Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B278
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS BERNARDINO
Descritores: PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
CONVENÇÃO DE BRUXELAS
REGULAMENTO (CE) 44/2001
Nº do Documento: SJ20080527002782
Data do Acordão: 05/27/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
1. É válida a cláusula estabelecida num contrato de concessão comercial, celebrado em 01.01.2002, entre uma sociedade espanhola, com sede em Madrid (concedente) e uma sociedade portuguesa, com sede em Braga (concessionária), segundo a qual a interpretação e o cumprimento do contrato, com sujeição ao convencionado sobre o direito aplicável – que é, de acordo com cláusula anterior, “o Código de Comércio, o Código Civil e as demais normas legais espanholas que sejam aplicáveis” – “ficam submetidas à jurisdição, com exclusão de quaisquer outros, dos Juízos do Tribunal de Madrid”.
2. A validade dessa cláusula pode afirmar-se quer à luz do disposto no art. 23º, n.º 1 do Regulamento (CE) 44/2001 do Conselho, de 22.12.2000 – cujas disposições são aplicáveis às acções judiciais intentadas posteriormente à sua entrada em vigor – quer face à regra, de conteúdo idêntico, do art. 17º da Convenção de Bruxelas de 27.09.1968, que o Regulamento substituiu entre os Estados-Membros.
3. Estas normas sobrepõem-se às normas de direito interno nacional que dispõem sobre os factores de atribuição da competência internacional e da competência exclusiva dos tribunais portugueses, atenta a regra do primado do direito comunitário e da sua prevalência sobre o direito nacional.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1.

AA - ..., L.da intentou, em 18.10.2006, na Vara Mista de Braga, contra BB IBÉRICA, SA; com sede em ... - Madrid, acção com processo ordinário, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe
- a indemnização de € 367.052,81, pelo insuficiente aviso prévio que lhe concedeu aquando da denúncia do contrato de concessão comercial que vigorava entre as partes; e
- a indemnização de clientela de € 510.483,65,
acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Alegou, para tanto, em síntese, o seguinte:
Em 24.03.95 aderiu a um contrato previamente elaborado pela ré, por via do qual foi designada concessionária exclusiva da marca BB para os concelhos que indica, no Minho.
Em 01.01.2002 aderiu a um novo clausulado, denominado "contrato de concessão de maquinaria agrícola", que lhe foi apresentado pela ré, também sem possibilidade de discutir qualquer das suas cláusulas.
Desde inícios de 1995 tem vindo a representar, vender e promover a venda dos tractores BB nos ditos concelhos, nunca tendo tido outra actividade que não a de representação, comércio e assistência oficinal aos referidos tractores.
Acontece que, por carta datada de 01.09.2005, a ré comunicou-lhe que não pretendia renovar o contrato de concessão em vigor, denunciando este com efeitos a partir de 31.10.2005.
Teve, por isso, a autora, face à perda imediata da concessão comercial, de suspender a sua actividade, visto ser-lhe impossível, no curto espaço de um mês, arranjar uma alternativa viável, que lhe permitisse suportar os custos com pessoal, encargos bancários e demais compromissos.
O pré-aviso concedido pela ré é manifestamente insuficiente para que a autora conseguisse reconverter a sua actividade, e arranjar alternativas viáveis à manutenção em funcionamento da sua empresa e a cláusula que o estabelece é contrária ao princípio da boa fé, e, por isso, nula, tendo até em conta que o contrato durava já há dez anos - pelo que a demandante tem direito a ser indemnizada, nos termos do n.° 2 do art. 29° do Dec-lei 178/86, de 3 de Julho.
E tem direito ainda a uma indemnização de clientela, já que angariou, no decurso do contrato, mais de 300 clientes para os tractores da marca que representou, e que continuam a comprar os produtos representados, em benefício da ré.
Defendeu ainda a autora ser o tribunal da comarca de Braga o territorialmente competente para a acção - não obstante o clausulado no contrato de concessão, que dispõe que ao contrato se aplica o direito espanhol e o foro competente é o de Madrid - explicitando as razões de direito em que se abona.

