Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7882/18.8T8CBR.C1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
VIOLAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILICITUDE
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 11/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
Em resultado da aplicação ao caso dos autos dos pontos 1. e 2. da decisão uniformizadora proferida pelo Pleno das Secções Cíveis do STJ (AUJ n.º 8/2022), considera-se ilícita a conduta do réu intermediário financeiro por violação dos deveres de informação a que se encontrava adstrito.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I - Relatório


1. AA intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Banco BIC Português, S.A., pedindo a condenação do R. a pagar ao A. a quantia de €50.000,00, a título de capital, bem como juros remuneratórios dos cupões vencidos e em incumprimento referentes a 08/11/2015 e a 08/05/2016, no valor total de €785,28, juros moratórios vencidos, no valor total de €4.909,59, juros vincendos, desde a citação até efectivo e integral pagamento, e ainda a quantia de €5.000,00, a título de danos não patrimoniais.

Alegou, em síntese, que:

- Subscreveu ao balcão do “Banco Português de Negócios” (doravante, BPN), actual “Banco BIC”, aqui R., “Obrigação SLN Rendimento Mais 2006”, no valor de €50.000,00, com garantia de reembolso de capital, o que lhe foi assegurado pelo gerente da agência onde subscreveu o produto;

- Só após a nacionalização do BPN e a insolvência da sociedade gestora tomou conhecimento de que a aplicação financeira era efectivamente obrigação da SLN, devendo reclamar o crédito na insolvência;

- Desde 08/05/2015 não foram pagos quaisquer juros, sofrendo o A. de preocupação por se ver privado das economias de uma vida de trabalho, assim peticionando indemnização a título de danos não patrimoniais.

O R. contestou, invocando, para além do mais, a prescrição do crédito do A. e impugnando diversa factualidade invocada por este, concluindo pela improcedência da acção.

O A., no exercício do contraditório, veio pugnar pela improcedência da matéria de excepção.

Foi proferido despacho saneador, relegando-se para final o conhecimento da excepção de prescrição.

Por sentença da 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão:

«[J]ulgo parcialmente procedente a ação e, em consequência;

a) Condeno o Réu a restituir ao Autor a quantia de € 50.000,00 (…) de capital acrescido dos juros contratuais vencidos desde 8/5/2015 até à data em que deveria ter ocorrido a restituição do capital contratualmente, bem como no pagamento dos juros vincendos sobre aquele capital, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento e condeno o réu a pagar ao autor a quantia de € 3.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais;

b) Absolvo o Réu do mais peticionado.».

Inconformado, interpôs o R. recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de 13 de Novembro de 2019 o recurso foi julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.


2. Veio o R. interpor recurso, por via excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual foi admitido por acórdão de 7 de Maio de 2020 da Formação prevista no n.º 3 do art. 672.º do Código de Processo Civil.


3. Formulou o Recorrente as seguintes conclusões:

[excluem-se as conclusões respeitantes à admissibilidade do recurso por via excepcional]

«9) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!

10) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

11) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt!

12) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

13) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

14) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia!

15) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!

16) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

17) Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

De resto,

18) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

19) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

20) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme. Até porque que defenda que deveria o intermediário financeiro transmitir a informação das primeiras páginas do prospecto não pode deixar de defender que a mesma diligência deveria ser obrigatória quanto ao restante conteúdo do mesmo documento!

21) A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível, sendo que a mera reprodução do prospecto, como pretende a decisão recorrida, seria certamente tudo menos acessível.

22) A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

23) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

24) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

25) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

26) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

27) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:

a. a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

b. b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

c. c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

d. d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

28) São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

29) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

30) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

31) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

32) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

33) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

34) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

35) Não cometeu o R. qualquer acto ilícito!

36) A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.».

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e a absolvição do R. do peticionado.


