Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99P529
Nº Convencional: JSTJ00038306
Relator: MARIANO PEREIRA
Descritores: VIOLAÇÃO
ATENTADO AO PUDOR
ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
CRIME PÚBLICO
CRIME SEMI-PÚBLICO
DIREITO DE QUEIXA
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
EXTINÇÃO DO DIREITO DE QUEIXA
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
CRIME CONTINUADO
APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO
LEI APLICÁVEL
RETROACTIVIDADE DA LEI PENAL
Nº do Documento: SJ199907070005293
Data do Acordão: 07/07/1999
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N489 ANO1999 PAG95
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL / CRIM C/PESSOAS.
Legislação Nacional: CONST97 ARTIGO 29 N4.
CPP87 ARTIGO 29 N4.
CP82 ARTIGO 30 N2 ARTIGO 111 ARTIGO 112 ARTIGO 201 N1 N2 ARTIGO 205 N2 ARTIGO 208 N1 A ARTIGO 211 N1 N2.
CP95 ARTIGO 2 N4 ARTIGO 30 N2 ARTIGO 113 N3 ARTIGO 115 ARTIGO 172 N2 ARTIGO 117 N1 A ARTIGO 178 N1 N2.
Sumário : I- No Código Penal de 1982, o crime de atentado ao pudor (artigo 205) -, em regra, semi-público (cfr. artigo 211, n. 1) -, assumia natureza pública, entre outros casos excepcionais, quando a vítima fosse menor de 12 anos de idade (cfr. artigos 211, n. 2).
II- No Código Penal de 1995, também o crime de abuso sexual de crianças (artigo 172) é, em regra, semi-público. Porém, nos termos do artigo 178, n. 2, quando a vítima for menor de 12 anos de idade, o Ministério Público pode dar início ao procedimento «se o interesse da vítima o impuser» («se especiais razões de interesse público o impuserem», era a redacção anterior à Lei 65/98, de 2 de Setembro).
III- Logo, em processo ainda pendente e relativo a factos que, ocorridos em 1990 e 1991, se subsumem aos artigos 205, n. 2, e 208, n. 1, alínea a), do CP/82, e ao artigo 172, n. 2, com referência ao artigo 177, n. 1, ambos do CP/95, a questão da legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal, independentemente de queixa (o direito de queixa não foi exercido pelos seus titulares e acabou por caducar), deve ser apreciada à luz do regime do Código Penal de 1995, porque, na medida em que este exige mais um requisito ("se o interesse da vítima o impuser") do que o de 1982, tem de considerar-se mais favorável ao arguido (artigo 2, n. 4, do CP/95).
IV- Por isso, se, apesar da vítima ser menor de 12 anos de idade, o Ministério Público tiver iniciado o procedimento sem fundamentar, nos autos, expressa e objectivamente, o interesse daquela no seu desencadeamento, deve concluir-se pela sua ilegitimidade para prosseguir a acção penal e determinar-se o arquivamento dos autos.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

Sob acusação do Ministério Público, foi julgado em processo comum e tribunal colectivo, no 1. Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, o arguido:
- A, nascido em 16 de Fevereiro de 1972 em Polvoreira concelho de Guimarães, filho de ... e residente em Polvoreira - Guimarães, sendo-lhe imputado conforme acusação de folhas 81 a 82 e recebida nos seus precisos termos a folha 95: - dois crimes de violação previstos e punidos pelo artigo 201 e 208 n. 1 alínea a) do Código Penal de 1982 e um crime de atentado ao pudor previsto e punido pelo artigo 205 e 208 n. 1 alínea a) do Código Penal de 1982, actualmente previsto e punido pelo artigo 172 n. 2 do Código Penal.
Após julgamento, foi decidido que o direito de queixa dos ofendidos se extinguiu por caducidade tendo o Ministério Público perdido a legitimidade para acompanhar o procedimento criminal promovido e ordenou-se o arquivamento dos autos.
Inconformado recorreu o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto do tribunal "a quo".
