Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6238/16.1T8VNF-A.G1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: TIBÉRIO NUNES DA SILVA
Descritores: AÇÃO EXECUTIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
CONTRATO MUTUO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
VENCIMENTO DA DÍVIDA
PRESCRIÇÃO
INTERPELAÇÃO
Data do Acordão: 01/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : I. Nas dívidas liquidáveis em prestações, de acordo com o regime previsto no artigo 781.º do Código Civil (que não tem natureza imperativa), o não pagamento de uma delas, conferindo ao credor o direito de exigir antecipadamente o cumprimento das vincendas, não o dispensa de interpelar o devedor para proceder ao respectivo pagamento.

II. Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações decorrentes de um contrato de mútuo bancário, desdobradas em quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, com prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.

III. A circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, não altera o dito enquadramento em termos da prescrição.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




I


AA, BB e NATÁLIA PEREIRA, LDA., vieram, por apenso à execução que lhes é movida por CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., deduzir embargos de executado, alegando, em resumo, que:

No requerimento executivo, a Exequente invocou a celebração, em 15 de Dezembro de 2004, de um contrato de empréstimo, no valor de €40.000,00, com a NATÁLIA PEREIRA, LDA. mas não alegou que tivesse feito a esta, mutuária, a entrega do respectivo montante.

O empréstimo terá sido concedido pelo prazo de sete anos, pelo que terminaria a 15 de Dezembro de 2011.

Alega, ainda, a Exequente que os Executados AA e BB constituíram, para garantia do capital mutuado, respectivos juros e despesas, uma hipoteca voluntária, em benefício daquela.

Fez-se constar do contrato junto com o requerimento executivo que o capital do empréstimo seria amortizado em prestações mensais e postecipadas e, juntamente com as prestações de amortização do capital social, seriam pagos os juros relativos ao respectivo mês.

Resulta ainda do contrato que os pagamentos nele previstos seriam efectuados através de uma conta de depósitos à ordem.

Desde Outubro de 2007, a Executada NATÁLIA PEREIRA, LDA. deixou de pagar as obrigações emergentes do contrato que serve de base à execução, facto assumido pela própria Exequente no requerimento executivo, ao liquidar os juros em dívida a partir de 15 de Outubro de 2007.

O débito dos Executados concretizou-se desde a subscrição do contrato de empréstimo operada em 15 de Janeiro de 2005, numa quota de amortização mensal de 84 prestações, iguais, mensais e sucessivas, referentes ao dito capital de €40.000,00, pretendendo a Exequente a satisfação do quantitativo mutuado que entende ainda em débito, no montante de €26.459,37, acrescido dos respectivos juros desde a referida data até Outubro de 2016,

no montante de €34.489,38, comissões no valor de €617,50 e com um agravamento diário de €12,45.

Nada fez a Exequente para cobrar a dívida até ao requerimento executivo, apesar de decorridos quase 10 anos sobre o alegado incumprimento.

Verifica-se a prescrição relativamente às quotas de amortização do capital pagáveis com os juros (€26.459,37) e os juros convencionais (€34.489,38) desde Outubro de 2012, nos termos do art. 310.º, alíneas d), e) e g) do Código Civil, e, uma vez que a obrigação principal e respectivos juros se encontram prescritos, outra não poderá ser a conclusão que não a de que as respectivas comissões e agravamento diário também se encontram prescritos.

Concluiu, dizendo que:

«a) Deve a oposição à execução por embargos deduzida pelos executados ser julgada totalmente procedente por provada,

Caso assim não se entenda,

b) Deve ser declarada a excepção peremptória da prescrição das quotas de amortização de capital, pagáveis com os juros (€26.459,37), os juros convencionais (€35.106,88), comissão e agravamento diário, absolvendo-se os executados do pedido formulado pela exequente;

c) Ordenando-se a extinção da presente execução, com as legais consequências, designadamente o levantamento das penhoras realizadas no presente processo executivo.»


