Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
200/17.4T8PTL-C.G1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
OFENSA DE CASO JULGADO
DIREITO DE PROPRIEDADE
SERVIDÃO
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
FACTOS ESSENCIAIS
IDENTIDADE DE FACTOS
Data do Acordão: 03/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. — A excepção dilatória de caso julgado pressupõe a identidade de pedidos e de causas de pedir.

II. — Entre os factos constitutivos de um direito de propriedade e os factos constitutivos de um direito de servidão há diferenças fundamentais — e, em concreto, as diferenças entre os factos constitutivos dos dois direitos determinam que as causas de pedir das duas acções sejam distintas.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. — RELATÓRIO

1. AA e mulher, BB, instauraram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra CC.

2. Formularam os pedidos seguintes:

1 - Declarar-se que os Autores são legítimos e exclusivos donos e possuidores:

a) Do prédio descrito supra no artigo 2.º, dele fazendo parte integrante a rampa de que trata o Capítulo III, deste articulado;

b) Do prédio acima descrito no artigo 19.º;

c) De 2/10 partes indivisas do prédio constituído pela capela de que trata o Capitulo IX, deste articulado;

2 - Declarar-se que a Ré é legítima e exclusiva dona e possuidora dos prédios acima descritos nos artigos 20.º e 21.º;

3 - Subsidiariamente, para a hipótese que não se concede – de vir a entender-se e decidir-se que a rampa tratada no Capítulo III, não faz parte integrante do prédio dos Autores acima descrito no artigo 2.º, mas sim do prédio da Ré descrito acima no artigo 21.º alínea A):

- Declarar-se que sobre prédio da Ré descrito acima no artigo 21.º alínea A) e a favor do prédio dos Autores acima descrito no artigo 2.º, se acha constituída, por usucapião, uma servidão de passagem de pessoas a pé, animais e quaisquer veículos, permanente, durante todo o ano, através da parcela de terreno com o comprimento de 16m e a largura de 3m, constituída pela rampa a que se respeita supra o capítulo III.

4 - Condenar-se a Ré:

a) A ver, reconhecer e respeitar esses direitos dos Autores e a abster-se, no futuro, da prática de qualquer acto que os possa afectar;

b) A deslocar, no prazo de cinco dias, numa distância de 35 centímetros para norte, no interior do seu prédio descrito acima no artigo 21.º alínea A), o esteio referido supra no artigo 30.º, mediante pagamento desse trabalho pelos Autores;

c) A destruir e retirar, no mesmo prazo de cinco dias a latada referida supra no artigo 35.º, mediante pagamento pelos Autores do custo desse trabalho;.

d) A destruir, no mesmo prazo de cinco dias, a expensas suas, a parede referida supra no artigo 44.º, retirando todos os materiais e lixo resultantes dessa destruição deixando a rampa totalmente livre e limpa;

e) A entregar aos Autores, no prazo de cindo dias, a chave da Capela referida supra no artigo 50.º;

f) A pagar as custas e procuradoria dos autos.

3. A Ré CC contestou, deduzindo a excepção dilatória de caso julgado.

4. Os Autores AA e mulher, BB, desistiram da instância relativamente aos pedidos formulados sob a alínea c) do n.º 1 e sob a alínea e) do n.º 4.

5. A Ré CC não se opôs à desistência do pedido, entretanto homologada.

6. O Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho saneador em que julgou parcialmente procedente a excepção dilatória de caso julgado.

7. Fê-lo nos seguintes termos:

Em face do exposto, e nos termos do disposto nos artigos 595º, nº 1, alínea a), 577º, alínea i), 578º e 580º, do Código de Processo Civil, julgo procedente, por verificada, a excepção dilatória de caso julgado relativamente ao peticionado nas alíneas a) e b), do ponto 1, do petitório, e improcedente, por não verificada, quer a excepção de caso julgado, quer a autoridade de caso julgado, por não verificadas relativamente ao demais peticionado.

8. Inconformada, a Ré CC interpôs recurso de apelação.

9. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Os pedidos formulados na presente ação foram já objeto de decisão judicial, no processo nº 314/14...., com o mesmo alcance e os mesmos fundamentos.

2. Os AA. intentaram a presente ação contra a R., alegando os mesmos factos e pretendendo obter o mesmo efeito que lhes foi concedido ou negado naquela ação que intentaram.

3. Ora, analisando os vários pedidos é evidente a total coincidência entre o objeto de questão prejudicial da primeira decisão e o qual incide a presente ação.

4. Sendo certo que, a primeira decisão proferida deve ser invocável, quer por preclusão de exceções ou extensão do caso julgado a questões prejudiciais.

5. Há notoriamente a intenção por parte dos AA. de obterem os efeitos jurídicos que peticionaram e não viram procedentes na primeira ação, nomeadamente quanto ao pedido principal.