4. O Recorrido contra-alegou, concluindo nos termos seguintes:

[excluem-se as conclusões respeitantes à admissibilidade do recurso por via excepcional]

«F. No caso vertente, a informação falsa prestada ao Recorrido de que o banco intermediário assegurava o reembolso do capital investido pressupõe uma violação das regras mais elementares da atividade do intermediário financeiro (veja-se o artigo 305º do Código dos Valores Mobiliários que minuciosamente regula a estruturação e da organização empresarial do intermediário financeiro em ordem a que sejam observados elevados padrões de qualidade, profissionalismo e eficiência) e demonstra a irresponsabilidade do banco Recorrente, e dos seus agentes responsáveis pela transmissão dessa informação e da desconsideração dos interesses do cliente, pois constitui um fator indutor de uma confiança artificial no investimento proposto pelo agente do recorrente e realizado pelo investidor.

G. É por isso evidente que o banco não observou o elevado grau de diligência que legalmente lhe é imposto, pelo que é forçosa a conclusão de que a sua culpa é grave, sendo por isso inaplicável o invocado prazo prescricional previsto no nº 2, do artigo 324º do Código dos Valores Mobiliários.

H. Acresce que o dever de informação rigorosa e precisa quando contrata com os seus clientes é um dever de conduta fundamental para o banco, e da sua violação resulta a obrigação de indemnizar os danos causados, já que quer ao abrigo do disposto no artigo 762.º, n.º 2, do CC, se exige às partes que atuem de boa-fé na execução do contrato, bem como ao abrigo do disposto no seu artigo 227.º, n.º 1 do CC, logo nos preliminares ou na formação do contrato, se exige que as partes contratantes procedam segundo as regras da boa-fé e em que se contam, indiscutivelmente, os deveres de lealdade, transparência, informação rigorosa e exata e de cabal esclarecimento.

I. O Recorrido só adquiriu a obrigação emitida pela SLN, porque o banco informou de que se tratava de um produto seguro, com retorno assegurado, que, ele próprio assegurava.

J. Atento o que acima se deixou dito, existe responsabilidade do banco porque nos preliminares do contrato informou os autores de que estava garantido o retorno, quando assim não sucedeu, decorrendo a sua responsabilização do disposto no artigo 227.º do CC, bem como porque ao celebrar o contrato, persistiu na mesma informação ou conselho, violando os ditames da boa-fé negocial, nos moldes estabelecidos no artigo 762.º do CC.

K. Consequentemente, é o Recorrente responsável pelos prejuízos que o Recorrido sofreu na sua esfera patrimonial decorrentes da sua conduta lesiva.

L. Por não existir qualquer demonstração idónea que possa sustentar opinião diversa da formulada no Acórdão recorrido, terá o presente recurso de revista, necessariamente, que improceder.».


4. Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.

Assim, o presente recurso tem como objecto unicamente a seguinte questão:

- Saber se o acórdão recorrido padece de erro de direito ao ter dado como verificada a violação dos deveres de informação por parte do R. intermediário financeiro.


5. Entretanto, foi proferido despacho de suspensão da instância até ao julgamento de diversos recursos para uniformização de jurisprudência admitidos em matéria de pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro.


6. Tendo sido proferida, no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, decisão uniformizadora, que transitou em julgado e que – como Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 8/2022 – foi publicado no Diário da República, Iª Série, de 03/11/2022, foi declarada cessada a suspensão da instância, atendendo a que o teor do referido AUJ permite resolver a questão objecto do presente recurso de revista, sem necessidade de aguardar pelo desfecho dos demais recursos uniformizadores.

Cumpre apreciar e decidir.


7. Vem provado o seguinte (mantêm-se a numeração e a redacção das instâncias):

1º. Em Abril de 2006, o A. AA, supra melhor identificado, com a conta à ordem nº ...01, subscreveu inicialmente 2 obrigações com o valor nominal de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) cada, tendo tal subscrição sido formalizada por intermédio da sua sobrinha BB, a qual se deslocou à Agência Bancária, sita no ..., em ..., do R. (então denominado Banco Português de Negócios - BPN).

