Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04A1518
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: AFONSO DE MELO
Descritores: LETRA DE CÂMBIO
RELAÇÃO JURÍDICA SUBJACENTE
AVALISTA
EXCEPÇÕES
Nº do Documento: SJ200405270015186
Data do Acordão: 05/27/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4592/03
Data: 10/09/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1 - O art. 17º da LULL considera os interesses envolvidos na circulação do crédito cambiário e a imunidade das excepções respeitantes às relações subjacentes, que não pode ser neutralizada com o mero conhecimento do adquirente da letra da existência e legitimidade das excepções que o devedor poderia opor ao sacador ou portadores antecedentes.
2 - Sendo o aval uma obrigação independente e autónoma - art. 32º, II, da LULL-, o avalista não pode opor ao portador excepções pessoais do seu avalizado, salvo a do pagamento que este lhe tenha feito ou a de outra causa extintiva da obrigação ocorrida nas relações entre ambos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal da Justiça:

Na execução ordinária para pagamento de quantia certa requerida em 4/01/1996, com base em letras de câmbio, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, por "A, SA" contra "B - Sociedade Imobiliária de Areias, S.A.", e outros, C deduziu embargos de executado com o fundamento de que, sendo sua a assinatura que consta da letra de 2 771 217$00 na qualidade de avalista da aceitante B, não existe qualquer relação comercial entre esta e a exequente.
Os embargos foram contestados e julgados improcedentes no despacho saneador, decisão que a Relação confirmou.
Nesta revista o embargante concluiu que o acórdão recorrido fez incorrecta interpretação do art.º 17º da LULL.
A embargada contra-alegou sustentando a improcedência do recurso.
A Relação fixou a seguinte matéria de facto:
"1°. A execução a esta apensa tem por base duas letras, no montante a 1ª: de Esc. 2.329.723$00, com data de emissão de 20/12/93 e de vencimento de 20/02/94, sendo sacador a "A, SA", sacada a "B-Sociedade Imobiliária de Areias, SA" e tendo aposto o seguinte "No seu vencimento Pagará(ão) por esta única via de letra a nós ou à nossa ordem a quantia dois milhões, trezentos e vinte e nove mil, setecentos e vinte três escudos" e a 2ª: de 2.771.217$00 com data de emissão de 20/07/94 e de vencimento de 20/03/94, sendo sacador a "A, SA", sacada a "B-Sociedade Imobiliária de Areias, SA" e tendo aposto o seguinte "No seu vencimento Pagará(ão) por esta única via de letra a nós ou à nossa ordem a quantia dois milhões, setecentos e setenta e um mil, duzentos e dezassete escudos".
2°. Na face esquerda de ambas as letras, por baixo da expressão "Aceite" encontra-se aposto um carimbo e uma assinatura da executada "B, SA".
3°. No verso da 1ª letra junta como doc. 1 a fls. 5 dos autos de execução ordinária, lado esquerdo, por baixo da expressão "Por aval à firma aceitante", foram apostas as assinaturas dos executados D e E.
4°. No verso da 2.ª letra junta como doc.2 a fls. 6 dos autos de execução ordinária, lado esquerdo, por baixo da expressão "Por aval à firma aceitante", foram apostas as assinaturas do embargante e da executada E.
5°. As letras não foram pagas na data dos seus vencimentos".
O recorrente fundamentou os embargos no disposto na parte final do art.º 17º da LULL - ter procedido a exequente conscientemente em seu detrimento:
Isto porque, repete agora, tal resulta de não existir qualquer relação de comércio entre a exequente, sacadora, e a aceitante a quem prestou o aval.
Observe-se, desde já, que a afirmada inexistência da relação de comércio entre a A e a B não exclui que o aceite desta possa ter tido por causa uma relação não comercial e, inclusivamente, uma convenção de favor.
Trata-se de afirmação irrelevante e que foi impugnada.
A exequente, portadora do título, podia exercer os seus direitos da acção cambiária contra a aceitante e o avalista, solidariamente responsáveis para com ela - art.ºs 43º e 47º da LULL.
O art.º 17º da mesma Lei, que consagra o princípio da autonomia do direito do portador do título, permite que, no domínio das relações mediatas, o devedor lhe oponha as excepções fundadas nas suas relações pessoais com o sacador ou portadores antecedentes, se ele procedeu conscientemente em seu detrimento, privando-o de exercer essas excepções.
Trata-se da norma que considera os interesses envolvidos na circulação do crédito cambiário e a imunidade das excepções respeitantes às relações subjacentes, que não pode ser neutralizada com o mero conhecimento do adquirente da letra da existência e legitimidade das excepções que o devedor poderia opor ao sacador ou aos portadores antecedentes.
Não houve in casu circulação da letra, que se manteve nas relações entre a sacadora e a aceitante.
O recorrente invocou apenas essas relações pessoais.
Sendo o aval uma obrigação independente e autónoma - art.º 32º, II, da LULL -, o avalista não pode opor ao portador excepções pessoais do seu avalizado, salvo a do pagamento que este lhe tenha feito ou a de outra causa extintiva da obrigação ocorrida nas relações entre ambos.
O recurso é manifestamente infundado, tal como os embargos.
Nestes termos negam a revista e condenam o recorrente nas custas.

Lisboa, 27 de Maio de 2004
Afonso de Melo
Fernandes Magalhães
Azevedo Ramos