6. Há caso julgado, nos termos do art. 580º, nº 1 do CPC, sempre que haja repetição de uma causa que se encontra já decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.

7. Significa isto que, a concreta relação material controvertida que foi já objeto de decisão não pode voltar a ser tratada entre as mesmas partes e não pode vir a ser contrariada por qualquer outra decisão

8. O caso julgado tem um feito positivo que opera por força da exceção do caso julgado, em que se impede a reapreciação da relação ou situação jurídica material definida por sentença transitada.

9. E um efeito negativo, a autoridade do caso julgado que vincula quer as partes, quer o tribunal à decisão anterior, pelo que as questões comuns não podem ser decididas de forma diferente, devendo a decisão da segunda ação respeitar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível.

10. Nos presentes autos, por via da exceção ocorre indubitavelmente caso julgado, assistindo-se à repetição da causa com uma ação idêntica na sua triplicidade, isto é, entre as mesmas partes, com o mesmo pedido e a causa de pedir.

11. NESTES TERMOS e mais de direito que V. Exas. melhor e doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deve revogar-se o douto despacho recorrido, com o que se fará, como sempre, JUSTIÇA.

10. O Tribunal da Relação de Guimarães negou provimento ao recurso de apelação.

11. Inconformada, a Ré CC interpôs recurso de revista.

12. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Os pedidos formulados na presente ação foram já objeto de decisão judicial, no processo nº 314/14...., com o mesmo alcance e os mesmos fundamentos.

2. Os AA. intentaram a presente ação contra a R., alegando os mesmos factos e pretendendo obter o mesmo efeito que lhes foi concedido ou negado naquela ação que intentaram.

3. Ora, analisando os vários pedidos é evidente a total coincidência entre o objeto de questão prejudicial da primeira decisão e o qual incide a presente ação.

4. São questões prejudiciais todas aquelas cuja solução constitui pressuposto indispensável da decisão de mérito, quer se trate de questão fundamental, relativa à causa de pedir ou a uma exceção perentória, quer respeite ao objeto de incidentes que estejam em interdependência lógica com o objeto do processo.

5. O caso julgado terá de se estender à decisão das questões prejudiciais quando, caso contrário, se possa gerar contradição entre os fundamentos de duas decisões que seja suscetível de inutilizar praticamente o direito que a primeira decisão haja salvaguardado.

6. Há caso julgado, nos termos do art. 580º, nº 1 do CPC, sempre que haja repetição de uma causa que se encontra já decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.

7. Significa isto que, a concreta relação material controvertida que foi já objeto de decisão não pode voltar a ser tratada entre as mesmas partes e não pode vir a ser contrariada por qualquer outra decisão.

8. O caso julgado tem um feito positivo que opera por força da exceção do caso julgado, em que se impede a reapreciação da relação ou situação jurídica material definida por sentença transitada.

9. E um efeito negativo, a autoridade do caso julgado que vincula quer as partes, quer o tribunal à decisão anterior, pelo que as questões comuns não podem ser decididas de forma diferente, devendo a decisão da segunda ação respeitar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível.

10. Há aqui notoriamente a intenção por parte dos AA. de obterem os efeitos jurídicos que peticionaram e não viram procedentes na primeira ação, nomeadamente quanto ao pedido principal.

11. Nos presentes autos, por via da exceção ocorre indubitavelmente caso julgado, assistindo-se à repetição da causa com uma ação idêntica na sua triplicidade, isto é, entre as mesmas partes, com idêntico pedido e a causa de pedir.

12. Pois para além da questão do direito de propriedade da rampa – já decidido -, bem ou mal, o tribunal no processo nº 314/14...., pronunciou-se também sobre a servidão de passagem, constando da referida sentença sob a epigrafe da servidão de passagem”.

13. E, aí, o tribunal diz com clareza que a pretensão dos então AA. invocando no artigo 50º da petição inicial a serventia sobre o prédio da R. (correspondendo o pedido ao item B.).

14. E já então a referida sentença se pronunciou quanto ao referido esteio e murete que existe na rampa, propriedade da R..

15. No que concerne ao esteio de pedra que se situa no início da rampa que dá acesso ao prédio dos AA, na ação que correu termos na extinta Secção de Competência Genérica, da Instância Local ..., sob o número 314/14.... foi pedido pelos AA.:

16. 2. Condenarem-se as Rés: (…) b) A deslocaram 35 centímetros para norte o esteio descrito supra no artigo 46.º, no prazo de vinte dias”.

17. Na presente ação: 4 - Condenar-se a Ré: (…) b) A deslocar, no prazo de cinco dias, numa distância de 35 centímetros para norte, no interior do seu prédio descrito acima no artigo 21.º alínea A), o esteio referido supra no artigo 30.º, mediante pagamento desse trabalho pelos Autores”.