Contestou a Exequente, alegando em síntese, que:

Por força do contrato dado à execução, foi entregue à sociedade mutuária a quantia de €40.000,00, da qual aquela se confessou devedora, tendo todos os Embargantes aposto a respectiva assinatura no documento complementar ao mencionado contrato, em cuja cláusula 1.ª se diz que “o capital emprestado foi  entregue, nesta data, à parte devedora, através de crédito lançado na conta de depósitos à ordem número …, aberta na Agência da Caixa, em … (…), em nome da Sociedade mutuária”,

A CGD cumpriu o ónus de alegação que se lhe impunha.

Ao caso dos autos aplica-se o prazo de prescrição de 20 anos.

Ainda que se atendesse à tese defendida pelos Embargantes, sempre se haveria de ter em conta que a CGD considerou a dívida vencida em Outubro de 2007, data em que a sociedade mutuária deixou de cumprir a obrigação de pagamento das prestações do empréstimo e, em face de tal circunstância, ficou sem efeito o plano de pagamentos acordado, tendo os valores em dívida assumido, em pleno, a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.

É, assim, de concluir que a dívida exequenda não se acha prescrita, inexistindo qualquer fundamento para que os Executados recusem o respectivo cumprimento e devendo ser os embargos julgados improcedentes.

Considerando a 1ª Instância que os autos reuniam as condições para o efeito, proferiu saneador-sentença, julgando os embargos improcedentes.

Inconformados, os Embargantes apelaram para o Tribunal da Relação …, que, alterando a sentença recorrida, julgou parcialmente procedentes os embargos, determinando o prosseguimento da execução apenas relativamente ao valor das últimas quatro prestações de amortização de capital e respectivos juros, cuja data de vencimento foi em 15/10/2011; 15/11/2011; 15/12/2011; e 15/01/2012.

Desta decisão, interpôs recurso de revista a Exequente/Embargada, concluindo as suas alegações pela seguinte forma:

 «…

1. A CGD, ora Recorrente, celebrou com os executados um contrato de mútuo com hipoteca, do mesmo constando como mutuária a sociedade executada “Natália Pereira, Lda.” e como hipotecantes os executados BB e AA.

2. Para garantia do capital, dos respetivos juros e das despesas emergentes do contrato em apreço, BB e AA constituíram hipoteca voluntária sobre a fração autónoma designada pelas letras “..”, descrita na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …/…-“..”.

3. Do referido contrato resulta que o crédito deveria ser restituído mediante prestações mensais que se venceriam ao longo 07 (sete) anos, com início a 15 de janeiro de 2005, incluindo cada uma das ditas prestações uma parte de capital e uma parte de juros.

4. A mutuária deixou de pagar as referidas prestações a 15 de outubro de 2007, o que importou para a CGD o vencimento da totalidade da dívida.

5. Por se ter vencido a totalidade da dívida, a mesma não mais é pagável em prestações, estando a CGD legitimada a exigir o pagamento integral e imediato da dívida após o seu vencimento, o que fez.

6. Nessa conformidade, a dívida em causa não é pagável em prestações desde o seu vencimento integral, em outubro de 2007.

7. Por não ser pagável em prestações, não lhe é aplicável o prazo prescricional especial de 05 (cinco) anos previsto no art. 310.º, al. e) do Código Civil, mas sim o prazo ordinário de 20 (vinte) anos previsto no art. 309.º do Código Civil – sendo esta tese adotada por vária jurisprudência.

8. Por esse motivo, a dívida de capital, que se venceu na sua integralidade em outubro de 2007, não se acha prescrita, uma vez que o seu pagamento foi judicialmente exigido dentro do prazo de 20 (vinte) anos aplicável, a saber, em outubro de 2016.

9. A decisão proferida pelo douto Tribunal da Relação … perfilha-se como decisão violadora dos arts. 309.º e 310.º do Código Civil, bem como, contrária à prova que foi produzida nos autos.

10. Tal decisão deve, desse modo, ser revogada e substituída por outra que julgue os embargos de executado totalmente improcedentes, concluindo-se pela não prescrição da dívida exequenda, sendo o seu pagamento judicialmente exigível através desta ação executiva.»