2º. Posteriormente, o A. endossou uma dessas obrigações, tendo permanecido com 1 (uma) delas, de valor nominal de 50.000,00€ (cinquenta mil euros).

3º. O BPN era um banco privado português, que atuava no sector da banca de investimentos, tendo vindo a ser alvo de nacionalização pelo estado Português no ano de 2008, e posteriormente sido vendido ao aqui R., que o incorporou em todos os seus direitos e obrigações.

4º. Todas as aludidas subscrições realizadas pelo A. eram respeitantes a “Obrigações Subordinadas a 10 anos da SLN 2006”, conforme Doc.1 que ora se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

5º. O aludido produto financeiro consistia em obrigações subordinadas ao portador, sob a forma escritural, com o valor nominal de €50.000,00 (cinquenta mil euros) em que o mínimo de subscrição era de 1 (uma) obrigação.

6º. O prazo de maturidade do produto era de 10 (dez) anos “sendo o reembolso do capital efetuado em 09 de Maio de 2016”.

7º. Aquando da subscrição do produto financeiro, a representante do A. foi informada pelo Dr. CC, à data gerente da agência bancária do ... em ..., de que o reembolso do capital era garantido, característica essa que foi devidamente transmitida ao A., e sem a qual jamais teria sido adquirido o produto em questão.

8º. A remuneração do capital investido proporcionava juros a serem pagos semestral e postecipadamente aos investidores, consistindo a primeira remuneração semestral em 4,5%, os 9 cupões semestrais seguintes à remuneração da Euribor a 6 meses acrescido de 1,15% e os restantes semestres seriam remunerados de acordo com Euribor a 6 meses acrescida de 1,50%.

9º. O boletim de subscrição encontrava-se emitido em papel que apresentava timbre do então “BPN”, indicando a sua designação comercial e sede social, criando assim no A. a expectativa que estava a subscrever um produto financeiro do próprio banco, ora R., e nunca de uma entidade terceira.

10º. No campo destinado à “ordem de subscrição” consta do boletim de subscrição que “as obrigações subscritas serão creditadas na respetiva conta de valores mobiliários escriturais aberta junto do BPN (…)”, conforme Doc.1..

11º. Todas as ordens de emissão de obrigações subordinadas ora em litígio foram dadas a conhecer ao A., por intermédio da sua representante, pelo Gestor de Cliente.

12º. Não obstante o A. ser uma pessoa de conhecimento médio, não tem conhecimentos específicos nem particulares quanto aos produtos bancários comercializados pela banca, desconhecendo as suas especificidades e considerações, confiando, e seguindo por isso mesmo as sugestões do seu Gestor de Conta.

13º. No documento de suporte de venda do referido produto financeiro, distribuído aos colaboradores para a comercialização e colocação destas obrigações aos investidores é mencionado, como “argumentário de venda”, que o produto tem capital garantido e elevadas taxas de remuneração, conforme DOC.3 que se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

14º. O réu conseguiu fazer crer ao autor que o reembolso do capital era absolutamente garantido, sendo que mais tarde veio a negar tal informação.

15º. No momento de subscrição do produto de investimento pelo A. a entidade emitente das obrigações era a SLN, mas após a crise económica instalada sobre o BPN, e que levou à sua nacionalização, a SLN foi extinta, em assembleia geral, e o seu nome e imagem foram alteradas para “Galilei SGPS S.A.”, com 89,17% dos votos a favor, 1,81% de votos desfavoráveis e 9,13% de abstenções.

16º. Acontece porém que a “Galilei SGPS S.A.” em 21 de Agosto de 2015 apresentou-se a PER cujo processo correu termos judiciais sob o n.º 22922/15.... no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Instância Central ... – ... Secção do Comércio - J4, bem como já posteriormente a referida sociedade foi declarada insolvente, no âmbito do processo n.º 23449/15.... do mesmo J4 da ... Secção do Comércio da Comarca de Lisboa.