18. Pedido julgado improcedente no processo nº 314/14.... por não se poder demonstrar o seu fundamento”.

19. Por sua vez, no processo nº 314/14...., no artigo 51º da sua petição inicial os AA. mencionaram a parede autoria da Ré e relativamente a esta e peticionaram condenar-se a ré a: c) A destruírem a parede referida supra no artigo 51.ºe a retirarem todos os materiais e lixo resultantes dessa destruição deixando a rampa totalmente livre e limpa no mesmo prazo de vinte dias”.

20. Na presente ação repete-se o mesmo pedido, com a condenação da ré:

A destruir, no mesmo prazo de cinco dias, a expensas suas, a parede referida supra no artigo 44.º, retirando todos os materiais e lixo resultantes dessa destruição deixando a rampa totalmente livre e limpa.”

21. Pelo que, sem qualquer dúvida, o tribunal já se pronunciou sobre todas as questões agora suscitadas pelos AA., nomeadamente, quanto à servidão de passagem, quanto à propriedade da rampa, ao esteio e parede.

Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se o douto acórdão proferido nos presentes autos.

Com o que se fará, como sempre, a costumada JUSTIÇA.

13. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

I. — se a Ré CC deve ser absolvida da instância relativamente ao pedido formulado sob o n.º 2 — i.e. relativamente ao pedido de que[seja declarado] que a Ré é legítima e exclusiva dona e possuidora dos prédios acima descritos nos artigos 20.º e 21.º”.

(i) do prédio urbano composto por casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, anexos e logradouro, situado na mesma Travessa ..., da freguesia ..., omisso na matriz [1];

(ii) do prédio rústico composto de terreno de cultivo com ramada e oliveiras e outras árvores de fruto e eira, com a área de 2.204 m2, situado no Lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de ..., a confrontar do norte com CC, do sul com AA, do nascente com DD e do poente com EE [2] e

(iii) do prédio rústico, composto de terreno de cultivo, com ramada e oliveiras e outras árvores de fruto, com a área de 2.283 m2, situado no Lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de ..., a confrontar do norte com FF, do nascente com Levada do ..., do sul com GG e do poente com FF [3];

II. — se a Ré CC deve ser absolvida da instância relativamente ao pedido subsidiário formulado sob o n.º 3 — i.e., relativamente ao pedido subsidiário de que [seja declarado] que sobre prédio da Ré descrito acima no artigo 21.º alínea A) e a favor do prédio dos Autores acima descrito no artigo 2.º, se acha constituída, por usucapião, uma servidão de passagem de pessoas a pé, animais e quaisquer veículos, permanente, durante todo o ano, através da parcela de terreno com o comprimento de 16m e a largura de 3m, constituída pela rampa a que se respeita supra o capítulo III”;

III. — se a Ré CC deve ser absolvida da instância relativamente ao pedido subsidiário formulado sob a alínea b) do n.º 4 — i.e., relativamente ao pedido de que a Ré:seja condenada [a] deslocar, no prazo de cinco dias, numa distância de 35 centímetros para norte, no interior do seu prédio descrito acima no artigo 21.º alínea A), o esteio referido supra no artigo 30.º, mediante pagamento desse trabalho pelos Autores”;

IV. — se a Ré CC deve ser absolvida da instância relativamente ao pedido subsidiário formulado sob a alínea c) do n.º 4. — i.e., relativamente ao pedido de que a Ré seja condenada [a destruir] a parede referida supra no artigo 51.ºe a retirar[] todos os materiais e lixo resultantes dessa destruição deixando a rampa totalmente livre e limpa no mesmo prazo de vinte dias”.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

14. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

A. No processo 314/14.... (primeira acção), são autores AA e mulher, BB (ora autores) e rés, CC (ora ré) e sua irmã HH.

A.1. Nessa acção foram formulados os seguintes pedidos:

“ 1. Declarar-se:

a) Que os Autores são legítimos e exclusivos donos e possuidores do prédio descrito supra no artigo 2.º, dele fazendo parte integrante a rampa descrita supra no artigo 51.º;

b) Que o prédio urbano descrito acima no artigo 18.º se acha dividido em substância nas duas parcelas demarcadas, distintas e autónomas descritas supra no artigo 24.º;

c) Que por essa divisão material e por usucapião se e constituíram dois prédios urbanos distintos e autónomos correspondentes a essas duas parcelas supra descritas no artigo 24.º;

d) Declarar-se que os Autores são legítimos e exclusivos donos e possuidores do prédio constituído pela parcela A) descrita supra no artigo 24.º, o qual incluiu o rocio ou logradouro descrito supra nos artigos 34.º e 36.º;

e) Declarar-se que as Rés são legítimas e exclusivas donas e possuidoras do prédio constituído pela parcela B) descrita supra no artigo 24.º, o qual incluiu o rocio ou logradouro descrito supra nos artigos 34.º e 35.º;

2. Condenarem-se as Rés:

a) A verem, reconhecerem e acatarem esses direitos e a referida divisão do prédio descrito supra no artigo 18.º e a absterem-se, no futuro, da prática de qualquer acto que os possa afectar;

b) A deslocaram 35 centímetros para norte o esteio descrito supra no artigo 46.º, no prazo de vinte dias;

c) A destruírem a parede referida supra no artigo 51.ºe a retirarem todos os materiais e lixo resultantes dessa destruição deixando a rampa totalmente livre e limpa no mesmo prazo de vinte dias;

d) A pagarem as custas e procuradoria dos autos.”.