Contra-alegaram os Recorridos, pugnando pela manutenção do Acórdão impugnado.


*


Sendo o objecto dos recursos definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso, assume-se como questão central, neste caso, a de saber se, diversamente do decidido, não se verifica a prescrição da dívida exequenda, sendo aplicável à situação em apreço o prazo de 20 anos e não o de 5 anos.

II


No Acórdão da Relação, consideraram-se provados os seguintes factos:

«1. No exercício da sua actividade creditícia, a Exequente celebrou o seguinte empréstimo:

- Empréstimo n.º ....., no montante de € 40.000,00 (QUARENTA MIL EUROS), celebrado por escritura pública de mútuo com hipoteca, destinado ao apoio ao investimento da sociedade mutuária, datada de 15 de Dezembro de 2004, em que surge como mutuária a sociedade "Natália Pereira, Lda.", conforme cópia junta de fls. 2 a 9 dos autos de execução, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

2. Para garantia do capital mutuado pelo empréstimo supra descrito, respectivos juros e despesas, BB e AA constituíram uma hipoteca voluntária, em benefício da Exequente, sobre a fracção autónoma designada pelas letras "..", parte integrante do prédio urbano sito na Av. …, freguesia de …, concelho de …, descrita na Conservatória de Registo Predial de … sob o n.º ../..-"..", e inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o art. …º "...".

3. A referida hipoteca foi registada a favor da CGD, ora Exequente, através da Ap. ../.... .

4. A sociedade executada deixou de cumprir as obrigações emergentes do contrato supra identificado.

ii) Com interesse para a apreciação do recurso, deferindo ao requerido pelos Apelantes, aditam-se os seguintes factos e incidências processuais:

5.- No Documento Complementar ao contrato de empréstimo referido em 1., ficaram estabelecidas (além de outras) as seguintes cláusulas:

“1ª – (Entrega da quantia emprestada)

O capital emprestado foi entregue, nesta data, à parte devedora, através de crédito lançado na conta de depósitos à ordem número … aberta na agência da Caixa, em … (…), em nome da sociedade mutuária.

6.ª – (Amortização)

1 – O capital do empréstimo será amortizado em prestações mensais e postecipadas, vencendo-se a primeira em quinze de Janeiro de dois mil e cinco e cada uma das restantes em igual dia de cada um dos meses seguintes.

2- Juntamente com as prestações de amortização do capital serão pagos os juros relativos ao respectivo mês.

13ª – (Incumprimento)

A Caixa poderá resolver, ou rescindir, este contrato e considerar antecipadamente vencida toda a dívida, exigindo o seu imediato pagamento, se o bem imóvel dado em garantia for alienado, onerado, ou por qualquer forma desvalorizado, sem o consentimento da credora, ou se não forem mantidos os seguros previstos, ou ainda se a parte devedora e ou os hipotecantes deixarem de cumprir qualquer das respectivas obrigações assumidas neste contrato.”.

6. - A última prestação que a sociedade comercial Apelante/Executada pagou foi a vencida em 15 de Outubro de 2007.

7.- O requerimento executivo deu entrada em Juízo em 06/10/2016.

8.- De Outubro de 2007 até Outubro de 2016 a Apelada/Exequente não comunicou aos Apelantes/Executados a resolução do contrato de empréstimo referido em 1.»


III


Resulta dos factos provados que a Exequente, Caixa Feral de Depósitos, no exercício da sua actividade creditícia, celebrou com os Executados um contrato de mútuo com hipoteca, mediante o qual, por escritura pública, datada de 15-12-2004, emprestou à Executada "Natália Pereira, Lda." o montante de €40.000,00, sucedendo que, para garantia do pagamento do capital mutuado, respectivos juros e despesas, BB e AA constituíram uma hipoteca voluntária, em benefício da Exequente, sobre a fracção autónoma identificada.

A sociedade executada deixou de cumprir as obrigações emergentes do contrato, verificando-se que a última prestação que pagou foi a vencida em 15 de Outubro de 2007.