A ré contestou, começando por arguir a incompetência do Tribunal, sustentando que a interposição da acção no foro bracarense viola o pacto privativo de jurisdição livremente celebrado entre as partes, e constante da cláusula VIII, ponto 9, do contrato de concessão que celebraram em Janeiro de 2002.
Para tanto, não só rejeitou a argumentação aduzida pela autora em defesa da competência do tribunal de Braga, como afirmou a validade do invocado pacto de jurisdição, face ao disposto no art. 23° do Regulamento (CE) n.° 44/2001, de 22.12.2000, do Conselho, relativo à competência judiciária, e ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, que é directamente aplicável a todos os Estados membros, em conformidade com o Tratado que instituiu a CE, e prevalece face às normas reguladoras da competência internacional, previstas na nossa lei processual civil.
Quanto ao fundo, a ré impugnou alguns dos factos alegados pela autora e as conclusões e razões de direito que esta pretende deles extrair, e acrescentou que o contrato cessou por causas imputáveis à demandante, e que esta não colhe direito às peticionadas indemnizações.
Após a réplica da autora, foi proferida decisão (fls. 521 e ss.) a julgar procedente a excepção de incompetência, por violação do pacto atributivo de competência, com a consequente absolvição da ré da instância.

Desta decisão interpôs a autora recurso de agravo.
Sem êxito, porém, já que a Relação de Guimarães, em acórdão oportunamente proferido, negou provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida.
Ainda inconformada, a autora reagiu contra o aludido acórdão, dele agravando para este Supremo Tribunal.
E, a culminar as suas alegações, apresentou as seguintes
CONCLUSÕES:

1ª - O douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães considerou que o pacto atributivo de competência constante no contrato de concessão celebrado pelas partes é válido por respeitar as condições de validade exigidas pelo Regulamento (CE) n.° 44/2001, de 22/12/2000, do Conselho, uma vez que o regime estabelecido neste diploma, designadamente o seu artigo 23°, sobrepor-se-ia às normas internas de competência internacional.
2ª - Defende-se ainda no douto acórdão de que se agrava, que a cláusula de atribuição de jurisdição corresponde a um compromisso de vincada natureza processual, pelo que a lei nova (regulamento CE n.° 44/2001) seria de aplicar imediatamente ao contrato em causa, ainda que este tenha sido celebrado antes da data da sua entrada em vigor.
3ª - Ora, a agravante entende que o Tribunal fez uma errada interpretação da lei e das disposições legais que invocou, tendo ainda negligenciado princípios gerais de direito e disposições relativas à aplicação da lei no tempo;
4ª - Na realidade, a validade substancial dos pactos atributivos de competência tem de ser aferida à luz da lei que estava em vigor quando tais pactos foram firmados e não à luz da nova lei sobrevinda;
5ª - O Regulamento (CE) n.° 44/2001, relativo à competência judiciária é directamente aplicável a todos os Estados membros, em conformidade com o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia e prevalece sobre as normas reguladoras da competência internacional previstas no nosso Código de Processo Civil;
6ª - Contudo, a validade do pacto atributivo de jurisdição constante da Cláusula VIII, ponto n.° 9, do contrato de concessão comercial, terá que ser aferida tendo em conta a legislação em vigor à data em que tal contrato de concessão foi celebrado e não à luz de legislação que entrou em vigor em data posterior, como é o caso do Regulamento (CE) n.° 44/2001, do Conselho.
7ª - É que a aplicação do Regulamento n.° 44/2001 a um pacto de competência anterior à sua entrada em vigor redundaria em violação do princípio da ir retro actividade consagrado, em matéria de aplicação da lei no tempo, no n.° 1 do artigo 12° do Código Civil e reafirmado e desenvolvido na Ia parte do n.° 2 do mesmo preceito.
8ª - A regra de conflitos que se extrai deste artigo 12°, n.° 2, 1ª parte, do Código Civil, é a de que a Lei Nova sobre o regime dos contratos não se aplica aos contratos anteriores, sendo a lei de origem ou lex contractus que regula todos os efeitos dos contratos, quer os efeitos directos, quer os chamados efeitos indirectos.
