/2007, de 10.5, que define e regulamenta o regime jurídico de protecção nas eventualidades invalidez e velhice do regime geral de segurança social, determina que o montante mensal da pensão estatutária é igual ao produto da remuneração de referência pela taxa global de formação da pensão e pelo factor de sustentabilidade, o artigo 28º determina no seu nº 1, que a remuneração de referência é definida pela fórmula TR/ (n x 14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas, nos termos do artigo anterior, de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40, e no seu nº 3 que a remuneração de referência, para efeitos de determinação de P1, a que se refere o artigo 33.o, é definida pela fórmula R/140, em que R representa o total das remunerações dos 10 anos civis a que correspondam as remunerações mais elevadas, compreendidos nos últimos 15 anos da carreira contributiva até ao mês de início da pensão, sendo, finalmente que o artigo 29º, sobre a taxa anual de formação, estabelece que a taxa anual de formação da pensão varia entre 2,3% e 2%, em função do número de anos civis com registo de remunerações e do montante da remuneração de referência (nº 1), sendo a taxa global de formação da pensão igual ao produto da taxa anual pelo número de anos civis relevantes, no máximo de 40 (nº 2).

Quanto à parte da pensão que à Autora é paga pela Segurança Social que o Réu tem direito a fazer sua de conformidade, e ao abrigo do disposto na cláusula 136ª do Acordo Colectivo de Trabalho do sector bancário aplicável, que veio a ser substituída pela cláusula 94ª do ACT do sector bancário de 2016, foi entendimento do acórdão recorrido, na linha da jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre a questão, que:

“(…) a Cla 136a não estabelece, nem pressupõe que a percentagem da pensão a devolver ao R. pelo beneficiário da pensão deva ser calculada não só com base no tempo de contribuições para a Segurança Social, enquanto trabalhador do setor bancário, mas também levando em conta o valor das retribuições sobre que incidiram essas contribuições. O mesmo é dizer que dali não resulta que é imperioso calcular as duas pensões teóricas respeitantes a cada um dos períodos de contribuições em causa e, em função desses resultados, repartir o benefício pago pelo CNP. Isto é, mantemos o entendimento de que é consentânea com o teor do clausulado, a interpretação segundo a qual o cálculo referenciado na dita cláusula deve fazer-se ponderando exclusivamente os anos que formam a carreira contributiva, assentando numa divisão pro rata temporis”

Discordando desse entendimento o Recorrente defende que, nos termos da clª 136º do ACT do Sector Bancário, o benefício a considerar corresponde ao benefício decorrente das contribuições feitas no período em que a autora, enquanto trabalhadora bancária, esteve integrada no regime de segurança social, e que esse benefício, o montante da pensão paga pela segurança social, calculada nos termos do Decreto-Lei nº 187/2007, de 10.5., não considera apenas o factor “tempo” mas o factor tempo e o factor “montantes das retribuições que serviram de base às contribuições”, concluindo que havendo na mesma carreira contributiva duas grandezas de contribuições que se integram para determinar o valor unitário da pensão, deve ater-se na determinação do montante a deduzir, de acordo com a clª 136º do ACT, ao peso específico que as prestações sociais correspondentes ao período em que a autora desempenhou funções laborais para o Recorrente.

Mais precisamente entende o recorrente que  a “pensão de abate”, o “benefício” do CNP que lhe cabe recuperar, é a que resulta da diferença, repartida proporcionalmente entre o banco e a trabalhadora, entre duas pensões teóricas, apuradas isoladamente, uma pelo tempo extra banco, que reverte para o trabalhador, outra pelo tempo de banco (o período concorrente com o de sector bancário), que reverte para a instituição, apuradas segundo as regras de cálculo do regime da segurança social consagradas no D.L. nº 187/2007, de 10 de Maio, (neste relevando, além do tempo, por via da taxa de formação da pensão, o valor das remunerações e correspondentes contribuições efectuadas, por via da remuneração de referência), e não da aplicação de uma regra de três simples pura, ou pro rata temporis,

Ou seja, no entendimento do recorrente para além do factor tempo, também se deverá atender à relevância das remunerações sobre as quais incidiram as contribuições efectuadas no período em que a Autora fez descontos para a Segurança Social no exercício da actividade bancária.

Sustenta o recorrente tal interpretação, no sentido de que no cômputo das deduções se deve atender ao tempo de contribuições para a Segurança Social e ao montante das retribuições que serviram de base àquelas, na interpretação, da parte final do nº 1 da cláusula 136ª do ACT para o sector bancário e do nº 2 da mesma disposição convencional (clª 94ª do ACT de 2016), quando referem que “nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de segurança social (…) apenas será garantida, pelas instituições de crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e os previstos neste acordo”, e que, para o efeito, “apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de segurança social (…)”, com recurso aos instrumentos de interpretação, literal, sistemático, histórico e teleológico, do preceito, e louvando-se em pareceres subscritos por eminentes professores de direito, e no entendimento acolhido nos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 10.10.2016, proferido no Procº nº 4150/15.0T8MTS.P1, da Relação de Lisboa, de 25.9.2017, Procº nº 9637/16.5T8LSB.L1, além de outras decisões de 1ª instância.

