Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2519/06.0TAVCT.G1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
MORTE
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVEL
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DOCUMENTO AUTÊNTICO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
IRREGULARIDADE
DOCUMENTO APÓCRIFO
VALOR PROBATÓRIO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE DIREITO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
LUCRO CESSANTE
PERDA DE ALIMENTOS
CÔNJUGE
FILHO
EQUIDADE
EXCESSO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
CONHECIMENTO OFICIOSO
Data do Acordão: 12/02/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :

I - No presente caso, a decisão de que se pretende recorrer é um acórdão proferido em recurso pela Relação, que não pôs termo à causa. O segmento da decisão do Tribunal da Relação ora posto em causa, ao confirmar despacho da 1.ª instância produzido no âmbito do enxerto cível, não consubstancia uma decisão de fundo, uma apreciação de mérito, não tem natureza de decisão final, antes corresponde a uma decisão interlocutória, que não conhece do objecto do processo. É manifesto e claro que o acórdão recorrido não pôs termo à causa, não conheceu do objecto do processo, nada tendo decidido em definitivo em termos substantivos. Limitou-se a reapreciar um despacho em que se versava uma questão de ordem adjectiva – a modificação objectiva da instância cível aderente – através da alteração no caso apenas do pedido, ao abrigo do disposto no art. 273.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual o pedido pode ser ampliado em qualquer altura até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
II - A decisão em causa era preliminar da apreciação final do pedido cível deduzido pelas demandantes, posteriormente com os contornos diversos (expandidos) da formulação inicial, conferidos pela ampliação admitida, encarada como mera alteração quantitativa do pedido de indemnização, entendida como desenvolvimento do pedido primitivo; o despacho reapreciado era uma decisão intercalar, anterior ao julgamento, que se limitou a pronunciar-se no sentido de admissibilidade de ampliação do pedido cível, sem nada decidir quanto ao seu mérito. Não está em causa a relação processual punitiva do Estado, nem a própria configuração definitiva da obrigação de indemnizar, pelo que deve o recurso, na parte em que a impugna, ser rejeitado, nos termos dos arts. 420.º, n.º 1, al. b), e 414.º, n.º 2, do CPP.
III - A inserção de documento autêntico nos autos é tardia, já que a sua apresentação e junção tiveram lugar já depois de encerrada a audiência de julgamento, mas terá correspondido a uma intenção de “completar” o “duplicado” junto na segunda sessão de julgamento, devendo ser entendido como contributo objectivo para a discussão da causa, com vista a alcançar a verdade material, não podendo configurar actuação menos correcta por parte das demandantes e muito menos a expressar litigância de má fé (assim se adiantando pronúncia relativamente a questão colocada a propósito do segmento seguinte).
IV - A inserção tardia de documento não cabe nas nulidades insanáveis previstas no art. 119.º, nem nas dependentes de arguição previstas no art. 120.º, como aquele do CPP. A alusão feita pela recorrente ao art. 668.º, n.º 1, do CPC, peca por excessiva, sendo despicienda a invocação, por a lei processual penal ter o seu elenco autónomo e próprio de nulidades.
V - A verdade, porém, é que a sentença da 1.ª instância não se baseou nesse documento retardado, como claramente se mostra pela motivação, em que de forma nítida se faz referência ao documento junto em audiência. Sendo certo que a certidão se mostra junta ao processo antecedendo a sentença e que o requerimento de junção da mesma certidão deu entrada em tribunal em 13-10-2008, conforme carimbo respectivo, nada se sabe sobre a data da efectiva junção ao processo. Certo também é que não houve despacho de admissão da certidão em causa, processando-se a sua junção de forma “espontânea”, certo igualmente sendo que a respectiva junção aos autos não foi efectivamente notificada à demandada seguradora, cuja audição obviamente se impunha, sem necessidade de despacho, cumprindo à secção proceder à notificação oficiosamente (o problema surge com estes contornos, porque não tem aqui lugar aplicação da regra das notificações entre os mandatários das partes, vigente no processo civil desde a reforma do DL 183/00, de 10-08 – arts. 229.º-A e 260.º-A, do CPC – parecendo-nos ser de equacionar a sua utilização nos processos em que opere a adesão, uma vez que o art. 111.º do CPP apenas se reporta a comunicação dos actos processuais; a notificação de documentos juntos pela parte não cabe nas categorias das três alíneas do n.º 1 do preceito).
VI - Muito embora tenha procedido então a essa junção – sobre a qual se pronunciou expressamente o acórdão recorrido, comentando que a recorrente juntou exactamente cópia do referido “auto de conciliação” – continua a recorrente no presente recurso, interposto em 25-06-2009, a invocar irregularidade processual, a propósito da junção e da valia probatória de um documento que ela própria junta ao recorrer para a Relação. Não se verifica, pois, qualquer nulidade ou irregularidade.
VII - Conforme estabelece o art. 379.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPP, é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo tal disposição correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, por força do n.º 4 do art. 425.º do mesmo diploma.
VIII - O que transversalmente subjaz a toda a argumentação da recorrente é o valor probatório do documento com base no qual foi fixado o montante de salário auferido pela vítima, com óbvio relevo para a fixação do montante da indemnização por dano patrimonial futuro a atribuir às demandantes, quer encarado na perspectiva de perda de alimentos, quer consubstanciando a vertente de lucros cessantes.
IX - O documento em causa, apodado de apócrifo, padecendo de óbvia incompletude, não foi arguido de falso, nem jamais foi alegada falta de correspondência entre o seu teor, naquilo que constituía o seu núcleo central, e a realidade fáctica transmitida na tentativa de conciliação ao MP, maxime, as declarações da viúva, que tiveram de passar pela necessária aquiescência ou não contradita da entidade patronal, interessada directa que era no assunto, pois que devedora/pagadora da obrigação pecuniária com tais contornos definida, a qual aceitou a existência do acidente, a sua configuração como acidente de trabalho, o nexo de causalidade e os montantes solicitados.
X - De resto o seu valor como prova é de livre apreciação pelo tribunal, e foi-o, em conjunção com outros elementos. A prova plena imperfeitamente constituída vale como prova livre, sujeita ao princípio da livre apreciação ou avaliação da prova.
XI - São totalmente irrelevantes as considerações que os recorrentes fazem no sentido de pretenderem discutir a prova feita no julgamento e de solicitarem que este Tribunal de recurso modifique tal prova e passe a aceitar como realidade aquilo que o interessado pretende corresponder ao sentido do que teria resultado do julgamento. A divergência da recorrente quanto à avaliação e valoração das provas feitas pelo tribunal é irrelevante, pois o STJ não pode considerá-la, sob pena de estar invadir o campo da apreciação da matéria de facto que o tribunal faz de harmonia com o art. 127.º do CPP.
XII - Ao STJ, como Tribunal de revista, apenas compete conhecer de direito, estando impedido de sindicar matéria de facto, cuja apreciação cabe em exclusivo às Relações – arts. 427º e 428º do CPP. A pretensão da recorrente situando-se no plano da matéria de facto, não se contém nos poderes de cognição do STJ.
XIII - Entre os danos patrimoniais que o responsável pela produção de um acidente está obrigado a indemnizar, contam-se os chamados danos patrimoniais resultantes da perda de salários. Em causa está apenas a fixação do montante indemnizatório pelo dano patrimonial futuro, na perspectiva de perda de alimentos, ou de lucros cessantes, para cuja configuração importa, à partida, a consideração do salário auferido pelo falecido.
XIV - A determinação da capacidade de ganho do lesado directo é de ter em conta, quer no terreno do dano patrimonial futuro para efeitos do art. 495.º, n.º 3, do CC, quer para a determinação da indemnização do dano futuro por lucro cessante.
XV - Tratando-se de indemnização de dano por perda de alimentos, há que atender à existência de duas correntes da jurisprudência do STJ acerca da exigibilidade ou não da alegação e demonstração da efectiva carência de alimentos para efeitos de atribuição do direito de indemnização às pessoas referidas no art. 495.º, n.º 3, do CC, situação que não pode ser desligada da problemática, que, a propósito, se suscita no plano da perda de ganho, em sede de danos futuros radicados ou resultantes de incapacidade permanente parcial – no sentido de que basta a alegação dessa incapacidade para poder ser atribuída uma indemnização, podem ver-se entre muitíssimos outros, os Acs. de 05-02-87, BMJ n.º 364, pág. 819; de 07-10-97, revista n.º 513/97, BMJ n.º 470, pág. 569; de 11-02-99, revista n.º 1099/98 - 2.ª, e de 24-02-99, revista n.º 5/99 - 2.ª, BMJ n.º 484, págs. 352 e 359; de 22-09-2001, revista n.º 1979/01 - 7.ª; de 04-12-2008, revista n.º 3728/08 - 2.ª (o ónus de afirmação a cargo do autor basta-se com a invocação da incapacidade permanente parcial).
XVI - Em sentido contrário, pronunciaram-se os acórdãos de 20-10-1971, BMJ n.º 210, pág. 68 (nos termos do artigo 495.º do Código Civil, para ter direito à indemnização basta ter a qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito a alimentos); de 16-04-1974, BMJ n.º 236, pág. 138 (seguindo o anterior); de 14-10-1997, revista n.º 225/97-2.ª, in CJSTJ 1997, tomo 3, pág. 61; de 24-09-1998, processo n.º 663/98-3.ª, in CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 177; de 03-05-2000, revista n.º 308/00-6.ª (o cônjuge da vítima mortal de acidente de viação trem direito a indemnização, por perda dos alimentos previstos no artigo 1675.º, n.º 1, do CC, não tendo para tanto que demonstrar que estava dependente economicamente do falecido); de 22-05-2001, revista n.º 25/01-6.ª; de 27-09-2001, revista n.º 2427/01-6.ª; de 08-07-2003, revista n.º 1360/03-1.ª, in CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 141; de 18-12-2003, revista n.º 4120/03-7.ª; de 02-03-2004, revista n.º 24/04-6.ª; de 26-10-2004, revista n.º 2619/04-6.ª; de 05-05-2005, revista n.º 521/05-7.ª; de 11-07-2006, revista n.º 1835/06-7.ª; de 17-06-2008, revista n.º 1599/08-1.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2860/08-3.ª.
XVII - A prestação alimentícia a que a vítima estaria adstrita por lei sempre teria os seus limites no rendimento frustrado pela morte; por outras palavras, a capacidade de rendimento da vítima determina e condiciona a amplitude da indemnização. Impor-se-ia de seguida outro tipo de análise, qual o de saber, no concreto caso, quais as concretas necessidades de alimentos das demandantes, e mormente da viúva, já que quanto à menor a questão seria hialina, sem necessidade da demonstração da real e efectiva e actual carência de alimentos, atenta a sua idade – 7 meses e 2 dias – à data do decesso do pai.
XVIII - O direito de indemnização fundado em perda de alimentos, assume um carácter restritivo, pois o direito a alimentos circunscreve-se apenas ao que assuma carácter indispensável (art. 2003.º do CC) de acordo com as necessidades (art. 2004.º, como o anterior, do CC).
XIX - Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, compreendendo-se também a instrução e educação do alimentado no caso de ser menor – art. 2003.º do CC.
XX - Sendo a demandante A casada com a vítima há 2 anos e 7 meses, há que ter presente que os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelo dever de assistência (art. 1672.º do CC), o qual, nos termos do art. 1675.º, n.º 1, do CC, compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar, vincando o art. 2015.º do CC que na vigência da sociedade conjugal, os cônjuges são reciprocamente obrigados à prestação de alimentos, nos termos do art. 1675.º, figurando o cônjuge em primeiro lugar na ordem fixada no art. 2009.º para as pessoas vinculadas à prestação de alimentos – n.º 1, al. a). Falecido o marido não mais poderá contar a cônjuge sobreviva com a possibilidade de o seu sustento ser alcançado com a contribuição daquele (coisa diversa é a possibilidade de, atendendo à sua juventude, vir a ingressar no mercado do trabalho e ganhar autonomia económica).
XXI - E quanto à filha, a B, à data da morte do pai, contava 7 meses e 2 dias de idade. Estabelece o art. 1874.º, n.º 1, do CC que pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência, compreendendo o dever de assistência, de acordo com o n.º 2, a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar. E de acordo com o disposto no art. 1877.º, os filhos estão sujeitos ao poder paternal até à maioridade ou emancipação. No conteúdo do poder paternal compete aos pais, no interesse dos filhos, entre o mais, prover ao seu sustento – art. 1878.º, n.º 1. De acordo com o art. 2009.º, n.º 1, al. c), estão vinculados à prestação de alimentos os ascendentes; o pai da demandante B estava, pois, obrigado a prestar-lhe alimentos.
XXII - O dever de sustento não é ilimitado, pois os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos – art. 1879.º do CC. Explicitando, em consonância, o art. 2013.º, n.º 1, al. b), que a obrigação de prestar alimentos cessa quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles.
XXIII - Ressalvada fica, no entanto, a possibilidade de extensão temporal do dever em causa, de ser alargado o terminus ad quem da obrigação de pagar a pensão, através da chamada cláusula de exigibilidade, prevista no art. 1880.º, relativa a despesas com os filhos maiores ou emancipados, pois se no momento em que o filho atingir a maioridade ou for emancipado, não tiver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação de prover ao sustento, e de assumir as despesas relativas à segurança, saúde e educação, na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete. Comummente tem sido entendido que essa formação profissional, universitária, técnica, pode ser alcançada no patamar compreendido entre os 23 e os 26 anos. Daqui se retira que desde que a prestação alimentícia perca a sua razão de ser, deixa de funcionar a referida obrigação, e como é óbvio, a regra do art. 495.º, n.º 3, estabelecendo em sintonia, como se viu, o art. 2013.º, n.º 1, al. b), que a obrigação de alimentos cessa quando aquele que os recebe deixe de precisar deles.
XXIV - Atento o carácter restritivo e limitado deste tipo de indemnização, considerar-se-á no caso presente apenas a alegação de indemnização na vertente de lucros cessantes, porque mais abrangente, baseada na perda absoluta de rendimentos de trabalho do falecido marido e pai das demandantes e de que se aproveitariam, não fosse o seu prematuro decesso, sabendo-se que a indemnização por perda de alimentos seria menor para a demandante filha, não sendo obviamente caso de duplicar, de cumular uma e outra, “absorvendo” a última aqueloutra.
XXV - Como acentuam a doutrina e a jurisprudência, o cálculo dos danos futuros é sempre uma operação delicada, de solução difícil, porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica uma previsão, pouco segura, sobre dados verificáveis no futuro. E por isso é que tais danos devem calcular-se segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que é normal e natural acontecer, com o que em cada caso concreto, poderá vir a acontecer, pressupondo que as coisas seguem o seu curso normal, estando-se perante cálculo feito de acordo com o id quod plerumque accidit; e se, mesmo assim, não puder apurar-se o seu valor exacto, o tribunal deve julgar, então, segundo a equidade.
XXVI - As consabidas dificuldades na determinação da extensão do dano, resultantes da consideração de factores aleatórios e de verificação de factos previsíveis, por vezes muito distantes do tempo da produção do evento danoso e da decisão, demandando projecção relativa a longos prazos de previsão, com realce desde logo para o imponderável da provável duração da vida do lesado (mesmo quando, como no caso, se equaciona situação onde o facto morte já não se traduz num certus an, incertus quando, porque já se mostra verificado o marco da finitude), não viabilizam que à luz da lei constituída fiquemos por um cómodo non liquet.
XXVII - Reconhecida a falibilidade das projecções feitas para o futuro, face a danos futuros previsíveis e determináveis, ponderando uma situação hipotética, que é por definição, uma situação imaginária, irreal, virtual, e temporalmente bem distante no seu conjecturado termo final, há que proceder a uma quantificação do dano patrimonial futuro, que se assuma como compreensível, credível, plausível e aceitável, e fundamentada a partir de parâmetros actuais – considerado o tempo da decisão – e tendo em conta a dinâmica própria da vida, nas suas multifacetadas aparências e interacções, e uma natural evolução dos dados em equação.
XXVIII - Entre os factores a ter em consideração na análise tendente a uma quantificação equilibrada, adequada, proporcional e tendencialmente equitativa e justa, do dano futuro, na componente lucro cessante/ganho frustrado, emergente de incapacidade/desvalorização permanente para o trabalho, em que há apenas uma redução da capacidade de ganho, com maior ou menor grau de amplitude, mas também extensível a caso de perda absoluta e definitiva dessa capacidade de obtenção de rendimentos de trabalho, seja por efeito de incapacidade total, a 100%, do sobrevivo, seja por efeito da morte do sujeito - fonte produtiva de réditos, há que atender à natureza da responsabilidade na eclosão do acidente estradal, ponderando se objectiva, baseada no mero risco; se fundada na mera culpa, na culpa grave, na negligência grosseira; à eventual responsabilidade partilhada, com concorrência de culpas, e neste caso, ao eventual grau de concorrência da vítima para a produção do evento danoso; a idade da vítima ao tempo do acidente; a idade normal de reforma e a ponderação de prolongamento da vida activa para além da reforma; a duração do tempo provável de vida ou expectativa de vida do cidadão médio; o aumento da própria longevidade, divergindo os números consoante se trate de homem ou de mulher; a consideração de que a longevidade profissional será maior para quem trabalha por conta própria; o grau/percentagem de incapacidade para o trabalho (no caso de mera lesão – lesado sobrevivente); a natureza do trabalho; o salário auferido pelo lesado/vítima; o rendimento anual perdido ou frustrado (suposto o exercício efectivo de profissão, actividade ou ocupação – de quem já está (estava) no mercado do trabalho – e consequentes remunerações); a expectativa de aumento da retribuição; a perenidade ou transitoriedade do emprego; a progressão (e não congelamento) profissional na carreira; a possibilidade de exercício de outra actividade profissional; a taxa referencial de juros remuneratórios do capital atribuído; o desconto/dedução/acerto devido pelo benefício da antecipação, da entrega do capital de uma só vez, com vista a impedir enriquecimento indevido; a dedução de parte do rendimento auferido destinado a despesas próprias; o até há pouco crescente aumento do nível dos salários, que passou a ser uma variável com tendência para cair em desuso e com proclamada e séria tendência para avançar em sentido oposto – leia-se, descendente, minguante”, a evolução do custo de vida e da inflação; a flutuação do valor do dinheiro; a carga fiscal, tendencialmente, no sentido ascendente, bem como as indemnizações atribuídas precedentemente em casos semelhantes.
XXIX - Neste particular, os critérios válidos para a determinação da indemnização por danos futuros, por perda da capacidade de ganhos, para os casos de grandes incapacitados sobrevivos, com incapacidades totais e absolutas, da ordem dos 100%, sê-lo-ão igualmente para o caso de decesso do lesado, em que a perda é definitiva e rotunda.
XXX - Neste caso, o que está em causa é o ressarcimento do prejuízo económico que as familiares irão sofrer por virtude da frustração de ganhos futuros, da perda absoluta e definitiva de rendimentos de trabalho que seria realizado pelo falecido não fosse o seu decesso. Pretende-se em tais situações encontrar o capital que permita realizar o quantitativo, a “pensão” anual correspondente à perda de vencimento verificada, a atribuição de uma quantia que produza, no período que houver de ser considerado, o rendimento correspondente à perda económica que se verifica (ou que o lesado sofreu, ou irá sofrer, ou deixará de auferir), mas de tal modo que, no fim desse período, essa quantia se ache esgotada.
XXXI - Após uma primeira aproximação pelo acórdão de 09-01-76, BMJ, n.º 253, pág. 157, onde se definiu que a indemnização destinada a reparar o dano resultante duma actividade deve ser fixada numa importância que renda o quantitativo em dinheiro sensivelmente aproximado ao que o sinistrado auferia em resultado da sua actividade profissional, a partir do acórdão de 10-05-77, BMJ n.º 267, pág. 144, a jurisprudência acolheu a solução de que indemnização em dinheiro do dano futuro de incapacidade permanente a pagar ao lesado, deve “representar um capital que se extinga no fim da sua vida activa e seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho”. Acresce a ideia da necessidade de ponderação do desgaste do capital, ao longo do período de vida considerado na fixação da indemnização.
XXXII - É jurisprudência corrente a de que a indemnização do dano patrimonial futuro decorrente de incapacidade permanente deverá corresponder a um capital produtor de rendimento equivalente ao que a vítima irá perder (no nosso caso, de morte da vítima, ao rendimento de trabalho definitivamente perdido), mas que se extinga no final da vida activa ou do período provável de vida da vítima e que seja susceptível de garantir, durante essa vida ou período, as prestações periódicas correspondentes ao rendimento perdido, às perdas de ganho.
XXXIII - Como critérios de determinação do valor a capitalizar, produtor do montante de indemnização por redução de capacidade laboral e/ou perda aquisitiva de ganho, a jurisprudência foi lançando mão de vários métodos de cálculo e tabelas matemáticas e financeiras, que após uma inicial aceitação, embora sempre sem perder de vista que elas não representam mais do que métodos de cálculo, vem anotando que apesar da sua reconhecida utilidade, assumem uma natureza de meros indicadores, não dispensando a intervenção do prudente arbítrio do julgador com recurso à equidade, afirmando-se em alguns acórdãos a prescindibilidade de tais fórmulas ou tabelas.
XXXIV - O STJ vem reiteradamente entendendo que no recurso às fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras para a fixação dos cômputos indemnizatórios por danos futuros/lucros cessantes, têm estas de ser encaradas como meros referenciais ou indiciários, só relevando como meros elementos instrumentais, instrumentos de trabalho, com papel adjuvante, que não poderão substituir o prudente arbítrio do tribunal e a preponderante equidade.
XXXV - Partindo necessariamente da idade do lesado/vítima mortal, tendo em conta a sua idade à data do acidente (ou à data da fixação da incapacidade), há que projectar a previsível duração de vida, o tempo provável da vida, não só enquanto “trabalhador”, portador de força de trabalho, fonte produtiva de património, geradora de rendimentos, mas também enquanto “pessoa” e “cidadão”, que vive para lá do tempo da vida activa, além do tempo da reforma. O entendimento em torno da consideração do termo do período de vida activa do lesado tem vindo a sofrer inflexões.
XXXVI - A esperança de vida a considerar é a esperança média de vida e não o tempo provável de vida activa – a vida activa é mais longa que a laboral, prolongando-se em alguns casos para além dos 70 anos. Uma outra indicação neste plano é dada por via legislativa, como decorre do art. 7.º, n.º 1, al. b), da Portaria n.º 377/2008, de 26-05 (alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06), ao estabelecer as regras e critérios a que deve obedecer a proposta razoável para indemnização dos danos patrimoniais futuros nas situações de incapacidade permanente absoluta, prescreve que para cálculo do tempo durante o qual a prestação se considera devida, presume-se que o lesado se reformaria aos 70 anos de idade.
XXXVII - Neste segmento há que ter em conta o salário auferido pelo lesado ao tempo do acidente e sua eventual evolução até ao tempo da reforma. No caso concreto ficou provado o montante mensal de 1073, 76 €.
XXXVIII - Um dos critérios de referência a ponderar na fixação dos valores de indemnização é a taxa de juro, a taxa de rentabilidade do capital a fixar como indemnização, uma taxa de rendimento previsível para as aplicações a médio e longo prazo. Inicialmente foi utilizada a taxa de juro máxima das operações bancárias passivas e depois considerada uma taxa de 9% e outras inferiores. Na aplicação deste critério há que atentar em que quanto mais baixa for a remuneração do capital, o que hoje é patente em face da continuada descida das taxas de juros para poupança, maior quantidade daquele será necessária para alcançar um montante que resista ao paulatino desgaste.
XXXIX - Essa dificuldade de rentabilização de uma indemnização, de modo a que a mesma se tenha por esgotada ao fim do período de tempo que for de considerar, é factor que joga desfavoravelmente para o devedor daquela, a ter em conta no recurso à equidade.
XL - Após determinação do capital há que proceder ao desconto que se traduz num ajustamento devido às circunstâncias de o lesado, ou como no caso, outro credor da indemnização, perceber a indemnização por junto, que o capital a receber pode ser rentabilizado, produzindo juros, e que se impõe que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado. Trata-se de subtrair o benefício respeitante à recepção antecipada de capital, de efectuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado, ou credor, à custa alheia. Na quantificação do desconto em equação a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33%.
XLI - Estando em causa indemnização por danos patrimoniais futuros previsíveis, de frustração de ganhos, próprios ou de terceiros, a jurisprudência tem tido em conta a dedução no cômputo da indemnização da importância que o próprio lesado gastaria consigo mesmo durante a sua vida, o dispêndio relativo a necessidades próprias, a satisfação das despesas pessoais, que o lesado necessariamente teria com ele próprio mesmo que o acidente se não produzisse, apontando-se, em alguns acórdãos, em média, para o desconto de 1/3 dos proventos auferidos, ou noutra perspectiva, que vem dar ao mesmo, tendo-se em conta uma contribuição do lesado para o agregado familiar, na ordem de 2/3 do rendimento global.
XLII - Este desconto está presente, quer na hipótese de incapacidade permanente para o trabalho, apenas parcial, ou geral, ou completa/absoluta, em que o lesado apenas sobrevive (algumas vezes em casos de incapacidade absoluta, geral e permanente, como nos casos de paraplegia ou tetraplegia, prolongando-se o conceito de vida, por vezes, tão só, no plano de vida vegetativa), como no caso de morte.
XLIII - Entende-se que será efectivamente de operar o desconto em causa no caso de morte, porque é dispêndio que obviamente o falecido deixará de ter de suportar, que não se efectivará, devendo ter-se em conta a dedução de um terço do rendimento global, cabendo às demandantes apenas o remanescente de 2/3 do montante auferido pela vítima, por corresponder à efectiva privação de que padecerão, sendo dessa ordem de grandeza o montante dos lucros cessantes.
XLIV - Por último, ter-se-ão em consideração o sentido das decisões sobre a matéria em causa, os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito. Os padrões de indemnização que vêm sendo adoptados pela jurisprudência, nomeadamente os mais recentes, constituem também circunstância a ter em conta no quadro das decisões que façam apelo à equidade.
XLV - A sentença de 1.ª instância fixou a indemnização pela “perda de ganho” em € 300 000, a atribuir em partes iguais a cada uma das demandantes, valor confirmado pela Relação, acrescido de juros de mora, à taxa legal.
XLVI - No cálculo a efectuar há que ter em consideração a idade da vítima à data do acidente, a natureza do trabalho que desempenhava, o salário auferido, o tempo provável de vida activa e os demais factores assinalados. À data do acidente, ocorrido em 13-12-2006, a vítima tinha 28 anos. Trabalhava como segurança, auferindo o vencimento mensal de € 1073,76, com o que sustentava o agregado familiar composto por si, mulher e a filha. A reforma chegaria aos 65 anos, sendo de projectar um acréscimo de vida activa até aos 70; as demandantes referem vida activa até aos 75 anos, o que não é de acolher.
XLVII - Tudo ponderado, a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro, lucro cessante, reflexo de perda da capacidade aquisitiva de ganho do falecido, fixa-se o montante de € 200 000, a atribuir a ambas as demandantes. Tratando-se de um valor em cuja fixação interveio juízo de equidade e fixado agora, acrescerão juros de mora à taxa legal, desde a data desta decisão.
XLVIII - É de colocar, oficiosamente, a questão de nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia, relativamente ao conhecimento do recurso interposto pelo ISS/CNP. Nos termos dos arts. 2.º e 3.º, do DL 58/89, de 22-02, o ISS/CNP formulou pedido de condenação da demandada seguradora no pagamento da quantia global de € 7607,88, a título de reembolso das quantias pagas à viúva e filha relativas a subsídio por morte e pensões de sobrevivência, tendo requerido a ampliação do pedido na 2.ª sessão de julgamento, o que foi deferido.
XLIX - A sentença, denegando o direito a reembolso de prestações de segurança social, julgou improcedente a pretensão do interveniente, absolvendo a demandada seguradora deste pedido. O interveniente ISS/CNP interpôs recurso da decisão absolutória. Por despacho de 11-02-2009 foi rejeitado, por intempestivo, o recurso apresentado “passados mais de trinta dias” em 26-11-2008. Havia já sido proferido despacho a admitir os recursos interpostos pela demandada seguradora relativos a despacho intercalar e da sentença final.
L - A secção de processos notificou todos os intervenientes do conteúdo dos despachos de admissão/rejeição dos recursos, incluindo o Exmo. Mandatário do interveniente ISS/CNP. Não foi apresentada qualquer reacção à referida rejeição do recurso, não tendo o interveniente ISS reclamado do despacho de não admissão. Não obstante o despacho de não admissão do recurso tenha transitado em julgado, o recurso foi apreciado pela Relação, que, violando o caso julgado formal e exorbitando a sua própria jurisdição, decidiu conhecer do recurso interposto pelo ISS/CNP, concedendo provimento e revogando nessa parte a sentença recorrida, substituindo-a por outra a condenar a seguradora no pagamento da quantia de € 7 607, 88, referente ao subsídio por morte e pensões de sobrevivência.
LI - Na verdade, esta reapreciação nunca poderia ter existido, por não fazer parte da instância recursiva apresentada à Relação, a qual tinha os seus contornos e limites traçados em termos definitivos. Ao pronunciar-se sobre uma pretensão recursória que fora rejeitada, por interposta fora de tempo, o acórdão recorrido cometeu nulidade por excesso de pronúncia, por conhecer de questão de que não podia tomar conhecimento, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, sendo a nulidade de conhecimento oficioso – n.º 2 do mesmo preceito, aplicável por força do n.º 4 do art. 425.º do mesmo Código.
LII - Como resulta do art. 414.º, n.º 3, do CPP, a decisão do tribunal a quo que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou regime de subida não vincula o tribunal superior. Mas no caso a decisão do tribunal a quo foi no sentido de não admissão do recurso por ter sido interposto fora de tempo, sendo certo que o recorrente não reclamou. O acórdão recorrido não justifica a opção de reapreciação, que não se consegue descortinar ao longo de todo o texto, a qual no caso teria necessariamente de passar por uma decisão a considerar o recurso como tempestivo. Sendo nulo o acórdão recorrido no segmento referido, fica a valer a decisão da primeira instância de sentido absolutório.