9ª - O Regulamento (CE) n.° 44/2001, ao considerar bastante que o pacto atributivo de jurisdição deva ser celebrado por escrito ou verbalmente com confirmação escrita, sendo menos exigente do que as regras de competência internacional dos tribunais internos, designadamente as que estão previstas no artigo 99°, n.° 3, alíneas a) e c) do Código de Processo Civil, está a incidir sobre a própria validade (e não apenas sobre os efeitos) dos pactos de competência.
10ª - É que a celebração de convenções sobre a competência (quer de pactos de jurisdição, quer de pactos de competência, quer de convenções de arbitragem) está genericamente sujeita às mesmas regras de formação (atinentes à declaração de vontade e aspectos conexos) e aos mesmos requisitos de validade de qualquer contrato substantivo.
11ª - O estatuto do contrato é determinado em face da lei vigente ao tempo da conclusão do mesmo contrato;
12ª - Assim, não pode dizer-se, como se faz erradamente no douto acórdão recorrido, que o pacto atributivo de competência inserto no contrato de concessão datado de 1 de Janeiro de 2002 é válido à luz do Regulamento Comunitário n.° 44/2001, uma vez que este que só entrou em vigor em 01.03.2002, apesar de se aplicar às acções que entraram em tribunal após esta data, como é o caso da presente.
13ª - A validade do pacto atributivo de competência inserido no contrato de concessão comercial terá que ser aferida tendo por base a legislação em vigor à data da sua celebração, ou seja, terá que ter em conta o artigo 99°, n.° 3, alíneas a) e c) do Código de Processo Civil, o artigo 19°, alínea g) do Dec-Lei 446/85, de 25 de Outubro e igualmente o disposto no artigo 38° do Dec-Lei 177/86, de 3 de Julho.
14ª - A estipulação da jurisdição dos Juízos do Tribunal de Madrid como competente para apreciar os litígios relativos à interpretação e cumprimento do presente contrato de concessão comercial não é justificada por um interesse sério da ré.
15ª - A concessão desenvolveu-se exclusivamente em território nacional, tendo a concessionária a sua sede, stand de vendas e oficina em território português, mais concretamente no concelho de Braga. Ou seja, o contrato de concessão foi sempre totalmente executado em território português.
16ª - Não existe um interesse sério de nenhuma das partes em atribuir a competência aos tribunais espanhóis, o que existe de facto é um capricho da agravada que impõe o exercício do seu poder dominante na relação jurídica que mantinha com a agravante, impondo que esta, se quisesse demandá-la, teria que se deslocar a Espanha, já supondo que tal exigência acarretaria, muito provavelmente, a impossibilidade de exercício dos seus direitos.
17ª - Refira-se ainda que, nos termos do disposto do artigo 38° do Dec-lei 178/86, de 3 de Julho, que instituiu o regime jurídico do contrato de agência "Aos contratos regulados por este diploma que se desenvolvam exclusiva ou preponderantemente em território nacional só será aplicável legislação diversa da portuguesa, no que respeita ao regime da cessão, se a mesma se revelar mais vantajosa para o agente".
18ª - Uma correcta interpretação do referido artigo levará à conclusão de que esta norma também releva no plano da competência internacional e não apenas ao nível do direito dos conflitos, na medida em que do mesmo parece resultar haver que provar que a jurisdição estrangeira, apurada nos termos gerais, irá aplicar um direito que obedece àquele requisito, isto é, ser mais vantajoso para o agente. Logo, não sendo feita essa prova - como aconteceu no caso dos autos - serão competentes os tribunais portugueses.
19ª - No caso dos autos, nem sequer vem alegado que a jurisdição espanhola fosse aplicar uma legislação mais vantajosa para a agravante o que, também por esta via, implica a competência dos tribunais portugueses.
20ª - O ajuizado contrato de concessão constituiu um contrato de adesão, uma vez que não teve oportunidade de discutir qualquer das cláusulas que o mesmo continha, limitando-se a preencher os espaços em branco do documento já previamente preparado para o efeito pela agravada, cujo texto foi igual para a autora como para qualquer outro concessionário BB localizado em Portugal ou em Espanha.