17º. Desde 08 de Maio de 2015 nada mais foi pago a título de juros [art19PI].

18º. O A. interpelou a sociedade “Galilei SGPS S.A.” com vista ao pagamento voluntário, sem sucesso (cfr. Doc.4) [art20PI].

19º. A atuação do R. causou ao autor preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver ou de não saber quando ia reaver o seu dinheiro [art23PI].

20º. Por se ver desapossado das economias de uma vida inteira de trabalho [art24PI].

21º O autor recebeu um extrato referente ao período de 2015/08/01 a 2015/08/31 onde lhe apareciam essas obrigações por baixa da referência a carteira de títulos, separadas dos depósitos [art39cont].

22º Foram-lhe sendo creditados em conta os juros relativos aos cupões das obrigações, o que originava igualmente o competente registo no seu extrato [art40cont].

23º Acresce que o subscritor sempre foi pessoa cuidadosa e preocupada com o investimento do seu património [art43cont].

24º. A subscritora, BB, é jurista de formação [art44cont].


Foram dados como não provados os seguintes factos:

Da petição inicial:

17º. Nessa circunstância, foi o A. surpreendido com uma citação judicial para efeitos de reclamação dos seus créditos.

18º. E tão só nesse momento é que o A. foi esclarecido que o investimento financeiro que havia realizado não se encontrava aplicado no banco ora R. mas sim numa entidade terceira que pertencia ao grupo empresarial SLN.

21º. Sendo que as tentativas efetuadas junto da R. para resolução extrajudicial desta questão foram sempre recusadas, com a invocação de que a responsabilidade de mero colocador do produto financeiro não obrigava a instituição a proceder à restituição do montante investido.

24º Donde o A. anda em permanente stress, doente e sem alegria de viver… árduo e sem perspetivas de futuro.

Da contestação:

12º …o subscritor soube, desde a referida data, que efetuou algum tipo de negócio onde investiu o seu dinheiro.

13. no mês seguinte à da operação supra, recebeu por correio, não só o aviso de débito correspondente à subscrição efectuada, bem como os avisos de crédito a cada seis meses relativos aos juros.

14. como também e desde então os vários extractos periódicos onde lhe aparecia essas obrigações como integrando as suas carteiras de títulos de forma separada dos simples depósitos a prazo.

15. Onde se constata que o produto em causa surge separado dos depósitos, num título denominado “CARTEIRA DE TÍTULOS” e com um sub-título “OBRIGAÇÕES”.

21. O facto é que no momento da subscrição não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga.

22. Ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente.

24. Ao longo dos anos foram emitidos e pagos os mais diversos produtos de dívida de empresas do grupo SLN.

25. Tendo sido todas pagas sem qualquer tipo de problema até à altura da nacionalização.

26. Note-se que todos os cupões foram pagos na íntegra e no momento devido.

27. Aquilo que não era previsível, e como tal nunca poderia ter sido comunicado ao cliente, era que em 2008 aconteceria uma nacionalização parcelar do grupo, que veio dividir o mesmo entre parte financeira e não financeira.

30. Nunca o Banco réu através dos seus colaboradores transmitiu aos seus clientes que o banco garantia a emissão,

31. Esse era um problema que não era sequer colocado pelos clientes ou imaginado pelos colaboradores.

32. O produto foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora Banco.

35. O Banco Réu, na pessoa dos seus funcionários, agiu de acordo com a vontade do subscritor.

36. E com as instruções recebidas do mesmo.

38. É que, no mês seguinte ao das referidas operações o Autor recebeu por correio um aviso de débito correspondente à subscrição efetuada.

40. … e até a emissão de avisos de lançamento que lhes eram enviados para a sua morada.

43. Acresce que o subscritor sempre foi pessoa informada, consciente,

44. … estando por isso perfeitamente esclarecida sobre o que era uma obrigação, um empréstimo obrigacionista bem como todo o regime daí decorrente.