Decisão Texto Integral:

No âmbito do processo comum, com intervenção de tribunal singular n.º 2519/06.0TAVCT, do 2.º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, foi submetido a julgamento o arguido AA.
Pela assistente/demandante BB, por si e em representação da filha menor CC, foi deduzido pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais contra DD – Companhia de Seguros, S.A.
E nos termos do Decreto-Lei n.º 58/89, de 22-02, o Instituto de Segurança Social/Centro Nacional de Pensões formulou pedido de reembolso contra a mesma seguradora, na quantia global de € 7.607,88, a título de reembolso das quantias pagas à viúva e filha do falecido EE, a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência.

Realizado o julgamento, por sentença de 21 de Outubro de 2008, constante de fls. 490 a 532, do 2.º volume, foi decidido:
Na parte criminal
Condenar o arguido pela prática de um crime de homicídio negligente, com negligência grosseira, p. p. pelo artigo 137.º, n.º s 1 e 2, com referência aos artigos 15.º, alínea b) e 26.º, do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, suspensa na execução pelo período de dois anos.
Na parte civil:
a. Condenar a demandada DD, no respeitante ao pedido de indemnização cível formulado por BB, no pagamento da quantia global de € 414.790,00, nos seguintes termos:
aa. € 304.790,00, a título de danos patrimoniais, sendo a demandante BB beneficiária da quantia de € 154.790,00 e a demandante CC beneficiária da quantia de € 150.000,00, aos primeiros acrescendo juros moratórios, à taxa legal, vencidos e vincendos contados desde a data da notificação para contestar; e
bb. € 110.000,00, a título de danos não patrimoniais, a atribuir em duas partes iguais a cada uma das demandantes, num valor de € 55.000,00, acrescendo juros moratórios, à taxa legal, vincendos desde a data do trânsito em julgado da presente sentença.
b. Absolver a demandada DD do demais contra si peticionado.

Inconformada com o assim decidido, a demandada seguradora DD interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, restrito à parte cível, apresentando a motivação de fls. 546 a 553 (em original, fls. 571 a 578).
Anteriormente a seguradora interpusera recurso do despacho de 05-09-2008, de fls. 442, que admitiu a ampliação do pedido cível formulado pela demandante, apresentando então a motivação de fls. 466 a 468, tendo este recurso subido com o interposto da sentença.
O interveniente Instituto de Segurança Social/Centro Nacional de Pensões interpôs recurso da sentença absolutória da demandada, apresentando a motivação de fls. 560 a 568, e original de fls. 615 a 623.
Contra alegaram as demandantes, conforme fls. 631 a 640, e em original fls. 642 a 651, respondendo ao recurso da seguradora.

Por despacho de fls. 652 foram admitidos os recursos interpostos pela demandada seguradora do despacho de fls. 442 e da sentença final.
Por despacho de fls. 653 foi rejeitado, por intempestivo, o recurso interposto de fls. 560 a 568, e em original de fls. 615 a 623, pelo interveniente Instituto de Segurança Social/Centro Nacional de Pensões, actualmente Instituto de Segurança Social, I.P.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25 de Maio de 2009, constante de fls. 669 a 711, foi deliberado:
- Negar provimento aos recursos interpostos pela DD, quer o intercalar interposto a fls. 466 do despacho de fls. 442, quer o interposto a fls. 546 da sentença, confirmando-se as decisões recorridas;
- Conceder provimento ao recurso interposto pelo ISS/CNP, revogando nessa parte a decisão recorrida que foi substituída por outra a condenar a ré DD no pagamento de € 7.607,88, referente ao subsídio por morte e pensões de sobrevivência.

Inconformada com o assim decidido, a demandada DD - Companhia de Seguros, S.A. interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando a motivação, em original e formato completo, de fls. 780 a 794, que remata com as seguintes conclusões:
1ª) Alegado um facto em juízo, seja o valor salarial da vítima do sinistro, não pode a alegação doutro e diferente facto, i.e. outro e diverso valor salarial do primordialmente alegado, ser considerada uma ampliação do pedido senão com prejuízo do princípio da auto-vinculação e da responsabilidade das partes, bem como os do contraditório e da estabilidade da instância;
2ª) Encerrada a audiência de discussão e julgamento dos autos não podia, senão em sede de recurso e respectiva admissão em tal sede, ser junto aos autos mais documento algum, com vista à produção de prova da factualidade em instrução, discussão ou julgamento da causa;
3ª) E tal documento efectivamente junto após o fecho da produção de prova e produção das alegações orais, e sobre o qual nenhum despacho de admissão recaiu nos autos, nem do qual a contra-parte foi notificada nem teve alguma comunicação ou conhecimento nos autos, é absolutamente inexistente, em termos processuais, e incapaz de aí constituir prova do que quer que seja;
4ª) Daí que a sua invocação pelo tribunal a quo para fundamentar a pretensamente válida constituição e aquisição probatória de determinado salário fixado pelas instâncias constitua, tal como sucedia no primeiro recurso, uma irregularidade e/ou nulidade cuja sindicância se requer novamente ao tribunal superior, ao abrigo dos art.ºs. 123°/2 CPP e 205°/l e/ou 668°/l CPC;
5ª) Tal nulidade igualmente se verifica em relação à omissão de pronúncia que o tribunal a quo evidencia ao não apreciar a aquisição e valor probatório dos docs. juntos com a minuta de recurso perante esse mesmo tribunal da Relação, nem a litigância de má fé que eles deixam transparecer, no seu teor, em relação à postura da demandante e/ou seu mandatário nos autos ao fazerem a junção de fls. 485 e segs. em apoio da pretensa ampliação do seu pedido;
6ª) Com efeito, dos autos constam, sim, três documentos autênticos e imbuídos de força probatória plena, ao abrigo do disposto na lei substantiva e processual aplicável, juntos pela recorrente com a sua minuta de alegações de recurso perante o tribunal a quo e, visto o seu teor, tendentes a fazer prova cabal do valor do salário em questão, mas sobre os quais este entendeu omitir, em absoluto, qualquer pronúncia;
7ª) Não curou, pois, o tribunal a quo de proceder, em recurso com impugnação de tal matéria de facto, segundo o poder/dever do disposto nos arts. 410° CPP e/ou 712° CPC, este ex vi art. 4º daquele, merecendo a censura do tribunal superior pelo presente recurso, atento o valor probatório de tais documentos autênticos em relação ao facto a atestar ou provar nos autos e que neles vinha impugnado;
8ª) Acha-se sobrestimada a indemnização concedida à demandante viúva e seu filho menor pelo disposto no art. 495°/3 C. Civil, tendo em conta os parâmetros do disposto pelos arts. 564° segs. C.Civil, a qual deve reduzir-se a € 125.000,00;
9ª) Ao dar provimento ao recurso da seg. social, sem ao mesmo tempo diminuir a indemnização alimentar pelo dano patrimonial futuro supra referida, o tribunal a quo decaiu ainda na injustiça de fazer duplicar as prestações a pagar pela demandada seguradora, repetindo agora ao CNP prestações da mesma natureza da que irá pagar à demandante nos autos;
10ª) Foram violados os arts. 370°, 371°, 569° CCivil, 205°/l, 273°/2, 653°, 655°, 668°/l, 712° CPC, 123°, 165°, 169°, 374°/2, 379°/l, 410° CPP.
No provimento do recurso pede a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que integre os fundamentos do recurso.

As demandantes apresentaram a resposta de fls. 911 a 918 (e fls. 920 a 927), suscitando a questão prévia da inadmissibilidade do recurso por extemporaneidade e, no mais, contrariando o alegado pela recorrente, finalizando do modo que segue:
a) deve o justo impedimento invocado a fls. 773 ser desatendido;
b) deve entender-se que a situação excepcional do justo impedimento (art° 146° CPC), apenas poderá ser aplicável aos prazos peremptórios (art° 145° CPC);
c) não deve ser admitido o recurso interposto pela demandada cível por o ter sido fora de tempo (extemporaneidade) (art°414°/2 CPP);
d) deverão não se presumirem verdadeiras e exactas as alegações remetidas pela recorrente por telecópia para o Tribunal a quo, por falta de identificação da origem do remetente constante da lista oficial da Ordem dos Advogados, nos termos do art° 4º do D.L. n° 28/92 de 27 de Fevereiro;
Sem prescindir, e se assim se não entender,
e) deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se a douta decisão recorrida, com o que se fará INTEIRA JUSTIÇA.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 929.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, a fls. 937/8, emitiu parecer, dizendo afigurar-se-lhe que o recurso da DD S.A. deverá ser rejeitado por inadmissível quanto à matéria de facto e quanto à indemnização a que foi condenada a pagar à Segurança Social por o valor em causa ser inferior à alçada do Tribunal da Relação.

Muito embora o recurso seja restrito a matéria cível e não tendo intervenção o Ministério Público, ordenou-se o cumprimento do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, vindo a assistente/demandante, a fls. 944, dizer concordar com o referido parecer do Ministério Público.

Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.
Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal - acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-1995, no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no DR, I Série - A, n.º 298, de 28-12-1995 (e BMJ n.º 450, pág. 72), que fixou jurisprudência então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito” - e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

Questões a decidir

Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência da recorrente com a decisão impugnada, são as seguintes as questões a debater e decidir:

I Questão - Ilegal ampliação do pedido de indemnização referente a dano patrimonial futuro, por perda de alimentos (cessação de prestação de alimentos pelo falecido) / lucros cessantes – conclusão 1.ª
II Questão – Nulidade/irregularidade por inserção nos autos do documento de fls. 486 a 489, após o julgamento - conclusões 2.ª, 3.ª e 4.ª

III Questão - Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre a aquisição e valor probatório dos documentos juntos pela recorrente com a minuta de recurso perante a Relação e sobre a litigância de má fé das demandantes ao fazerem a junção do documento de fls. 486 a 489 em apoio da ampliação do pedido cível – conclusões 5.ª, 6.ª e 7.ª

IV Questão - Excesso de valoração da indemnização do dano patrimonial futuro - Cessação da prestação alimentar pelo falecido / Lucros cessantes - Redução para € 125.000,00 – conclusão 8.ª

V Questão - Duplicação de prestações a pagar pela demandada seguradora (às demandantes e ao ISS/CNP) – conclusão 9.ª
Oficiosamente,
colocar-se-á a questão de nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia, relativamente ao conhecimento do recurso interposto pelo ISS/CNP para o Tribunal da Relação de Guimarães.

Antes, porém, é de analisar a questão prévia da tempestividade do presente recurso.

Questão prévia – Tempestividade do recurso - Justo impedimento

Em primeiro lugar há que colocar a questão prévia de saber se o presente recurso é tempestivo, ou se, como pretendem as demandantes, é o mesmo extemporâneo, por não ter lugar o justo impedimento.
Trata-se de questão já resolvida no processo de modo definitivo, fundamentado e convincente, mal se compreendendo que as demandantes na resposta ao presente recurso insistam na sua invocação.
Não restam dúvidas de que a recorrente DD agiu em tempo, pese embora tenha lançado mão da possibilidade de uso da dilação permitida pelo artigo 145.º do CPC, o que constitui um direito seu, desde que satisfaça o exigido acréscimo monetário, não lhe podendo ser assacadas responsabilidades por deficiente desempenho das comunicações do Tribunal da Relação de Guimarães, de resto, comprovadas nos autos.
A motivação do presente recurso foi enviada por fax de 23-06-2009, pelas 23,57 horas, tendo a recepção sido incompleta com apenas 12 páginas (fls. 718 a 729), conforme o respectivo relatório emitido às 00, 03 horas do dia seguinte – fls. 730.
A 24 de Junho a recorrente requereu a emissão de guias para liquidação da multa devida pela apresentação tardia, no 3.º dia útil após o termo do prazo - fls. 731.
Um segundo fax emitido pela recorrente às 00, 04 horas do mesmo dia 24 foi dirigido à Relação de Guimarães, chegando igualmente incompleto com 11 páginas (732 a 742), conforme relatório de fls. 743.
Seguiu-se uma terceira tentativa da recorrente com a emissão do fax do mesmo dia, às 00.13 horas (744 a 746), que chegou incompleto com apenas 3 folhas, conforme relatório de fls. 747.
Nova tentativa se segue com fax emitido às 00,33 horas do mesmo dia, a chegar incompleto (748 a 750), o que é atestado pelo relatório de fls. 751.
A recorrente insiste com novo fax às 00,25, novamente sem sucesso, pois chega incompleto com apenas 5 páginas (752 a 756), conforme relatório de fls. 757.
Novo fax é então enviado para o Tribunal de Braga, agora com êxito, chegando completo (fls. 758 a 772 - e fls. 799 a 813, sendo este o fax remetido pelo Tribunal de Braga), explicando a recorrente as dificuldades de comunicação com o aparelho de telecópia da Relação de Guimarães - fls. 773 e original a fls. 796 – procedendo ao reenvio da minuta de alegações, de modo a que o impedimento fosse considerado justificado e deferida a emissão de guia para pagamento de multa já requerida (a fls. 731).
O original da motivação de recurso foi enviado a 25 de Junho, fazendo fls. 780 a 794.
Sobre o pedido de fls. 773, recaiu o despacho de fls. 815 a ordenar notificação dos intervenientes para se pronunciarem (artigo 146.º, n.º 2, do C. P. Civil), a que respondeu a assistente de fls. 822 a 823, pedindo informações, requerendo o Ministério Público, a fls. 825, que a secção central lance informação sobre as alegadas dificuldades de comunicação; a assistente, a fls. 826-7, invocando o princípio da cooperação, indica jurisprudência sobre justo impedimento, defendendo não dever ser admitido o recurso por extemporâneo.
O Ministério Público com base no termo de informação fls. 833, disse nada ter a opor ao requerido pela recorrente – fls. 835.
A assistente apresenta novo requerimento, de fls. 836 a 842, defendendo dever o justo impedimento ser indeferido.
Por despacho do Desembargador Relator de fls. 846 foi deferido o requerido pela recorrente DD a fls. 773.
Inconformada a assistente veio, a fls. 853, requerer que sobre a matéria do despacho recaísse acórdão a proferir em conferência, apresentando os fundamentos da reclamação de fls. 854 a 860.
A recorrente respondeu ao pedido de reclamação para a conferência, conforme fls. 867 (em original 871).
Por novo despacho do Desembargador Relator de 19-10-2009, a fls. 878/9, esclarecendo que o requerimento da recorrente de fls. 731 nada tem a ver com o justo impedimento, mas sim com a multa pela apresentação tardia prevista no n.º 5 do artigo 145.º do CPC, o que o despacho deferiu foi considerar verificado o impedimento de apresentação das alegações por telecópia por “mau funcionamento” do aparelho de telecópia do tribunal e permitir o pagamento da multa naqueles termos e indeferiu o requerido a fls. 853, ou seja, que sobre o despacho de fls. 846 recaísse acórdão a proferir em conferência.
De novo inconformada, veio a assistente, a fls. 885, ao abrigo do artigo 700.º, n.º 3, do CPC, requerer que sobre a matéria do último despacho de fls. 878/9, recaísse acórdão a proferir em conferência, apresentando fundamentos da reclamação para a conferência de fls. 886 a 889.
Respondeu a recorrente a fls. 896.
Por despacho do Desembargador Relator de 15-12-2009, a fls. 899/900, foi indeferido o requerido.
O pagamento de multa devida foi efectuado e finalmente o recurso foi admitido por despacho de fls. 929.
A assistente demandante confunde justo impedimento e pedido de liquidação de multa por apresentação ao terceiro dia, ao abrigo do disposto no artigo 145.º do CPC.
Face a todo o exposto, dúvidas não há de que o recurso foi interposto em tempo.
FACTOS PROVADOS
É a seguinte a matéria de facto dada por provada pelas instâncias:
1 No dia 13. 12. 2006, pelas 08h00, o arguido conduzia o veículo pesado de mercadorias de recolha do lixo com a matrícula 00-00-00, na E.N. n.º 202, no sentido Viana do Castelo – Ponte de Lima.
2 O veículo id. em 1. é propriedade dos Serviços Municipalizados de Saneamento Básico de Viana do Castelo e está segurado na «Companhia de Seguros DD, S.A.» sob a apólice 0000000000.
3 Sensivelmente ao km 5,100, em Portuzelo, Viana do Castelo, no entroncamento que dá acesso à Rua de Petigueiras, a viatura supra id. mudou de direcção à esquerda.
4 A E.N. n.º 202 apresenta, no local, a configuração de uma recta com entroncamento, seguido de lomba.
5 A visibilidade é boa.
6 Tem duas vias de trânsito, sendo uma para cada sentido de marcha.
7 O piso é betuminoso e apresentava, à data, um estado de conservação regular.
8 O tempo estava bom e o piso seco.
9 A intensidade de trânsito era reduzida.
10 Na data, hora, local e condições referidas, o arguido aproximou-se do entroncamento supra id. e guinou de imediato à esquerda, sem imobilizar o veículo pesado por si conduzido e sem verificar o tráfego.
11 Desse modo embatendo com a frente do lado esquerdo na lateral esquerda do motociclo de matrícula 00-00-00 que circulava no sentido de marcha Ponte de Lima – Viana do Castelo, e era conduzido por EE.
12 O embate provocou a queda do motociclo e do seu condutor que foi em derrapagem pelo passeio e muro do lado direito, em relação ao seu sentido de marcha (Ponte de Lima – Viana do Castelo).
13 Do embate resultou para EE “fractura cominutiva do temporal direito com traço de fractura, transversal para a região occipital mediana do mesmo lado, duas fracturas transversais da base, uma no andar anterior e outra no andar mediano. Intenso infiltrado sanguíneo e alguns coágulos dispersos. Hemorragia sub aracnoideia extensa de predomínio no hemisfério direito. Infiltrado sanguíneo ao longo dos traços das fracturas (…)” – lesões traumáticas crâneo-encefálicas resultantes do embate e que foram causa directa e necessária da sua morte.
14 O arguido, ao aproximar-se do entroncamento e pretendendo mudar de direcção à esquerda, sabia que tinha de realizar a manobra em sentido perpendicular àquele em que seguia, e que não podia ter iniciado a manobra de mudança de direcção sem previamente se assegurar de que dela não resultaria perigo ou embaraço para o restante tráfego, como efectivamente provocou.
15 O arguido conduziu assim de forma distraída e imprevidente, com total desrespeito pelas regras de trânsito, não cedendo a passagem ao motociclo e sem verificar se seguiam outros veículos no sentido Ponte de Lima – Viana do Castelo e que pudessem obstar à realização da manobra de mudança de direcção à esquerda em segurança.
16 O arguido não tomou as precauções necessárias para que a sua conduta não pusesse em risco os demais veículos que no local circulavam, como efectivamente sucedeu com a vítima mortal, risco potenciado pela conduta contra-ordenacional e desrespeitadora das regras de trânsito referidas.
17 O arguido devia e podia ter agido de outro modo.
18 O arguido nem sequer representou como possível a realização do embate, conduzindo de uma forma totalmente imprevidente.
19 Tinha a capacidade individual e a obrigação de evitar o perigo em que a sua conduta se veio a concretizar.
20 Infringiu o arguido os deveres de zelo, cuidado e diligência que impendem sobre todos os condutores de veículos automóveis, bem como as regras impostas quanto à manobra de mudança de direcção, à esquerda, nomeadamente a de cedência de passagem dos veículos que circulem em sentido contrário.
*
Factos alegados em sede de contestação pelo arguido:
21 Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1. a 3. o veículo pesado conduzido pelo arguido havia já procedido à recolha do lixo em quase todos os contentores do respectivo giro, faltando apenas cerca de três ou quatro para terminar a recolha.
22 O pesado encontrava-se, pois, com a respectiva carga quase cheia, num total aproximado de 4.000 kg, a que acresce a tara da viatura, de cerca de 8.000 kg.
23 A cerca de 200 metros do local do acidente, o arguido havia imobilizado o camião para recolha dos resíduos de um contentor ali existente.
24 Após a referida recolha, o arguido reiniciou a sua marcha e voltou a imobilizar-se alguns metros depois, juntos dos semáforos ali existentes, dado que se encontrava accionado o respectivo sinal vermelho.
25 A cerca de 150 metros do local do acidente, o arguido voltou a imobilizar a viatura, junto a uns outros semáforos, uma vez que o sinal vermelho se encontrava igualmente accionado.
26 No local, existiam e existem sinais verticais de perigo, tais como o de alerta de aproximação de escola, de aproximação de semáforos, aproximação de passagem de peões e, até, de proibição de ultrapassagem.
27 O arguido é motorista de profissão há cerca de 20 anos, actividade que exerce habitualmente com o cuidado, a prudência e o respeito pelas normas estradais necessários.
28 O acidente em que foi interveniente causou ao arguido grande dor, tendo necessitado de acompanhamento médico e medicamentoso, tendo aquele estado algum tempo sem conseguir conduzir e, por conseguinte, exercer a sua condução.
*
Factos relativos à personalidade e condições pessoais do arguido:
29 O arguido é casado e tem dois filhos, um deles menor, com 14 anos de idade.
30 Exerce a profissão de motorista dos Serviços Municipalizados de Saneamento Básico de Viana do Castelo, auferindo um vencimento mensal líquido de € 600,00 (seiscentos euros).
31 A esposa encontra-se desempregada, tendo recebido subsídio até ao corrente mês.
32 Reside com a esposa e o filho menor, em casa própria, encontrando-se a suportar a prestação bancária de € 250,00 para liquidação de crédito habitação contraído para a respectiva aquisição.
33 Não lhe são conhecidos antecedentes criminais ou contra-ordenacionais estradais.
*
Factos atinentes aos pedidos de indemnização civil formulados:
A) Do P.I.C. formulado por BB
34 À data do acidente supra descrito e que o vitimou, EE era casado com BB, desde 08.05.2004.
35 Fruto do casamento entre aqueles, nascera CC, aos 11.05.2006.
36 Na sequência do acidente que o vitimou, EE, que por força do embate foi projectado contra uma parede e rolou pelo chão, sofreu ferimentos vários, tal como descrito em 13.
37 Até àquele momento, EE era saudável, nunca tendo padecido de qualquer doença, alegre e fisicamente bem constituído.
38 Vivera com a demandante BB um casamento feliz e harmonioso, tendo planeado juntos uma vida familiar longa, na companhia um do outro e com mais filhos.
39 A demandante BB sofreu e sofre permanentemente com a ausência daquele, o qual, para além de companheiro era um pai presente, ajudando a primeira nas lides domésticas e cuidando frequentemente da filha menor de ambos em todas as suas necessidades, num forte espírito de entreajuda.
40 Sente aquela demandante um vazio absoluto e uma tristeza profunda e permanente, deste a morte de EE, emocionando-se e chorando constantemente ao dele se recordar, o que a leva a perder as forças para continuar a viver, razões estas que a levaram e tem levado a procurar acompanhamento psiquiátrico.
41 A menor CC sentiu e sente a morte do pai e a sua ausência, apenas se acalmando quando vê a fotografia do mesmo ou mesmo se acolhe numa das suas peças de roupa.
42 Tais sentimentos resultam do facto de, embora fosse ainda de tenra idade aquando do seu falecimento, a menor ter convivido de muito perto com o pai, o qual dela cuidava e tratava, mudando-lhe as fraldas e dando-lhe banho, andando com ela ao colo e dando-lhe carinho, enfim brincando permanentemente com ela.
43 EE contava com 28 anos à data do respectivo falecimento.
44 Era um trabalhador dinâmico, competente, assíduo, dedicado e cheio de alegria e vida.
45 Exercia, à data do acidente, a actividade profissional de segurança, ao serviço da empresa «CLSP – Segurança Privada Unipessoal, Ld.ª», com sede na Av. 24 de Julho, n.º 78, 2.º andar, em Lisboa, auferindo o vencimento líquido mensal de € 1.073,76 (mil e setenta e três euros e setenta e seis cêntimos).
46 A referida quantia destinava-a aquele ao seu sustento, da demandante e da filha e ambos e, na parte restante se sobejasse, a ser e economizada.
47 A demandante BB não exercia, à data do acidente, qualquer actividade remunerada, nem recebia qualquer reforma ou subsídio.
48 A demandante BB despendeu, na venda de sepultura perpétua do falecido marido, a favor da Junta de Freguesia de Torre, concelho de Viana do Castelo, a quantia de € 800,00 (oitocentos euros).
49 E, na execução da mesma, despendeu ainda o montante de € 2.950,00 (dois mil, novecentos e cinquenta euros).
50 Para além disso, pagou ao «Centro Hospitalar do Alto-Minho, EPE» a quantia de € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos) pelo episódio de urgência decorrente do transporte de EE àquela unidade hospitalar.
51 Pagou, ainda, à funerária «Zéafonso, Ld.ª» a quantia de € 1.032,50 (mil e trinta e dois euros e cinquenta cêntimos) e ao enterrador o montante de € 208,00 (duzentos e oito euros).
52 E, em flores, gastou € 127,50 (cento e vinte e sete euros e cinquenta cêntimos).
53 Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1. a 3., o arguido exercia a condução da viatura em causa por conta, no interesse e sob as ordens dos Serviços Municipalizados de Saneamento Básico da Câmara Municipal de Viana do Castelo, sendo esta a quem pertencia o dito veículo.