A.2. Nesses autos foi proferida sentença que decidiu:

a) Reconhece-se que os autores são legítimos proprietários do prédio rústico, denominado Quinta ...” ou Leira da Quinta ...”, terreno de cultivo com ramada e oliveiras, com espigueiro, dois cobertos para guarda de alfaias agrícolas e tanque de rega, situado no Lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de ..., a confrontar de norte com II, do sul com JJ, do nascente com a levada do ... e do poente com KK, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...12/freguesia ..., com inscrição a favor dos autores e inscrito na respectiva matriz predial rústica no art.º ...80.

b) Declara-se que o prédio urbano casa de habitação dentro da Quinta ...”, situada no Lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de ..., a LL do nascente, norte e sul com a Quinta ... e do poente com KK, inscrita na respectiva matriz predial urbana no art.º ...13º, acha-se dividido em substância e que por essa divisão e por usucapião se constituíram dois prédios urbanos distintos e autónomos correspondentes às seguintes parcelas:

Parcela A (…)

Parcela B (…)

c) Reconhece-se que a divisão entre os rocios das parcelas supra é feita por uma linha imaginária que tem o seu início (…).

d) Reconhece-se que os autores são legítimos proprietários da parcela A

e) Reconhece-se que as rés são legítimas proprietários da parcela B

f) Absolvem-se as rés dos demais pedidos.

Ou seja, na sentença proferida na 1ª acção e transitada em julgado (constante nos presentes autos de fls. 37 a 55), as rés foram absolvidas, não só da declaração da propriedade a favor dos Autores da rampa, mas também dos seguintes pedidos: (i) deslocarem 35 centímetros para norte o esteio descrito no artigo 46º, da petição inicial, no prazo de vinte dias; e (ii) destruírem a parede referida no artigo 51º da petição inicial e a retirarem todos os materiais e lixo resultantes dessa destruição, deixando a rampa totalmente livre e limpa no mesmo prazo de vinte dias”.

A.3. Na fundamentação da sentença explicita-se:

Através da presente acção, os AA. pediram a deslocação do esteio existente no início da rampa que dá acesso ao terreno identificado em B. assentando tal pretensão, como invocam no artigo 50º da petição inicial, no facto da serventia sobre o prédio dos RR. compreender tudo o que é necessário para o seu uso e conservação, de modo a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante (querendo, certamente, citar o art. 1565º, do Código Civil) (…)

Dos factos assentes resulta, apenas, neste particular, que o rocio da casa das Rés serve de acesso ao prédio dos Autores descrito em B. e que no início da rampa em questão, no seu canto norte/poente, existe um esteio de pedra pertencente às Rés, que segura uma sua latada. Tal esteio está localizado num ponto que diminui o ângulo e espaço da manobra para aceder e passar para essa rampa, de modo que estreitece e cria dificuldades à circulação de veículos com destino, ou provenientes do identificado prédio dos Autores. (…). Acontece, porém, que não resultam dos autos quaisquer factos – nem tampouco foram alegados – de onde se possa inferir, em primeiro lugar, qual a fonte deste direito de servidão e, depois, quais as utilidades que engloba. Atente-se que, para se afirmar a existência de uma servidão de passagem não basta alegar que existe uma passagem, mas sim, a quem pertence o terreno, com quem confina, qual a forma como a utilização vem sendo feita, há quanto tempo, por quem e agindo com que convicção. Ora, nada disto foi sequer posto à prova. (…) Face ao exposto, terá que improceder o pedido respeitante à deslocação do esteio, por não se poder demonstrar o seu fundamento”.

A.4. De tal sentença apenas as rés recorreram para o TRG, onde foi proferido acórdão, que confirmou a sentença.

B. Na presente acção os autores formularam os seguintes pedidos:

1 - Declarar-se que os Autores são legítimos e exclusivos donos e possuidores:

a) Do prédio descrito supra no artigo 2.º, dele fazendo parte integrante a rampa de que trata o Capítulo III, deste articulado;

b) Do prédio acima descrito no artigo 19.º;

2 - Declarar-se que a Ré é legítima e exclusiva dona e possuidora dos prédios acima descritos nos artigos 20.º e 21.º;

3 - Subsidiariamente, para a hipótese - que não se concede – de vir a entender-se e decidir-se que a rampa tratada no Capítulo III, não faz parte integrante do prédio dos Autores acima descrito no artigo 2.º, mas sim do prédio da Ré descrito acima no artigo 21.º alínea A):

- Declarar-se que sobre prédio da Ré descrito acima no artigo 21.º alínea A) e a favor do prédio dos Autores acima descrito no artigo 2.º, se acha constituída, por usucapião, uma servidão de passagem de pessoas a pé, animais e quaisquer veículos, permanente, durante todo o ano, através da parcela de terreno com o comprimento de 16m e a largura de 3m, constituída pela rampa a que se respeita supra o capítulo III.