45. O Réu, tal qual estava obrigado, prestou ao subscritor informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, nos termos e para os efeitos do art. 7º do CdVM, quanto às obrigações por este subscritas.

46. No momento da subscrição o subscritor foi informado que as obrigações em causa eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu – a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A..

47. E que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A. a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

48. Foi ainda informado de que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso, forma aliás utilizada pelo próprio autor para adquirir as suas obrigações.

49. O que na altura era possível, comum e rápido, uma vez que os títulos tinham elevada procura, atenta a sua elevada rentabilidade.

50. O Banco Réu atuou de acordo com o que o subscritor de facto quis e lhe expressou, ou seja subscrever aqueles 50.000,00€ em obrigações subordinadas da Sociedade Lusa de Negócios.

51. Até porque o cliente pretendia rentabilizar o seu investimento nesta modalidade de investimento, pois as taxas que o mesmo proporcionava eram bastante atrativas.

52. O Réu cumpriu então com todos os seus deveres de informação, designadamente informando o subscritor sobre todos os elementos que constavam da nota informativa do produto, bem como da nota interna sobre o mesmo - doc. 2 e 3,

53. Que ademais se encontrava disponível para consulta pelos mesmos.


8. Entenderam as instâncias, e não vem posto em causa, que a intervenção do Banco BPN no processo de subscrição pelo A., em Abril de 2006 (facto provado 1.), do produto financeiro Obrigação SLN 2006, é qualificável como actividade de intermediação financeira, abrangida pelo regime do Código dos Valores Mobiliários, na redacção em vigor à data da subscrição.

Nos termos da fundamentação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido em processo no qual estavam em causa o mesmo produto financeiro e as mesmas entidades financeiras, diferindo apenas a pessoa do investidor, termos que são, por isso, válidos para o caso dos autos:

«Enquanto intermediário financeiro, o Banco tratou da comercialização, aos seus balcões, das Obrigações SLN, executando ordens de subscrição –  que lhe foram transmitidas pelo Autor –  das obrigações emitidas por uma terceira entidade – a SLN-Sociedade Lusa de Negócios, S.A. [artigos 289.°, n.°1, 290.°, n.°1, al. b) e 293.°, n.°1, al. a), todos do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.°486/99, de 13 de novembro], donde resulta a qualificação jurídica da intervenção do Banco como um serviço e uma atividade de intermediação financeira e o contrato celebrado entre o Autor e a Ré um contrato de intermediação financeira (...).

Atendendo ao papel dos “denominados intermediários financeiros, cuja função é, precisamente, promover (de forma interessada) a conciliação entre as duas vontades de sentido oposto mas convergente, fazendo com que as poupanças dos (potenciais) investidores sejam eficientemente afetadas à atividade de quem as procura – cabe-lhes, pois relacionar e conciliar a oferta e a procura de valores mobiliários (…) dúvidas não há que a formação de decisões de investimento informadas e a prevenção de lesões dos interesses patrimoniais dos clientes investidores não deixarão de figurar como corolário dos deveres a que os intermediários financeiros estão vinculados.” (...)

Assim, os intermediários financeiros na qualidade de agentes económicos especialmente qualificados que, no mercado de valores mobiliários, prestam, simultaneamente, aos emitentes e aos investidores, contra remuneração, os serviços de realização das transações por sua conta (ou seja, propiciam o encontro entre os investidores/aforradores e os emitentes/captadores de fundos) e estão obrigados a providenciar ao investidor todos os elementos necessários à tomada de decisões esclarecidas de investimento. Daí que, de entre os deveres dos intermediários financeiros previstos especialmente no Código de Valores Imobiliários (CVM), ressaltem, entre outros, os deveres de informação ao cliente.

Enquanto intermediário financeiro [cf. artigos 289.°, n.°1, al. a) e 290.°, n.° 1, al. c) do CVM] o banco estava obrigado ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.° a 342.° do CVM.».