B) Do P.I.C. formulado pelo Instituto de Segurança Social, I.P.
54 EE era beneficiário da Segurança Social, com o n.º 00000000.
55 Na sequência da morte daquele foram, por BB, por si e em representação da filha menor CC, requeridas as respectivas prestações por morte, o que lhe foi deferido.
56 Na sequência, o ISS/CNP pagou àquela, a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência, no período de Janeiro de 2007 a Setembro de 2008, o montante global de € 7.607,88 (sete mil, seiscentos e sete euros e oitenta e oito cêntimos).
57 Entretanto, continuará o ISS/CNP a pagar à viúva e filha do beneficiário id. em 47. as pensões de sobrevivência, enquanto as mesmas se encontrarem em condições de das mesmas beneficiarem, com inclusão de um 13.º mês em Dezembro e de um 14.º mês em Julho de cada ano, pensões essas cujo valor mensal perfaz, no momento, os montantes de € 141,88 (cento e quarenta e um euros e oitenta e oito cêntimos) para a primeira e de € 47,29 (quarenta e sete euros e vinte e nove cêntimos).
*
Mais se provou que:
58 O embate ocorrido deu-se na hemi-faixa esquerda da via supra id., atento o sentido de marcha Viana do Castelo – Ponte de Lima.
59 No âmbito dos autos de acidente de trabalho (morte) que, com o n.º 237/07.1 TUVCT, que correram termos no Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo, entre a beneficiária BB, por si e em representação da filha menor CC, e a entidade patronal «CLSP – Segurança Privada Unipessoal, Ld.ª», foi homologado acordo celebrado na respectiva tentativa de conciliação, nos termos do qual, para além do mais, ficou atribuída àquelas, respectivamente, as pensões anuais vitalícias de € 4.505,83 e de € 3.006,55, com início em 14.12.2006, a pagar em 14 prestações mensais – a primeira das quais passará a ser de € 6.013,10 quando for atingida a idade da reforma – actualizáveis nos anos de 2007 e 2008 para os seguintes montantes: para a viúva, € 4.649,63 e € 4.761,23; para a filha, 3.099,75 e € 3.174,15.

Apreciando.

Antes de avançarmos há que dizer que, pese embora uma diversa perspectivação exposta ao longo das conclusões 1.ª a 7.ª, o que é transversal a todas as sub-questões colocadas naquelas e constitui denominador comum da impugnação, e em última análise, está em causa neste recurso, é tão só a determinação do valor do salário auferido pela vítima, elemento base e fulcral para a determinação do quantum debeatur em sede de indemnização por danos patrimoniais futuros, único segmento (atenta a sua relevante expressão económica no contexto da condenação), ora em impugnação, estando excluídas quaisquer preocupações ou cogitações da seguradora recorrente quanto ao se debeatur.
Posto isto, fácil é concluir que as questões suscitadas nas citadas conclusões estão interligadas e reconduzem-se no fundo a uma mesma questão, o que não pode deixar de ter reflexos na forma de abordagem a efectuar.


Questão I – Ilegal ampliação do pedido de indemnização referente a dano patrimonial futuro, por perda de alimentos (cessação de prestação de alimentos pelo falecido à viúva e filha menor) / lucros cessantes

Na conclusão 1.ª a recorrente retoma a questão da ilegal ampliação do pedido cível, na componente dano patrimonial futuro, perda de alimentos/lucros cessantes, a qual foi admitida por despacho de 05-09-2008, a fls. 442, na sequência de requerimento
de fls. 431/2, onde as demandantes alegaram que o vencimento anual do falecido era de € 1.073,76, e não de € 651,59, conforme alegado inicialmente no articulado peticional.
A seguradora interpôs recurso de tal despacho - fls. 466/8 - que foi apreciado pelo acórdão ora recorrido, de fls. 689 a 693, sendo julgado improcedente.
Renova agora a recorrente a mesma argumentação, dizendo que a hipótese dos autos é completamente estranha ao disposto no artigo 569.º do Código Civil, não cabendo no artigo 273.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Adianta-se que nesta parte o acórdão ora impugnado é irrecorrível.
Vejamos porquê.

Estabelece o artigo 432.º do Código de Processo Penal (na versão da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, intocado na reforma de 2007):
1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º.

Por seu turno, estabelece o artigo 400.º do Código de Processo Penal, na versão introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto:
1 - Não é admissível recurso:
c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo.

Na versão anterior esta alínea tinha a seguinte redacção:
c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa.

É abundante a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a propósito da interpretação a dar à antiga expressão “por termo à causa” e da irrecorribilidade das denominadas decisões interlocutórias ou intercalares, quer o recurso tenha sido interposto para a Relação de forma autónoma ou isolada, ou no seio de recurso da decisão final.
Como se pronunciou o acórdão de 26-01-2005, processo n.º 4438/04-3.ª “A decisão que põe termo à causa é a decisão que faz terminar a causa de modo substancial, que julga e determina o direito do caso e decide o objecto do procedimento criminal, definindo a existência ou a inexistência de responsabilidade criminal, e, quando for o caso, a culpabilidade e a pena.
Não constitui, assim, decisão final aquela que se não refira, funcional e estruturalmente, à matéria da causa e ao objecto do processo, mas apenas a incidências estritamente processuais, próprias do desenvolvimento e da ordenação sequencial do processo, como são os despachos proferidos nos limites estritamente processuais da discussão sobre os pressupostos da admissibilidade de um recurso, como é o caso dos autos”.
Como se pode ler no acórdão de 20-12-2006, processo n.º 3043/06-3.ª, em caso em que na Relação se julgara improcedente arguição de nulidade de escutas: “Apesar de o acórdão recorrido conter outras decisões que puseram termo à causa em princípio susceptíveis de recurso para o STJ, tratando-se de uma questão interlocutória, a circunstância de não ter sido objecto de recurso autónomo não lhe confere recorribilidade, a reboque de algumas das restantes poderem ser objecto de recurso para este Tribunal, tanto mais que a hipótese não configura a excepção prevista na alínea e) do artigo 432º do CPP. Embora o problema das escutas acompanhe a decisão final, pode e deve ser dela cindida, sendo que sobre ela até já se formou dupla conforme. Este entendimento, além de respeitar a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição, está em perfeita consonância com o regime traçado na Reforma de 1998 para os recursos para o STJ, a qual obstou, de forma clara, ao 2º grau de recurso, 3º grau de jurisdição relativo a questões processuais ou que não tenham posto termo à causa”.
Em registo semelhante, o acórdão de 15-03-2006, proferido no processo n.º 2787/05-3.ª, onde se diz: “O STJ só conhece dos recursos das decisões interlocutórias de 1ª instância que devam subir com o da decisão final, quando esse recursos sejam directos para o STJ e não quando tenham sido objecto de recurso decidido pelas Relações. Compreende-se que assim seja, já que estão em causa meras questões procedimentais, não se justificando no sistema de recurso para o STJ, um 3.º grau de jurisdição para questões que não se referem directamente ao objecto do processo, não se vislumbrando que tal entendimento colida com as garantias do processo criminal contempladas no artigo 32.º da CRP”.
No acórdão de 06-04-2006, processo n.º 805/06-5.ª, in CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 159, com citação de vários arestos, diz-se que por termo à causa significa que a questão substantiva, que é o objecto do processo, fica definitivamente decidida.
Este Supremo Tribunal afirmou que o preceito em causa, na anterior versão, ao estabelecer a inadmissibilidade de recurso relativamente a acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que não punham termo à causa, abrangia todas as decisões interlocutórias, independentemente da forma como o respectivo recurso era processado e julgado pela Relação, ou seja, quer o recurso fosse autónomo quer fosse inserido em impugnação da decisão final - acórdãos de 08-07-2004, processo n.º 2238/04-5.ª; de 02-02-2005, processo n.º 4046/04-3.ª, in CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 188 (acórdão da Relação que anule o julgamento em 1.ª instância e determine a sua repetição é irrecorrível); de 02-02-2006, processo n.º 4224/05-5.ª, in CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 180 (o despacho que revogou o perdão de penas aplicado na decisão final, não põe termo à causa, antes é uma decisão posterior ao termo da causa e, como tal, irrecorrível para o STJ); de 28-06-2006, processo n.º 1589/06-3.ª, de 16-05-2007, processo n.º 1239/07-3.ª; de 05-07-2007, processo n.º 2054/07-5.ª (a decisão intercalar da Relação que apreciou, em recurso, a questão da legalidade das escutas telefónicas é irrecorrível para o STJ. Tal decisão não põe termo à causa - cf. art. 400º, 1. f)); de 05-07-2007, processo n.º 1887/07-5.ª; de 14-11-2007, processo n.º 3249/07-3.ª; de 05-12-2007, processo n.º 3169/07-3.ª; de 09-01-2008, processo n.º 2793/07-3.ª; de 23-01-2008, processo n.º 4570/07-3.ª; de 23-04-2008, processo n.º 899/08-3.ª; de 10-12-2008, processo n.º 3638/08-3.ª.

Sobre a nova redacção dada pela reforma de 2007 pronunciaram-se os acórdãos de 31-01-2008, processo n.º 4843/07-5.ª; de 05-03-2008, processo n.º 220/08-3.ª, afirmando-se neste que a actual redacção se aproxima do artigo 432.º, alínea c), do CPP, onde se faz menção à recorribilidade para o STJ de acórdãos finais do colectivo ou do tribunal do júri; de 26-03-2008, processo n.º 820/08 e ainda os de 18-12-2008, processo n.º 3065/08, de 25-11-2009, processo n.º 529/09.5YFLSB, e de 02-06-2010, processo n.º 1987/09.3TAFAR-A.E1.S1, sendo os últimos quatro todos da 3.ª secção e do mesmo relator, onde se pondera:
«Decisão que não conheça, a final, do objecto do processo, é toda a decisão interlocutória, bem como a não interlocutória que não conheça do mérito da causa.
O texto legal ao aludir a decisão que não conheça, a final, abrange todas as decisões proferidas antes da decisão final;
Ao mencionar o objecto do processo refere-se, obviamente, aos factos imputados ao arguido, pelos quais o mesmo responde, ou seja, ao objecto da acusação (ou da pronúncia), visto que é esta que define e fixa, perante o tribunal, o objecto do processo, condicionando o se da investigação judicial, o seu como e o seu quantum, pelo que contempla todas as decisões que não conheçam do mérito da causa.
O traço distintivo entre a actual e a anterior redacção reside na circunstância de anteriormente serem susceptíveis de recurso todas as decisões que pusessem termo à causa, sendo que actualmente só são susceptíveis de recurso as decisões que põem termo à causa quando se pronunciem e conheçam do seu mérito.
Assim, são agora irrecorríveis as decisões proferidas pelas Relações, em recurso, que ponham termo à causa por razões formais, quando na versão pré – vigente o não eram, ou seja, o legislador alargou a previsão da al. c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, ampliando as situações de irrecorribilidade relativamente a acórdãos proferidos, em recurso, pelo Tribunal da Relação»
Podem ver-se ainda os acórdãos de 24-04-2008, processo n.º 3057/06-5.ª; de 21-05-2008, processo n.º 106/08-3.ª; de 04-06-2008, processo n.º 1306/08-3.ª; de 12-06-2008, processo n.º 1782/08-3.ª, onde se considera que a Lei n.º 48/2007 introduziu um fundamento novo de irrecorribilidade das decisões da Relação que não ponham termo à causa, ampliando o âmbito da irrecorribilidade das decisões da Relação que não conheçam, a final, do objecto do processo, ou seja, do mérito da causa; de 19-06-2008, processo n.º 2043/08-5.ª; de 25-06-2008, processo n.º 449/08-3.ª, e ainda de 21-05-2008, processo 106/08-3.ª, de 10-07-2008, processo n.º 2142/08-3.ª e de 10-09-2008, processo n.º 1959/08-3.ª, do mesmo relator, que confirmando entendimento anterior, afirma: “a inadmissibilidade de recurso relativamente a acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo, abrange todas estas decisões (processualmente denominadas de interlocutórias), independentemente da forma como o respectivo recurso é processado e julgado pela Relação, isto é, quer o recurso seja autónomo, quer seja inserido em impugnação da decisão final.
A decisão da Relação que apreciou, em recurso, a invalidade da prova por reconhecimento e decidiu no sentido da validade da mesma não conheceu, a final, do objecto do processo, pelo que é irrecorrível”; de 25-09-2008, processo n.º 809/08-5.ª; de 07-07-2010, processo n.º 156/00.2IDBRG.S1-5.ª.

Como de forma certeira se diz no acórdão de 18-02-2009, processo n.º 109/09-3.ª “a decisão que conhece de contingências sobre a relação processual ou sobre uma questão avulsa, sobre incidências meramente processuais, próprias do desenvolvimento da relação processual, escapa ao conceito de decisão final e poderá, quando muito, constituir decisão que ponha termo ao processo”.

Como refere Paulo Pinto de Albuquerque em Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 2007, pág. 1002, nota 4, o propósito da Lei n.º 48/2007 foi o de ampliar este fundamento de irrecorribilidade, alargando-a a todos os acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que ponham termo à causa, mas não conheçam do objecto do processo, do mérito do pleito, o que a redacção anterior não incluía.

No presente caso, a decisão de que se pretende recorrer é um acórdão proferido em recurso pela Relação, que não pôs termo à causa.
O segmento da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães, ora posto em causa, ao confirmar despacho da primeira instância produzido no âmbito do enxerto cível não consubstancia uma decisão de fundo, uma apreciação de mérito, não tem natureza de decisão final, antes corresponde a uma decisão interlocutória, que não conhece do objecto do processo.
É manifesto e claro que o acórdão recorrido não pôs termo à causa, não conheceu do objecto do processo, nada tendo decidido em definitivo em termos substantivos.
Limitou-se a reapreciar um despacho em que se versava uma questão de ordem adjectiva - a modificação objectiva da instância cível aderente - através da alteração no caso apenas do pedido, ao abrigo do disposto no artigo 273.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, segundo o qual o pedido pode ser ampliado em qualquer altura até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
A decisão em causa era preliminar da apreciação final do pedido cível deduzido pelas demandantes, posteriormente com os contornos diversos (expandidos) da formulação inicial, conferidos pela ampliação admitida, encarada como mera alteração quantitativa do pedido de indemnização, entendida como desenvolvimento do pedido primitivo; o despacho reapreciado era uma decisão intercalar, anterior ao julgamento, que se limitou a pronunciar-se no sentido de admissibilidade de ampliação do pedido cível, sem nada decidir quanto ao seu mérito.
Não está em causa a relação processual punitiva do Estado, nem a própria configuração definitiva da obrigação de indemnizar.
O acórdão recorrido apreciou recurso autónomo interposto de despacho anterior ao julgamento, que subiu com o interposto da decisão final, mas a decisão sobre a questão suscitada a propósito de matéria incidental não é decisão final.
Sendo o acórdão recorrido irrecorrível nesta parte, deve o presente recurso, na parte em que a impugna, ser rejeitado, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1, alínea b) e 414.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Daqui que o recurso neste segmento seja de rejeitar, como se rejeita.

Questão II - Nulidade/irregularidade por inserção nos autos do documento de fls. 486 a 489, após o julgamento

Nas conclusões 2.ª, 3.ª e 4.ª a recorrente invoca a irregularidade/nulidade consistente na junção aos autos, já após o encerramento da audiência de julgamento, de uma certidão, fazendo fls. 486 a 489, correspondente a um auto de conciliação, a qual teve lugar em 28 de Maio de 2008, no âmbito dos autos de acidente de trabalho (morte) n.º 237/07.1TUVCT, do Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo.

A irregularidade e/ou nulidade é arguida por o tribunal a quo ter aceite e invocado tal documento para fundamentar a aquisição probatória do salário do falecido.
A recorrente invoca ainda no texto da motivação a violação do artigo 165.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que estabelece que o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência.
A inserção de tal documento autêntico nos autos é efectivamente tardia, já que a sua apresentação e junção tiveram lugar já depois de encerrada a audiência de julgamento, mas terá correspondido a uma intenção de “completar” o “duplicado” junto na segunda sessão de julgamento, devendo ser entendido como contributo objectivo para a discussão da causa, com vista a alcançar a verdade material, não podendo configurar actuação menos correcta por parte das demandantes e muito menos a expressar litigância de má fé (assim se adiantando pronúncia relativamente a questão colocada a propósito do segmento seguinte).
Da existência do documento “duplicado” teve necessário conhecimento a Exma. Mandatária da recorrente (substabelecida para o acto e integrante da mesma sociedade de advogados e com escritório no mesmo escritório do Exmo. Advogado que acompanha o processo, como se colhe de fls. 473), pois a respectiva apresentação, em plena audiência de julgamento, teve lugar imediatamente após uma intervenção própria da Exma. Advogada ditada para a acta, a propósito de uma outra questão (ampliação do pedido formulado pelo interveniente ISS, IP), não se tendo certamente a Exma. Causídica alheado do passo seguinte do julgamento.
A inserção tardia de documento não cabe nas nulidades insanáveis previstas no artigo 119.º, nem nas dependentes de arguição previstas no artigo 120.º, como aquele do Código de Processo Penal.
A alusão feita pela recorrente ao artigo 668.º, n.º 1, do CPC, peca por excessiva, sendo despicienda a invocação, por a lei processual penal ter o seu elenco autónomo e próprio de nulidades.
A verdade, porém, é que a sentença de Viana do Castelo não se baseou nesse documento retardado, como claramente se mostra pela motivação, em que de forma nítida se faz referência ao documento junto em audiência.
Não acompanhamos o acórdão recorrido quando afirma afigurar-se-lhe que teria havido mero lapso na referência que a Exma. Juíza faz ao auto de conciliação referindo fls. 476-478, por já se encontrar de fls. 486 a 489 a certidão emitida pelo Tribunal do Trabalho (cfr. penúltimo parágrafo de fls. 33 do acórdão, fls. 701 do processo).
Sendo certo que a certidão se mostra junta ao processo antecedendo a sentença e que o requerimento de junção da mesma certidão deu entrada em tribunal em 13-10-2008, conforme carimbo respectivo a fls. 485, nada se sabe sobre a data da efectiva junção ao processo (o que dantes era certificado pelo antigo “Termo de juntada”, que, pelos vistos, em algumas circunstâncias ainda fará alguma falta).
Certo também é que não houve despacho de admissão da certidão em causa, processando-se a sua junção de forma “espontânea”, certo igualmente sendo que a respectiva junção aos autos não foi efectivamente notificada à demandada seguradora, cuja audição obviamente se impunha, sem necessidade de despacho, cumprindo à secção proceder à notificação oficiosamente (o problema surge com estes contornos, porque não tem aqui lugar aplicação da regra das notificações entre os mandatários das partes, vigente no processo civil desde a reforma do Decreto-Lei n.º 183/00, de 10 de Agosto - artigos 229.º-A e 260.º-A, do Código de Processo Civil – parecendo-nos ser de equacionar a sua utilização nos processos em que opere a adesão, uma vez que o artigo 111.º do Código de Processo Penal apenas se reporta a comunicação dos actos processuais; a notificação de documentos juntos pela parte não cabe nas categorias das três alíneas do n.º 1 do preceito).
Todavia, a própria recorrente contribuiu de forma clara e decisiva para a aquisição processual da certificação da “bondade” do documento que impugna ao proceder à junção, entre outros documentos, do “auto de conciliação” lavrado nos autos de acidente de trabalho (morte), como integrante do documento n.º 1, junto em 26 Novembro de 2008 com a minuta de alegações no recurso para a Relação de Guimarães - fls. 590 a 592 – o qual mais não é do que a … repetição da certidão de fls. 487 a 489!
Muito embora tenha procedido então a essa junção - sobre a qual se pronunciou expressamente o acórdão recorrido, na parte final do item 2.2., a fls. 700, comentando que a recorrente juntou exactamente cópia do referido “auto de conciliação” - continua a recorrente no presente recurso, interposto em 25 de Junho de 2009, a invocar irregularidade processual, a propósito da junção e da valia probatória de um documento que ela própria junta ao recorrer para a Relação.
Não se verifica, pois, qualquer nulidade ou irregularidade.