Motivou o recurso e elaborou as seguintes conclusões:
- O Ministério Público deu início ao processo, nos termos do artigo 178 n. 2 do Código Penal, dado as vítimas serem menores de 12 anos de idade e viverem em casa dos avós maternos juntamente com o arguido, seu tio, estando os pais emigrados na Suiça.
- Os pais das vítimas tendo tido conhecimento dos factos a partir de 13 de Abril de 1991 não exerceram o seu direito de queixa contra o arguido pelo que houve falta de quem representasse as vítimas para denunciar o arguido.
- Assim estando as vítimas carecidas de protecção familiar houve ponderosas razões de interesse público para que o Ministério Público desse início ao processo no sentido do interesse das vítimas.
- E são critérios de objectividade e de notoriedade que legitimam o interesse em agir do Ministério Público, não tendo que especificar expressamente quais as razões de interesse público existentes no caso concreto.
- A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 172 n. 2 e 178 n. 2 do Código Penal na versão anterior e posterior à entrada em vigor da Lei n. 65/98 e 2 de Setembro e no artigo 48 do Código de Processo Penal.
Pede a revogação da decisão.
Respondeu o arguido defendendo a bondade da decisão e invoca ainda a prescrição do procedimento criminal e, se for caso de condenação, deve beneficiar do regime aplicável aos jovens previsto no Decreto-Lei 401/82 de 23 de Setembro.
Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a audiência oral.
Cumpre decidir.
Factos dados como provados:
1- O arguido é tio materno de B..., nascida em 27 de Junho de 1977, de ..., nascida em 26 de Agosto de 1978 e de C..., nascida em 7 de Setembro de 1982.
2- Com a emigração dos pais para a Suiça, a ..., a ... e a ..., ficaram a viver com os avós maternos, em Polvoreira, nesta Comarca, este até dia 13 de Abril de 1991 e aquelas até 13 de Maio de 1991, datas em que o ... se deslocou para aquele país para junto dos pais e em que a ... e a ... foram viver para casa de uma tia paterna por os seus pais terem tido conhecimento dos factos referidos nos ns. 5 a 8, juntando-se, depois, a estes na Suiça, em 24 de Agosto de 1991.
3- Em casa dos avós dos ofendidos vivia também, na altura, o arguido que dormia no quarto juntamente com o ....
4- A ... e a ... dormiam noutro quarto.
5- A partir de 25 de Junho de 1990 e até 13 de Maio de 1991, por cerca de vinte vezes e à noite, o arguido entrou no quarto da ..., então menor de 11 e 12 anos de idade.
6- De seguida o arguido tirava a roupa que trazia vestido, despia a ofendida, introduzia o pénis na boca e na vagina dela ao mesmo tempo que lhe dizia que lhe batia se contasse o sucedido.
7- Em algumas vezes, o arguido amarrava a ... à cama e tapava-lhe a boca com panos.
8- O arguido também se aproximava da ... quando a avó se encontrava ausente de casa.
9- Durante o ano de 1990 e até 13 de Abril de 1991, por cerca de dez vezes, o arguido aproximou-se do ofendido ..., então menor de 11 e 12 anos de idade, despiu-lhe a roupa e introduziu-lhe o pénis na boca e no ânus.
10- O arguido bem sabia que quando teve relações sexuais com os sobrinhos estes tinham apenas 8-9 e 11-12 anos de idade e apesar disso não se coibiu de repetir tais actos à força e contra a vontade deles, ofendendo os seus sentimentos de crianças, modéstia e vergonha, o que só terminou quando as mesmas abandonaram a casa onde residiam.
11- O arguido teve sempre uma actuação voluntária, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
12- O arguido nega a prática dos factos.
13- Nasceu no dia 16 de Fevereiro de 1972.
14- Iniciou o seu processo de socialização no seio de uma família numerosa e de medíocres recursos sócio-económicos.
15- O ambiente familiar foi sempre caracterizado pela afectividade e coacção.
16- Frequentou a escolaridade, completando o 1. ciclo do ensino básico. Mais tarde concluiu o 6. ano em escola nocturna.