8.1. Entre esses deveres assumem especial relevância os deveres de informação, considerando-se, mais uma vez nos termos da fundamentação do AUJ n.º 8/2022, que:

«[A] informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.».

O não cumprimento ou o cumprimento defeituoso dos deveres de informação gera responsabilidade civil, conforme enunciado na fundamentação do AUJ n.º 8/2022, que vimos seguindo de perto:

«O artigo 314.º, n.º 1, do CVM, estabelece que “os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.”

E, no seu n.º 2, por sua vez, refere que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Estabelece-se neste preceito a responsabilidade do intermediário financeiro em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública.

No que respeita à regra do n.º 2 do artigo 314.º, estabelece-se a presunção de culpa do intermediário financeiro se o dano for causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja causado pela violação dos deveres de informação (...).

Trata-se de uma presunção de culpa ilidível, suscetível de prova do contrário (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).».

8.2. Temos, assim, que, no que se refere aos pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro – ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre a ilicitude/não cumprimento do dever de informação e o dano –, se tem como assente que a culpa se presume, tendo-se, porém, suscitado dúvidas na jurisprudência deste Supremo Tribunal, sobre quem recai o ónus da prova da ilicitude e do nexo de causalidade entre a ilicitude/não cumprimento do dever de informação e o dano.

Estas dúvidas foram resolvidas da seguinte forma pelo Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, na decisão uniformizadora (AUJ n.º 8/2022) a que vimos fazendo referência:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.».


8.3. Tendo-se igualmente gerado, na jurisprudência deste Supremo Tribunal, controvérsia significativa em torno dos parâmetros pelos quais o cumprimento dos deveres de informação deve ser aferido, a mesma decisão uniformizadora (AUJ n.º 8/2022) unificou a jurisprudência no seguinte sentido:

«2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.».

Procuremos aplicar esta orientação ao caso sub judice.

Relevam os seguintes factos provados:

7º. Aquando da subscrição do produto financeiro, a representante do A. foi informada pelo Dr. CC, à data gerente da agência bancária do ... em ..., de que o reembolso do capital era garantido, característica essa que foi devidamente transmitida ao A., e sem a qual jamais teria sido adquirido o produto em questão.

9º. O boletim de subscrição encontrava-se emitido em papel que apresentava timbre do então “BPN”, indicando a sua designação comercial e sede social, criando assim no A. a expectativa que estava a subscrever um produto financeiro do próprio banco, ora R., e nunca de uma entidade terceira.

12º. Não obstante o A. ser uma pessoa de conhecimento médio, não tem conhecimentos específicos nem particulares quanto aos produtos bancários comercializados pela banca, desconhecendo as suas especificidades e considerações, confiando, e seguindo por isso mesmo as sugestões do seu Gestor de Conta.

13º. No documento de suporte de venda do referido produto financeiro, distribuído aos colaboradores para a comercialização e colocação destas obrigações aos investidores é mencionado, como “argumentário de venda”, que o produto tem capital garantido e elevadas taxas de remuneração, conforme DOC.3 que se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

14º. O réu conseguiu fazer crer ao autor que o reembolso do capital era absolutamente garantido, sendo que mais tarde veio a negar tal informação.

Perante a factualidade dada como provada, da aplicação dos parâmetros constantes do ponto 2. do AUJ n.º 8/2022 resulta forçoso concluir-se que, no caso dos autos, e tal como entendeu o tribunal ‘a quo’, o Banco BPN desrespeitou os deveres de informação a que se encontrava adstrito, sendo, pois, ilícita a sua conduta.


8.4. Assinala-se que a verificação dos demais pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro não foi objecto de apreciação pelo tribunal a quo, nem tampouco tal verificação foi posta em causa no presente recurso de revista, pelo que sobre a mesma não cabe pronunciar-nos.

9. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 30 de Novembro de 2022


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Catarina Serra

Paulo Rijo Ferreira