Questão III – Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre a aquisição e valor probatório dos documentos juntos pela recorrente com a minuta de recurso perante a Relação e sobre a litigância de má fé das demandantes ao fazerem a junção do documento de fls. 486 a 489 em apoio da ampliação do pedido


Nas conclusões 5.ª, 6.ª e 7.ª, veio arguir a recorrente o vício de nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia sobre os três documentos juntos no recurso interposto para a Relação de Guimarães.
Conforme estabelece o artigo 379.º, n.º 1, alínea c), primeira parte, do Código de Processo Penal, é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo tal disposição correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, por força do n.º 4 do artigo 425.º do mesmo diploma.
Como se referiu supra, o que transversalmente subjaz a toda a argumentação da recorrente é o valor probatório do documento com base no qual foi fixado o montante de salário auferido pela vítima, com óbvio relevo para a fixação do montante da indemnização por dano patrimonial futuro a atribuir às demandantes, quer encarado na perspectiva de perda de alimentos, quer consubstanciando a vertente de lucros cessantes.
No ponto n.º 45 dos “Factos Provados” foi dado como assente que a vítima “Exercia, à data do acidente, a actividade profissional de segurança, ao serviço da empresa «CLSP – Segurança Privada Unipessoal, Ld.ª», com sede na Av. 24 de Julho, n.º 78, 2.º andar, em Lisboa, auferindo o vencimento líquido mensal de € 1.073,76 (mil e setenta e três euros e setenta e seis cêntimos)”.

No fundo, a impugnação pela seguradora do facto vertido no ponto de facto provado n.º 45 - valor do salário mensal da vítima – traduz-se na sequência (lógica na sua perspectiva) da oposição feita ao pedido de ampliação do montante indemnizatório peticionado, a título de perda de alimentos, formulado pelas demandantes em 10 de Julho de 2008, através do requerimento de fls. 431/2, em que se alega que o vencimento anual do falecido era de 15.032,76 €, a que correspondia a retribuição mensal de 1.073,76 €, e já não o valor mensal de 651,59 €, como alegado fora, inicialmente, no artigo 41.º do articulado peticional da acção cível enxertada.
Tal ampliação foi tida como desenvolvimento do pedido primitivo e aceite por despacho de 05-09-2008, de fls. 442, decisão de que a seguradora demandada veio a recorrer, sendo negado provimento ao recurso pela Relação de Guimarães, no acórdão ora recorrido.

Na segunda sessão da audiência de julgamento de 10-10-2008, em que interveio a Sr.ª Drª. FF, com substabelecimento - fls. 473 - como mandatária da demandada seguradora, o mandatário da demandante requereu a junção de uma fotocópia não certificada com valor de informação do assento de nascimento da vítima e da “cópia do auto de conciliação entre os demandantes e C.L.S.P. realizado no Tribunal de Trabalho de Viana do Castelo”.

Tal cópia, que se mostra junta de fls. 477 a 479 (e não de fls. 476 a 478, como certamente por mero lapso de escrita se diz na sentença de Viana do Castelo), constituindo um duplicado, em tudo é igual e se mostra conforme ao auto de conciliação original, como se vê do confronto com o constante da certidão junta posteriormente, com a excepção de não conter as assinaturas dos intervenientes Ministério Público, viúva do sinistrado, ora demandante, mandatário da entidade patronal e funcionário presente na diligência, bem como da homologação do acordo, que teve lugar por decisão de 30-05-2008, aposta a punho no mesmo auto.

Trata-se de uma reprodução mecânica (artigo 168.º do Código de Processo Penal) do auto de conciliação realizada no Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo, certamente facultada à parte, pela secção, quando o auto ainda não estava completo, extraída quando faltavam as assinaturas dos intervenientes e a decisão homologatória, que teve lugar dois dias após a diligência de conciliação, não havendo dúvida de que, no mais, há correspondência absoluta e total entre o conteúdo desse documento e do documento original, sendo certo que a junção de certidão contendo o “documento completo” era já possível à data da apresentação da cópia em audiência, pois existia, e estava certamente disponível, à distância de um pedido, há mais de quatro meses.
Diga-se, em abono da verdade, que tudo isto, todo este imbróglio, este impasse, seria perfeitamente evitável, sem perdas de tempo, de processado e de energias, se fossem congregadas atitudes de colaboração processual, relevantes e atempadas, e de observância e cumprimento das regras do que pode e deve ser feito, isto é, se:
- as demandantes tivessem junto logo o documento completo e perfeito – a certidão do “auto de conciliação” de 28 de Maio de 2008, na sua completude - e quanto ao momento, abrange-se aqui não apenas a altura da audiência do julgamento, mas também, mais precocemente, a data em que foi deduzida a ampliação do pedido constante do artigo 41.º da p. i., que teve lugar já em 10 de Julho de 2008 - fls. 431 -, tratando-se de documento cuja obtenção estaria então na disponibilidade da demandante, pois que completo e perfeito a partir de 30-05-2008, contando-se aquela disponibilidade, por questões de gestão de secretaria, a partir das notificações da decisão homologatória, que teve lugar naquela data; como se colhe de fls. 486, a certidão foi passada apenas em 10 de Outubro de 2008, ou seja, no dia da 2.ª sessão de julgamento;
- face à junção do “duplicado” do citado auto em audiência de julgamento, tivesse sido suscitada pela contraparte, ou ordenada pelo tribunal, a junção, em tempo útil, de certidão do documento completo e perfeito; ali, ao abrigo da necessidade de exame do documento e de exercício do contraditório; aqui, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 340.º do Código de Processo Penal, tendo em vista a consecução do princípio da verdade material;
- não obstante estas omissões, se não juntasse a abdicação injustificada da secretaria em submeter a despacho o requerimento apresentado, já no pós julgamento, em 13 de Outubro de 2008, e, com ou sem despacho, tivesse procedido - como se impunha - à notificação do documento à obviamente interessada demandada seguradora.

O documento em causa, apodado de apócrifo, padecendo de óbvia incompletude, não foi arguido de falso, nem jamais foi alegada falta de correspondência entre o seu teor, naquilo que constituía o seu núcleo central, e a realidade fáctica transmitida na tentativa de conciliação ao Ministério Público, maxime, as declarações da viúva, que tiveram de passar pela necessária aquiescência ou não contradita da entidade patronal, interessada directa que era no assunto, pois que devedora/pagadora da obrigação pecuniária com tais contornos definida, e certamente não investida na qualidade de Mecenas ou disposta a conceder meras liberalidades, a qual aceitou a existência do acidente, a sua configuração como acidente de trabalho, o nexo de causalidade e os montantes solicitados.
De resto o seu valor como prova é de livre apreciação pelo tribunal, e foi-o, em conjunção com outros elementos.
A prova plena imperfeitamente constituída vale como prova livre, sujeita ao princípio da livre apreciação ou avaliação da prova.

Dúvidas não há de que o “documento apócrifo” junto em audiência serviu de fundamento para fixação do facto provado sob o n.º 45.
O Tribunal formou a sua convicção, para a determinação da matéria de facto dada como provada, na análise crítica e conjugada da totalidade da prova produzida, quer documental – mormente participação de óbito [fls. 2-5 e 12-14], … e auto de conciliação [fls. 476-478] – quer testemunhal, quer ainda por referência às declarações prestadas pelo próprio arguido.
(…) No que concerne ao PIC formulado pela assistente/demandante BB, foi ouvida esta em declarações e prestaram, ainda, depoimento as testemunhas BB (mãe da assistente/demandante), GG (tia e madrinha da assistente/demandante) e HH (amiga de longa data da assistente/demandante). Do teor das declarações e depoimentos supra referidos, conjugado com o teor dos documentos entretanto juntos pela assistente/demandante, resultou a matéria dada como provada relativa ao PIC em referência.
A Relação assim não entendeu, conforme fls. 702, avançando para a consideração da certidão retardada como suporte da decisão de facto.
Nas conclusões 4.ª, 5.ª e 6.ª do anterior recurso, referia a ora recorrente depoimentos de três testemunhas e da assistente, manifestando a sua discordância com o fixado no ponto n.º 45.
Ademais, no anterior recurso, a seguradora impugnou a matéria de facto fixada em Viana do Castelo, apenas quanto ao constante do citado ponto n.º 45.
A propósito desse concreto ponto de facto impugnado no anterior recurso, e só por causa disso – frisava então a recorrente – juntou três documentos, entendendo que deveria efectuar-se a renovação da prova acerca do específico ponto de facto, como sintetizava então nas conclusões 8.ª e 9.ª.

Nas conclusões 5.ª, 6.ª e 7.ª do presente recurso, veio arguir a recorrente omissão de pronúncia sobre os documentos juntos com a minuta de recurso para a Relação, ao abrigo do artigo 706.º, n.º 1, do CPC (então ainda em vigor).

Vejamos de que documentos se trata, apresentados então como concretas provas que, na perspectiva da recorrente, impunham decisão diversa do julgado.

Documento n.º 1, junto de fls. 579 a 593, compreende na verdade, quatro documentos:
I – Dos autos de acidente de trabalho (em que é sinistrado de morte EE) n.º 237/07.1TUVCT do Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo, constam:
a) “Auto notícia de acidente de trabalho” de 15-10-2007, em que figura a remuneração mensal da vítima como sendo de 595,00 € + 5,10 € por dia de subsídio de alimentação – fls. 581;
b) Participação de acidente de trabalho, com a mesma data, em que se apontam os mesmos valores - fls. 582;
II – Petição inicial de “Acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho com processo comum”, proposta pela viúva e filha menor da vítima contra CLSP Segurança Privada Unipessoal, Lda. – fls. 583 a 589 (p. i. repetida no documento n.º 3, de fls. 602 a 608, donde se retira, conforme fls. 601, que se trata da acção com o n.º 648/07.2TTVCT);
III – Auto de conciliação realizado em 28 de Maio de 2008 no processo de acidente de trabalho – morte, em que figura a retribuição anual de 15.032,76 €, homologado por despacho manuscrito em 30-05-08 - fls. 590 a 592.
IV – Ofício do Instituto de Seguros dirigido ao Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo - fls. 593;
Documento n.º 2, junto de fls. 594 a 599, contendo cópia de CCT - contrato colectivo de trabalho entre a AES e o STAD - em que para a actividade de vigilante figura como valor de retribuição o de € 595,13;
Documento n.º 3, junto de fls. 600 a 613, contendo certidão de peças da acção de processo comum n.º 648/07.2TTVCT (fls. 602 a 608), que repete o já junto com o documento n.º 1 (fls. 583 a 589), cópia de “contrato de trabalho a termo certo” (fls. 609 a 611), e conciliação realizada em 13-03-2008 no âmbito do citado processo comum n.º 648.2TTVCT.

Como já se viu, o acórdão recorrido, pronunciou-se sobre os documentos, na parte final do item 2.2., a fls. 700, comentando que “a ora recorrente na certidão que juntou com a motivação do recurso, juntou exactamente cópia do referido auto de conciliação (fls. 590 a 592)”.
E mais adiante, a fls. 703, retomou a questão, dizendo: “Realce-se aqui que a ora recorrente, na certidão que juntou com a motivação do recurso, juntou exactamente a cópia do referido auto de conciliação (fls. 590 a 592), auto de conciliação efectivado na sequência da acção n.º 237/07.1TUVCT, intentada em 30/10/2007 pela assistente contra a CLSP, ou seja, para impugnar o facto dado como provado pelo tribunal com base num documento, a recorrente junta o mesmo documento…”.
Conclui-se, assim, não se verificar qualquer omissão de pronúncia, indeferindo-se a arguição de nulidade do acórdão recorrido.

Noutra perspectiva, há que relembrar que como inúmeras vezes tem sido frisado por este Supremo Tribunal, são totalmente irrelevantes as considerações que os recorrentes fazem no sentido de pretenderem discutir a prova feita no julgamento e de solicitarem que este Tribunal de recurso modifique tal prova e passe a aceitar como realidade aquilo que o interessado pretende corresponder ao sentido do que teria resultado do julgamento.
A divergência da recorrente quanto à avaliação e valoração das provas feitas pelo tribunal é irrelevante, pois o Supremo Tribunal de Justiça não pode considerá-la, sob pena de estar invadir o campo da apreciação da matéria de facto que o tribunal faz de harmonia com o artigo 127.º do Código de Processo Penal – cfr. acórdãos do STJ, de 29-06-94, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 258; de 06-11-1997, processo n.º 666/97-3.ª, Sumários Assessoria, pág. 156.
Ao Supremo Tribunal de Justiça, como Tribunal de revista, apenas compete conhecer de direito, estando impedido de sindicar matéria de facto, cuja apreciação cabe em exclusivo às relações – artigos 427º e 428º do CPP.
No presente recurso reedita a recorrente a manifestação da sua discordância com o facto assente, embora em moldes diversos.
A pretensão da recorrente situando-se no plano da matéria de facto, não se contém nos poderes de cognição deste Supremo Tribunal.
Neste aspecto da valoração das provas, dir-se-á que na análise a efectuar há que ter em conta que a fixação da matéria de facto teve na sua base uma apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127.º do CPP, o que é insindicável no presente recurso.
O que na realidade a recorrente faz é manifestar a sua discordância com o decidido ao nível do assentamento da facticidade dada como apurada, pretendendo impugnar a convicção adquirida pelo julgador sobre o facto do vencimento percebido, olvidando por completo a regra da livre apreciação da prova ínsita no aludido preceito do CPP.
Como esclareceu o acórdão de 21-05-1992, BMJ n.º 417, pág. 404: “O STJ, como tribunal de revista, não dispõe de poderes de crítica ou censura sobre o concreto desempenho do princípio da livre apreciação da prova exercitada pelo tribunal a quo” e o acórdão de 25-03-1998, BMJ n.º 475, pág. 502: “O STJ não pode sindicar a valorização das provas feita pelo Colectivo em termos de o criticar por não ter sido dada prevalência a uma em detrimento de outra” - cfr. acórdão de 11-02-1998, BMJ n.º 474, pág. 309, e mais recentemente, o acórdão de 08-02-2006, processo n.º 98/06-3ª, no sentido de que “a deficiente apreciação da prova produzida é matéria que escapa aos poderes do Supremo Tribunal de Justiça”.

Duas notas finais

Em primeiro lugar, com o devido respeito, não pode deixar de assinalar-se alguma incongruência na posição assumida pela recorrente no que respeita à divergência com a fixação da matéria de facto dada por provada no ponto n.º 45 e por outro lado, no “deixar incólume” a facticidade inserta no ponto de facto provado n.º 59, que, digamos assim, pressupõe aquele, situando-se numa mesma linha de continuidade.
É que no ponto n.º 45 o salário mensal dado por provado assenta no salário anual de € 15.032,76 e é precisamente com base neste mesmo rendimento anual que as demandantes reclamam os valores constantes do auto de conciliação lavrado nos autos de acidente de trabalho (morte) n.º 237/07.1TUVCT, os quais lhes foram atribuídos e posteriormente homologados.
Daqui se retira que a facticidade inscrita no ponto de facto provado n.º 59 assenta exactamente no mesmo documento que permitiu o assentamento do constante do ponto n.º 45, o que no âmbito da sentença de primeira instância foi, nem mais, nem menos, do que o documento de fls. 477/9, ou seja, a base da convicção da julgadora de primeira instância, que esteve presente na fixação de um e outro facto dado por provado foi – só podia ser – exactamente o mesmo, ou seja, a “pièce à conviction” foi sem dúvida a mesma prova documental, o citado “documento apócrifo”, sendo que relativamente ao facto provado sob o n.º 59 não assacou a recorrente o anátema, nem os vícios que, com pujança, arguidos foram quanto ao ponto de facto provado n.º 45.

Por outro lado, o facto firmado e aqui ainda tão questionado não padecerá do desconforto de não corresponder à verdade material.
Expliquemo-nos.
Como consta do auto de conciliação, estavam presentes, para além do Ministério Público, a viúva do sinistrado, ora demandante, por si e em representação da filha menor, bem como o Mandatário da entidade patronal da vítima “CLSP”.
Não intervindo, de resguardo, ou assumindo supletivamente a obrigação de indemnizar qualquer empresa seguradora, a então única demandada, entidade patronal da vítima mortal, assumiu a responsabilidade do pagamento das pensões requeridas com os montantes apresentados na tentativa de conciliação, que do citado auto constam.
Tendo a aqui demandante BB declarado que o falecido marido auferia a retribuição anual de 15.032,76 €, o Mandatário da entidade patronal da vítima aceitou, para além do mais, o salário reclamado, aceitando em consequência pagar as pensões anuais - vitalícia, para a viúva, e temporária, para a filha menor -, calculadas tendo por base aquele valor declarado no acto.
Ora, aquela aceitação do montante do salário auferido pelo falecido, então reclamado pela viúva, enquanto direito disponível da pagadora, significa, corresponde a uma confissão da entidade patronal - judicial, espontânea, obviamente, inequívoca, com força probatória plena contra o confitente - nos termos dos artigos 352.º, 353.º, n.º 1, 355.º, n.º s 1, 2 e 3, 356.º, n.º 1, 357.º e 358.º, n.º 1, todos do Código Civil, pois, obviamente, a então demandada empresa comercial, interagindo no mercado da segurança privada, não iria fazê-lo sem fundamento, significando tal postura de aquiescência à declaração da viúva e sequencial assunção do “quantum” da responsabilidade indemnizatória própria, o reconhecimento da bondade da declaração emitida, não fazendo sentido a entidade patronal aceitar, em termos do que é de configurar como um contrato de transacção - artigo 1248.º do Código Civil – e, pois, na base de recíprocas concessões, como é próprio do figurino contratual, um valor que fosse superior ao que efectivamente era pago ao sinistrado.
O que, tudo conjugado, como não pode deixar de ser, conduz a que se afirme que o valor inserto no ponto de facto dado por provado sob o n.º 45, corresponderá ao real e efectivo montante abonado mensalmente ao falecido.
Improcede, assim, esta pretensão da recorrente.


IV Questão - Excesso de valoração da indemnização do dano patrimonial futuro - Cessação da prestação alimentar pelo falecido/Lucros cessantes - Redução da indemnização para € 125.000,00

A recorrente, na conclusão 8.ª, pugna pela diminuição do que na conclusão 9.ª apelida de “indemnização alimentar pelo dano patrimonial futuro”, pretendendo a redução do montante indemnizatório do dano patrimonial futuro por perda de alimentos/ lucros cessantes para a quantia de € 125.000,00.
Relembremos o teor da conclusão 8.ª: «Acha-se sobrestimada a indemnização concedida à demandante viúva e seu filho (sic) menor pelo disposto no art. 495°/3 C. Civil, tendo em conta os parâmetros do disposto pelos arts. 564° segs. C.Civil, a qual deve reduzir-se a € 125.000,00».

Anote-se que, em relação ao recurso anterior para o Tribunal da Relação de Guimarães, no presente a recorrente “deixou cair” a impugnação dos valores atribuídos por indemnização pelos danos não patrimoniais, subsistindo apenas a divergência quanto ao dano patrimonial ora em causa, o que faz todo o sentido, na coerente sequência das razões sintetizadas nas conclusões 1.ª a 7.ª e de todo o já exposto neste recurso.

Entre os danos patrimoniais que o responsável pela produção de um acidente está obrigado a indemnizar, contam-se os chamados danos patrimoniais resultantes da perda de salários.
Em causa está apenas a fixação do montante indemnizatório pelo dano patrimonial futuro, na perspectiva de perda de alimentos, ou de lucros cessantes, para cuja configuração importa, à partida, a consideração do salário auferido pelo falecido, cuja fixação foi amplamente impugnada pela recorrente ainda neste recurso.
A pretensão deduzida em concreto pelas demandantes, no contexto do pedido de indemnização formulado por adesão no processo, em 01 de Junho de 2007, e constante de fls. 192 a 203 (e em original, de fls. 206 a 217), constava dos artigos 38.º a 54.º, posteriormente modificado/ampliado, apenas quanto ao valor constante do artigo 41.º, alegando-se então que o que o falecido ganhava, destinava ao seu sustento, da demandante e da filha, não trabalhando nem recebendo a demandante qualquer reforma; daí o direito destas a alimentos, convocando-se, no artigo 48.º da petição do pedido enxertado, o conjunto normativo dos artigos 495.º, n.º 3, 2004.º, 2009.º e 2010.º, do Código Civil, mas, de seguida nos artigos 49.º a 54.º, invoca-se um outro direito de indemnização, por perda de salários, lucros cessantes, alegando-se que com a morte do marido e pai, as demandantes deixaram de perceber o que o falecido ganhava, deduzindo-se pedido de pagamento de quantia que represente capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até ao final da vida activa do falecido, segundo as tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente, capaz de cobrir aquilo que a vítima deixou de auferir e citando-se agora os artigos 495.º, 2031.º e 2032.º-1, do mesmo Código.
Face à alegação assim feita, temos a invocação de dois créditos de indemnização, estamos perante a dedução de pedido de indemnização por danos patrimoniais, futuros, previsíveis, com fundamento em dois direitos de indemnização de danos patrimoniais, autónomos, que embora com zonas de sobreposição, se não confundem, com extensão ressarcitória diversa e não cumuláveis.

No primeiro caso, estamos em presença de indemnização pelo dano resultante da frustração do percebimento de alimentos, pelos prejuízos advenientes da privação de alimentos, da cessação da prestação alimentar a que o falecido, como marido e Pai, das demandantes, estava vinculado, tratando-se de um direito de que são titulares por direito próprio as pessoas destacadas no artigo 495.º, n.º 3, do Código Civil.

No segundo caso, estamos perante um direito a indemnização por danos patrimoniais futuros, a título de lucros cessantes, próprio da vítima, a que podem aceder as demandantes por serem herdeiras, traduzido na compensação da perda absoluta da capacidade aquisitiva de ganho da vítima, no ressarcimento do prejuízo económico que as demandantes irão sofrer por virtude da privação total de rendimentos de trabalho, resultantes da morte do marido e Pai, com efeitos imediatos na sua situação patrimonial e que não é o mesmo que perda de capacidade aquisitiva do lesado sobrevivo.
A indemnização em causa assenta no próprio facto da perda absoluta e definitiva de rendimentos de trabalho que seriam realizados pelo falecido, não fosse o seu decesso.
No sentido de que estamos perante um direito adquirido por via sucessória, podem ver-se os acórdãos de 18-12-2003, revista n.º 4120/03 - 7.ª (os sucessores da vítima de lesão mortal têm direito, por via sucessória, nos termos do artigo 2024.º do CC, à indemnização por danos patrimoniais futuros por ela sofridos relativos à perda de rendimento de trabalho); de 02-03-2004, revista n.º 24/04-6.ª; de 05-05-2005, revista n.º 521/05 (a própria vítima, falecida posteriormente à lesão que a vitimou, integrou na sua esfera jurídica o direito a indemnização por danos futuros derivados da perda de rendimentos de trabalho que, por via sucessório, se transmitiu aos respectivos sucessores, designadamente os pais - artigo 2024.º do Código Civil); de 06-05-2008, revista n.º 851/08-6.ª.

A determinação da capacidade de ganho do lesado directo é de ter em conta, quer no terreno do dano patrimonial futuro para efeitos do artigo 495.º, n.º 3, do Código Civil, quer para a determinação da indemnização do dano futuro por lucro cessante.

Tratando-se de indemnização de dano por perda de alimentos, há que atender à existência de duas correntes da jurisprudência deste Supremo Tribunal acerca da exigibilidade ou não da alegação e demonstração da efectiva carência de alimentos para efeitos de atribuição do direito de indemnização às pessoas referidas no artigo 495.º, n.º 3, do Código Civil, situação que não pode ser desligada da problemática, que, a propósito, se suscita no plano da perda de ganho, em sede de danos futuros radicados ou resultantes de incapacidade permanente parcial – no sentido de que basta a alegação dessa incapacidade para poder ser atribuída uma indemnização, podem ver-se entre muitíssimos outros, os acórdãos de 05-02-1987, BMJ n.º 364, pág. 819; de 07-10-1997, revista n.º 513/97, BMJ n.º 470, pág. 569; de 11-02-1999, revista n.º 1099/98-2.ª e de 24-02-1999, revista n.º 5/99-2.ª, BMJ n.º 484, págs. 352 e 359; de 22-09-2001, revista n.º 1979/01-7.ª; de 04-12-2008, revista n.º 3728/08-2.ª (o ónus de afirmação a cargo do autor basta-se com a invocação da incapacidade permanente parcial).

Segundo o acórdão de 14-07-2009, proferido na revista n.º 1541/06.1TBSTB.S1-1.ª Secção, “há que alegar e provar a necessidade dos alimentos e a indispensabilidade do “quantum” prestado”, precisando ainda o aresto que o disposto no n.º 3 do artigo 495.º, n.º 3, do Código Civil, pressupõe a demonstração da natureza alimentícia do que era prestado.
De acordo com o acórdão de 07-06-2001, proferido na revista n.º 634/01-2.ª, partindo do carácter excepcional da norma do n.º 3 do artigo 495.º, por isso, em princípio, insusceptível de aplicação analógica, defende-se que não basta a simples invocação da qualidade ou status de cônjuge sobrevivo para, de pronto e de modo automático, ser atribuída ao invocante uma indemnização a esse título: esta só pode ser exigida por danos efectivos - que não pelos meramente potenciais - da cessação da prestação de alimentos.
No mesmo sentido, o acórdão de 04-04-2006, proferido na revista n.º 523/06-6.ª; o de 14-12-2006, proferido na revista n.º 3737/06-6.ª e o de 14-07-2009, proferido na revista n.º 1541/06.1TBSTS.S1-1.ª, onde se consigna: «tratando-se de alimentos, há que alegar e provar a necessidade dos alimentados e a indispensabilidade do “quantum” prestado».