21ª - Deste modo, sempre haveria que verificar a validade do pacto atributivo de competência ás luz das regras especiais das cláusulas contratuais gerais, designadamente do artigo 19° do Dec-lei 446/85, de 25 de Outubro, na qual se estabelece que são proibidas as cláusulas que estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem.
22ª - Ora, tratando-se esta disposição, contida no regime das cláusulas contratuais gerais, de uma verdadeira condição de validade substancial do pacto atributivo de competência em vigor ao tempo da outorga do contrato de concessão, é recorrendo a esta cláusula que irá ser analisado tal pacto e não recorrendo ao Regulamento Comunitário que entrou em vigor posteriormente à outorga de tal pacto inserido no contrato de concessão comercial outorgado em 1 de Janeiro de 2002.
23ª - Conforme resulta da cláusula VIII, ponto 9, do contrato de concessão celebrado em 1 de Janeiro de 2002, foi estipulado pelas partes o seguinte: "A interpretação e o cumprimento do presente contrato, com sujeição ao convencionado na cláusula anterior sobre ò direito aplicável, ficam submetidas à jurisdição, com exclusão de quaisquer outros, dos Juízos do Tribunal de Madrid".
24ª - A competência do Tribunal determina-se pelo pedido da autora, sendo ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão daquela, compreendidos aí os respectivos fundamentos.
25ª - Resulta do pedido que a autora, aqui agravante, peticionou, por um lado, uma indemnização pelos danos causados pelo insuficiente pré-aviso concedido pela ré aquando da denúncia do contrato de concessão comercial; e, por outro lado, uma indemnização de clientela,, que mais não é do que uma compensação devida ao concessionário, após a cessação do contrato, pelos benefícios de que o concedente continua a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente (artigo 33° do citado Dec-lei 178/86).26ª - Assim sendo, face ao alegado na petição, o contrato de concessão teria cessado por denúncia, limitando-se a autora a formular um pedido de indemnização em virtude da denunciante ter feito cessar o contrato sem respeitar o prazo do pré-aviso. E como o direito à indemnização de clientela nasce, precisamente, com a cessação do contrato, formulou a agravante, também, o respectivo pedido.
27ª - Constata-se, pois, que, atendendo aos termos em que foi posta a acção, o contrato estava findo, subsistindo apenas os efeitos posteriores e externos relativamente à relação contratual. O que significa que o presente litígio não se refere a qualquer questão de interpretação do contrato ou sua aplicação. Consequentemente, não lhe é aplicável o pacto de jurisdição invocado na douta sentença recorrida;
28ª - Apesar do Regulamento (CE) n.° 44/2001, ter aplicação às acções entradas em juízo após 01.03.2002, não se pode concluir que as disposições genéricas nele contidas, designadamente o disposto no artigo 23°, afastem as regras de competência em matérias específicas, que regulam a competência judiciária, contidas nas leis nacionais.
29ª - Isso mesmo resulta do disposto no artigo 67° do citado Regulamento Comunitário: na realidade, sempre que existam normas específicas que regulem a competência dos tribunais, estas normas prevalecerão sobre as regras genéricas que advêm do citado diploma comunitário.
30ª - Ou seja, se é aceitável que o Regulamento é directamente aplicável a todos os Estados membros, em conformidade com o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia (artigos 1º, 68° e 76°, e o artigo 8o da Constituição da República Portuguesa) e prevalece sobre as normas reguladoras da competência internacional previstas nos artigos 65°, 65º-A, e 99°, já não pode aceitar-se que as normas genéricas inseridas no mesmo Regulamento, designadamente o invocado artigo 23° se possam sobrepor a normas específicas, criadas para situações específicas ou litígios sobre matérias específicas, como é o caso do artigo 38° do Dec-lei 178/86, de 3 de Julho.