4 - Condenar-se a Ré:

a) A ver, reconhecer e respeitar esses direitos dos Autores e a abster-se, no futuro, da prática de qualquer acto que os possa afectar;

b) A deslocar, no prazo de cinco dias, numa distância de 35 centímetros para norte, no interior do seu prédio descrito acima no artigo 21.º alínea A), o esteio referido supra no artigo 30.º, mediante pagamento desse trabalho pelos Autores;

c) A destruir e retirar, no mesmo prazo de cinco dias a latada referida supra no artigo 35.º, mediante pagamento pelos Autores do custo desse trabalho;

d) A destruir, no mesmo prazo de cinco dias, a expensas suas, a parede referida supra no artigo 44.º, retirando todos os materiais e lixo resultantes dessa destruição deixando a rampa totalmente livre e limpa.

e) A entregar aos Autores, no prazo de cindo dias, a chave da Capela referida supra no artigo 50.º;.

B.2. Os autores desistiram da instância relativamente dos pedidos formulados nas alíneas c), do nº 1, e e), do nº 4, do petitório, desistência que foi homologada, absolvendo-se a ré da instância relativamente a tais pedidos.

B.3. No despacho saneador a ré foi absolvida da instância relativamente aos pedidos formulados nas alíneas a) e b), do ponto 1, por nesta parte se julgar verificada a excepção do caso julgado.

B.4. O prédio descrito no art.º 2º da P.I. como pertencente aos autores, a favor do qual se pede o reconhecimento de uma servidão de passagem é o seguinte:

2.º … - Prédio rústico, denominado Leira da Quinta ...”, terreno de cultivo com ramada e oliveiras, com um espigueiro, dois cobertos para guarda de alfaias agrícolas e tanque de rega, situado no Lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de ..., com a área de 4375 m2, a confrontar de norte com II, do sul com JJ, do nascente com a levada do ... e do poente com KK, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...12 da freguesia ..., aí inscrito a favor dos Autores pela AP ...24 de 1/03/2013 e inscrito na respectiva matriz predial rústica no artigo n.º ...80. Cfr. documentos n.ºs 2, 3 e 4 e planta topográfica documento n.º 5, na qual o perímetro deste prédio está traçado a cor azul.

B.5. Os prédios descritos em 20º e 21º da P.I. (que se pede sejam reconhecidos como propriedade da ré) são os seguintes:

20.º - Prédio urbano composto por casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, anexos e logradouro, situado na mesma Travessa ..., da freguesia ..., omisso na matriz, Este prédio constitui a metade voltada mais a sul, da parcela dividida e demarcada, distinta e autónoma, que foi identificada e descrita como Parcela B” na sentença proferida no processo referido acima nos artigos 17.º e 18.º e que nessa mesma sentença foi reconhecida e declarada como sendo legítima propriedade também da Ré. - Cfr. documento n.º 6.

21.º A) - Prédio rústico composto de terreno de cultivo com ramada e oliveiras e outras árvores de fruto e eira, com a área de 2.204 m2, situado no Lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de ..., a confrontar do norte com CC, do sul com AA, do nascente com DD e do poente com EE;

B) - Prédio rústico, composto de terreno de cultivo, com ramada e oliveiras e outras árvores de fruto, com a área de 2.283 m2, situado no Lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de ..., a confrontar do norte com FF, do nascente com Levada do ..., do sul com GG e do poente com FF. Cfr. escritura de justificação e divisão de coisa comum junta como documento n.º 8, que aqui se dá por reproduzida e na qual estes prédios se encontram identificados e descritos respectivamente como Parcela D” e Parcela E”.

O DIREITO

15. O art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil é do seguinte teor:

Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.

16. O acórdão recorrido não preenche a previsão do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil — não conheceu do mérito da causa, condenando ou absolvendo do pedido, e não pôs termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus.

17. Em primeiro lugar, o acórdão recorrido não conheceu do mérito da causa.

Em contraste com o art. 500.º do Código de Processo Civil de 1939 [4] e com o art. 496.º do Código de Processo Civil de 1961, na sua redacção inicial [5], o art. 577.º do Código de Processo Civil de 2013, esse, coloca a excepção de caso julgado entre as excepções processuais dilatórias [6] [7].

18. Ora as excepções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa [8].

19. Em segundo lugar, o acórdão recorrido não pôs termo ao processo — entre os casos em que o art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil não permite o recurso estão, paradigmaticamente, aqueles em que a Relação julgue improcedente […] qualquer […] excepção dilatória […], determinando o prosseguimento dos autos para conhecimento do mérito” [9].