17- Aos 14 anos de idade iniciou a sua actividade profissional, numa empresa têxtil, onde permaneceu 3 anos. Seguidamente passou a trabalhar numa outra, como electricista e começou a deslocar-se à Suiça no mês de Junho de 1991, para cumprir um contrato de trabalho de 5 meses, ligado ao tratamento de vinhas.
18- Trabalha há 4 anos, numa empresa têxtil, no turno nocturno.
19- Contraiu matrimónio em 5 de Setembro de 1992 tendo do casamento uma filha com 3 anos de idade.
20- O relacionamento conjugal é apontado como harmonioso.
21- Na comunidade residencial é tido como um indivíduo educado e trabalhador.
22- Não tem passado criminal e é de modesta condição social.
23- Os ofendidos ... e ... residem na Suiça.


Factos não provados:
Não se provaram os demais factos constantes da acusação e da contestação, nomeadamente, que:
- os factos praticados pelo arguido ocorressem durante todo o ano de 1990 e 1991 e várias vezes por semana
- o arguido dizia à ... que a matava
- o arguido é tido como pessoa de elevado porte moral.

O Direito.
Tendo em atenção as conclusões do recurso, e que o delimitam, o problema que se coloca é o de saber se "in casu" o Ministério Público tem legitimidade, ou não, para exercer a acção penal.
Lê-se na decisão sob censura:
"... Vem imputado ao arguido a prática de um crime de violação previsto e punido pelo artigo 201 e 208 n. 1 alínea a) do Código Penal de 1982 na sua versão originária, na pessoa da ofendida ... e de um crime de atentado ao pudor previsto e punido pelo artigo 205 e 208 n. 1 alínea a) do citado diploma legal. A conduta apurada do arguido preenche objectiva e subjectivamente a previsão dos citados preceitos legais. E à luz do Código Penal revisto pelo Decreto-Lei n. 48/95 de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro de 1995 integra a prática de dois crimes de abuso sexual de crianças previsto e punido pelo artigo 172 n. 2, preenchendo ainda a previsão deste mesmo artigo na redacção dada pela Lei n. 65/98 de 2 de Setembro, entrado em vigor em 8 de Setembro de 1998. Deparou-se, assim, uma sucessão de leis penais no tempo pelo que, nos termos do artigo 2 n. 4 do Código Penal, há que apurar qual dos regimes penais é o concretamente mais favorável ao arguido. E a tal respeito, dizemos, desde logo que o princípio constitucional da obrigatoriedade da aplicação retroactiva da lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido expresso no n. 4 do artigo 29 da C.R.P. e regulado no artigo 2 do Código Penal vale para todas as normas penais, materiais e processuais,... Assim tal princípio será de aplicar também no exercício do direito de queixa que é uma condição de procedebilidade... Portanto, em abstracto uma lei que transforma um crime público em semi-público é mais favorável ao arguido que a anterior. E sê-lo-á em concreto se queixa não havia. Resulta da matéria de facto provada que os factos praticados pelo arguido nas pessoas dos ofendidos ... e ... ocorreram quando estes tinham 11-12 anos de idade e 8-9 anos de idade, revestindo por isso os crimes de violação e atentado ao pudor previstos e punidos pelos artigos 201 e 208 n. 1 alínea a) e artigos 205 e 208 alínea a) do Código Penal de 1982 na sua versão originária, respectivamente, natureza pública (cfr. artigo 211 do mesmo diploma legal. Porém, no regime do Código Penal revisto pelo Decreto-Lei n. 48/95 de 15 de Março, os crimes de abuso sexual de crianças previsto e punido pelo artigo 172 n. 2 e praticado pelo arguido nas pessoas de ... e ... à data menores de 14 anos revestem natureza semi-pública (cfr. artigo 178 n. 1) defendendo o respectivo procedimento criminal de queixa (artigo 49 n. 1 do Código de Processo Penal) a apresentar quando a ofendida for menor de 16 anos pelo seu representante legal e no prazo de 6 meses a contar da data em que tiver tido