31ª - Sendo o contrato de concessão comercial um contrato juridicamente atípico, tem a nossa jurisprudência e doutrina defendido que o regime do Dec-lei 178/86 (Lei do Contrato de Agência) lhe é aplicável por analogia;
32ª - Dispõe o artigo 38° do citado diploma legal que: "Aos contratos regulados por este diploma que se desenvolvem exclusiva ou preponderantemente em território nacional só será aplicável legislação diversa da portuguesa, no que respeita ã cessação, se a mesma se revelar mais vantajosa para o agente".
33ª - O artigo 38° releva também no plano da jurisdição internacional competente, pois abrange também a electio iudicis uma correcta interpretação do artigo 38° levará à conclusão de que esta norma releva no plano da competência internacional e não apenas no direito de conflitos. Com efeito, na medida em que o artigo 38° determina que «só será aplicável legislação diversa da portuguesa (...) se a mesma se revelar mais vantajosa para o agente», parece haver que provar que a jurisdição estrangeira, apurada nos termos gerais, irá aplicar um direito que obedece àquele requisito. Não sendo feita esta prova, serão competentes os tribunais portugueses, pois ficou por demonstrar que o tribunal estrangeiro aplicaria legislação «mais vantajosa para o agente».
34ª - A não se entender assim, facilmente seria defraudada a intenção do legislador de tutelar o agente, no termo do contrato, caso este haja sido executado, exclusiva ou preponderantemente em território português: bastaria às partes, a fim de contornar esta norma imperativa (artigo 38°), em vez de escolherem um direito material estrangeiro para disciplinar á cessação do contrato, escolher uma jurisdição estrangeira que aplicasse esse direito, ainda que menos vantajoso para o agente! E se a ratio legis do artigo 38° parece implicar a interpretação para que propendemos, a verdade é que ela não se afigura sequer prejudicada sequer pelo elemento literal.
35ª - Esta posição conduz, aliás, a resultados semelhantes aos que expressamente estão previstos em algumas legislações europeias. Assim, a lei espanhola sobre o contrato de agência (lei 12/1992, de 27 de Maio) contém uma disposição «adicional» onde se consagra que «a competência para o conhecimento das acções derivadas do contrato de agência corresponderá ao juiz do domicílio do agente, sendo nulo qualquer pacto em contrário» (...)".
36ª - Assim, não estando demonstrado nos autos que a jurisdição espanhola fosse aplicar aos autos uma legislação mais vantajosa para o concessionário, a competência do tribunal judicial da comarca de Braga resulta também da norma especial imperativa do artigo 38° do Dec-lei 178/86, à qual não se pode sobrepor a norma genérica do artigo 23° do citado Regulamento Comunitário, tanto mais que o próprio artigo 67° deste Regulamento ressalva as disposições que regulam a competência internacional em matérias específicas, como é notoriamente o presente caso.
37ª - Dispõe ainda o artigo 24° do citado Regulamento Comunitário que é competente o tribunal perante o qual o demandado compareça, desde que, conforme ocorreu no caso vertente, a dita comparência não se resuma à mera arguição da incompetência desse mesmo tribunal.
38ª - A competência internacional dos tribunais portugueses e do tribunal judicial da comarca de Braga em especial, determina-se também pela coincidência com as regras de competência territorial interna aplicáveis - princípio da coincidência (artigo 65°, n°1, ai. a) do CPC) - na medida em que o lugar do cumprimento das obrigações, face à disciplina da lei portuguesa, é a do domicílio do credor (artigo 774° do C. Civil);
39ª - A decisão de que se agrava, a ser confirmada, corresponderá na prática a deixar sem tutela os direitos invocados pela agravante, na medida em que esta não tem condições para demandar a agravada em território espanhol. Por outro lado, mesmo que assim o fizesse, seria certo que o tribunal espanhol se haveria de julgar internacionalmente incompetente, atento o facto de também a lei daquele país considerar que "a competência para o conhecimento das acções derivadas do contrato de agência corresponderá ao juiz do domicílio do agente, sendo nulo qualquer pacto em contrário".