De Outubro de 2007 até Outubro de 2016 (data da entrada do requerimento executivo) a Exequente não comunicou aos Executados a resolução do contrato de empréstimo.

A Recorrente alega que:

- Do referido contrato resulta que o crédito deveria ser restituído mediante prestações mensais que se venceriam ao longo 07 (sete) anos, com início a 15 de Janeiro de 2005, incluindo cada uma das ditas prestações uma parte de capital e uma parte de juros;

- A mutuária deixou de pagar as referidas prestações a 15 de Outubro de 2007, o que importou para a CGD o vencimento da totalidade da dívida;

- Por se ter vencido a totalidade da dívida, a mesma não mais é pagável em prestações, estando a CGD legitimada a exigir o pagamento integral e imediato da dívida após o seu vencimento, o que fez;

- Nessa conformidade, a dívida em causa não é pagável em prestações desde o seu vencimento integral, em Outubro de 2007;

- Por não ser pagável em prestações, não lhe é aplicável o prazo prescricional especial de 05 (cinco) anos previsto no art. 310.º, al. e) do Código Civil, mas sim o prazo ordinário de 20 (vinte) anos previsto no art. 309.º do Código Civil – sendo esta tese adoptada por vária jurisprudência.

Cumpre apreciar.

Dispõe o art. 781º do C. Civil:

“Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.”


No acórdão recorrido, considerou-se que:

«É entendimento pelo menos dominante o de que o referido art.º 781.º não tem natureza imperativa, sendo antes um direito concedido ao credor, que este poderá ou não exercer, não prescindindo, consequentemente, da interpelação do devedor.

Com efeito, é pela interpelação que o credor manifesta perante o devedor a sua vontade de aproveitar o benefício que lhe é atribuído.

Neste sentido se pronunciaram, dentre outros, os Acórdãos do S.T.J. de 21/11/2006 e de 27/03/2007 (in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do S.T.J. (C.J., Acs. do S.T.J.), respectivamente, ano XIV, tomo III, pág. 130, e ano XV, tomo I, pág. 154), referindo o primeiro que “O vencimento imediato significa exigibilidade imediata e não que o prazo de pagamento de todas as prestações seja o da primeira prestação em falta”.

Na doutrina, refere o Prof. ALMEIDA COSTA ser a própria interpretação do referido art.º 781.º a impor “a solução de que o credor tenha de interpelar o devedor para exigir antecipadamente as prestações vincendas” (in “Direito das Obrigações”, 12.ª ed. revista e actualizada, pág. 1018 e nota 1).»

Sobre o caso concreto, observa-se que, decerto, foi este o entendimento seguido, face ao que se verteu na cláusula 13.ª do “Documento Complementar”.

Acrescenta-se que:

«(…)  tendo ficado provado que a devedora principal, Apelante/Executada “Natália Pereira, Ld.” pagou a última prestação em 15/10/2007, não fez a Apelada/Exequente prova da interpelação referida.

Não houve, pois, vencimento antecipado das prestações, mantendo-se o calendário previsto no contrato, que não foi resolvido nem rescindido, que releva para a decisão da prescrição.»


Tem-se, na verdade, entendido que, nas dívidas liquidáveis em prestações, de acordo com o regime previsto no artigo 781.º do Código Civil (que não tem natureza imperativa), o não pagamento de uma delas, conferindo ao credor o direito de exigir antecipadamente o cumprimento das vincendas, não o dispensa de interpelar o devedor para proceder ao respectivo pagamento.

Neste sentido, vejam-se, para além dos indicados no acórdão recorrido, por exemplo, os Acs. do STJ de 10-05-2007, Rel. João Bernardo, Proc. 07B841, e de 11-07-2019, Rel. Ilídio Sacarrão Martins, Proc. 6496/16.1T8GMR-A.G1.S1, publicados em www.dgsi.pt, exarando-se no sumário do último, entre o mais, o seguinte:

«I - O vencimento das prestações a que se refere o artigo 781º do Código Civil é um benefício concedido por lei ao credor que, querendo beneficiar dele, deverá manifestar a sua vontade nesse sentido, interpelando o devedor para cumprir imediatamente a totalidade da obrigação.

II - Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas. O vencimento imediato significa exigibilidade imediata, mas não dispensa a interpelação do devedor.»


Concorda-se com o Acórdão recorrido quando nele se considera, perante o teor da cláusula 13ª do documento complementar da escritura – na qual se fez constar que a Caixa poderá resolver, ou rescindir, este contrato e considerar antecipadamente vencida toda a dívida, exigindo o seu imediato pagamento se a parte devedora e ou os hipotecantes deixarem de cumprir qualquer das respectivas obrigações assumidas neste contrato – (destaque nosso, a negrito),  que ficou ao critério da Exequente “resolver” ou “rescindir” o contrato e “exigir” o imediato pagamento das prestações vincendas, não decorrendo, pois, do acordado uma exigibilidade automática das prestações em falta e não se dispensando, por isso, a interpelação da parte devedora.

A Exequente não demonstrou que tenha procedido a qualquer interpelação antes da instauração da execução.

Defende a Recorrente que, por se ter vencido a totalidade da dívida, esta não mais é pagável em prestações, estando a CGD legitimada a exigir o pagamento integral e imediato da dívida após o seu vencimento e não sendo aplicável o prazo prescricional especial de 5 anos previsto no art. 310.º, al. e) do Código Civil, mas sim o prazo ordinário de 20 anos previsto no art. 309.º do mesmo Código.


Preceitua o art. 310º, al. e), do C. Civil:

«Prescrevem no prazo de cinco anos:

(…)

e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros».


Ana Filipa Morais Antunes refere, a propósito desta norma, in “Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade”, Separata de “Estudos em Homenagem ao Prof. Sérvulo Correia”, Edição da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 2010, p. 47, a que se acedeu em https://www.servulo.com/pt/investigacao-e-conhecimento/Algumas-questes-sobre-prescricao-e-caducidade/5279/ (com destaque nosso, a negrito):

«(…)  o preenchimento da situação contemplada na alínea e) do artigo 310.° do C.C. obriga a que se atenda às circunstâncias do caso concreto. Em particular, será relevante, para aquele efeito, o facto de o reembolso da dívida ter sido objecto de um plano de amortizações, composto por diversas quotas, que compreendam uma parcela de capital e uma parcela de juros remu­neratórios.

Este dado tem, como observado, importantes reflexos em matéria de prazo prescricional, na medida em que permite suportar a conclusão de que será apli­cável a referida prescrição quinquenal, e não o prazo ordinário prescricional, previsto no artigo 309.° do C.C.

Na verdade, na situação prevista no artigo 310.°, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida.

Constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra.»


O Tribunal a quo concluiu ser aplicável ao caso o prazo de prescrição do art. 310º, al. e) do C. Civil, apoiando-se em vários arestos do Supremo Tribunal de Justiça.

Assim teve, designadamente, em conta:

-  o Ac. do STJ de 27-03-2014, Rel. Silva Gonçalves, Proc. 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt, no qual se entendeu que:

«1. O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (art.º 309.º do C.Civil); todavia, prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros – art.º 310.º, alínea e), do C. Civil. (…)»;

 - o Ac. do STJ de de 29-09-2016, Rel. Lopes do Rego, Proc. nº 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, também publicado em www.dgs.pt:

«I. Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.

II. Na verdade, neste caso – apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, - a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição»;

- o Ac. do STJ de 23-01-2020, Rel. Nuno Pinto Oliveira, Proc. 4518.17.8T8LOU.A.P1.S1, publicado em https://jurisprudencia.csm.org.pt,  sob a referência ECLI:PT:STJ:2020:4518.17.8T8LOU.A.P1.S1:

«I. - Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização.

II. - Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil.

III. - O art. 730.º, alínea a), do Código Civil deve interpretar-se no sentido de que a hipoteca se extingue pela prescrição da obrigação a que serve de garantia.), publicados os dois primeiros».