Em sentido contrário, pronunciaram-se os acórdãos de 20-10-1971, BMJ n.º 210, pág. 68 (nos termos do artigo 495.º do Código Civil, para ter direito à indemnização basta ter a qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito a alimentos); de 16-04-1974, BMJ n.º 236, pág. 138 (seguindo o anterior); de 14-10-1997, revista n.º 225/97-2.ª, in CJSTJ 1997, tomo 3, pág. 61; de 24-09-1998, processo n.º 663/98-3.ª, in CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 177; de 03-05-2000, revista n.º 308/00-6.ª (o cônjuge da vítima mortal de acidente de viação trem direito a indemnização, por perda dos alimentos previstos no artigo 1675.º, n.º 1, do CC, não tendo para tanto que demonstrar que estava dependente economicamente do falecido); de 22-05-2001, revista n.º 25/01-6.ª; de 27-09-2001, revista n.º 2427/01-6.ª; de 08-07-2003, revista n.º 1360/03-1.ª, in CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 141; de 18-12-2003, revista n.º 4120/03-7.ª; de 02-03-2004, revista n.º 24/04-6.ª; de 26-10-2004, revista n.º 2619/04-6.ª; de 05-05-2005, revista n.º 521/05-7.ª; de 11-07-2006, revista n.º 1835/06-7.ª; de 17-06-2008, revista n.º 1599/08-1.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2860/08-3.ª.

Pese embora o enquadramento dado na petição da acção enxertada a esta específica pretensão indemnizatória e a dupla causa petendi da mesma, a sentença de Viana do Castelo apresenta a análise da questão apenas na perspectiva de “perda de ganho”, “rendimento perdido” e “diminuição da capacidade de ganho”.
É certo que a prestação alimentícia a que a vítima estaria adstrita por lei sempre teria os seus limites no rendimento frustrado pela morte; por outras palavras, a capacidade de rendimento da vítima determina e condiciona a amplitude da indemnização.
Impor-se-ia de seguida outro tipo de análise, qual o de saber, no concreto caso, quais as concretas necessidades de alimentos das demandantes, e mormente da viúva, já que quanto à menor a questão seria hialina, sem necessidade da demonstração da real e efectiva e actual carência de alimentos, atenta a sua idade - 7 meses e 2 dias - à data do decesso do Pai.

A sentença da primeira instância, após considerações genéricas cabíveis no âmbito da discussão sobre indemnização por perda aquisitiva de ganho tout court, mas omitindo qualquer referência sequencial ao caso específico da prestação alimentar também invocada pelas demandantes e nem sequer referenciando, ao longo do texto, o pelas demandantes invocado artigo 495.º, n.º 3, do Código Civil, e o que mais releva, sem explicar, fundamentar e demonstrar como chegara ao resultado alcançado – nomeadamente, concretizando os princípios e linhas orientadoras antes expostas – afirma, de forma enxuta e parca:
«Neste ponto, e considerando resultar provado que a vítima contava, à data do respectivo óbito, com 28 anos de idade, exercia a actividade profissional de segurança, ao serviço da empresa «CLSP – Segurança Privada Unipessoal, Ld.ª», e auferia o vencimento líquido mensal de € 1.073,76, julga-se adequado fixar o montante indemnizatório, pela perda de ganho, em € 300.000,00, a atribuir em partes iguais a cada uma das demandantes».


Inconformada então, a recorrente no recurso interposto para a Relação afirmava na conclusão 13.ª: «As indemnizações concedidas pelo dano patrimonial futuro, devido à morte do lesado e aos alimentos que este prestaria ou teria ainda de prestar a viúva e filha, esta enquanto menor, bem como pelos danos morais duma e doutra, acham sobrestimados pelo tribunal a quo, pelo que tais verbas devem vir a ser reduzidas de acordo com os critérios de razoabilidade e/ou equidade legais e/ou correntemente mais comuns e que são seguidos pela jurisprudência nacional».

Sobre esta pretensão recursória da demandada seguradora, disse o Tribunal da Relação de Guimarães:
«2.5. Montante da indemnização cível exagerado
Sustenta a recorrente que “as indemnizações concedidas pelo dano patrimonial futuro, devido à morte do lesado e aos alimentos que este prestaria ou teria ainda de prestar a viúva e filha, esta enquanto menor, bem como pelos danos morais duma e doutra, acham sobrestimados pelo tribunal a quo, pelo que tais verbas devem vir a ser reduzidas de acordo com os critérios de razoabilidade e/ou equidade legais e/ou correntemente mais comuns e que são seguidos pela jurisprudência nacional”.
Não indica, no entanto qualquer divergência concreta aos montantes que foram fixados individualmente na sentença recorrida nem indica quais as razões de facto e de direito que imponham que o tribunal decida de forma diversa da que decidiu.
Ora, lendo a sentença recorrida na parte da fixação da indemnização cível, não se encontra qualquer razão para alterar os montantes fixados que estão perfeitamente consentâneos com os comummente fixados pela jurisprudência nacional.
Improcede assim também este fundamento do recurso, pelo que improcede na totalidade o recurso interposto pela DD».

Ou seja, a Relação de Guimarães confirmou in totum a decisão recorrida, não vislumbrando qualquer necessidade de alteração, afirmando estar completamente de acordo, não só com o montante fixado, como também com a perspectiva adoptada na primeira instância quanto ao enquadramento da situação, sem efectuar qualquer abordagem específica no âmbito do dano patrimonial futuro por cessação de prestação alimentar, no plano do direito próprio de familiares consignado no artigo 495.º, n.º 3, do Código Civil.


A “indemnização do dano da perda de alimentos” para utilizar expressão do Professor Vaz Serra, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-04-1974, publicado no BMJ n.º 236, pág. 138, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 108.º, n.º 3549, págs. 183 e seguintes, visa a reparação de um dano patrimonial directo provocado a terceiro.

Em matéria de responsabilidade civil extra-contratual, a regra geral é a de que a indemnização cabe apenas ao titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado pela violação de disposição legal destinada a protegê-lo - artigo 483.º do Código Civil.
Em princípio, titular do direito a indemnização é apenas o sujeito directa ou imediatamente lesado pelos danos resultantes da violação, o titular dos bens imediatamente afectados pelo facto danoso.
O terceiro, que só reflexa ou indirectamente seja prejudicado com a violação do direito do lesado directo, está, em princípio, fora do círculo dos titulares do direito à indemnização.
Excepcionalmente, a indemnização pode caber também (no caso de lesão corporal) ou apenas (no caso de morte) a terceiros, sendo o artigo 495.º, n.º 3, do Código Civil, justamente, um desses casos excepcionais.
Estabelece o artigo 495.º, sob a epígrafe “Indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal”, no n.º 3:
3 – Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.

O preceito define em caso de morte da vítima (ou de lesão corporal) o direito a indemnização de danos patrimoniais futuros, jure proprio, por perda de alimentos, estando em causa o ressarcimento pelos danos patrimoniais futuros e previsíveis, decorrentes da privação de alimentos, cuja prestação incumbia à vítima, ao lesado directo da lesão corporal.
O lesante fica constituído na obrigação de indemnizar a pessoa carecida de alimentos do prejuízo que para ela advém da falta da pessoa lesada.
Para o Professor Vaz Serra, in RLJ, ano 105.º, pág. 47, a indemnização tem por objecto o que o lesado imediato teria sido obrigado a prestar durante a presumível duração da sua vida.
Como refere Antunes Varela, Das Obrigações em geral, 9.ª edição (1998), volume I, pág. 646: “Há na concessão deste direito (relativo) de indemnização uma verdadeira excepção à regra de que só os danos ligados à relação jurídica ilicitamente violada contam para a obrigação imposta ao lesante”.
Adianta, a págs. 646, em nota de rodapé, que os sucessores do lesado terão direito ainda à indemnização correspondente aos danos patrimoniais que o próprio lesado tenha sofrido, a qual se transmite com a herança.
Este direito de indemnização fundado em perda de alimentos, assume um carácter restritivo, pois o direito a alimentos circunscreve-se apenas ao que assuma carácter indispensável (artigo 2003.º) de acordo com as necessidades (artigo 2004.º, como o anterior, do Código Civil – são deste Código os preceitos infra indicados sem qualquer menção).
Como acentuava Vaz Serra, in RLJ, ano 108.º, pág. 185, o n.º 3 do artigo 495.º não significa que tenham direito a indemnização de quaisquer danos patrimoniais aqueles que tinham direito a alimentos contra o lesado, mas só que estes têm direito de indemnização do dano da perda de alimentos.
Adverte que não se trata de uma indemnização de todos e quaisquer danos patrimoniais que lhes hajam sido causados; o preceito apenas concede o direito de indemnização do dano da perda dos alimentos (que o lesado, se fosse vivo, teria de prestar-lhes).
Esclarece ainda que o montante da indemnização não pode exceder a medida dos alimentos que o lesado teria sido obrigado a prestar, se fosse vivo.
Na mesma linha diz Antunes Varela, obra citada, pág. 647: “Medindo-se a indemnização pelo prejuízo que para a pessoa carecida de alimentos advém da falta da pessoa lesada, o lesante não poderá ser condenado em prestação superior (seja no montante, seja na própria duração), àquela que provavelmente o lesado suportaria, se fosse vivo”.

Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, compreendendo-se também a instrução e educação do alimentado no caso de ser menor - artigo 2003.º.

Sendo a demandante BB casada com a vítima há dois anos e sete meses, há que ter presente que os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelo dever de assistência (artigo 1672.º), o qual, nos termos do artigo 1675.º, n.º 1, compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar, vincando o artigo 2015.º que na vigência da sociedade conjugal, os cônjuges são reciprocamente obrigados à prestação de alimentos, nos termos do artigo 1675.º, figurando o cônjuge em primeiro lugar na ordem fixada no artigo 2009.º para as pessoas vinculadas à prestação de alimentos - n.º 1, alínea a).

Falecido o marido não mais poderá contar a cônjuge sobreviva com a possibilidade de o seu sustento ser alcançado com a contribuição daquele (coisa diversa é a possibilidade de, atendendo à sua juventude, vir a ingressar no mercado do trabalho e ganhar autonomia económica).

E quanto à filha, a demandante CC, à data da morte do Pai, contava sete meses e 2 dias de idade.
Estabelece o artigo 1874.º, n.º 1, que pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência, compreendendo o dever de assistência, de acordo com o n.º 2, a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar.
E de acordo com o disposto no artigo 1877.º, os filhos estão sujeitos ao poder paternal até à maioridade ou emancipação.
No conteúdo do poder paternal compete aos pais, no interesse dos filhos, entre o mais, prover ao seu sustento – artigo 1878.º, n.º 1.
De acordo com o artigo 2009.º, n.º 1, alínea c), estão vinculados à prestação de alimentos os ascendentes; o Pai da demandante CC estava, pois, obrigado a prestar-lhe alimentos.
O dever de sustento não é ilimitado, pois os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos – artigo 1879.º.
Explicitando, em consonância, o artigo 2013.º, n.º 1, alínea b), que a obrigação de prestar alimentos cessa quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles.
Ressalvada fica, no entanto, a possibilidade de extensão temporal do dever em causa, de ser alargado o terminus ad quem da obrigação de pagar a pensão, através da chamada cláusula de exigibilidade, prevista no artigo 1880.º, relativa a despesas com os filhos maiores ou emancipados, pois se no momento em que o filho atingir a maioridade ou for emancipado, não tiver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação de prover ao sustento, e de assumir as despesas relativas à segurança, saúde e educação, na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.

Comummente tem sido entendido que essa formação profissional, universitária, técnica, pode ser alcançada no patamar compreendido entre os 23 e os 26 anos.

Daqui se retira que desde que a prestação alimentícia perca a sua razão de ser, deixa de funcionar a referida obrigação, e como é óbvio, a regra do artigo 495.º, n.º 3, estabelecendo em sintonia, como se viu, o artigo 2013.º, n.º 1, alínea b), que a obrigação de alimentos cessa quando aquele que os recebe deixe de precisar deles.

Como se refere no acórdão de 26-10-2004, Revista n.º 2619/04-6.ª, o prejuízo a indemnizar no âmbito da norma é somente o da perda de alimentos decorrentes da falta da vítima, não podendo o lesante ser condenado em prestação superior (quer no valor, quer na duração) à que o lesado suportaria se fosse vivo.

Atento o carácter restritivo e limitado deste tipo de indemnização, considerar-se-á no caso presente apenas a alegação de indemnização na vertente de lucros cessantes, porque mais abrangente, baseada na perda absoluta de rendimentos de trabalho do falecido marido e Pai das demandantes e de que se aproveitariam, não fosse o seu prematuro decesso, sabendo-se que a indemnização por perda de alimentos seria menor para a demandante filha, não sendo obviamente caso de duplicar, de cumular uma e outra, “absorvendo” a última aqueloutra.

O decesso do marido e Pai das demandantes foi determinante da sua frustração absoluta de ganhos, de previsíveis lucros cessantes, atenta a perda absoluta da capacidade produtiva daquele pelo tempo de vida que previsivelmente lhe restaria, com reflexos na esfera patrimonial daquelas, atenta a sua completa dependência económica em relação àquele.

Avançar-se-á, pois, para a determinação do quantitativo indemnizatório devido a título de danos futuros previsíveis, na vertente de lucros cessantes, procurando determinar o montante equivalente aos salários que o falecido previsivelmente receberia desde a data do acidente até à reforma, ou mesmo até momento ulterior, desde já se adiantando que no caso sujeito se impõe uma intervenção correctiva, por se mostrar excessivo o montante atribuído.


Cálculo da indemnização

Como se aludia no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-12-1996, processo n.º 406/96, BMJ n.º 462, pág. 396, retomado no acórdão do mesmo relator, de 18-03-1997, recurso n.º 793/96, CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 24, «No concernente a danos patrimoniais futuros está-se, obviamente, em presença de humana futurologia, tornando-se evidente que qualquer resultado é sempre discutível».

Como acentuam a doutrina e a jurisprudência, o cálculo dos danos futuros é sempre uma operação delicada, de solução difícil, porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica uma previsão, pouco segura, sobre dados verificáveis no futuro. E por isso é que tais danos devem calcular-se segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que é normal e natural acontecer, com o que em cada caso concreto, poderá vir a acontecer, pressupondo que as coisas seguem o seu curso normal, estando-se perante cálculo feito de acordo com o “id quod plerumque accidit”; e se, mesmo assim, não puder apurar-se o seu valor exacto, o tribunal deve julgar, então, segundo a equidade - cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, secção cível, do mesmo relator, de 26-05-1993, recurso n.º 83.505, in CJSTJ 1993, tomo 2, pág. 130 e de 10-02-1998, recurso n.º 847/97, in CJSTJ 1998, tomo 1, pág. 65 (ambos citando Dario Martins de Almeida, Manual de acidentes de viação, pág. 114, Vaz Serra, RLJ, ano 112.º, pág. 329 e ano 114.º, pág. 287; Pires de Lima-Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume 1, 4.ª edição, pág. 584), sendo o segundo acórdão citado por Sousa Dinis, em Dano corporal em acidentes de viação, in CJSTJ 2001, tomo 1, pág. 8 ; e ainda o acórdão de 15-12-1998, revista n.º 972/98 -2.ª, in CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 155, e do mesmo relator, o de 06-07-2000, revista n.º 1861/00-2.ª, in CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 144 e BMJ n.º 499, pág. 309 e o de 25-06-202, revista n.º 1321/02-1.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 128.
As consabidas dificuldades na determinação da extensão do dano, resultantes da consideração de factores aleatórios e de verificação de factos previsíveis, por vezes muito distantes do tempo da produção do evento danoso e da decisão, demandando projecção relativa a longos prazos de previsão – podendo atingir algumas décadas! – com realce desde logo para o imponderável da provável duração da vida do lesado (mesmo quando, como no caso, se equaciona situação onde o facto morte já não se traduz num “certus an, incertus quando”, porque já se mostra verificado o marco da finitude), não viabilizam que à luz da lei constituída fiquemos por um cómodo non liquet.

Como se acentua no acórdão de 11-10-1994, recurso n.º 85.848, in CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 89 (92) e BMJ n.º 440, pág. 448 “Assumindo a falibilidade da capacidade humana para prever, mas tendo em conta o que já aconteceu, as regras da experiência comum, e o que é natural e normal que venha a acontecer, há que decidir com a segurança possível e a temperança própria da equidade (cfr. n.º 3 do art. 566.º do Cód. Civil); isto é, há que optar por um modo de aplicação e cumprimento da lei constituída”.

Reconhecida a falibilidade das projecções feitas para o futuro, face a danos futuros previsíveis e determináveis, ponderando uma situação hipotética, que é por definição, uma situação imaginária, irreal, virtual, e temporalmente bem distante no seu conjecturado termo final, há que proceder a uma quantificação do dano patrimonial futuro, que se assuma como compreensível, credível, plausível e aceitável, e fundamentada a partir de parâmetros actuais – considerado o tempo da decisão – e tendo em conta a dinâmica própria da vida, nas suas multifacetadas aparências e interacções, e uma natural evolução dos dados em equação.

Entre os factores a ter em consideração na análise tendente a uma quantificação equilibrada, adequada, proporcional e tendencialmente equitativa e justa, do dano futuro, na componente lucro cessante/ganho frustrado, emergente de incapacidade/desvalorização permanente para o trabalho, em que há apenas uma redução da capacidade de ganho, com maior ou menor grau de amplitude, mas também extensível a caso de perda absoluta e definitiva dessa capacidade de obtenção de rendimentos de trabalho, seja por efeito de incapacidade total, a 100%, do sobrevivo, seja por efeito da morte do sujeito - fonte produtiva de réditos, há que atender - no caso concreto que nos ocupa, de determinação de responsabilidade indemnizatória emergente de danos produzidos em acidente de viação, como ocorre na situação em análise - à natureza da responsabilidade na eclosão do acidente estradal, ponderando se objectiva, baseada no mero risco; se fundada na mera culpa, na culpa grave, na negligência grosseira - (a consideração do dolo fica reservada para os casos de responsabilidade civil conexa, emergente de prática de crimes dolosos, ora fora de equação) - ; à eventual responsabilidade partilhada, com concorrência de culpas, e neste caso, ao eventual grau de concorrência da vítima para a produção do evento danoso; a idade da vítima ao tempo do acidente; a idade normal de reforma e a ponderação de prolongamento da vida activa para além da reforma; a duração do tempo provável de vida ou expectativa de vida do cidadão médio; o aumento da própria longevidade, divergindo os números consoante se trate de homem ou de mulher; a consideração de que a longevidade profissional será maior para quem trabalha por conta própria (no sentido de que é um facto notório que, em tais situações, é normal prolongar a actividade profissional até idades mais avançadas, o acórdão de 25-05-2002, nota 19, in CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 133); o grau/percentagem de incapacidade para o trabalho (no caso de mera lesão - lesado sobrevivente); a natureza do trabalho; o salário auferido pelo lesado/vítima; o rendimento anual perdido ou frustrado (suposto o exercício efectivo de profissão, actividade ou ocupação – de quem já está (estava) no mercado do trabalho - e consequentes remunerações); a expectativa de aumento da retribuição; a perenidade ou transitoriedade do emprego; a progressão (e não congelamento) profissional na carreira; a possibilidade de exercício de outra actividade profissional; a taxa referencial de juros remuneratórios do capital atribuído; o desconto/dedução/acerto devido pelo benefício da antecipação, da entrega do capital de uma só vez, com vista a impedir enriquecimento indevido; a dedução de parte do rendimento auferido destinado a despesas próprias; o até há pouco crescente aumento do nível dos salários, que passou a ser uma variável com tendência para cair em desuso e com proclamada e séria tendência para avançar em sentido oposto – leia-se, descendente, minguante”, a evolução do custo de vida e da inflação; a flutuação do valor do dinheiro; a carga fiscal, tendencialmente, no sentido ascendente, bem como as indemnizações atribuídas precedentemente em casos semelhantes.


Da quantificação/valoração do dano patrimonial futuro, na componente de lucros cessantes, mais especificamente por perda da capacidade aquisitiva.


Neste particular os critérios válidos para a determinação da indemnização por danos futuros, por perda da capacidade de ganhos, para os casos de grandes incapacitados sobrevivos, com incapacidades totais e absolutas, da ordem dos 100%, sê-lo-ão igualmente para o caso de decesso do lesado, em que a perda é definitiva e rotunda.

Vejamos os factores com influência na determinação do quantitativo em causa e as soluções jurisprudenciais relativas a casos similares.


Determinação do capital produtor de rendimentos

Neste caso o que está em causa é o ressarcimento do prejuízo económico que as familiares irão sofrer por virtude da frustração de ganhos futuros, da perda absoluta e definitiva de rendimentos de trabalho que seria realizado pelo falecido não fosse o seu decesso.
Pretende-se em tais situações, como de resto ocorre com os casos de perda da capacidade aquisitiva emergente de incapacidade para o trabalho, desde a baixa incapacidade parcial às situações de grandes incapacitados, encontrar o capital que permita realizar o quantitativo, a “pensão” anual correspondente à perda de vencimento verificada, a atribuição de uma quantia que produza, no período que houver de ser considerado, o rendimento correspondente à perda económica que se verifica (ou que o lesado sofreu, ou irá sofrer, ou deixará de auferir), mas de tal modo que, no fim desse período, essa quantia se ache esgotada.