40ª - Ao decidir de forma diversa, o douto acórdão recorrido viplou, entre outras, as seguintes disposições legais: artigos 12° e 774° do Código Civil, artigos 65° e 99° do Código de Processo Civil, artigo 38° do Dec-lei 178/86, de 3 de Julho, artigo 19°, alínea g) do Dec-lei 446/85, de 25 de Outubro, artigos 23°, 24° e 67° do Regulamento (CE) n.° 44/2001, de 22.12.2000 e artigo 8o da Constituição da República Portuguesa, pelo que deverá ser revogado.

A agravada apresentou contra-alegações, nas quais conclui pela total improcedência do recurso.
Foram corridos os vistos legais, pelo que cumpre, agora, decidir.
2.

Os factos a ter em conta, com interesse para a decisão, são os que constam do relatório do presente acórdão ( supra, n.°1.), precisando-se que a cláusula VIII, ponto 9, do contrato de concessão que autora e ré celebraram, é do teor seguinte:
A interpretação e o cumprimento do presente contrato, com sujeição ao convencionado na cláusula anterior sobre o direito aplicável, ficam submetidas à jurisdição, com exclusão de quaisquer outros, dos Juízos do Tribunal de Madrid".
E a cláusula anterior (cláusula VIII, ponto 8) refere que em tudo quanto não fique expressamente regulado no presente contrato, aplicar-se-á, com carácter supletivo, o Código de Comércio, o Código Civil e as demais normas legais espanholas que sejam aplicáveis.
3.

No despacho inicial lavrado nos autos, deixou o relator a informação de que, em agravo interposto noutro processo, cujo julgamento se faria com intervenção do plenário das secções cíveis, se curava da mesma questão essencial que é objecto do presente recurso.
E, por isso, determinou que os autos aguardassem a prolação do respectivo acórdão, uniformizador da jurisprudência sobre a dita questão.
Tal acórdão foi j á proferido, e transitou em julgado, achando-se junta aos autos cópia do mesmo (1) .
A norma uniformizadora que dele emanou é do teor seguinte:
A cláusula de atribuição de jurisdição inserida num contrato de agência mantém-se em vigor para todas as questões de natureza cível, mesmo que relativas ao respectivo regime de cessação.
A situação de facto subjacente à questão concreta aí apreciada era a seguinte:
A autora, uma sociedade comercial portuguesa, demandou, numa Vara Cível de Lisboa, uma sociedade italiana, com a qual havia celebrado um contrato de agência, para ver reconhecida a ilegalidade da denúncia do contrato, operada pela ré, com fundamento em que esta não respeitou o pré-aviso adequado, e ser indemnizada pelos prejuízos sofridos por via da denúncia e pela clientela angariada no âmbito do contrato.
A ré contestou, alegando a incompetência do tribunal de Lisboa, por ter sido acordado, e exarado em cláusula do contrato celebrado, ficar reservada exclusivamente à jurisdição italiana - recte, ao tribunal da comarca de Verbania - a competência para dirimir qualquer controvérsia relativa ao aludido contrato.
O acórdão uniformizador proferido pelo plenário das secções cíveis reconheceu a validade da cláusula, a sua natureza de pacto atributivo de jurisdição, e a sua aplicação ao caso concreto em apreço no processo respectivo, concluindo pela competência do referido juízo transalpino.
Concordando-se com a doutrina firmada pelo dito acórdão, que também subscrevemos e que estabelece um precedente judicial qualificado, de natureza persuasiva, e abonando-nos na respectiva fundamentação, para a qual se remete, não podemos deixar de concluir, no caso aqui em apreciação, pela competência dos Juízos do Tribunal de Madrid.
Na verdade, a questão aqui em análise é, como já se tinha salientado, a mesma que foi objecto de apreciação naquele acórdão.
Ainda assim, não deixaremos de referir alguns aspectos particulares da dita questão, cuja importância decorre do relevo que a agravante lhes confere nas conclusões da sua alegação.
A aplicação do Regulamento (CE) n.° 44/2001, de 22.12.2000, do Conselho, a um pacto atributivo de competência anterior à sua entrada em vigor (em 01.03.2002) - como é o caso vertente - é questionada pela recorrente, que vê nessa aplicação a violação do princípio da não retroactividade consagrado no art. 12° do Cód. Civil.