Sucede que, o entendimento acolhido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10.10.2016, Procº nº 4150/15.0T8MTS, como resulta do acórdão proferido pela mesma Relação no Procº 74/19.0T8MTS.P1.S1., veio posteriormente a ser revisto e abandonado por dois dos seus subscritores, em acórdão de 22.6.2020, acórdão esse que veio a ser confirmado pelo acórdão de 14.7.2021 deste Supremo Tribunal, proferido em recurso de revista excepcional em que foi invocado como acórdão fundamento o mencionado acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.10.2016,  e, por seu turno, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25.9.2017, veio a ser revogado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.2.2018, sendo que,

Esta 4ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça já teve oportunidade de se pronunciar sobre questão idêntica, em que estava em causa a interpretação da referida cláusula convencional, firmando sobre a matéria jurisprudência, transponível para caso vertente que mantém actualidade, que se passa a enunciar.

No acórdão de 27.10.2010, Procº nº 1889/06.5TTLSB.L1.S., decidiu-se que:

“1 . Atendendo a que o trabalhador se reformou pela Segurança Social com base num período contributivo de vinte anos, dos quais oito anos respeitam a actividade profissional no sector bancário, o banco empregador deverá descontar da pensão que lhe paga o correspondente a oito vinte avos do valor da pensão da Segurança Social atribuída ao mesmo trabalhador, referente ao período em que trabalhou no banco empregador e sobre o qual foi calculada a pensão resultante da aplicação do ACTV do sector bancário.

2. Na verdade, o banco empregador apenas pode descontar do montante da pensão prevista no ACTV aplicável a parte proporcional da pensão da Segurança Social que corresponda ao período em que o trabalhador exerceu funções no sector bancário, uma vez que o trabalhador não pode receber duas pensões pela mesma prestação de trabalho de oito anos na instituição bancária.

3. Só assim é respeitado o princípio da não acumulação de prestações emergentes do mesmo facto, bem como o princípio constitucional, consagrado no n.º 4 do artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado”.

No acórdão de 6.12.2016, Procº nº 4044/15.0T8VNG.P1.S1:

“1 – Atribuída pela Segurança Social uma pensão de reforma por velhice a um trabalhador bancário em que, para além de 5 anos relativos ao tempo de serviço militar obrigatório, nos termos do artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, foi ponderado um período contributivo por atividade bancária de 3 anos, o banco empregador deverá descontar da pensão que lhe paga o correspondente a 37,5 % do valor da pensão da Segurança Social atribuída ao mesmo trabalhador, referente ao período em que trabalhou no banco empregador e tomado em consideração no cálculo da pensão resultante da aplicação do ACT aplicável.

2. Na verdade, o banco empregador apenas pode descontar do montante da pensão prevista no ACT aplicável a parte proporcional da pensão da Segurança Social que corresponda ao período em que o trabalhador exerceu funções no setor bancário, uma vez que o trabalhador não pode receber duas pensões pela mesma prestação de trabalho de 3 anos na instituição bancária.

3. Só assim é respeitado o princípio da não acumulação de prestações emergentes do mesmo facto, bem como o princípio constitucional, consagrado no n.º 4 do artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do setor de atividade em que tiver sido prestado.

(…)”.

Pronunciando-se especificamente sobre a questão de saber como deve ser calculada a parte da pensão que é paga ao trabalhador bancário pela Segurança Social e que deve ser entregue à instituição bancária nos termos e à luz do disposto na cláusula 136ª do ACT para o sector bancário, decidiu-se, no acórdão de 22.2.2018. Procº nº 9336/16.5T8LSB.L1.S1:

“I. O número 3.º da cláusula n.º 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho para o sector bancário ao referir no seu segundo segmento “entregando estes (os trabalhadores que passem à reforma) à Instituição (de Crédito) a totalidade das quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza” pretende significar que os trabalhadores, na situação de reforma, só têm a obrigação de entregar as quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social referentes ao período de tempo em que exerceram a sua atividade bancária e que efetuaram descontos para a Segurança Social, na sequência da extinção da Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.

II. As expressões utilizadas na referida cláusula “a diferença entre o valor desses benefícios” na parte final do n.º 1, “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou Serviços de Segurança Social” no segundo segmento do n.º 2 e “benefícios da mesma natureza” na parte final do n.º 3, referem-se tão só às pensões, não se podendo afirmar que dos respetivos textos resulte um mínimo de correspondência verbal que possa suportar a interpretação no sentido da introdução de um fator de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efetuadas”.

E no acórdão de 12.7.2018, Procº nº 3312/16.8T8PRT.P1.S1:

“I. O número 3.º da cláusula n.º 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho para o sector bancário ao referir no seu segundo segmento “entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza”, pretende significar que os trabalhadores, na situação de reforma, só têm a obrigação de entregar as quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social referentes ao período de tempo em que exerceram a sua atividade bancária e em que efetuaram descontos para a Segurança Social, na sequência da extinção da Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.