No mesmo sentido, pode ver-se, também, por exemplo, o Ac. STJ de 18-10-2018, Rel. Olindo Geraldes, Proc. 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1, em www.dgsi.pt:

«I. O legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do Código Civil.

II. A circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição. (…)».

Outros, ainda mais recentes, têm consagrado este entendimento.

É o que sucede com:

- o Ac. do STJ de 10-09-2020, Rel. Rijo Ferreira, Proc. nº 805/18.6 T8OVR-A.P1.S1, em www.dgsi.pt (com larga recolha jurisprudencial no sentido defendido):

«Às quotas de amortização do capital integrantes das prestações para amortização de contratos de financiamento aplica-se a prescrição quinquenal prevista no art.º 310º, al. e), do CCiv, ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas»;

- ou o Ac. do STJ de 12-11-2020, Rel. Maria do Rosário Morgado, Proc. nº 7214/18.5T8STB-A.E1.S1, também em www.dgsi.pt:

«I – O crédito emergente de um contrato de mútuo bancário, em que, por acordo entre credor e devedor, se prevê a amortização da dívida em diversas prestações periódicas de capital e dos juros correspondentes está sujeito ao prazo de prescrição, previsto na al. e), do art. 310º, do CC;

II – A circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, em consequência de patologias ocorridas no plano do (in)cumprimento do contrato, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.»

Explica-se, no citado Acórdão de 29-09-2016 (Rel. Lopes do Rego), que uma situação como aquela que aqui está em causa configura uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações. E prossegue-se, escrevendo o seguinte:

«Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que – por explícita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.

Ou seja, o legislador entendeu que , neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310º.».


No Acórdão recorrido, considerou-se que:

- No caso em apreço, o empréstimo foi concedido pelo prazo de sete anos, com amortização do capital em prestações mensais, em número de 84, vencendo-se a primeira em 15-01-2005 e a 84ª em 15-01-2012, pagando-se juros juntamente com as prestações de amortização de capital.

- Dado o efeito interruptivo da citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, relativamente à prescrição (art. 323º do C. Civil), concluiu-se que, tendo a execução sido instaurada em 06-10-2016, deve ter-se por interrompido o prazo de prescrição em 11-10-2016 (visto, mais especificamente o disposto no nº 2 do mesmo artigo), sem olvidar que, nos termos do art. 326º, nº1, do C. Civil, a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo (…), e, assim, entendeu-se, considerando o prazo de 5 anos previsto no art. 310º, al. e), do C. Civil,  que as prestações que se venceram em data posterior a 11-10-2011 não estão abrangidas pela prescrição, subsistindo as de 15-10-011, 15-11-2011, 15-12-2012 e 15-01-2012, assim como os juros respectivos, reduzindo-se, nessa medida, a quantia exequenda.

Na linha da jurisprudência mencionada, com a qual se concorda, o Acórdão recorrido não merece reparo, ao aplicar ao caso o prazo quinquenal de prescrição previsto no art. 310º, al. e), do C Civil, razão por que improcede a revista.


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Sumário (da responsabilidade do relator, nos termos do art. 663º, nº 7, do CPC)

1. Nas dívidas liquidáveis em prestações, de acordo com o regime previsto no artigo 781.º do Código Civil (que não tem natureza imperativa), o não pagamento de uma delas, conferindo ao credor o direito de exigir antecipadamente o cumprimento das vincendas, não o dispensa de interpelar o devedor para proceder ao respectivo pagamento.

2. Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações decorrentes de um contrato de mútuo bancário, desdobradas em quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, com prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.

3. A circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, não altera o dito enquadramento em termos da prescrição.


Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

- Custas pela Recorrente.


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Lisboa,14.01.2021

                                     

Tibério Nunes da Silva (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Olindo dos Santos Geraldes


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Nos termos do art. 15º-A do DL nº10º-A de 13.03, aditado pelo DL nº 20/20 de 01.05, o relator declara que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes Juízes que compõem este colectivo.