Após uma primeira aproximação pelo acórdão de 09-01-1976, BMJ, n.º 253, pág. 157, onde se definiu que a indemnização destinada a reparar o dano resultante duma actividade deve ser fixada numa importância que renda o quantitativo em dinheiro sensivelmente aproximado ao que o sinistrado auferia em resultado da sua actividade profissional, a partir do acórdão de 10 de Maio de 1977, BMJ n.º 267, pág. 144, a jurisprudência acolheu a solução de que indemnização em dinheiro do dano futuro de incapacidade permanente a pagar ao lesado, deve “representar um capital que se extinga no fim da sua vida activa e seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho”.
A ideia da necessidade de ponderação do desgaste do capital, ao longo do período de vida considerado na fixação da indemnização, foi realçada no acórdão de 14-06-1978, BMJ n.º 278, pág. 182.
A doutrina do acórdão de 10-05-1977 foi adoptada de forma expressa no acórdão de 09-01-1979, processo n.º 67452, e no de 18-01-1979, processo n.º 67539, ambos publicados in BMJ n.º 283, págs. 260 e 275, sendo que em muitos arestos subsequentes, e em trabalhos ou obras referentes a estas matérias, aquele acórdão de 9 de Janeiro de 1979 é apontado como tendo sido o pioneiro na definição/formulação supra indicada, quando na realidade o percursor data de Maio de 1977!..., estabelecendo o segundo acórdão que “Em relação ao futuro, a indemnização deve ser calculada em atenção ao tempo provável de vida activa da vítima, de forma a representar um capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final desse período, segundo as tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente, ao juro anual de 9%”.
A partir de então, é jurisprudência corrente a de que a indemnização do dano patrimonial futuro decorrente de incapacidade permanente deverá corresponder a um capital produtor de rendimento equivalente ao que a vítima irá perder (no nosso caso, de morte da vítima, ao rendimento de trabalho definitivamente perdido), mas que se extinga no final da vida activa ou do período provável de vida da vítima e que seja susceptível de garantir, durante essa vida ou período, as prestações periódicas correspondentes ao rendimento perdido, às perdas de ganho.
Assim, nos acórdãos de 19-05-1981, BMJ n.º 307, pág. 342; de 08-05-1986 e de 15-05-1996, BMJ n.º 357, págs. 396 e 412; de 04-11-1986, Tribuna da Justiça, n.º 24, pág. 18; de 13-10-1992 e de 28-10-1992, BMJ n.º 420, págs. 507 e 544; de 17-11-1992, BMJ n.º 421, pág. 414; de 04-02-1993, CJSTJ 1993, tomo 1, pág. 128; de 31-03-1993, BMJ n.º 425, pág. 544; de 08-06-1993, CJSTJ 1993, tomo 2, pág. 138; de 11-10-1994, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 86; de 07-12-1994, BMJ n.º 442, pág. 176; de 04-06-1998, BMJ n.º 478, pág. 344; de 15-12-1998, CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 155; de 16-03-1999, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 167; de 08-06-1999, BMJ n.º 488, pág. 323; de 06-07-2000, revista n.º 1861/00-2.ª, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 144 e BMJ n.º 499, pág. 309; de 28-02-2002, revista n.º 4399/01-1.ª; de 19-03-2002, revista n.º 4183/01-1.ª; de 28-05-2002, revista n.º 1038/02-2.ª; de 25-06-2002, revista n.º 1321/02-1.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 128; de 24-10-2002, revista n.º 1721/02-7.ª; de 30-10-2002, revista n.º 3031/02-7.ª; de 03-06-2003, revista n.º 1270/03 – 1.ª; de 17-06-2003, revista n.º 1564/03 – 6.ª; de 09-10-2003, revista n.º 1567/03-7.ª; de 23-10-2003, revista n.º 3075/03-7.ª, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 111; de 30-10-2003, revista n.º 2818/03 – 2.ª; de 20-11-2003, revista n.º 3528/03 – 2.ª; de 20-11-2003, revista n.º 3441/03 – 6.ª; de 20-11-2003, revista n.º 3450/03, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 149; de 27-11-2003, revista n.º 3064/03 – 2.ª; de 18-12-2003, revista n.º 4120/03 – 7.ª; de 05-02-2004, revista n.º 83/04 – 7.ª; de 19-02-2004, revista n.º 4271/03-2.ª; de 19-10-2004, revista n.º 2897/04 – 6.ª; de 16-12-2004, revista n.º 3839/04 – 2.ª; de 27-01-2005, revista n.º 4135/04 – 2.ª; de 03-02-2005, revista n.º 4478/04 – 7.ª; de 03-03-2005, revista n.º 4470/04 – 2.ª; de 22-06-2005, revista n.º 1597/05 – 2.ª; de 22-09-2005, revista n.º 2277/05-2.ª, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 38; de 11-10-2005, revista n.º 2587/05 – 7.ª; de 07-12-2005, revista n.º 3297/05-7.ª; de 07-12-2005, revista n.º 3028/05-2.ª; de 07-12-2005, revista n.º 3437/05 – 7.ª; de 09-03-2006, revista n.º 312/06 – 7.ª; de 08-06-2006, revista n.º 1331/06 – 2.ª; de 07-11-2006, revista n.º 3349/06 – 1.ª; de 09-11-2006, revista n.º 2849/06 – 2.ª; de 30-11-2006, revista n.º 3898/06 – 2.ª; de 14-12-2006, revista n.º 3974/06 – 1.ª; de 17-04-2007, revista n.º 2122/06 – 2.ª; de 12-07-2007, revista n.º 2406/07 – 1.ª; de 13-09-2007, revista n.º 2382/07 – 7.ª; de 02-10-2007, revista n.º 2763/07 – 6.ª; de 02-10-2007, revista n.º 2657/07 – 1.ª, CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 68; de 04-10-2007, revista n.º 3454/06 – 2.ª; de 25-10-2007, revista n.º 3026/07 – 2.ª; de 18-12-2007, revista n.º 3715/07 – 7.ª; de 07-02-2008, revista n.º 4598/07 – 1.ª; de 17-06-2008, revista n.º 1266/08-6.ª; de 03-07-2008, revista n.º 1833/08 – 7.ª; de 16-09-2008, revista n.º 939/08 – 7.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2860/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processos n.º s 3373/08 e 3379/08, ambos da 3.ª secção; de 22-01-2009, processo n.º 2499/08 – 5.ª; de 11-02-2009, processo n.º 3980/08 – 3.ª; de 17-02-2009, revista n.º 4099/08 – 1.ª; de 19-03-2009, revista n.º 3745/08 – 2.ª; de 14-05-2009, processo n.º 271/09.7YFLSB-3.ª; de 24-05-2009, revista n.º 3413/03.2TBVCT.S1-1.ª; de 02-06-2009, revista n.º 1507/03.3TBPBL.C1.S1-1.ª; de 18-06-2009, processo n.º 81/04.8PBBGC.S1-3.ª; de 02-07-2009, revistas n.ºs 179/04.2TBMRT.S1-7.ª e 2759/08-7.ª; de 10-09-2009, processo n.º 4129/08 – 5.ª; de 22-09-2009, revista n.º 156/05.6TBVPA.S1-6.ª; de 24-09-2009, revista n.º 37/09 – 7.ª; de 25-11-2009, processo n.º 397/03.0GEBNV.S1, por nós relatado; de 13-01-2010, processo n.º 277/01.4PAPTS.S1-3.ª; de 25-03-2010, processo n.º 241/09-5.ª; de 29-04-2010, processo n.º 200/05.7GTEVR.E1.S1-5.ª.

Como critérios de determinação do valor a capitalizar, produtor do montante de indemnização por redução de capacidade laboral e/ou perda aquisitiva de ganho, a jurisprudência foi lançando mão de vários métodos de cálculo e tabelas matemáticas e financeiras, que após uma inicial aceitação, embora sempre sem perder de vista que elas não representam mais do que métodos de cálculo, vem anotando que apesar da sua reconhecida utilidade, assumem uma natureza de meros indicadores, não dispensando a intervenção do prudente arbítrio do julgador com recurso à equidade, afirmando-se em alguns acórdãos a prescindibilidade de tais fórmulas ou tabelas.
Numa primeira fase foram consideradas aplicáveis as regras técnicas do direito laboral, sendo adoptadas regras próprias para o cálculo das pensões devidas por incapacidade para o trabalho e sua remição, como nos acórdãos de 10-05-1977, BMJ n.º 267, pág. 144, de 08-03-1979, BMJ n.º 285, pág. 290 e de 02-02-1982, BMJ n.º 314, pág. 284 (mais recentemente, no acórdão de 29-10-2008, processo n.º 3379/08-3.ª, em caso de homicídio tentado, foi tomada como elemento de referência a fórmula utilizada nos tribunais de trabalho nos cálculos respeitantes à remição das pensões) e tabelas financeiras, como, v. g., nos acórdãos de 19-05-1981, BMJ n.º 307, pág. 242; de 08-05-1986 e de 15-05-1986, BMJ n.º 357, págs. 396 e 412.

O Supremo Tribunal de Justiça vem reiteradamente entendendo que no recurso às fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras para a fixação dos cômputos indemnizatórios por danos futuros/lucros cessantes, têm estas de ser encaradas como meros referenciais ou indiciários, só relevando como meros elementos instrumentais, instrumentos de trabalho, com papel adjuvante, que não poderão substituir o prudente arbítrio do tribunal e a preponderante equidade.
Como se dizia no acórdão de 04-02-1993, CJSTJ 1993, tomo 1, pág. 129, «… na avaliação dos prejuízos verificados, o juiz tem de atender, sempre, à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorram no caso e que o tornarão sempre único, diferente. Por isso as tabelas ou regras financeiras não são garantia segura da justa medida do ressarcimento».
No acórdão de 26-05-1993, CJSTJ 1993, tomo 2, pág. 130, considera-se que o critério assente em bases técnicas, apoiado em tabelas financeiras, regras aplicáveis aos acidentes de trabalho, é pouco seguro, dada a incerteza a respeito dos dados com que jogam, defendendo como mais aconselhável um critério mais flexível e feito das realidades, como será o de fazer corresponder o lucro cessante à capitalização da quantia perdida pelo lesado ao longo da vida futura, sem deixar de reconhecer que a incerteza sobre certos dados continua.
E no de 8-06-93, CJSTJ 1993, tomo 2, pág. 138, sublinhava-se que “o recurso a tabelas para cálculo do dano, tabelas para formação de rendas vitalícias, acidentes de trabalho e remição de pensões, tabelas financeiras, juros passivos da banca comercial, ou tabelas baseadas em avaliação de usufruto, é sempre aleatório; não sendo possível averiguar o valor exacto dos danos deve-se recorrer à equidade”.
Como referiu o acórdão de 28-09-1995, recurso n.º 87092-2.ª secção, in CJSTJ 1995, tomo 3, pág. 36 e BMJ n.º 449, pág. 344, «depois de um período de entusiasmo por, ao que julgámos, ter encontrado um método certo, seguro e justo para o cálculo da indemnização a arbitrar pelos danos futuros, inclinámo-nos para por de parte as respectivas tabelas e confiarmos preferentemente no prudente arbítrio do tribunal, com recurso à equidade».
A partir de então a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem acentuado o valor relativo, meramente indicativo, auxiliar, que assumem as fórmulas, os cálculos, ou tabelas financeiras, defendendo impor-se essencialmente a valorização (o recurso à) do critério da equidade, tomando-o como critério adjuvante, orientador, mas também olhado como essencial, primordial, preferencial, preponderante, fundamental, se não mesmo exclusivo, de que são exemplos os acórdãos de 11-03-97, BMJ n.º 465, pág. 537 (os tribunais não estão sujeitos ao uso de fórmulas matemáticas, nomeadamente as que constam de tabelas financeiras, antes devendo socorrer-se de critérios de equidade); de 11-11-97, BMJ n.º 471, pág. 369 (refere as regras do direito do trabalho ou tabelas financeiras, como critérios que a lei civil não prevê, os quais são extremamente falíveis e apenas poderão servir de orientação geral, adaptada às circunstâncias de cada caso); de 15-12-1998, revista n.º 827/98, (os critérios das tabelas são meramente referenciais e indiciários: não podem olvidar-se todos os imponderáveis e variáveis económicas, tais como a perenidade do emprego, a progressão na carreira profissional, a evolução dos salários, o desenvolvimento tecnológico, os índices de produtividade, a alteração das taxas de juro do mercado financeiro, a inflação); de 27-06-2000, revista n.º 1937/00, BMJ n.º 498, pág. 222 (o valor do dano por incapacidade para o trabalho, em particular o dano futuro, deve ser determinado com recurso essencial à equidade); de 25-06-2002, CJSTJ 2002, tomo 2, pág.128 (intervenção temperadora da equidade); de 8-05-2003, revista n.º 810/03, CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 42 (as fórmulas de cálculo do dano não dispensam a emissão de juízos de equidade); de 8-07-2003, CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 145 (citando o acórdão de 28-9-1995, são encaradas como instrumentos úteis à formulação do juízo de equidade, mas confiando preferentemente no prudente arbítrio do tribunal, com recurso à equidade, sem embargo de se reconhecer o papel adjuvante que o recurso às tabelas possa ter); de 23-09-2003, revista n.º 2259/03-2ª; de 30-10-2003, revista n.º 2818/03 - 2ª (na avaliação do dano futuro cada caso tem as suas especificidades próprias); de 20-11-2003, revista n.º 3441/03 - 6ª; de 02-11-2004, revista n.º 2628/04 - 1ª (o recurso a critérios estritamente matemáticos, como são os das tabelas financeiras, para a fixação da quantia indemnizatória por lucros cessantes não pode substituir o prudente arbítrio do julgador, ou seja, a utilização de critérios de equidade); de 09-12-2004, revista n.º 2990/04 – 7.ª; de 27-01-2005, revista n.º 4135/04-2.ª; de 03-03-2005, revista n.º 4470/04-2.ª; de 22-06-2005, revista n.º 1597/05-2.ª; de 06-07-2005, revista n.º 1602/05-2.ª (a equidade não é critério subsidiário das fórmulas, antes primordial); de 22-09-2005, revistas n.º 2470/05 e 2586/05 -7.ª; de 04-10-2005, revista n.º 2167/05 – 6.ª (declara preferência pela avaliação equitativa no cálculo dos danos patrimoniais futuros causados por IPP); de 11-10-2005 revista n.º 2587/05 – 7.ª e de 07-12-2005, revista n.º 3297/05-7.ª do mesmo relator (o critério orientador na determinação do valor da indemnização relativa aos danos patrimoniais decorrentes da incapacidade para o trabalho é o da equidade); de 03-11-2005, revista n.º 2698/05 – 2.ª (a imprecisão própria do cálculo dos danos patrimoniais futuros, em caso de IPP, é agravada quando o lesado é jovem, dado que o período a avaliar abarca a totalidade de um normal período de vida activa, mais se justificando o recurso à equidade como critério primordial na fixação da respectiva indemnização); de 09-03-2006, revista n.º 312/06-7.ª (o critério orientador na determinação do valor da indemnização relativa aos danos patrimoniais decorrentes da incapacidade para o trabalho é o da equidade); de 15-02-2007, revista n.º 302/07 – 7.ª; de 08-03-2007, revista n.º 4320/06 – 2.ª (destacando papel preponderante da equidade); de 12-06-2008, revista n.º 1266/08-6.ª (no cálculo do capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável); de 25-09-2008, processo n.º 2860/08 – 3.ª; de 22-01-2009, revista n.º 4242/07 – 7.ª (quando não é possível averiguar o valor exacto dos danos, como tipicamente sucede quando estão em causa danos futuros, o tribunal recorrerá à equidade para julgar); de 22-01-2009, processo n.º 2499/08 – 5.ª (o critério fundamental, no caso de danos futuros, concretiza-se pelo recurso à equidade, mais do que pela utilização de critérios financeiros e fórmulas matemáticas); de 11-02-2009, processo n.º 3980/08-3.ª; de 17-02-2009, revista n.º 4099/08-1.ª; de 23-04-2009, revista n.º 544/09 – 2.ª (no cálculo do dano de incapacidade permanente parcial - preferência pelos juízos de equidade em relação a tabelas financeiras ou cálculos matemáticos); de 14-05-2009, processo n.º 271/09.7YFLSB – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 81/04.8PBBGC.S1-3.ª (impõe-se antes e essencialmente a valorização do critério da equidade); de 14-07-2009, revista n.º 310/98.C1.S1-6.ª.

Mais radical, defendendo em exclusivo o recurso à equidade, o sentido expresso nos acórdãos de 18-03-1997, CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 24 (os danos patrimoniais futuros não determináveis serão fixados com a segurança possível e a temperança própria da equidade, sem aderir a critérios ou tabelas puramente matemáticas); de 19-03-2002, revista n.º 646/02-6.ª, do mesmo Colectivo do anterior, in STJSAC2002, pág. 98 (o dano corporal ou dano à saúde, de que resulta perda de capacidade para o trabalho, deve ser avaliado segundo um juízo de equidade); de 27-05-2004, revista n.º 19/04-7.ª (não se preconizando a adopção de fórmulas matemáticas); de 08-06-2006, revista n.º 1435/06-6.ª e de 02-10-2007, revista n.º 2763/07 – 6.ª (tais danos futuros devem ser fixados com a segurança possível e o recurso à equidade, sem se aderir a critérios ou tabelas puramente matemáticas).

É de optar nestes casos, sempre que possível, por uma quantificação imediata do montante indemnizatório, não relegando o cálculo para posterior execução de sentença.

Estando em causa a fixação de indemnização decorrente de danos futuros, que sejam o prolongamento necessário e directo do estado de coisas criado pelo acidente, abrangendo um longo período de previsão, devendo atender-se apenas aos ganhos fortemente prováveis e verosímeis, não meramente possíveis, a solução mais correcta é a de conseguir a sua quantificação no momento da avaliação, tentando compensar a inerente dificuldade de cálculo com o apelo a juízos de equidade.
Neste sentido, os acórdãos de 11-10-1994, CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 89 (há que decidir com a segurança possível e a temperança própria da equidade, optando por um modo de aplicação); de 02-11-1995, CJSTJ 1995, tomo 3, pág. 220 e BMJ n.º 451, pág. 49 (sendo a fixação (dos danos futuros) de efectuar com recurso apenas a critérios de equidade, correspondendo assim a uma determinação jurídica do seu valor, não respeitando, pois, a julgamento de matéria de facto, não é possível que o apuramento se processe em execução de sentença); de 10-07-1997, BMJ n.º 469, pág. 524 (só cabe a liquidação em execução do quantum da condenação nos casos em que a lei não imponha ou não permita ao julgador o recurso à equidade para fixar a quantidade da condenação ou quando nem mesmo com recurso à equidade for possível a condenação em quantia certa); de 07-10-1997, BMJ n.º 470, pág. 569 (em caso de estudante de curso superior que não o conclui e é levado a optar por outro, pondera-se que sendo incerta e meramente hipotética a vantagem de relegar fixação da indemnização para execução de sentença, tendo presente a vantagem do não retardamento da aplicação da justiça, dever-se-á recorrer à equidade, fixando de imediato a indemnização); de 25-11-1998, revista n.º 865/98, BMJ n.º 481, pág. 470 (os danos previsíveis são os referidos e quer agora, quer mais tarde, os factores da sua determinabilidade, enquanto danos futuros, serão os mesmos; não há razão para relegar para momento posterior, havendo tão só que recorrer à equidade); de 01-02-2000, revista n.º 1034/99-1.ª, STJSAC, Edição Anual - 2000, pág. 51; de 23-10-2003, revista n.º 3075/03, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 111; de 09-12-2004, revista n.º 2990/04-7.ª, in CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 137; de 17-11-2005, revista n.º 3436/05, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 127; de 13-09-2007, revista n.º 2382/07 e no de 09-10-2008, revista n.º 2686/08, sendo os últimos cinco todos da 7.ª secção e do mesmo relator, aí se referindo que como se trata de dano futuro no âmbito de um longo período de funcionamento da previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora com a inerente dificuldade de cálculo, naturalmente com a utilização intensa de juízos de equidade. Devem utilizar-se juízos lógicos de probabilidade ou de verosimilhança, segundo o princípio id quod plerumque accidit, com a equidade a impor a correcção, em regra por defeito, dos valores resultantes do cálculo baseado nas fórmulas de cariz instrumental.
Nesta linha, vejam-se também os acórdãos de 25-09-2008, processo n.º 2860/08 e de 14-05-2009, processo n.º 271/09.7YFLSB, ambos da 3.ª secção.
A este propósito, já Manuel de Oliveira Matos no Código da Estrada Anotado, 3ª edição, 1979, pág. 437, referindo-se às dificuldades que poderiam surgir, podendo algumas ser removidas relegando para liquidação em execução de sentença a fixação do quantitativo, afirmava: “É claro que as dificuldades actuais podem verificar-se em qualquer ocasião e assim vale mais o juiz recorrer imediatamente à equidade para decretar a indemnização em quantia líquida, evitando futuras e dispendiosas demandas”.

Período de vida a considerar

Partindo necessariamente da idade do lesado/vítima mortal, tendo em conta a sua idade à data do acidente (ou à data da fixação da incapacidade), há que projectar a previsível duração de vida, o tempo provável da vida, não só enquanto “trabalhador”, portador de força de trabalho, fonte produtiva de património, geradora de rendimentos, mas também enquanto “pessoa” e “cidadão”, que vive para lá do tempo da vida activa, além do tempo da reforma.
O entendimento em torno da consideração do termo do período de vida activa do lesado tem vindo a sofrer inflexões.
Neste aspecto tem sido discutida a prevalência da “idade de reforma” – questão hoje tão candente e geradora de preocupações, de forma directa, pelo menos, para cerca de meio milhão de portugueses -, a estrita observância do limite de vida activa, ou diversamente, a esperança média de vida dos cidadãos deste País.
Tudo se reconduz a distinguir “expectativa de vida activa” e “expectativa de vida”, que acresce (valor acrescido) para além daquela.
A consideração dos 65 anos de idade, como limite etário da vida activa, rigidamente considerado durante muito tempo, passou a ser questionada pela jurisprudência.
Considerando redução da capacidade laboral até aos 70 anos, num caso em que o lesado tinha 11 anos de idade, pronunciou-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-05-1977, BMJ n.º 267, pág. 144; opondo alguma reserva à consideração dos 65 anos como limite da vida activa, veja-se o acórdão de 08-06-1999, BMJ n.º 488, pág. 323; no acórdão de 14-03-2000, revista n.º 53/00-6.ª,STJSAC, Edição anual 2000, pág. 103, afirma-se que o limite da vida activa profissional não tem de reportar-se à idade de 65 anos; afastando tal limite, de forma clara, o acórdão de 27-06-2000, processo n.º 1937/00, BMJ n.º 498, pág. 222.
Como se extrai do acórdão de 19-10-2004, revista n.º 2897/04-6.ª, “Deve ter-se em conta, não exactamente a esperança média de vida activa da vítima, mas sim a esperança média de vida, uma vez que as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal a esperança média de vida dos homens já é de, sensivelmente, 73 anos e tem tendência para aumentar e a das mulheres acaba de ultrapassar a barreira dos 80 anos)”.
E no acórdão de 16-12-2004, revista n.º 3839/04 – 2.ª, diz-se: Na aferição dos danos patrimoniais resultantes de diminuição da capacidade de trabalho do titular da indemnização, o Supremo Tribunal de Justiça tem encarado com especial reserva a consideração de determinada idade como limite da vida activa, ponderando topicamente que «atingida a mesma, isso não significa que a pessoa não possa continuar a trabalhar» e que a «reforma não é sinónimo de inutilidade»; atende ao crescimento da taxa de longevidade e da capacidade de permanecer activo (a média de vida activa do homem em Portugal ultrapassa os 70 anos).
Na determinação da indemnização não deve ficcionar-se que a vida física do lesado corresponde à sua vida activa.
Neste sentido se pronunciara já nove anos antes o acórdão de 28-09-95, CJSTJ 1995, tomo 3, pág. 36 e BMJ n.º 449, pág. 344, considerando que “finda a vida activa do lesado, não é razoável ficcionar que também a vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as necessidades do lesado e, por outro lado, geralmente, continua a receber remunerações, ou como pensão de aposentação da própria profissão, ou como prestação da assistência social”.
Como se extrai dos acórdãos de 16-03-1999, revista n.º 22/99-2.ª, BMJ n.º 485, pág. 386 (394) e de 8-06-1999, revista n.º 391/99, BMJ n.º 488, pág. 323 (331) “No cálculo da indemnização por danos futuros (perda de rendimentos), é prática corrente ficcionar-se um limite de idade para a vida activa (supondo que no curso normal de vida o lesado atingirá o patamar de reformado) e quando este limite é ultrapassado, urge ficcionar um outro por forma a permitir a obtenção de um valor que se não reconduza a uma equidade completamente abstracta; isto porque não se pode ficcionar que finda a vida activa do lesado também a vida física desaparece nesse momento e com ela todas as necessidades daquele”.
No acórdão de 04-02-1993, recurso n.º 82206, CJSTJ 1993, tomo 1, pág. 128, quanto à duração da vida activa do lesado, afirmava-se estar tranquilamente aceite que a vida activa das pessoas se mantinha até aos 65 anos; no acórdão de 08-06-1993, CJSTJ 1993, tomo 2, pág. 138, em que era lesada uma menor de 10 anos, teve-se em conta “o prazo de vida activa previsível” e no de 05-05-1994, recurso n.º 84952, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 86, do mesmo relator do primeiro, considerava-se os 65 anos como o limite da vida activa (idem no acórdão de 7-10-1997, BMJ n.º 470, pág. 569).
Os 65 anos como limite do período da vida activa são ainda tidos em consideração em alguns acórdãos mais recentes, como os de 27-09-2001, revista n.º 1979/01 – 7.ª; de 09-04-2002, revista n.º 519/02-1.ª, STJSAC2002, pág. 117 (não serão muitos os empregados de café que continuem a exercer a sua profissão para além dos 65 anos de idade); de 27-05-2003, revista n.º 1127/03-1.ª; de 07-10-2003, revista n.º 2556/03 – 1.ª; de 27-05-2004, revista n.º 19/04-7.ª; de 09-12-2004, revista n.º2990/04-7.ª; de 29-06-2005, revista n.º 1336/05-1.ª; de 01-06-2006, revista n.º 1266/06 – 7.ª; de 03-10-2006, revista n.º 2625/06 – 6.ª; de 31-10-2006, revista n.º 2988/06 – 6.ª; de 14-12-2006, revista n.º 3998/06 – 6.ª; de 05-06-2007, revista n.º 1280/07 – 1.ª; de 28-06-2007, revista n.º 1330/07 – 2.ª; de 25-09-2007, revista n.º 2159/07 – 1.ª; de 25-10-2007, revista n.º 3579/07 – 2.ª; de 22-11-2007, revista n.º 3829/07 – 7.ª; de 17-01-2008, revista n.º 4527/07 – 7.ª; de 09-10-2008, revista n.º 2607/08 – 7.ª; de 04-12-2008, revista n.º 3728/08 – 2.ª (sinistro em consequência de queda do elevador); de 22-01-2209, revista n.º 3360/08 – 7.ª (a esperança média de vida activa laboral prolonga-se até aos 65 anos); de 02-07-2009, revista n.º 2759/08 – 7.ª.

No acórdão de 30-06-2009, revista n.º 11325/03.3TBVNG.S1-1.ª, considera-se o limite de vida activa entre os 65 e os 70 anos.

A esperança de vida a considerar é a esperança média de vida e não o tempo provável de vida activa – a vida activa é mais longa que a laboral, prolongando-se em alguns casos para além dos 70 anos.