conhecimento dos factos e dos seus autores. E o Ministério Público só pode na situação supra referida dar início ao processo se especiais razões de interesse público o impuserem (n. 2 do citado artigo 178) ... Porém, não se trata de um poder discricionário do Ministério Público, impondo-se ao mesmo a justificação face a um interesse público claramente demonstrado, da sua iniciativa processual sob pena de se subverter a natureza semi-pública do crime em questão. No caso dos autos, o Ministério Público deduziu acusação em 25 de Setembro de 1997 imputando já também ao arguido a prática de dois crimes previstos e punidos pelo dito artigo 172 n. 2 e não justificou com especiais razões de interesse público a sua iniciativa processual. E nem se vislumbram tais razões dos autos. Também os pais dos ofendidos que tinham ao seu dispor para formulação de queixa o prazo de 6 meses a contar da entrada em vigor da Lei nova - 1 de Outubro de 1995 (artigo 115 do Código Penal) e por isso até 1 de Abril de 1996 não apresentaram qualquer queixa, sendo certo que a ofendida ... contando nesta data 17 anos de idade também o poderia ter feito quanto aos factos a ela respeitantes, não o fez. Sendo assim, forçoso é concluir que o direito de queixa dos ofendidos extinguiu-se por caducidade e o Ministério Público perdeu a sua legitimidade para acompanhar o procedimento criminal promovido...".
Apreciemos.
Os factos tiveram lugar no ano de 1990 e de 1991, pelo que ocorreram na vigência do Código Penal de 1982.
Assim, à luz deste Código os factos integram em relação à ofendida ...:
a - um crime de violação do artigo 201 ns. 1 e 2 e 208 n. 1 alínea a), na forma continuada (cfr. artigo 30 do Código Penal) e dizemos na forma continuada já que existe uma prática reiterada com violação do mesmo preceito incriminador, unidade do propósito criminoso, com conexão temporal e a mesma situação exterior e como que uma sensível uniformidade no processo de actuação.
b - um crime de atentado ao pudor do artigo 205 n. 2 e 208 n. 1 alínea a) também na forma continuada (cfr. supra sobre noção de continuidade criminosa).
Em relação ao ofendido ... um crime de atentado ao pudor do artigo 205 n. 2 e 208 n. 1 alínea a) na forma continuada (vide supra sobre continuação criminosa).
A ..., nasceu em 26 de Agosto de 1978 e o ... nasceu a 7 de Setembro de 1982.
Os factos em relação à ... tiveram lugar entre 25 de Junho de 1990 e 13 de Maio de 1991, pelo que, foi menor de 12 anos de idade, entre 25 de Junho de 1990 e 25 de Agosto de 1990. No dia 26 de Agosto de 1990 completou os 12 anos de idade, deixando de ser menor de 12 anos.
Os factos em relação ao ... tiveram lugar durante o ano de 1990 e até 13 de Abril de 1991, pelo que era menor de 7-8 anos e não menor de 11-12 anos como, certamente por lapso, se diz em relação aos factos provados.
Quanto à necessidade de queixa em tais crimes, referia o artigo 211 daquele Código de 1982 seu n. 1 - nos crimes previstos nos artigos antecedentes o procedimento criminal depende de queixa do ofendido, do cônjuge ou de quem sobre a vítima exercer poder paternal, tutelar ou curatela.
Seu n. 2 - o disposto no número anterior não se aplica quando a vítima for menor de 12 anos, o facto for cometido por meio de outro crime que não dependa de acusação ou queixa, quando o agente seja qualquer das pessoas que nos termos do mesmo número anterior tenha legitimidade para requerer procedimento criminal ou ainda quando do crime resulte ofensa corporal grave, suicídio ou morte da vítima.
Desta norma resulta que tais delitos revestem a natureza de semi-públicos, excepto quando se verificar o circunstancialismo referido no n. 2, já que neste caso a sua natureza é pública, competindo a iniciativa do procedimento criminal ao Ministério Público, nos termos do artigo 48 do Código de Processo Penal.