A validade do pacto atributivo de jurisdição constante da cláusula VHI, ponto n.° 9, do contrato de concessão comercial celebrado entre as partes em 01.01.2002j tem, segundo a recorrente, de ser aferida tendo em conta a legislação em vigor à data da celebração do contrato, ou seja, pelo disposto nos arts. 99°/3, ai. a) e c) do CPC, 19°, ai. g) do Dec-lei 446/85, de 25 de Outubro e 38° do Dec-lei 177/86, de 3 de Julho.
Não tem, porém, razão.
Está em causa determinar qual o tribunal competente para conhecer da acção intentada, em 18.10.2006 pela ora recorrente contra a aqui recorrida.
O Regulamento citado é um instrumento "relativo à competência judiciária", cujas disposições visam, antes de mais, "unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial".
Indiscutível é ainda a afirmação do primado do direito comunitário e da sua prevalência sobre o direito nacional.
Conforme preceitua o art. 66º/1 do Regulamento, as suas disposições "só são aplicáveis às acções judiciais intentadas (...) posteriormente à entrada em vigor do presente regulamento".
Assim sucede no caso em análise: a acção foi intentada muito depois da entrada em vigor do Regulamento, que ocorreu, como já se disse, em 01.03.2002 (cfr. o seu art. 76°).
Mas, mesmo que se entenda - na linha de raciocínio que parece traçada no acórdão uniformizador - que é "o quadro legislativo vigente à data do surgimento do contrato" o
aplicável (2), daí não se segue que sejam chamados à liça os normativos, do direito interno português, indicados pela recorrente.
A não se reputar aplicável o Regulamento (CE) n.° 44/2001, o instrumento normativo chamado a dar resposta à questão seria, como flui do discurso do acórdão uniformizador, a Convenção de Bruxelas de 27. 09.1968, que aquele regulamento substituiu entre os Estados-Membros (cfr. art. 6871 do Regulamento), e cujos preceitos igualmente se sobrepunham às normas do direito interno nacional.
Seria, então, a disciplina do art. 17° da Convenção a aplicável, dela resultando a competência do foro madrileno para a presente acção.
Na parte que aqui importa considerar, o aludido normativo dispõe como segue:
Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado Contratante, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado Contratante têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência exclusiva.
Ou seja: estabelece-se uma solução em tudo coincidente com a que resulta da norma do art. 23° do Regulamento, em que a Relação se fundou para confirmar a decisão da 1ª instância.
Estes normativos - seja o art. 17° da Convenção de Bruxelas, seja o art. 23° do regulamento comunitário - estabelecem requisitos de validade formal e substancial, que, no que concerne ao caso em apreço, se mostram observados.
A este propósito logram aqui pleno valimento as considerações que, sobre a mesma temática, foram, expressas no acórdão uniformizador, para as quais remetemos, e das quais decorre a sem-razão de tudo quanto, ex adversu, vem afirmado pela recorrente, escorada em normas que, como vimos, não têm aplicação ao caso.
Não tem aplicação o art. 99° do CPC, porque os factores de atribuição da competência internacional e da competência exclusiva dos tribunais portugueses não valem contra o que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais (arts. 65° e 65°-A do mesmo Código); e são igualmente inaplicáveis os arts. 19°, ai. g) do Dec-lei 446/85 e 38° do Dec-lei 178/86, pelas razões já aduzidas e referidas no acórdão uniformizador: havendo um elemento de conexão com a ordem jurídica de outro Estado Contratante, são as regras da Convenção de Bruxelas (ou, agora, as do Regulamento (CE) 44/2001 do Conselho) as aplicáveis, sobrepondo-se às regras de competência internacional da lex fori.