20. O corolário lógico do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil é o de que estão excluídos do âmbito do recurso […] os acórdãos da Relação que, revogando a [decisão da 1.ª instância] de absolvição do réu da instância, determinam o prosseguimento dos autos” [10] — e o acórdão recorrido é precisamente um acórdão da Relação que, revogando o despacho saneador, determina o prosseguimento dos autos, para conhecimento do mérito da causa.

21. A Ré, agora Recorrente, CC alega em todo o caso a ofensa de caso julgado — e. ao alegá-lo, pretende que o recurso seja admitido, ao abrigo do art.  629.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil.

22. Ora o art. 629.º, n.º 2, alínea a), faz com que o recurso de revista seja de admitir ainda que a decisão recorrida esteja fora do condicionalismo do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil [11].

23. O art. 580.º do Código de Processo Civil diz que [a]s excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa” e distingue-as, dizendo que, se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência” e que, se a causa se repete estando a anterior já decidida, por sentença que não admite recurso ordinário, há lugar ao caso julgado [12].

24. O art. 581.º enuncia os requisitos das excepções de caso julgado e de litispendência:

1. — Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

2. — Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

3. — Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

4. — Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico […].

25. A primeira questão suscitada consiste em averiguar se a Ré CC deve ser absolvida da instância relativamente ao pedido formulado sob o n.º 2, — i.e. relativamente ao pedido de que[seja declarado] que a Ré é legítima e exclusiva dona e possuidora dos prédios acima descritos nos artigos 20.º e 21.º”:

(i) do prédio urbano composto por casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, anexos e logradouro, situado na mesma Travessa ..., da freguesia ..., omisso na matriz [13],

(II) do prédio rústico composto de terreno de cultivo com ramada e oliveiras e outras árvores de fruto e eira, com a área de 2.204 m2, situado no Lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de ..., a confrontar do norte com CC, do sul com AA, do nascente com DD e do poente com EE [14] e

(iii) do prédio rústico, composto de terreno de cultivo, com ramada e oliveiras e outras árvores de fruto, com a área de 2.283 m2, situado no Lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de ..., a confrontar do norte com FF, do nascente com Levada do ..., do sul com GG e do poente com FF [15].

26. A Ré, agora Recorrente, alega a ofensa do caso julgado formado sobre a sentença proferida no processo n.º 314/14....,

I. — em que se pediu que se declarasse:

a) Que os Autores são legítimos e exclusivos donos e possuidores do prédio descrito supra no artigo 2.º, dele fazendo parte integrante a rampa descrita supra no artigo 51.º

b) Que o prédio urbano descrito acima no artigo 18.º se acha dividido em substância nas duas parcelas demarcadas, distintas e autónomas descritas supra no artigo 24.º;

c) Que por essa divisão material e por usucapião se e constituíram dois prédios urbanos distintos e autónomos correspondentes a essas duas parcelas supra descritas no artigo 24.º;

d) [Que] os Autores são legítimos e exclusivos donos e possuidores do prédio constituído pela parcela A) descrita supra no artigo 24.º, o qual incluiu o rocio ou logradouro descrito supra nos artigos 34.º e 36.º;

e) [Que] as Rés são legítimas e exclusivas donas e possuidoras do prédio constituído pela parcela B) descrita supra no artigo 24.º, o qual incluiu o rocio ou logradouro descrito supra nos artigos 34.º e 35.º;

II. — em que se decidiu:

a) Reconhece-se que os autores são legítimos proprietários do prédio rústico, denominado Quinta ...” ou Leira da Quina ...”, terreno de cultivo com ramada e oliveiras, com espigueiro, dois cobertos para guarda de alfaias agrícolas e tanque de rega, situado no Lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de ..., a confrontar de norte com II, do sul com JJ, do nascente com a levada do ... e do poente com KK, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...12/freguesia ..., com inscrição a favor dos autores e inscrito na respectiva matriz predial rústica no art.º ...80;

b) Declara-se que o prédio urbano casa de habitação dentro da Quinta ...”, situada no Lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de ..., a confrontar do nascente, norte e sul com a Quinta ... e do poente com KK, inscrita na respectiva matriz predial urbana no art.º ...13º, acha-se dividido em substância e que por essa divisão e por usucapião se constituíram dois prédios urbanos distintos e autónomos correspondentes às seguintes parcelas:

Parcela A (…)

Parcela B (…)

c) Reconhece-se que a divisão entre os rocios das parcelas supra é feita por uma linha imaginária que tem o seu início (…).

d) Reconhece-se que os autores são legítimos proprietários da parcela A

e) Reconhece-se que as rés são legítimas proprietários da parcela B

27. O acórdão recorrido julgou improcedente a excepção dilatória de caso julgado, atendendo a que os pedidos formulados no art. 21.º da petição inicial, relativamente aos prédios rústicos, não correspondiam a pedidos formulados na acção anterior.