II. As expressões utilizadas na referida cláusula, na parte final do n.º 1 “a diferença entre o valor desses benefícios”, no segundo segmento do n.º 2 “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou Serviços de Segurança Social”, e na parte final do n.º 3 “benefícios da mesma natureza”, referem-se tão só às pensões na parte proporcional ao tempo de contribuições para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário, não resultando dos respetivos textos a introdução de um fator de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efetuadas”.

Mais recentemente, no acórdão de 8.6.2021, Procº nº 2276/20.8VCT.S1, que concluiu que a tese do recorrente não tem o mínimo de apoio na letra da cláusula:

“1. A letra da convenção é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma;

2. Se uma interpretação proposta não tiver o mínimo de apoio no teor literal da cláusula torna-se desnecessário recorrer a outros elementos, já que o recurso aos mesmos não permite fazer vingar tal interpretação, carecendo a mesma do referido mínimo de apoio na letra da cláusula”.

Afirma-se nesse aresto, sobre a interpretação da referida disposição convencional objecto da presente revista, que:

 “ A letra da Lei – aqui a cláusula da convenção – é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, o que é de particular importância nesta sede já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações.

Ora, da letra da cláusula resulta tão-só a garantia de benefícios pelas instituições de crédito, sendo que caso benefícios da mesma natureza seja atribuídos por instituições ou serviços de Segurança Social, aos trabalhadores e seus familiares, as instituições de crédito apenas garantirão a diferença entre o valor desses benefícios e o valor dos benefícios previsto no ACT. Por outro lado, e para o cálculo desta diferença apenas são relevantes os benefícios decorrentes de contribuições pelas instituições ou serviços de segurança social respeitantes a período que contam na antiguidade do trabalhador.

A cláusula refere-se única e exclusivamente ao valor dos benefícios o que, obviamente, e como este Tribunal teve já ocasião de referir, não coincide (nem se confunde) com o valor das contribuições. E quando se refere no nº 2 às contribuições é para mandar atender aos benefícios decorrentes das contribuições em um determinado período e, portanto, para esclarecer qual o período de tempo relevante – o período de tempo relevante para a antiguidade do trabalhador ao serviço da instituição de crédito, mas em que houve contribuições para outras instituições ou serviços de segurança social.

Em suma, a cláusula nunca refere o valor das contribuições. E partindo da presunção do legislador que se sabe exprimir adequadamente há que concluir que não se pretendeu atribuir qualquer relevância ao valor em concreto dessas contribuições. Acresce que não há qualquer remissão para o Decreto-Lei nº 187/2007, nem qualquer referência ao cálculo de duas pensões como pretende o recorrente”,

Idêntico entendimento foi perfilhado no acórdão de 23 de Junho de 2021, Procº nº 2115/20.0T8VFR.S1., subscrito também pela aqui relatora, que decidiu, como nele se sumariou, que:

“1. O nº 3 da cláusula 136º do Acordo Colectivo de Trabalho para o sector bancária (cláusula 98ª do ACT do Banco Montepio) ao referir no seu segmento “entregando estes (os trabalhadores que passem á reforma) à Instituição de Crédito) a totalidade das quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza” pretende significar que os trabalhadores, na situação de reforma, só têm a obrigação de entregar as quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social referentes ao período de tempo em que exerceram a sua actividade bancária e que efectuaram descontos para a Segurança Social, na sequência da extinção da Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.

2. As expressões utilizadas na referida cláusula “a diferença entre o valor desses benefícios” na parte final do seu nº 1, “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou Serviços de Segurança Social” no segundo segmento do nº 2 e “benefícios da mesma natureza” na parte final do nº 3, referem-se tão só às pensões, não se podendo afirmar que dos respectivos textos resulte um mínimo de correspondência verbal que possa suportar a interpretação no sentido da introdução de um factor de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efectuadas”.

Entendimento que, mais recentemente ainda, foi sufragado nos acórdãos, que relatámos, de 14 de Julho de 2021, proferidos nos Processos nº 74/19.0T8MTS.P1.S1, nº 284/20.6T8VLG.S1 e nº 2457/20.4T8OAZ.P1.S1., e de 15 de Setembro de 2021, nos Processos nº 1992/19.9T8PRT.P1.S1. nº 2095/10.1T8BRR.S1.

 

Sendo este o entendimento que subscrevemos, e aqui reiteramos, não vemos razões para alterar a jurisprudência desta Secção sobre a interpretação da cláusula 136º do Acordo Colectivo em causa, e da cláusula, de teor idêntico, 94ª do ACT para o sector bancário de 2016 que lhe sucedeu.

E, tal como nesses arestos foi afirmado, a interpretação dada à cláusula 136ª do ACT do sector bancário e à clausula 98ª do ACT do Montepio [aqui a cláusula 94ª do ACT para o sector bancário], não viola o preceito constitucional vertido no artigo 63º da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que “todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado”, uma vez que tal norma apenas impõe que no cálculo da pensão estatutária seja considerado todo o tempo de trabalho, o que no caso concreto dos autos se verificou.

IV

Face ao exposto acorda-se em negar a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo do recorrente.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 29 de Setembro de 2021

Leonor Cruz Rodrigues (Relatora)

Júlio Manuel Vieira Gomes

Joaquim António Chambel Mourisco