Ademais, e no que concerne à citada norma do Dec-lei 446/85 - dando de barato que em causa está uma cláusula contratual geral, no sentido que a este conceito é conferido pelo art. 1° deste diploma - a sua inaplicabilidade sempre decorreria igualmente do disposto no art. 33° do mesmo Dec-lei; e, quando assim não fosse, sempre séria de ter em conta, no que toca às valorações exigidas para a afirmação das proibições relativas (as constantes da ai. g) e as das demais alíneas do art. 19°), que, ainda que surjam a propósito de um contrato singular, não devem essas apreciações ser efectuadas de maneira casuística. Vale dizer que "o juízo valorativo não se realiza tomando como referência os vários contratos uti singuli, mas a partir das cláusulas - em si próprias e encaradas no respectivo conjunto - para eles abstractamente predispostas", ou seja, a partir "do tipo negocial abstractamente predisposto". Tal resulta da referência ao "quadro negocial padronizado" constante do corpo do artigo (3) Ora, dificilmente se poderia, neste contexto, afirmar que o estabelecimento do foro de Madrid como competente envolve "graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem".
Quanto ao art. 38° do Dec-lei 178/86, deverá ainda acrescentar-se - aceitando a sua aplicabilidade, por analogia, ao contrato de concessão comercial - que ele apenas resolve o problema da determinação do direito substantivo aplicável pelos tribunais; não tem que ver com a determinação da competência internacional, não contendo qualquer norma de competência judiciária (4). E, por isso, também claudica o argumento que a recorrente pretende extrair do art. 67° do Regulamento (CE) 44/2001, já que este normativo(5) tem apenas em vista as "disposições que, em matérias específicas, regulam a competência judiciária, o reconhecimento e a execução de decisões", não sendo, por isso, aqui aplicável (6).
As demais considerações e argumentos da recorrente, designadamente as que buscam arrimo no disposto no art. 24° do Regulamento que vimos citando, ou na aplicação do princípio da coincidência, previsto no art. 65º/1.b) do CPC, também não merecem acolhimento.
Aquele art. 24° - tal como o seu correspondente art. 18° da Convenção de Bruxelas -estatui a competência do tribunal de um Estado-Membro perante o qual o requerido compareça, mas apenas fora dos casos (para além dos casos, é a terminologia legal) em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento". É uma norma residual, definidora da competência nas situações não expressamente previstas noutras disposições, designadamente no art. 23°. Não aproveita, pois, à recorrente, que em tal normativo não pode fundar a competência do juízo bracarense.
Quanto ao art. 65° do CPC, já ficou dito o suficiente para igualmente se concluir pela sua inaplicabilidade no caso que vimos apreciando. As regras comunitárias, do Regulamento ou da Convenção de Bruxelas, a que se fez alargada referência ao longo deste acórdão, prevalecem sobre as normas nacionais, vazadas nos arts. 65° e 65°-A do CPC, que regulam a competência internacional. A letra de tais preceitos não consente dúvidas a tal respeito: ambos estabelecem regras sobre a competência internacional dos tribunais portugueses, a observar sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais.
É - já o dissemos acima - a afirmação do primado do direito comunitário e da sua prevalência sobre o direito nacional.
A decisão da Relação não merece, pois, qualquer censura.

4.

Nos termos expostos, e sem necessidade de mais alongadas considerações, valendo-nos, quanto ao mais, das razões do supra aludido acórdão uniformizador, nega-se provimento ao agravo, e, em consequência, confirma-se o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 27 de Maio de 2008

Santos Bernardino (relator)
Bettencourt de Faria
Pereira da Silva

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(1) Acórdão de 28.02.2008, proferido no Proc. 07B1321, disponível em WWW.dgsi.pt
(2) Entendimento que não colheu a adesão unânime dos subscritores do acórdão, como se infere da declaração de voto da Exm.ª Juíza Conselheira Maria dos Prazeres beleza e dos Exm.ºs Conselheiros que a essa declaração aderiram.
(3) Cfr. M.J.ALMEIDA COSTA e A. MENEZES CORDEIRO, Cláusulas Contratuais Gerais – Anotação ao Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro, Livraria Almedina Coimbra – 1986, pág.46.
(4) Cfr. Ac. STJ de 14.11.2006, proferido no proc. 06ª3304, disponível em www.dgsi.pt.
(5) Tal como o correspondente nº3 do art.º 57º da Convenção de Bruxelas.
(6) Neste sentido, o acórdão referido na antecedente nota 3.