28. Ora as conclusões do recurso de revista interposto pela Ré, agora Recorrente, não colocam em causa a diferença entre os pedidos formulados nas duas acções, nos termos expostos no acórdão recorrido, concentrando-se nas demais questões.

29. A segunda questão suscitada consiste em averiguar se a Ré CC deve ser absolvida da instância relativamente ao pedido subsidiário formulado sob o n.º 3 — i.e., relativamente ao pedido subsidiário de que [seja declarado] que sobre prédio da Ré descrito acima no artigo 21.º alínea A) e a favor do prédio dos Autores acima descrito no artigo 2.º, se acha constituída, por usucapião, uma servidão de passagem de pessoas a pé, animais e quaisquer veículos, permanente, durante todo o ano, através da parcela de terreno com o comprimento de 16m e a largura de 3m, constituída pela rampa a que se respeita supra o capítulo III”.

30. O Tribunal de 1.ª instância considerou que, ainda que o pedido de que fosse reconhecida a existência de uma servidão de passagem tivesse sido formulado na primeira acção, os Autores, agora Recorridos, não estavam impedidos de deduzir o mesmo pedido, desde que não invocassem a mesma causa de pedir.

31. O Tribunal da Relação considerou que o pedido de que fosse reconhecida a existência de uma servidão de passagem não tinha sido formulado na primeira acção e que, em todo o caso, não tinha sido invocada a correspondente causa de pedir.

32. A Ré, agora Recorrente, CC alega que:

12. […] o tribunal no processo nº 314/14...., pronunciou-se também sobre a servidão de passagem, constando da referida sentença sob a epigrafe da servidão de passagem”.

13.E, aí, o tribunal diz com clareza que a pretensão dos então AA. invocando no artigo 50º da petição inicial a serventia sobre o prédio da R. (correspondendo o pedido ao item B.).

33. Ora, como resulta dos excertos da sentença proferida no processo nº 314/14.... transcritos, não foram alegados e acção resultam dos autos quaisquer factos […] de onde se possa inferir […] qual a fonte deste direito de servidão e, depois, quais as utilidades que engloba”.

34. Em resposta á segunda questão dir-se-á que não estão preenchidos os pressupostos das excepção de caso julgado relativamente ao pedido subsidiário formulado sob o n.º 3.

35. A terceira e a quarta questões suscitadas consistem em averiguar:

I. — — se a Ré CC deve ser absolvida da instância relativamente ao pedido subsidiário formulado sob a alínea b) do n.º 4 — i.e., relativamente ao pedido de que seja condenada [a] deslocar, no prazo de cinco dias, numa distância de 35 centímetros para norte, no interior do seu prédio descrito acima no artigo 21.º alínea A), o esteio referido supra no artigo 30.º, mediante pagamento desse trabalho pelos Autores”;

II. — se a Ré deve ser absolvida da instância relativamente ao pedido subsidiário formulado sob a alínea c) do n.º 4. — i.e., relativamente ao pedido de que seja condenada [a destruir] a parede referida supra no artigo 51.ºe a retirar[] todos os materiais e lixo resultantes dessa destruição deixando a rampa totalmente livre e limpa no mesmo prazo de vinte dias”.

36. O acórdão recorrido considerou que, ainda que os pedidos de deslocação do esteio e de demolição da parece tivessem sido formulado na primeira acção, os Autores não estavam impedidos de deduzir o mesmo pedido, desde que não invocassem a mesma causa de pedir.

37. Ora, em concreto, a causa de pedir era distinta: na primeira acção, a causa de pedir relacionava-se com o direito de propriedade invocado pelos Autores, agora Recorridos e, na segunda acção, sub judice. relaciona-se com o direito de servidão sobre os prédios rústicos da Ré, agora Recorrente, e em favor do prédio rústico dos autores, agora Recorridos.

38. A Ré, agora Recorrente, alega que:

14. [a] sentença [proferida no processo nº 314/14....] pronunciou[-se] quanto ao referido esteio e murete que existe na rampa, propriedade da R..

15.No que concerne ao esteio de pedra que se situa no início da rampa que dá acesso ao prédio dos AA, na ação que correu termos na extinta Secção de Competência Genérica, da Instância Local ..., sob o número 314/14.... foi pedido pelos AA.:

16. 2. Condenarem-se as Rés: (…) b) A deslocaram 35 centímetros para norte o esteio descrito supra no artigo 46.º, no prazo de vinte dias”.

17. Na presente ação: 4 - Condenar-se a Ré: (…) b) A deslocar, no prazo de cinco dias, numa distância de 35 centímetros para norte, no interior do seu prédio descrito acima no artigo 21.º alínea A), o esteio referido supra no artigo 30.º, mediante pagamento desse trabalho pelos Autores”.