E como tem sido doutrinariamente entendido o fundamento da natureza semi-pública destes crimes é querer a lei dar à pessoa ofendida ou ao seu representante a possibilidade de escolha entre a perseguição do crime, com o consequente escândalo que, em regra, lhe está ligado, e o esquecimento e recato (cfr. mais fundamentadamente o Professor Figueiredo Dias in Direito Processual Penal Vol. I, página 121).
Perante este Código, e trazendo à colação a idade dos ofendidos, logo se vê que o Ministério Público em relação ao ofendido ... (na ocasião com 7-8 anos de idade) tinha legitimidade para iniciar a acção penal. Porém, a nosso ver, não tinha legitimidade em relação à ofendida ..., já que quando o facto ilícito se consumou em relação a si (e o crime continuado só se consuma com a prática do último acto criminoso - cfr. artigo 118) já esta menor era maior de 12 anos de idade, pelo que o procedimento criminal estava dependente de queixa, tendo legitimidade para tal as pessoas referidas no n. 1 do artigo 211 acima referido, designadamente os seus pais, os quais nunca apresentaram qualquer queixa pelo que esse direito extinguiu-se, dado o disposto no artigo 112 do mesmo Código, que fulminou com a extinção o direito de queixa que não exercido no prazo de 6 meses a contar da data em que o titular teve conhecimento do facto e dos seus autores.
Prosseguindo na análise.
Entretanto, o Código Penal de 1982 foi alterado pelo Decreto-Lei n. 48/95 de 15 de Março, e que entrou em vigor em 1 de Outubro de 1995 (cfr. seu artigo 13).
À luz deste Código Penal de 1995 a conduta do arguido, quer em relação à menor ..., quer em relação ao menor ..., integra, em relação a cada um, o crime de abuso sexual de crianças na forma continuada previsto e punível no artigo 172 n. 2 com referência ao artigo 177 n. 1 alínea a) (perante até ao 2. grau do agente.
Também, agora, o procedimento criminal depende de queixa nos termos do artigo 178, cabendo, porém, ao Ministério Público dar início ao procedimento quando a vítima for menor de 12 anos se especiais razões de interesse público o impuserem. Em relação ao Código anterior - o de 1982 - existe agora uma diferença; pois, enquanto o 1., para conferir legitimidade ao Ministério Público, se bastava com a menoridade da vítima - menor de 12 anos - o Código de 1995 faz depender essa legitimidade se "especiais razões de interesse público o impuserem" expressão que, após a Lei n. 65/98 de 2 de Setembro que alterou, de novo, o Código Penal, passou a "o interesse da vítima o impuser".
Das diferenças havidas nos regimes, flui que a intervenção do Ministério Público deixou de ser automática, não estando apenas dependente da idade, exigindo a Lei, agora, ao Magistrado que pondere a situação e equacione as vantagens e os inconvenientes apoiado em dados objectivos e que os expresse, para que se possa ajuizar se o interesse da vítima aconselha o desencadeamento da acção. Do exame dos autos, não resulta que o Ministério Público tivesse feito qualquer ponderação alicerçada em factos objectivos, não referindo, designadamente porque relegou os titulares do direito de queixa - os referidos no n. 3 do artigo 113 do Código Penal -. Perante tal posição resulta que o Ministério Público não justificou a sua legitimidade para a acção, concordando-se, assim, com o decidido.
O Código Penal de 1995, nesta parte, é mais vantajoso para o arguido na parte em que a vítima é o ... e daí o arguido na parte em que a vítima é o ... e daí ser o aplicável (cfr. artigo 2 n. 4 do Código Penal).

Perante todo o exposto nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão por razões não inteiramente coincidentes.
Sem tributação.
Lisboa, 7 de Julho de 1999
Mariano Pereira,
Flores Ribeiro,
Brito Câmara,
Martins Ramires.
1. Juízo Criminal de Guimarães - Processo n. 1395/97