O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-11-1991, processo n.º 42294, secção criminal, BMJ n.º 411, pág. 471, versou caso de lesado com 60 anos à data do acidente (e 65 à data do recurso) com incapacidade permanente parcial para o trabalho de 48,4%, considerando-se aí que a vitalidade do ofendido - antes do acidente – faria supor que trabalharia até aos 70 anos.
Exemplos de aplicação do critério que privilegia a consideração da esperança média de vida ou um limite de 70 anos, podem ver-se nos acórdãos de 02-11-1995, recurso n.º 46783, secção criminal, CJSTJ 1995, tomo 3, pág. 220; de 25-11-1998, BMJ n.º 481, pág. 470; de 15-12-1998, CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 155; de 16-03-1999, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 169; de 13-01-2000, Revista n.º 1028/99-7.ª, STJSAC2000, pág. 34; de 03-02-2000, Processo n.º 1111/99 – 5.ª; de 28-03-2000, Revista n.º 222/00-1.ª STJSAC2000, pág. 111; de 03-05-2000, revistas n.ºs 311/00-1.ª e 25/00-6.ª, STJSAC, págs. 157 e 158; de 06-07-2000, revista n.º 1861/00-2.ª, in CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 144 e BMJ n.º 499, pág. 309; de 28-11-2000, revista n.º 2622/00-1.ª, STJSAC 2000, pág. 331; de 01-03-2001, Revista n.º 3851/00-6.ª; de 15-03-2001, revista n.º 303/01-2.ª; de 20-11-2001, Revista n.º 3384/01; de 25-06-2002, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 128; de 05-12-2002, revista n.º 3564/02-7.ª; de 13-11-2003, Revista n.º 2961/03 - 7.ª Secção; de 18-03-2004, Revista n.º 32/04-2.ª; de 31-03-2004, Revista n.º 497/04-2.ª; de 13-05-2004, Revista n.º 1845/03-2.ª; de 27-05-2004, Revista n.º 1694/04-2.ª Secção; de 17-06-2004, Revista n.º 1844/04-7.ª; de 02-11-2004, Revista n.º 2628/04-1.ª; de 16-12-2004, Revista n.º 3839/04-2.ª; de 15-02-2005, Revista 4509/04-1.ª; de 3-11-2005, Revista n.º 2568/07-7.ª; de 08-11-2005, Revista n.º 3053/05-6.ª (já que os efeitos patrimoniais da IPP e as necessidades do lesado não desaparecem com o fim da sua vida activa e antes o acompanham até ao termo da sua vida física); de 17-11-2005, Revista n.º 3167/05 – 2.ª; de 26-01-2006, Revista n.º 4051/05-7.ª; de 09-03-2006, Revista n.º 312/06 – 7.ª; de 12-10-2006, Revista n.º 2581/06 – 2.ª; de 02-11-2006, Revista n.º 3559/06 – 7.ª; de 19-12-2006, Revista n.º 4204/06-2.ª; de 23-01-2007, Revista n.º 3741/05-6.ª, CJSTJ 2007, tomo 1, pág. 30; de 31-01-2007, Revista n.º 4301/06-6.ª (o aumento da esperança de vida e a consequente e previsível falência do sistema de segurança social actual são circunstâncias que vão levar a subir a idade geral da reforma, estando já em execução medidas a fomentar a manutenção voluntária do trabalhador ao serviço após atingir a idade mínima da reforma; por isso e numa previsibilidade a médio ou a longo prazo é de considerar que a idade de reforma de 65 anos é pouco consentânea com a realidade); de 13-02-2007, Revista n.º 4761/06-6.ª; de 22-02-2007, Revista n.º 100/07-7.ª; de 01-03-2007, Revista n.º 126/07-1.ª; de 08-03-2007, Revista n.º 4320/06-2.ª (não deve ficcionar-se que a vida física do lesado corresponde à sua vida activa, antes deve ter-se presente a esperança média de vida em Portugal); de 02-10-2007, Revista n.º 2657/07-1.ª, CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 68; de 13-11-2007, Revista n.º 3583/07-6.ª; de 22-11-2007, Revista n.º 3620/07-1.ª e Revista n.º 3688/07-1.ª; de 10-01-2008, Revista n.º 4606/07-7.ª; de 22-01-2008, Revista n.º 4499/07-1.ª; de 07-02-2008, Revista n.º 4598/07-1.ª; de 14-02-2008, Revista n.º 4508/07-2.ª; de 17-06-2008, Revista n.º 1266/08-6.ª; de 03-07-2008, Revista n.º 1811/08-7.ª (deve atender-se ao limite de 70 anos como a idade previsível da reforma, sendo em face dela que se deve capitalizar a indemnização devida a título de danos futuros); de 03-09-2008, Processo n.º 2386/08 - 3.ª ; de 14-10-2008, Revista n.º 2945/08-6.ª; de 16-10-2008, Revista n.º 3114/08-7.ª; de 29-10-2008, Processos n.º 3373/08 e n.º 3379/08, ambos da 3.ª secção; de 02-12-2008, Revista n.º 2096/08- CJSTJ 2008, tomo 3, pág. 172; de 18-12-2008, Revista n.º 2661/08-7.ª; de 22-01-2009, Processo n.º 2499/08 – 5.ª; de 11-02-2009, Processo n.º 3980/08 – 3.ª; de 17-02-2009, Revista n.º 4099/08 – 1.ª; de 19-02-2009, Revista n.º 3652/08-2.ª (deve ser considerada a esperança média de vida); de 09-06-2009, Revista n.º 285/09.7YFLSB-6.ª; de 18-06-2009, Revista n.º 268/09-2.ª; de 25-06-2009, Revista n.º 2409/09.1TBCBR.C1.S1-6.ª; de 30-06-2009, Revista n.º 1995/05.3TBVCD.S1-1.ª; de 17-09-2009, revista n.º 292/1999-09.S1-6.ª; de 24-09-2009, Revista n.º 37/09 – 7.ª (a relevância da lesão não pode ser avaliada apenas com referência à vida activa provável do lesado; antes se há-de considerar também o período posterior à normal cessação de actividade laboral, com referência à esperança média de vida); de 13-01-2010, processo n.º 277/01.4PAPTS.S1-3.ª; de 29-04-2010, processo n.º 200/05.7GTEVR.E1.S1-5.ª

Com outras concretizações quanto ao limite de idade, ultrapassando a barreira dos 70 anos, pronunciaram-se os seguintes:
Acórdãos de 30-04-2002, Revista n.º 403/02-1.ª e de 15-10-2002, Revista n.º 1640/02-1.ª (72 anos para os homens); de 01-07-2003, Revista n.º 1739/03-6.ª (73 anos para homens e ultrapassando os 80 anos para as mulheres); de 27-02-2003, Revista n.º 80/03 e de 23-09-2003, Revista n.º 2259/03, ambos da 2.ª secção e do mesmo relator (distinguindo entre a expectativa de vida útil e a duração cronológica, ambas com tendência crescente, apontando aquela para idade a rondar os 70 anos, tendendo a esperança média de vida a atingir os 78 e os 82 anos para os homens e mulheres, respectivamente); de 22-09-2005, Revista n.º 2277/05-2.ª, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 38 (assenta em esperança de vida para autora de 79 anos); de 17-11-2005, Revista n.º 3050/05-2.ª e de 30-05-2006, Revista n.º 1333/06-1.ª (considerando expectativa de vida activa até aos 71 anos); de 27-04-2005, Revista n.º 2086/03-2.ª (72/73 anos); de 19-10-2004, Revista n.º 2897/04-6.ª; de 22-01-2008, Revista n.º 4338/07-1.ª e de 27-05-2009, Revista n.º 3413/03.2TBVCT.S1-1.ª (73 anos); de 08-11-2005, Revista n.º 3053/05-6.ª e de 27-11-2007, Revista n.º 3926/07-6.ª (74 anos); de 05-12-2006, Revista n.º 3728/06-6.ª; de 4-12-2007, Revista 3836/07; de 13-12-2007, Revista n.º 4312/07-2.ª; de 18-12-2007, Revista n.º 4244/07-6.ª e de 14-07-2009, Revista n.º 310/1998.C1.S1-6.ª (75 anos); de 06-07-2004, Revista n.º 1674/04-1.ª (75 anos para homens e mulheres); de 28-10-2008, Revista n.º 2663/08-6.ª (75,2 anos para os homens e 81,8 anos para as mulheres); de 30-10-2008, Revista n.º 3237/08-2.ª (70/75 anos); de 05-07-2007, Revista n.º 1724/07-6.ª; de 29-04-2008, Revista n.º 651/08-6.ª; de 16-09-2008, Revista n.º 2117/08-1.ª e de 12-03-2009, Revista n.º 277/09-1.ª (80 anos - mulheres); de 28-10-2008, Revista n.º 2663/08-6.ª (81,8 anos – mulheres); de 02-07-2009, Revista n.º 179/04.2TBMTR.S1-7.ª (esperança média de vida de 78 anos para homens); de 07-07-2009, Revista n.º 3306/08 – 7.ª (73 anos); de 22-09-2009, revista n.º 156/05.6TBVPA.S1-6.ª (previsível o desempenho como agricultor até aos 73 anos).

Uma outra indicação neste plano é dada por via legislativa, como decorre do artigo 7.º, n.º 1, alínea b), da Portaria n.º 377/2008, de 26-05 (alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06), ao estabelecer as regras e critérios a que deve obedecer a proposta razoável para indemnização dos danos patrimoniais futuros nas situações de incapacidade permanente absoluta, prescreve que para cálculo do tempo durante o qual a prestação se considera devida, presume-se que o lesado se reformaria aos 70 anos de idade.

Segundo as “Estatísticas Demográficas” de 1997, do Instituto Nacional de Estatística, a esperança de vida era para os homens de 71,40 anos e para as mulheres de 78, 65 anos.
De acordo com estatísticas produzidas pela ONU - informação apud acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-11-2006, na revista 3349/06-1.ª - a expectativa de vida para os nascidos em Portugal entre 2000 e 2005 era de 73 anos para os homens e de 80 para as mulheres.
A esperança de vida da população portuguesa residente, segundo os resultados do censo de 2001, in “Estatísticas Demográficas” de 2001 do Instituto Nacional de Estatística, era de 73,47 anos para os homens e de 80,30 anos para as mulheres.

Determinação do rendimento auferido

Neste segmento há que ter em conta o salário auferido pelo lesado ao tempo do acidente e sua eventual evolução até ao tempo da reforma.
No caso concreto ficou provado o montante mensal de 1.073, 76 €.

Taxa de juro

Um dos critérios de referência a ponderar na fixação dos valores de indemnização é a taxa de juro, a taxa de rentabilidade do capital a fixar como indemnização, uma taxa de rendimento previsível para as aplicações a médio e longo prazo.
Inicialmente foi utilizada a taxa de juro máxima das operações bancárias passivas e depois considerada uma taxa de 9% - acórdãos de 10-05-1977, BMJ, n.º 267, pág. 144; de 18-01-1979, BMJ, n.º 283, pág. 275; de 19-05-1981, BMJ, n.º 307, pág. 242 e de 08-05-1986, BMJ, n.º 357, pág. 396 - e no acórdão de 04-02-1993, recurso n.º 82206, CJSTJ 1993, tomo 1, pág. 128, referia-se ainda ser “usual e normal a aceitação de uma taxa de juro (líquida) de 9%”.
No acórdão de 05-05-1994, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 86, do mesmo relator do anterior, de 4-02-1993, face a uma tendência de descida das taxas de juro, é utilizada uma taxa de referência de 7%. De igual modo, no acórdão de 08-06-1999, BMJ, n.º 488, pág. 323 e no de 28-03-2000, revista n.º 222/00-1.ª, in STJSAC 2000, pág. 111.
No acórdão de 02-11-1995, recurso n.º 46783, secção criminal, CJSTJ 1995, tomo 3, pág. 220 (223), referia-se o juro tendencial de 8% preconizado pela Comunidade Europeia.
No acórdão de 15-02-2005, revista n.º 4363/04-1.ª, pondera-se uma taxa de juro entre 4% a 5 %.
Sousa Dinis, in Dano corporal em acidentes de viação, CJSTJ 2001, tomo 1, pág. 9, defendia então uma taxa de 4,5% ou 5%. E em acórdão por si relatado em 25-11-1999, revista n.º 827/99-7ª, “trabalha” com uma taxa de 4,6%, a mais alta praticada dos certificados de aforro.
Encontra-se a aceitação de uma taxa de 5% nos acórdãos de 28-05-2002, revista n.º 1038/02-2.ª; de 22-11-2007, revistas n.ºs 3620/07 e 3688/07, ambas da 1.ª secção; de 22-01-2008, revista n.º 4499/07-1.ª; de 25-09-2008, no processo n.º 2860/08-3ª; de 15-12-1998, revista n.º 827/98-2.ª; de 16-03-1999, BMJ, n.º 485, pág. 386.
No acórdão de 15-12-1998, revista n.º 972/98, CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 155, assinala-se a tendência bem definida de as taxas seguirem uma trajectória descendente, que então, já as colocavam abaixo dos 4% ao ano.
O acórdão de 16-03-1999, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 167, afirma a tendência para a descida, considerando como mais justa e adequada uma taxa referencial de 4%.
“Trabalha-se” com uma taxa de 4% nos acórdãos de 11-07-00, revista n.º 427/00-1.ª, STJSAC2000, pág. 237; de 27-09-2001, revista n.º 1979/01-7.ª; de 27-05-2004, revista n.º 19/04-7.ª; de 06-07-2004, revista n.º 1674/04 -1.ª; de 14-10-2008, revista n.º 2945/08 – 6.ª; de 04-12-2008, revista n.º 3234/08 – 2.ª; de 12-03-2009, revista n.º 277/09 – 1.ª; de 3,5%, no acórdão de 29-11-2005, revista n.º 3299/05 – 1.ª, e nos acórdãos de 05-06-2007, revista n.º 1280/07-1.ª e de 07-02-2008, revista n.º 4598/07-1.ª, pondera-se uma taxa entre 3% a 4 %.
Tem-se em vista uma taxa de 3% nos seguintes acórdãos: de 19-03-2002, revista n.º 4183/01 - 1.ª (é adequada a taxa de juro de 3% para efeitos de determinação da indemnização, ainda que o acidente tenha ocorrido em 1997); de 25-06-2002, revista n.º 1321/02-1.ª, in CJSTJ 2020, tomo 2, pág. 128; de 27-02-2003, revista n.º 80/03 – 2.ª (mas assinalando a tendência decrescente); de 20-11-2003, revista n.º 3441/03 – 6.ª; de 01-07-2004, revista n.º 296/04 – 7.ª; de 09-12-2004, revista n.º 3743/04 - 6.ª; de 14-12-2004, revista n.º 4039/04 – 6.ª; de 27-01-2005, revista n.º 4135/04; de 29-06-2005, revista n.º 1336/05 – 1.ª; de 22-09-2005, revista n.º 2277/05 – 2.ª, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 38; de 28-03-2006, revista n.º 447/06 – 6.ª; de 18-05-2006, revista n.º 1144/06-; de 23-01-2007, revista n.º 3741/05 – 6.ª; de 06-02-2007, revista n.º 4436/06 – 1.ª; de 22-02-2007, revista n.º 100/07 – 7.ª; de 22-11-2007, revista n.º 3620/07 – 1.ª e n.º 3829/07-7.ª; de 04-12-2007, revista n.º 3836/07 – 1.ª; de 15-01-2008, revista n.º 4057/07 – 1.ª; de 03-07-2008, revista n.º 1339/08 – 7.ª; de 27-05-2009, revista n.º 3413/03.2TBVCT.S1-1.ª; de 30-06-2009, revista n.º 11325/03.3TBVNG.S1-1.ª; de 02-07-2009, revista n.º 179/04.2TBMRT.S1-7.ª; de 12-11-2009, processo n.º 2430/05.2TAFAR.E1.S1-5.ª; de 29-04-2010, processo n.º 200/05.7GTEVR.E1.S1-5.ª.
Aplicando uma taxa de 2%, que era a taxa de juro líquida dos depósitos a prazo de ano e dia, o acórdão de 01-03-2001, revista n.º 3851/00 – 6.ª.
Pela consideração de uma taxa entre 2% e 3% pronunciou-se o acórdão de 31-03-2009, revista n.º 287/09 – 6.ª.
E uma taxa de 2,5%, o acórdão de 12-10-2006, revista n.º 2581/06 – 2.ª secção.

Na aplicação deste critério há que atentar em que quanto mais baixa for a remuneração do capital, o que hoje é patente em face da continuada descida das taxas de juros para poupança, maior quantidade daquele será necessária para alcançar um montante que resista ao paulatino desgaste.

Essa dificuldade de rentabilização de uma indemnização, de modo a que a mesma se tenha por esgotada ao fim do período de tempo que for de considerar, é factor que joga desfavoravelmente para o devedor daquela, a ter em conta no recurso à equidade, como se acentuava já em 1997, no acórdão de 07-10-97, BMJ, n.º 470, pág. 574, sendo renovado o alerta, nos mesmos termos, no acórdão de 07-06-2001, revista n.º 1225/01-2ª, STJSAC2001, pág. 219.

Desconto/Dedução /Acerto por antecipação da totalidade do capital

Tratando-se de operação a efectuar após determinação do capital, a razão para operar este “desconto”, que se traduz num ajustamento, está em que o lesado, ou como no caso, outro credor da indemnização, perceberá a indemnização por junto, que o capital a receber pode ser rentabilizado, produzindo juros, e que se impõe que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado.
Trata-se de subtrair o benefício respeitante à recepção antecipada de capital, de efectuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado, ou credor, à custa alheia.
Como se refere nos acórdãos de 13-10-1992 e de 28-10-1992, BMJ, n.º 420, págs. 507 e 544, e de 02-11-1995, recurso n.º 46783, secção criminal, CJSTJ 1995, tomo 3, pág. 220, ao montante encontrado deve abater-se uma importância que traduza o benefício que representa o recebimento imediato e integral do capital, devendo proceder-se, para evitar um enriquecimento injusto, a uma redução equitativa pela entrega imediata.
O acórdão de 16-03-99, revista n.º 30/99-1.ª, in CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 167, pondera que “o recebimento imediato da totalidade do capital indemnizatório poderá, se não for corrigido, propiciar um enriquecimento injustificado à custa do lesante”.
No mesmo sentido, o acórdão da mesma data, na revista n.º 22/99-2.ª, in BMJ, n.º 485, pág. 386, afirmando que ao valor apurado é necessário retirar algo, para evitar enriquecimento indevido, por a lesada receber de uma vez o que lhe levaria uma vida inteira a ganhar.
Como se refere no acórdão de 19-10-2004, revista n.º 2897/04-6.ª, na matéria dos danos futuros associados à IPP deve ponderar-se a circunstância de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia.
De acordo com o acórdão de 20-11-2003, revista n.º 3441/03-6.ª, justifica-se nada descontar ao valor encontrado porquanto, não obstante a vantagem para o A. em receber de uma só vez o que auferiria ao longo da vida, não se levou em conta os normais e futuros aumentos dos salários.
E conforme o acórdão de 13-05-2004, revista n.º 1845/03-2.ª, não se justifica qualquer dedução para obviar a um “enriquecimento sem causa” devido ao recebimento imediato e de uma só vez do capital global.
Afirmando a necessidade de efectuar o desconto, mas sem apontar em quanto, os acórdãos de 29-04-1999, revista n.º 218/99-2.ª, de 06-05-1999, revista n.º 22/99-2.ª e de 18-05-1999, revista n.º 156/99-2.ª, in STJSAC1999, págs., 163, 186 e 191; de 02-05-2002, revista n.º 4186/01-2.ª, STJSAC2002, pág. 172 (sendo baixa a taxa de juros, mais pequena é a contribuição dos juros para o rendimento mensal dos beneficiários e mais pequena deve ser a dedução no montante global da indemnização por lucros cessantes); de 01-07-2003, revista n.º 1739/03-6.ª; de 19-10-2004, revista n.º 2897/04-6.ª; de 24-01-2006, revista n.º 4038/05-6.ª; de 09-11-2006, revista n.º 2849/06- 2.ª; de 14-07-2009, revista n.º 310/1998.C1.S1-6.ª; de 22-09-2009, revista n.º 156/05.6TBVPA.S1-6.ª (no cálculo da indemnização há que ponderar o facto do lesado ir receber de uma só vez e imediatamente, todo o capital da indemnização, beneficiando também dos respectivos juros); de 08-10-2009, revista n.º 28/02.6TJPRT.S1-7.ª; de 12-11-2009, processo n.º 2430/05.2TAFAR.E1.S1-5.ª; de 04-02-2010, processo n.º 307/05.0TAGMR.G1.S1-3.ª; de 29-04-2010, processo n.º 200/05.7GTEVR.E1.S1-5.ª.

Na quantificação do desconto em equação a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33%.

Assim:
1/3 ou ¼ - acórdão de 06-07-2000, revista n.º 1861/00, in BMJ n.º 499, pág. 309 e CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 144.
¼ - acórdãos de 25-05-1993, recurso n.º 83.505, in CJSTJ 1993, tomo 2, pág. 130, em que se defendeu, citando Manuel de Oliveira Matos, Código da Estrada, 4.ª edição, pág. 94, que feita a capitalização, preciso é ainda diminui-la de ¼, à semelhança de certa jurisprudência francesa, dado o lesado receber o capital de uma só vez; de 25-11-1999, revista n.º 827/99-7.ª, in STJSAC1999, pág. 385, invocando igualmente a jurisprudência francesa; de 27-09-2001, revista n.º 1979/01 – 7.ª; de 28-05-2002, revista n.º 1038/02 – 2.ª; de 25-06-2002, revista n.º 1321/02-1.ª, in CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 128 (seguindo a posição de Sousa Dinis no estudo publicado em 2001); de 22-11-2007, revista n.º 3829/07 – 7.ª; de 14-02-2008, revista 4508/07-2.ª; de 23-09-2008, revista n.º 1857/08 – 2.ª; de 29-10-2008, processo n.º 3373/08 – 3.ª; de 04-12-2008, revista n.º 3728/08 – 2.ª (sinistro em consequência de queda do elevador); de 22-01-2009, revista n.º 3360/08 – 7.ª; de 11-02-2009, processo n.º 3980/08 – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 81/04.8PBBGC.S1-3.ª; de 25-03-2010, processo n.º 241/09-5.ª.
1/5 - acórdãos de 15-03-2001, revista n.º 303/01-2.ª; de 17-11-2005, revista n.º 3050/05-2.ª e de 30-10-2008, revista n.º 3237/08-2.ª.
30% - acórdãos de 06-02-2007, revista n.º 4436/06-1.ª; de 07-07-2009, processo n.º 1145/05.6TAMAI.C1-3.ª.
10% - acórdão de 27-05-2009, revista n.º 3413/03.2TBVCT.S1-1.ª – (valor reputado mais adequado dada a actual rigidez das aplicações de capital em valores muito baixos); acórdão de 13-01-2010, processo n.º 277/01.4PAPTS.S1-3.ª.
No acórdão de 17-11-1992, BMJ n.º 421, pág. 414, o capital encontrado de 13.500.000$00 é reduzido a 7.500.000$00.
Contra a efectivação deste desconto pronunciou-se o acórdão de 29-03-2007, revista n.º 3261/06-2.ª, que refere que o facto do montante ser entregue todo de uma vez não se traduz, no caso concreto (falecido com 31 anos de idade) numa indevida mais valia, a descontar no montante da indemnização por danos futuros.
No sentido de dever operar-se este acerto resultante da entrega do capital de uma só vez, o acórdão de 24-09-2009, revista n.º 37/09-7.ª.

Desconto da importância que o lesado, no caso, falecido, gastaria com ele próprio não havendo acidente (dispêndio consigo próprio)

Estando em causa indemnização por danos patrimoniais futuros previsíveis, de frustração de ganhos, próprios ou de terceiros, a jurisprudência tem tido em conta a dedução no cômputo da indemnização da importância que o próprio lesado gastaria consigo mesmo durante a sua vida, o dispêndio relativo a necessidades próprias, a satisfação das despesas pessoais, que o lesado necessariamente teria com ele próprio mesmo que o acidente se não produzisse, apontando-se, em alguns acórdãos, em média, para o desconto de 1/3 dos proventos auferidos, ou noutra perspectiva, que vem dar ao mesmo, tendo-se em conta uma contribuição do lesado para o agregado familiar, na ordem de 2/3 do rendimento global.
Este desconto está presente, quer na hipótese de incapacidade permanente para o trabalho, apenas parcial, ou geral, ou completa/absoluta, em que o lesado apenas sobrevive (algumas vezes em casos de incapacidade absoluta, geral e permanente, como nos casos de paraplegia ou tetraplegia, prolongando-se o conceito de vida, por vezes, tão só, no plano de vida vegetativa), como no caso de morte – neste sentido, e citando-se aqui apenas situações de dano morte, podem ver-se os acórdãos de 04-02-1993, recurso cível n.º 82206, CJSTJ 1993, tomo 1, pág. 128; de 08-10-2002, revista n.º 15/02-1.ª; de 17-06-2004, revista n.º 1967/04-7.ª; de 21-04-2005, revista n.º 562/05-2.ª; de 07-06-2005, revista n.º 1527/05-1.ª; de 12-10-2006, revista n.º 2520/06-7.ª; de 17-04-2007, revista n.º 225/07-7.ª; de 10-07-2007, revista n.º 2242/07-7.ª; de 13-09-2007, revista n.º 2382/07-7.ª; de 22-11-2007, revista n.º 3688/07-1.ª; de 29-01-2008, revista n.º 3014/07-6.ª; de 04-03-2008, revista n.º 61/08-6.ª; de 24-06-2008, revista n.º 1577/08-6.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2860/08-3.ª; de 14-05-2009, revista n.º 2695/05.0TBPNF-1.ª; de 14-10-2009, processo n.º 3452/08-5.ª; de 13-01-2010, processo n.º 277/01.4PAPTS.S1-3.ª
No acórdão de 04-12-2007, revista n.º 3840/07-1.ª, foi ponderado o desconto de 1/2 em caso de vítima mortal emigrante com a família a viver na Ucrânia.
Considerando excessivo o desconto de 1/3 em agregado familiar de quatro pessoas pronunciou-se o acórdão de 13-05-2004, revista n.º 1845/03-2.ª.
Com a restrição de que a consideração desta dedução somente vale no caso de morte, o acórdão de 05-07-2007, revista n.º 1734/07 e de 17-06-2008, revista n.º 1266/08, ambas da 6.ª secção e do mesmo colectivo.
No acórdão de 03-12-2009, processo n.º 760/04.0TAEVR.E1.S1-5.ª, ponderou-se que a vítima, que viveu durante anos, até ao seu decesso, com uma companheira, consumiria, em despesas pessoais, uma quantia nunca inferior a 2/3 do auferido, aplicando 1/3 no contributo prestado para o sustento da sua companheira.
Entende-se que será efectivamente de operar o desconto em causa no caso de morte, porque é dispêndio que obviamente o falecido deixará de ter de suportar, que não se efectivará, devendo ter-se em conta a dedução de um terço do rendimento global, cabendo às demandantes apenas o remanescente de 2/3 do montante auferido pela vítima, por corresponder à efectiva privação de que padecerão, sendo dessa ordem de grandeza o montante dos lucros cessantes.