18. Pedido julgado improcedente no processo nº 314/14.... por não se poder demonstrar o seu fundamento”.

19. Por sua vez, no processo nº 314/14...., no artigo 51º da sua petição inicial os AA. mencionaram a parede autoria da Ré e relativamente a esta e peticionaram condenar-se a ré a: c) A destruírem a parede referida supra no artigo 51.ºe a retirarem todos os materiais e lixo resultantes dessa destruição deixando a rampa totalmente livre e limpa no mesmo prazo de vinte dias”.

20. Na presente ação repete-se o mesmo pedido, com a condenação da ré:

A destruir, no mesmo prazo de cinco dias, a expensas suas, a parede referida supra no artigo 44.º, retirando todos os materiais e lixo resultantes dessa destruição deixando a rampa totalmente livre e limpa.”

21. Pelo que, sem qualquer dúvida, o tribunal já se pronunciou sobre todas as questões agora suscitadas pelos AA., nomeadamente, quanto à servidão de passagem, quanto à propriedade da rampa, ao esteio e parede.

39. As alegações da Ré, agora Recorrente, confirmam algo que não era objecto de controvérsia — que os pedidos de deslocação do esteio e de demolição da parede tinham sido deduzidos na primeira acção. O problema, o objecto da controvérsia, estava tão só em averiguar se, ao deduzir os mesmos pedidos nas duas acções, os Autores, agora Recorridos, tinham invocado a mesma causa de pedir. Ora, as alegações da Ré, agora Recorrente, não colocam em causa e, em todo o caso, não infirmam que não a tenham invocado. Entre os factos constitutivos de um direito de propriedade e os factos constitutivos de um direito de servidão há diferenças fundamentais — e as diferenças entre os factos constitutivos dos dois direitos determinam que as causas de pedir das duas acções sejam distintas.

40. Em resposta á terceira e à quarta questões dir-se-á que não estão preenchidos os pressupostos das excepção de caso julgado relativamente ao pedido subsidiário formulado sob as alíneas b) e c) do n.º 4.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente CC.

Lisboa, 7 de Março de 2023



Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

José Maria Ferreira Lopes



Manuel Pires Capelo

_____

[1] Cf. art. 20.º da petição inicial.

[2] Cf. art. 21.º — A) da petição inicial.

[3] Cf. art. 21.º — B) da petição inicial.

[4] Sobre a interpretação do art. 500.º do Código de Processo Civil de 1939, vide por todo José Alberto dos Reis, anotação ao art. 500.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. III — Artigos 487.º a 549.º, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985 (reimpressão), págs. 84-90.

[5] Sobre a interpretação do art. 496.º do Código de Processo Civil de 1961, na sua redacção inicial, vide por todos Manuel de Andrade (com a colaboração de João de Matos Antunes Varela), Noções elementares de proesso civil (nova edição, revista e actualizada pelo Dr. Herculano Esteves), Coimbra Editora, Coimbra, 1979, págs. 137-140; ou João de Matos Antunes Varela / José Miguel Bezerra / Sampaio e Nora, Manual de processo civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, págs. 304-310.

[6] Sobre a interpretação do art. 577.º do Código de Processo Civil de 2013, vide por todos António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 577.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 653-657, e José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao art. 577.º, Código de Processo Civil anotado, vol. I — Artigos 1.º a 361.º, 4.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 578-589 (especialmente, nas págs. 582-583). [7] O ponto de viragem na qualificação da excepção de caso julgado como peremptória ou dilatória foi o Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, por que se alterou a redacção dos antigos arts. 494.º e 496.º do Código de Processo Civil de 1961. O preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95 explicava que “se aproveitou a oportunidade de, em matéria de excepções, introduzir alguns elementos clarificadores, nomeadamente, […] qualificando — de acordo com a doutrina desde sempre sustentada pelo Prof. Castro Mendes — o caso julgado como verdadeira excepção dilatória, que obsta à reapreciação do mérito da causa já precedentemente julgada”

[8] Cf. art. 576.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

[9] António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 671.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 347-376 (357) — explicando que tal acontece “precisamente porque [o acórdão da Relação] não põe termo ao processo”.

[10] António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 671.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), cit., págs. 806-811 (808).

[11] Cf. designadamente António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 629.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 41-75 (51-52).

[12] Vide, por último, os acórdãos do STJ de 21 de Março de 2019 — processo n.º 713/12.4TBBRG.B.G1.S1 —, de 30 de Abril de 2019 — processo n.º 4435/18.4T8MAI.S1 —de 11 de Julho de 2019 — processo n.º 3245/06.6TBAMD.L2.S2 — e de 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 3249/13.2TBVFX.L1.S1.

[13] Cf. art. 20.º da petição inicial.

[14] Cf. art. 21.º — A) da petição inicial.

[15] Cf. art. 21.º — B) da petição inicial.