Soluções jurisprudenciais relativas ao montante indemnizatório

Por último, ter-se-ão em consideração o sentido das decisões sobre a matéria em causa, os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito.
Os padrões de indemnização que vêm sendo adoptados pela jurisprudência, nomeadamente os mais recentes, constituem também circunstância a ter em conta no quadro das decisões que façam apelo à equidade.
Na verdade, devendo o quantitativo da indemnização correspondente aos danos patrimoniais futuros ser apurado, também, segundo critérios de equidade, deverá atender-se, para além dos demais factores analisados, aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência.
O recurso à equidade, exigido pela necessidade de adequação da indemnização às circunstâncias do caso, não dispensa a necessidade de observância das exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uniformização de critérios e a necessidade de atender, por razões de justiça relativa e para evitar soluções demasiadamente marcadas por subjectivismo, aos padrões geralmente adoptados na jurisprudência, importando ter sempre em atenção as circunstâncias de cada caso, bem como as datas em que as decisões foram proferidas e o consequente decurso do tempo relativamente à decisão confrontada.
Debalde se encontrará um caso idêntico ou mesmo igual, de modo que há que buscar os exemplos de casos similares ou lugares paralelos ao dos autos, que tenham conexão com algum dos elementos a considerar, como a proximidade da idade da vítima, o valor do salário auferido, a dependência total ou parcial do agregado familiar dos ganhos da vítima, a existência de filhos menores, crianças, adolescentes ou estudantes.
Neste contexto ter-se-ão em consideração as soluções dadas em casos semelhantes pelos acórdãos de 13-05-2004, revista n.º 1845/03-2.ª; de 17-06-2004, revista n.º 1967/04-7.ª; de 24-05-2005, revista n.º 728/05-1.ª; de 24-01-2006, revista n.º 3941/05-6.ª; de 29-03-2007, revista n.º 3261/06-2.ª; de 17-04-2007, revista n.º 225/07-7.ª; de 10-07-2007, revista n.º 2242/07-7.ª; de 13-09-2007, revista n.º 2382/07-7.ª; de 30-10-2007, revista n.º 3459/07-1.ª, in CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 122 (colocando-se a possibilidade de a viúva, uma mulher com cerca de 30 anos refazer e com sucesso a sua vida, malgrado o momento difícil pelo qual passou); de 22-11-2007, revista n.º 3688/07-1.ª; de 10-01-2008, revista n.º 4486/07-2.ª; de 21-02-2008, revista n.º 26/08-7.ª; de 06-05-2008, revista n.º 851/08-6.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2860/08-3.ª; de 18-11-2008, revista n.º 3422/08-2.ª; de 17-02-2009, revista n.º 2124/08-1.ª; de 14-05-2009, revista n.º 2695/05.0TBPNF-1.ª; de 14-10-2009, processo n.º 3452/08-5.ª; de 21-10-2009, processo n.º 554/03.0GTALQ.S1-5.ª; de 12-11-2009, processo n.º 2430/05.2TAFAR.E1.S1-5.ª (caso de absoluta incapacidade); de 13-01-2010, processo n.º 277/01.4PAPTS.S1-3.ª.

Revertendo ao caso concreto.

A sentença de Viana do Castelo fixou a indemnização pela “perda de ganho” em € 300.000,00, a atribuir em partes iguais a cada uma das demandantes, valor confirmado pela Relação de Guimarães, acrescido de juros de mora, à taxa legal desde a data da notificação para contestar, que se verificou em finais de Março de 2008.

Ora, para o nosso caso e neste aspecto particular relevam os factos dados por provados sob os n.º s 34, 35, 43, 44, 45, 46 e 47.

No cálculo a efectuar há que ter em consideração a idade da vítima 28 29 ----à data do acidente, a natureza do trabalho que desempenhava, o salário auferido, o tempo provável de vida activa e os demais factores assinalados.
À data do acidente, ocorrido em 13-12-2006, a vítima tinha 28 anos.
Trabalhava como segurança, auferindo o vencimento mensal de € 1.073,76, com o que sustentava o agregado familiar composto por si, mulher e a filha, então com 7 meses e 2 dias.
A reforma chegaria aos 65 anos, sendo de projectar um acréscimo de vida activa até aos 70; as demandantes referem vida activa até aos 75 anos, o que não é de acolher.
Nestes casos, em que o cálculo tem de assentar em dados problemáticos, numa viagem ao futuro com horizontes incertos e nebulosos, ponderando a propósito de uma situação hipotética, imaginária, reconhecendo a falibilidade das projecções no futuro, o único amparo advirá da utilização de considerações do que é normal acontecer, suposto um normal percurso de vida, sem incidências estranhas, anómalas ou perturbadoras, conferindo relevo às regras da experiência e ao que, segundo o curso normal das coisas, é razoável acontecer.
Na avaliação concreta do dano, como ponto de partida, de forma a alcançar uma base mínima de trabalho, de modo a conseguir uma referência, uma plataforma inicial a partir da qual se façam operar elementos variáveis que têm a ver com introdução do juízo de equidade, procurando demonstrar/explicar como é alcançado o mínimo denominador e evitar soluções com pendor subjectivista, poderemos lançar mão da fórmula que passará pela consideração do rendimento mensal, a que se abaterá um terço correspondente ao que o falecido despenderia consigo próprio se vivo fosse, uma vez que as demandantes ficaram privadas apenas do remanescente, de 2/3, que constitui os lucros cessantes, sendo este valor multiplicado por 12 [€ 1073,76 - 1/3 (357,92) = € 715,84 x 12 = € 8.590.08,00] e o resultado assim obtido multiplicado pelo número de anos que a vítima levaria a atingir a reforma, a situar nos 65 anos, ou seja, no caso, por 37 anos, (€ 8.590.08,00 x 37 anos = € 317.832,96)
De seguida ponderando uma taxa anual de juro de 3%, teremos a seguinte equação:
100………… 3
x…………… € 317.832,96,
donde, 317.832,96 x 100 sobre 0,03 = € 10.594,43.
Subtraindo-se esse valor ao total encontrado alcança-se o montante de € 307.238,53 [€ 317.832,96 - € 10.594,43 = € 307.238,53].
Obtido por esta forma um número o mesmo deverá ser objecto de ajustamentos, como considerar o desconto por as demandantes receberem em antecipação o capital encontrado.
No que respeita ao desconto a efectuar pelo recebimento antecipado da totalidade do capital, far-se-á uma dedução de 20%.
E assim teremos que, encontrado o valor do desconto - € 61.447,70 (307.238,53 x 20% = 61.447,70) - subtrair o mesmo ao valor apurado - € 307.238,53 - 20% (61.447,70) = € 245.790,83.

A partir daqui há que fazer funcionar a equidade como critério primordial e sempre corrector de outros critérios.
E assim haverá que atender à esperança média de vida do cidadão português, com o tempo provável de vida posterior ao termo da vida activa profissional aos 65 anos, podendo figurar-se o limite de 70 anos, aspecto não considerado em concreto, aludindo-se a 75 anos na sentença de Viana do Castelo, mas como número avançado no pedido, a evolução profissional que teria, com progressão na carreira e reflexos a nível remuneratório, com eventuais melhorias de retribuições e aumentos salariais, a inflação e reflexos negativos no poder de compra, tendo-se em conta a gravidade da conduta de que emergiu o acidente consubstanciadora de crime, o facto de para o acidente em nada ter contribuído a vítima, já que se ficou a dever a culpa exclusiva do condutor do veículo, condenado por homicídio com negligência grosseira, e ainda de igual forma e tendo em vista princípio da igualdade ter em conta os padrões jurisprudenciais, as concretas indemnizações fixadas em casos paralelos.

Tudo ponderado, a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro, lucro cessante, reflexo de perda da capacidade aquisitiva de ganho do falecido, fixa-se o montante de € 200.000,00, a atribuir a ambas as demandantes.
Tratando-se de um valor em cuja fixação interveio juízo de equidade e fixado agora, acrescerão juros de mora à taxa legal, desde a data desta decisão.
Pelo exposto, procede parcialmente a pretensão da recorrente, fixando-se a indemnização por lucros cessantes em € 200.000,00.

Nulidade por excesso de pronúncia

É de colocar, oficiosamente, a questão de nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia, relativamente ao conhecimento do recurso interposto pelo ISS/CNP.

Nos termos dos artigos 2.º e 3.º, do Decreto-Lei n.º 58/89, de 22-02, o Instituto de Segurança Social/Centro Nacional de Pensões formulou pedido de condenação da demandada seguradora no pagamento da quantia global de € 7.607,88, a título de reembolso das quantias pagas à viúva e filha relativas a subsídio por morte e pensões de sobrevivência - fls. 357 a 360 - tendo requerido a ampliação do pedido na 2.ª sessão de julgamento, conforme acta de fls. 481, o que foi deferido .
A sentença, no segmento de fls. 527 a 530, denegando o direito a reembolso de prestações de segurança social, julgou improcedente a pretensão do interveniente, absolvendo a demandada DD deste pedido.
O interveniente Instituto de Segurança Social/Centro Nacional de Pensões, (ISS/CNP), actualmente Instituto de Segurança Social, I.P., interpôs recurso da decisão absolutória, de fls. 560 a 568, e em original de fls. 615 a 623.
Por despacho de 11-02-2009, proferido a fls. 653, foi rejeitado, por intempestivo, o recurso apresentado “passados mais de trinta dias” em 26-11-2008.
A fls. 652 havia sido proferido despacho a admitir os recursos interpostos pela demandada seguradora relativos ao despacho intercalar de fls. 442 e da sentença final.
A secção de processos notificou todos os intervenientes do conteúdo do despacho de admissão dos recursos, proferido a fls. 652, bem como de fls. 653, juntando cópia, incluindo o Exmo. Mandatário do interveniente Instituto de Segurança Social, I.P., conforme fls. 656.
Não foi apresentada qualquer reacção à referida rejeição do recurso, não tendo o interveniente ISS reclamado do despacho de não admissão.
Não obstante o despacho de não admissão do recurso tenha transitado em julgado, o recurso foi apreciado pela Relação de fls. 705 a 710, que, violando o caso julgado formal e exorbitando a sua própria jurisdição, decidiu conhecer do recurso interposto pelo ISS/CNP, concedendo provimento e revogando nessa parte a sentença recorrida, substituindo-a por outra a condenar a seguradora no pagamento da quantia de € 7.607, 88, referente ao subsídio por morte e pensões de sobrevivência.
Na verdade, esta reapreciação nunca poderia ter existido, por não fazer parte da instância recursiva apresentada à Relação, a qual tinha os seus contornos e limites traçados em termos definitivos.

Aliás, da não admissão do recurso em causa, da sua rejeição por intempestividade, não deixou o Exmo. Procurador Geral - Adjunto no Tribunal da Relação de Guimarães, de deixar nota na intervenção processual de fls. 664.

Ao pronunciar-se sobre uma pretensão recursória que fora rejeitada, por interposta fora de tempo, o acórdão recorrido cometeu nulidade por excesso de pronúncia, por conhecer de questão de que não podia tomar conhecimento, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal, sendo a nulidade de conhecimento oficioso - n.º 2 do mesmo preceito, aplicável por força do n.º 4 do artigo 425.º do mesmo Código.

Como resulta do artigo 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, a decisão do tribunal a quo que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou regime de subida não vincula o tribunal superior.
Mas no caso a decisão do tribunal a quo foi no sentido de não admissão do recurso por ter sido interposto fora de tempo, sendo certo que o recorrente não reclamou.
O acórdão recorrido não justifica a opção de reapreciação, que não se consegue descortinar ao longo de todo o texto, a qual no caso teria necessariamente de passar por uma decisão a considerar o recurso como tempestivo.

Sendo nulo o acórdão recorrido no segmento referido, fica a valer a decisão da primeira instância de sentido absolutório.

Pelo que fica prejudicada a pretensão expressa pela recorrente na conclusão 9.ª, por deixar de haver duplicação de pagamentos.


Decisão

Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça, em:
1. Rejeitar o recurso interposto pela demandada seguradora DD, no que respeita à pretensão de reapreciação da decisão confirmativa da Relação sobre alegada ilegal ampliação do pedido cível na componente de danos patrimoniais futuros - perda de alimentos/lucros cessantes;
2. Anular o acórdão recorrido no segmento em que conheceu de recurso interposto pelo ISS, que não fora admitido por interposto fora de tempo, ou seja, na parte em que revoga a sentença de primeira instância a absolver a seguradora do pedido de reembolso e condena a mesma a pagar àquele a quantia de € 7.607, 88, mantendo-se, consequentemente, a decisão de primeira instância, ficando prejudicada a questão colocada na conclusão 9.ª;
3. Julgar improcedente o recurso na parte em que vinham arguidas nulidades, expressas nas conclusões 2.ª a 7.ª;
4. Julgar parcialmente procedente o recurso no que toca à fixação do montante de indemnização por dano patrimonial futuro, lucros cessantes, que se fixa em € 200.000,00, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde esta data.

Custas pela demandada, atenta a sucumbência, de acordo com o artigo 446.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 523.º do Código de Processo Penal, com taxa de justiça, nos termos do artigo 88.º, do Código das Custas Judiciais.

Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Lisboa, 27 de Outubro de 2010
*
Arguição de nulidade e correcção

Notificadas do acórdão proferido em 27 de Outubro de 2010 no âmbito do processo comum com intervenção de tribunal singular n.º 2519/06.0TAVCT, do 2.º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, veio a demandante BB, por si e em representação da filha menor CC, arguir nulidade e apresentar reclamação, fazendo fls. 103 a 103………………………….!!!!! 103!!!!!!.

Da Nulidade do acórdão

Dizem as ora arguentes/recorridas/vencidas no presente recurso, que na resposta à alegação de recurso, defenderam que se deveria não presumir verdadeiras e exactas as alegações remetidas pela recorrente por telecópia para o tribunal, por falta de identificação de origem do remetente constante na lista oficial da ordem dos advogados, nos termos do artigo 4.º do DL n.º 28/92, de 27 de Fevereiro.
Referem que a questão foi levada à alínea d) da resposta, mas que não houve em todo o acórdão a mais pequena referência a tal assunto e que ausência de pronúncia constitui a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, c), Código de Processo Penal, que acarreta a anulação de todo o acórdão, uma vez que consubstancia questão prévia que, a ser reconhecida, impede a admissibilidade do recurso interposto pela demandada.
Foi suscitada na resposta fls. 914/5, ou 923/4
Admitido despacho fls. 929
Insere-se como último argumento na tentativa de afastamento de recurso, a par da arguição de intempestividade e da alegada não verificação de justo impedimento
Autenticidade do escrito patenteada no confronto com o original de fls. 780-794 e requerimento de fls. 796 -- papel usado siglas de escritório de Advogados


II determinação do capital produtor de rendimentos, período de vida a considerar e determinação do rendimento auferido pela vítima
Reacção óbvia e natural ao facto de no acórdão ora em crise ter sido diminuído, de forma substancial, o montante fixado no acórdão recorrido a confirmar a decisão de primeira instância, a título de indemnização por danos patrimoniais - lucros cessantes - pois, relembre-se, a primeira instância tinha fixado a indemnização em causa em € 300.000,00, valor confirmado pela Relação de Guimarães, sendo a mesma aqui fixada em € 200.000,00.
A fixação em tal montante não se deve a qualquer lapso manifesto, nem se pode invocar um “prejuízo” de dezenas de milhares de euros (!!!) por parte das demandantes, quando a quantia fixada na primeira instância e confirmada pela Relação estava em crise, tendo sido pedida a sua reapreciação, e a decisão deste Supremo Tribunal procurou dar resposta, sendo o resultado final – garante-se – a solução encontrada na base de opção pensada, assumida, querida, amadurecida, com revisão do que escrito foi, não havendo qualquer lapso de escrita, único ora “sindicável”.
Aliás, o que pretende a arguente seria a obtenção de uma nova decisão, levando-se em conta os índices por sua sugestão corrigidos, e apurando-se um novo quantum indemnizatório, a pagar pela recorrente, de acordo com os seus parâmetros.
A questão fundamental e inultrapassável que as arguentes parecem esquecer é que os índices convocados a terreno valem como tal, apenas em si mesmos considerados, não como valores absolutos, como uma base imprescindível, incontornável, índice de um apuramento sem mácula, absolutamente matemático, absoluto, de afirmação de verdade definitiva e irreversível, quando na verdade como flui do texto, tais elementos assumem apenas um valor relativo, devendo ser encarados apenas, como de resto opina a esmagadora maioria das posições jurisprudenciais conhecidas, como instrumentos de trabalho, auxiliares,---- que sofrem depois a correcção da equidade e dos esforços de procura do alcançar, na visão da imensidão dos casos tratados, uma expressão do princípio da igualdade, que se coadune com o específico caso sujeito, na sua individualidade/especificidade e daí, com o objectivo de encontrar um mínimo denominador comum, o apelo a outras soluções jurisprudenciais, maxime, aquelas que poderão apresentar com o caso sujeito maior proximidade, e daí, o cuidado de apontar a título de exemplo -----as que constam de fls. do acórdão
Casos paralelos, a fls. do acordão

O mecanismo da correcção não serve para alcançar objectivos inalcançãveis por outras vias
380.º
Ver

Subtraindo-se esse valor ao total encontrado alcança-se o montante de € 307.238,53 [€ 317.832,96 - € 10.594,43 = € 307.238,53].
Obtido por esta forma um número o mesmo deverá ser objecto de ajustamentos, como considerar o desconto por as demandantes receberem em antecipação o capital encontrado.
No que respeita ao desconto a efectuar pelo recebimento antecipado da totalidade do capital, far-se-á uma dedução de 20%.
E assim teremos que, encontrado o valor do desconto - € 61.447,70 (307.238,53 x 20% = 61.447,70) - subtrair o mesmo ao valor apurado - € 307.238,53 - 20% (61.447,70) = € 245.790,83.

Como se assinalou no acórdão, a partir do rsesulatado da fórmula matemíca , o que há que a fazer é funcionar a equidade como critério primordial e sempre corrector de outros critérios.
E assim haverá que atender à esperança média de vida do cidadão português, com o tempo provável de vida posterior ao termo da vida activa profissional aos 65 anos, podendo figurar-se o limite de 70 anos, aspecto não considerado em concreto, aludindo-se a 75 anos na sentença de Viana do Castelo, mas como número avançado no pedido, a evolução profissional que teria, com progressão na carreira e reflexos a nível remuneratório, com eventuais melhorias de retribuições e aumentos salariais, a inflação e reflexos negativos no poder de compra, tendo-se em conta a gravidade da conduta de que emergiu o acidente consubstanciadora de crime, o facto de para o acidente em nada ter contribuído a vítima, já que se ficou a dever a culpa exclusiva do condutor do veículo, condenado por homicídio com negligência grosseira, e ainda de igual forma e tendo em vista princípio da igualdade ter em conta os padrões jurisprudenciais, as concretas indemnizações fixadas em casos paralelos.

Tudo ponderado, a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro, lucro cessante, reflexo de perda da capacidade aquisitiva de ganho do falecido, fixa-se o montante de € 200.000,00, a atribuir a ambas as demandantes.
Tratando-se de um valor em cuja fixação interveio juízo de equidade e fixado agora, acrescerão juros de mora à taxa legal, desde a data desta decisão.

As demandantes apresentaram a resposta de fls. 911 a 918 (e fls. 920 a 927), suscitando a questão prévia da inadmissibilidade do recurso por extemporaneidade e, no mais, contrariando o alegado pela recorrente, finalizando do modo que segue:
a) deve o justo impedimento invocado a fls. 773 ser desatendido;
b) deve entender-se que a situação excepcional do justo impedimento (art° 146° CPC), apenas poderá ser aplicável aos prazos peremptórios (art° 145° CPC);
c) não deve ser admitido o recurso interposto pela demandada cível por o ter sido fora de tempo (extemporaneidade) (art°414°/2 CPP); ma srec foi admitido
d) deverão não se presumirem verdadeiras e exactas as alegações remetidas pela recorrente por telecópia para o Tribunal a quo, por falta de identificação da origem do remetente constante da lista oficial da Ordem dos Advogados, nos termos do art° 4º do D.L. n° 28/92 de 27 de Fevereiro.

Estabelece o artigo 380.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Correcção da sentença”
1 - O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando:
a)…………………………………………………………………………………
b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.

No acórdão ora em apreciação pronunciámo-nos sobre a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre a impugnação da matéria de facto, o que conduz à necessidade de repetição do acto, com a efectivação da reapreciação da matéria de facto nos moldes propostos no recurso.
A verificação de tal nulidade só por si prejudica o conhecimento das demais questões, como de resto se deixou expresso a fls. 55 do acórdão.
Mas como consta do parágrafo imediatamente a seguir “Mas, para além desta nulidade, outras se verificam”, anotaram-se as demais nulidades que haviam sido suscitadas, fazendo expressa referência às questões de inconstitucionalidade, relacionadas com o reconhecimento.
Como consta de fls. 7 do acórdão a seguir àquela primeira nulidade, foram autonomizadas as respeitantes a tais matérias, como se vê da exposição das questões a decidir, mantendo-se aqui o realce já existente no texto:
II – Nulidade por omissão de pronúncia quanto a alegada inconstitucionalidade na interpretação do artigo 147.º do CPP - conclusões 5.ª, 2.ª parte e 8.ª;
III - Nulidade por omissão de pronúncia quanto à ilegalidade e suscitação de inconstitucionalidade material, quanto ao reconhecimento do recorrente efectuado na audiência de julgamento – conclusão 9.ª

A fls. 56 do acórdão referiu-se que “Sobre a questão da inconstitucionalidade material da norma do n.º 2 e 7 do artigo 147.º do Código de Processo Penal, alegada na conclusão 5.ª, nada se disse”.
E imediatamente a seguir escreveu-se:
“E sobre a conjugação dos artigos 127.º e 355.º do CPP, alegada na conclusão 9.ª, igualmente nada foi dito, verificando-se outras tantas omissões de pronúncia, a gerar outros tantos focos de nulidade”.
Na sequência e imediatamente a seguir veio o dispositivo do seguinte teor:
Pelo exposto, acordam neste Supremo Tribunal de Justiça em declarar a nulidade do acórdão recorrido, que deverá ser substituído por outro, que se pronuncie sobre a impugnação da matéria de facto suscitada pelo recorrente II e as demais nulidades arguidas, que deverão ser supridas em ordem a emitir-se pronúncia sobre as mesmas questões.(realces de agora).

Determinou-se, pois, a nulidade do acórdão recorrido e a necessidade da sua substituição por outro que se pronuncie, não só sobre a impugnação da matéria de facto, mas também sobre as demais nulidades arguidas, onde obviamente se incluem as relativas a questões de reconhecimento vertidas nos pontos II e III das “Questões a decidir”, as quais no fundo reconduzem-se a uma mesma questão, abarcando as matérias das conclusões 5.ª, 8.ª e 9.ª.
Aliás, nem de outro modo se compreenderia, pois, a não ser assim, certamente a Relação não correria o risco de no novo acórdão omitir pronúncia sobre tal matéria, pois falhando a sua apreciação na futura decisão, ficaria incursa em nova nulidade, o que não iria acontecer.
É nesse sentido que deve entender-se o acórdão quando se refere o conhecimento das demais nulidades.

Pelo exposto, acordam nesta secção do Supremo Tribunal de Justiça em declarar que nas nulidades a suprir pela Relação de Lisboa incluem-se as vertidas nas conclusões 5.ª, 8.ª e 9.ª.
Sem custas.
Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Lisboa, 2 de de Dezembro de 2010

Raul Borges (Relator)
Fernando Fróis